A verdade das privatizações do governo FHC
Aproveite a política de
privatizações do governo brasileiro. Confira nas páginas seguintes os grandes
negócios que foram feitos com as privatizações – “negócios da China” para os
“compradores”, mas péssimos para o Brasil.
Antes de vender as empresas
telefônicas, o governo investiu 21 bilhões de reais no setor, em dois anos e
meio. Vendeu tudo por uma “entrada” de 8,8 bilhões de reais ou menos – porque
financiou metade da “entrada” para grupos brasileiros.
Na venda do Banco do Estado do
Rio de Janeiro (Banerj), o “comprador” pagou apenas 330 milhões de reais e o
governo do Rio tomou, antes, um empréstimo dez vezes maior, de 3,3 bilhões de reais,
para pagar direitos dos trabalhadores.
Na privatização da rodovia dos
Bandeirantes, em São Paulo, a empreiteira que ganhou o leilão está recebendo
220 milhões de reais de pedágio por ano desde que assinou o contrato – e até
abril de 1999 não começara a construção da nova pista.
A Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) foi comprada por 1,05 bilhão de reais, dos quais 1,01 bilhão em “moedas
podres” – vendidas aos “compradores” pelo próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), financiadas em 12 anos.
Assim é a privatização
brasileira: o governo financia a compra no leilão, vende “moedas podres” a
longo prazo e ainda financia os investimentos que os “compradores” precisam
fazer – até a Light recebeu um empréstimo de 730 milhões de reais no ano passado.
E, para aumentar os lucros dos futuros “compradores”, o governo “engole”
dívidas bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente e até aumenta
tarifas e preços antes da privatização. Aproveite você também, conheça os
detalhes neste livro.
E veja, nas páginas 65 a 68, um
balanço das contas que o governo está escondendo. Promessas e fatos Irritada,
tentando há 15 minutos utilizar um orelhão, Maria coloca o telefone no gancho e
desabafa:
– Esse demônio só liga em número
errado... É o terceiro orelhão com defeito em que estou tentando, e preciso
falar urgente com meu filho, que vai sair para a escola...
– É, tá um inferno mesmo –
retruca o Zé, no orelhão ao lado. –
E olhe que já estou sendo forçado
a vir fazer ligações no orelhão porque o telefone lá de casa está mudo há duas
semanas... E disseram que tudo ia melhorar com a tal privatização... “Telefone instalado,
já, já, até em São José da Tapera”. Lembra do anúncio na televisão? Este
país...Diálogos igualmente indignados repetiram-se aos milhares, nas principais
cidades brasileiras, nos últimos meses. Não apenas por causa das “telefônicas”,
hoje tristemente famosas, mas também em razão dos desastrosos “apagões” da
Light, da Eletropaulo, do “raio de
Bauru”... Ou dos postos de pedágios que brotaram como cogumelos nas rodovias de
São Paulo, Paraná etc., antes mesmo de as empreiteiras “compradoras” terem
executado um único centímetro de pista nova... Ou dos bancos, que fecham agências
em cidades onde eram os únicos a atender à população... Ou das ferrovias, que
não cumprem metas, mas aumentam os fretes... Ou dos fertilizantes, defensivos,
remédios para o gado, antes produzidos no país e agora importados e, por isso
mesmo, pagos em dólar pelos agricultores...
Todos esses desastres já criaram
a convicção de que o famoso processo de privatização no Brasil está cheio de
aberrações. Não foi feito para “beneficiar o consumidor”, a população, e sim
levando em conta os interesses – e a busca de grandes lucros – dos grupos que
“compraram” as estatais, sejam eles brasileiros ou multinacionais. Mas há
mentiras ainda maiores a serem descobertas pelos brasileiros, destruindo os
argumentos que o governo e os meios de comunicação utilizaram para privatizar
as estatais a toque de caixa, a preços incrivelmente baixos.
A venda das estatais, segundo o governo,
serviria para atrair dólares, reduzindo a dívida do Brasil com o resto do mundo
– e “salvando” o real. E o dinheiro arrecadado com a venda serviria ainda,
segundo o governo, para reduzir também a dívida interna, isto é, aqui dentro do
país, do governo federal e dos estados. Aconteceu o contrário: as vendas foram
um “negócio da China” e o governo “engoliu” dívidas de todos os tipos das
estatais vendidas; isto é, a privatização acabou por aumentar a dívida interna.
Ao mesmo tempo, as empresas multinacionais ou brasileiras que “compraram” as
estatais não usaram capital próprio, dinheiro delas mesmas, mas, em vez disso,
tomaram empréstimos lá fora para fechar os negócios. Assim, aumentaram a dívida
externa do Brasil. É o que se pode demonstrar, na ponta do lápis, neste
“balanço” das privatizações brasileiras, aceleradas a partir do governo
Fernando Henrique Cardoso.
Na surdina, governo garantiu tarifas altas
Houve uma intensa campanha contra
as estatais nos meios de comunicação, verdadeira “lavagem cerebral” da
população para facilitar as privatizações. Entre os principais argumentos,
apareceu sempre a promessa de que elas trariam preços mais baixos para o
consumidor, “graças à maior eficiência das empresas privadas”. A promessa era
pura enganação. No caso dos serviços telefônicos e de energia elétrica, o
projeto de governo sempre foi fazer exatamente o contrário, por baixo do pano,
ou na surdina.
Como assim? Antes de mais nada, é
preciso relembrar um detalhe importante: antes das privatizações, o governo já
havia começado a aumentar as tarifas alucinadamente, para assim garantir
imensos lucros no futuro aos “compradores” – e sem que eles tivessem de
enfrentar o risco de protestos e indignação do consumidor. Para as telefônicas,
reajustes de até 500% a partir de novembro de 1995 e, para as fornecedoras de
energia elétrica, aumentos de 150% – ou ainda maiores para as famílias de
trabalhadores que ganham menos, vítimas de mudanças na política de cobrança de
tarifas menores (por quilowatt gasto) nas contas de consumo mais baixo. Tudo
isso aconteceu como “preparativo” para as privatizações, antes dos leilões. Mas
o importante, que sempre foi escondido da população, é que, em lugar de assinar
contratos que obrigassem a Light e outros “compradores” a reduzir gradualmente
as tarifas – como foi obrigatório em outros países –, o governo garantiu que
eles teriam direito, no mínimo, a aumentar as tarifas todos os anos, de acordo
com a inflação. Isto é, o governo fez exatamente o contrário do que jornais,
revistas e TVs diziam ao povo brasileiro, que acreditou em suas mentiras o
tempo todo. Além dessa garantia de reajustes anuais de acordo com a inflação,
os “compradores” das empresas de energia podem também aumentar preços se houver
algum “imprevisto” – como é o caso da maxidesvalorização do real ocorrida no
começo de 1999...
E os preços cobrados pelas
“compradoras” das telefônicas? Para elas, apesar dos mega-aumentos ocorridos
antes da privatização, a obrigatoriedade de reduzir as tarifas dos serviços
locais – os mais usados pela população, sobretudo pelo “povão” – somente começa
a partir do ano... 2001. Ou seja, o governo, na surdina, combinou que as
tarifas não deveriam cair em 1998, 1999 e 2000. E tem mais: para esses mesmos
serviços locais, a queda máxima “combinada” é de 4,9% no total. Quando? Até
2005. Sete anos depois da privatização, o consumidor só terá 4,9% de redução
acumulada. Bem ao contrário do que o governo e os meios de comunicação
afirmaram.
Qualidade dos serviços, outra mentira
O governo enganou a sociedade,
também, com o anúncio de rápida melhoria na qualidade dos serviços e a promessa
de punição para os “compradores” das estatais que não atingissem as metas definidas
nos contratos. Utilizando como exemplos, ainda, os setores de energia e
telefonia, pode-se comprovar essas mentiras. O governo e os meios de
comunicação sempre esconderam que as metas estabelecidas para os “compradores”
das telefônicas somente passariam a valer a partir de... dezembro de 1999. Isto
é, na prática, os “compradores” poderiam deixar de atender os consumidores, ou
não melhorar substancialmente os serviços, durante todo o segundo semestre de
1998 e o ano inteiro de 1999. Por quê?
Como as metas valem somente a
partir do ano 2000, a Anatel (Agência
Nacional de Telecomunicações), pretensamente encarregada de fiscalizar o setor,
nada poderia fazer contra os abusos, a não ser advertências... Tudo “combinado”
com os “compradores”. Foi exatamente essa alegação, a de que as metas valeriam
somente a partir de 2000, que a Anatel usou durante quatro meses, de dezembro
de 1998 a março de 1999, para não tomar nenhuma providência contra os desmandos
da Telefônica em São Paulo.
Somente com a imensa grita da
população, desta vez merecedora de atenção dos meios de comunicação, o governo
finalmente se movimentou e puniu estas empresas, com base na lei que reformulou
o sistema de telecomunicações, e havia sido posta de lado nos contratos.
Há quem acredite na boa-fé do
governo e julgue que essas estranhas “bondades” foram provocadas apenas por
incompetência...
Há quem prefira, porém, a
hipótese de que foi tudo um jogo de cartas marcadas, para permitir que os
“compradores” adiassem gastos e investimentos para a melhoria dos serviços.
E para a Light e outras empresas
fornecedoras de energia elétrica? Aqui, a “bondade” do governo bateu recordes.
No caso da Light,o contrato previu – isto mesmo, previu – e autorizou a piora
dos serviços, pois permitiu um número maior de blecautes ou “apagões”, e também
de interrupções mais prolongadas no fornecimento de energia. Incrível? Pois
essa “piora autorizada” foi denunciada antes mesmo da assinatura do contrato
com a Light,por uma organização não-governamental do Rio, o Grupo de Acompanhamento
Institucional do Sistema de Energia, do qual o físico Luís Pinguelli Rosa é um
dos integrantes.
Como se não bastasse, a multa
fixada para as empresas de energia que desrespeitarem até os limites
“simpáticos” combinados com o governo é absolutamente ridícula. Quanto? Apenas
0,1% do faturamento anual. Ou seja, se a Light ou a Eletropaulo ou a Companhia
Paulista de Força e Luz (CPFL) faturarem 1,2 bilhão de reais em um ano, a multa
será de apenas 1,2 milhão de reais... Deu para entender a jogada? Se as
empresas privatizadas deixarem de investir 100 milhões, 200 milhões ou 400
milhões de reais para atender os moradores, as indústrias, as empresas de
determinada região ou cidade, pagarão apenas 1,2 milhão de reais de multa...
Isso não é multa. É prêmio do governo aos “compradores”.
Por que é tão fácil as privatizadas lucrarem
– Ah, mas as estatais sempre dão
prejuízos, tiram dinheiro da saúde e da educação... É incrível como essas
empresas estão dando lucros, logo no primeiro ano depois da privatização...
Esse argumento também foi
largamente repetido para a população. Ele também é falso. Ponto por ponto,
pode-se explicar as razões dos “lucros” rápidos das empresas privatizadas:
• TARIFAS
E PREÇOS – os reajustes de 100%, 300%, 500% antes da privatização
garantem lucros aos novos donos. E há aumentos até de última hora, como o
reajuste de 58% para as contas de energia no Rio, poucos dias antes do leilão
da Light.
•
DEMISSÕES – também antes de privatizar, o governo tem feito demissões
maciças de trabalhadores das estatais, isto é, gastou bilhões com o pagamento
de indenizações e direitos trabalhistas, que na verdade seriam de
responsabilidade dos “compradores”.
Exemplos:
o governo de São Paulo demitiu 10.026 funcionários de sua empresa ferroviária,
a Fepasa, de 1995 a 1998. E ficou ainda responsável pelo pagamento a 50 mil
(!!!) aposentados da ferrovia. No Rio, o governo do estado, antes da
privatização, incumbiu-se de demitir nada menos que a metade – mais exatamente 6.200
– dos 12 mil funcionários do seu banco, o Banerj. Com essas demissões, além de
se livrar do pagamento de indenizações e aposentadorias, os “compradores”
receberam também folhas de pagamento mais baixas, mês a mês – e isso vale para
quase todas as estatais privatizadas.
• DÍVIDAS
“ENGOLIDAS” – esse é um ponto que nunca ficou claro para o povo
brasileiro: ao longo de 30 anos, desde o final dos anos 1960, o governo frequentemente
usou as estatais para “segurar” a inflação ou beneficiar certos setores da
economia, geralmente por serem considerados “estratégicos” para o país. Como
assim? Houve períodos em que o governo evitou reajustes de preços e tarifas de produtos
(como o aço) e serviços fornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as
pressões e controlar as taxas de inflação. Esses “achatamentos” e
“congelamentos” de preços foram os principais responsáveis por prejuízos ou
baixos lucros apresentados por algumas estatais, que passavam a acumular dívidas
ao longo dos anos – sofrendo então nova “sangria” de recursos, representada pelos
juros que tinham de pagar sobre essas dívidas. Certo ou errado, as estatais
foram usadas como arma contra a inflação por governos que achavam que o combate
à carestia era a principal prioridade do país. O mal é que nunca foi
suficientemente explicado à população que essa decisão arruinava as empresas
estatais, dando motivo a falsas acusações de “incompetência” e “sacos sem
fundo” contra elas.
Quando veio a onda das
privatizações, o governo fez exatamente o contrário. Primeiro, como visto
acima, aumentou os preços (até 300%, no caso do aço) e tarifas (até 500%,repita-se)
cobrados pelas empresas que seriam privatizadas. Mas – o que é espantoso – o
governo fez muito mais: “engoliu”, passou para o Tesouro, dívidas que eram das
estatais, bilhões e bilhões de reais que deveriam ser pagos pelos “compradores”
– mesmo que esse pagamento fosse feito a longo prazo, mediante acordo com os
credores. Exemplos? Na venda da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista), o
governo ficou responsável por dívidas de 1,5 bilhão de reais (além de o governo
paulista ter adiado o recebimento de 400 milhões de reais em ICMS atrasado).
Quanto o governo recebeu pela venda? Só 300 milhões de reais. Isto é, o governo
“ganhou” uma dívida de 1,5 bilhão reais, e os “compradores” pagaram somente 300
milhões. A venda da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de Volta Redonda, não
foi diferente: o governo “engoliu” dívidas de no mínimo 1 bilhão de reais.
Então, pode-se entender que, com essa política, ficou muito fácil para os “compradores”
terem grandes lucros rapidamente: já no primeiro ano, além das tarifas e preços
majorados, além da folha salarial reduzida, eles se livraram de pagar
prestações dessas dívidas, bem como os juros sobre elas. Receberam as empresas
“limpinhas”, prontas para os lucros. É a essa política que o governo chama de “saneamento
das estatais”, preparatório para a privatização. Quem não quer?
• DÍVIDAS
TRANSFERIDAS – aqui, cabe um parêntese importante. O governo, quando
divulga os resultados do processo de privatização, sempre gosta de dizer que,
além do preço da “venda”, deve-se levar em conta, ainda, as dívidas que aquelas
estatais apresentavam, e que foram transferidas para o comprador. Nesse
argumento, há uma dupla mentira. Primeiro, como foi demonstrado acima, há
dívidas que o governo “engole”, e sobre as quais ele e os meios de comunicação
nunca falam... Em segundo lugar, no caso das dívidas que permanecem sob
responsabilidade dos “compradores”, é preciso lembrar que eles vão contar com o
faturamento da própria empresa para pagá-las. Ao contrário do governo, que fica
com as dívidas “engolidas” e tem de pagá-las com dinheiro do Tesouro, dos
impostos, ou seja, de toda a população brasileira.
• FUNDOS
DE PENSÃO – exatamente como as grandes empresas privadas, também as
empresas estatais mantêm planos especiais de aposentadoria ou planos de pensão
para seus funcionários.
Em vários casos, os “compradores”
ficaram livres também desses compromissos. Como assim? O governo – estados ou
União – “transferiu” os aposentados para sua folha de pagamentos ou se
responsabilizou, no caso dos fundos de pensão, pelo pagamento dos benefícios
aos funcionários existentes. No caso da Fepasa, o número de aposentados que
“ficaram” com o governo chega a nada menos de 50 mil. No entanto, o mais
escandaloso foi o caso do Banco do Estado do Rio de Janeiro. Para privatizá-lo,
o governo “engoliu” todos os compromissos futuros do plano de pensão dos
funcionários. Para isso, o então governador Marcello Alencar tomou um
empréstimo de nada menos de 3,3 bilhões de reais, mesmo sabendo que o banco
seria vendido por apenas 330 milhões de reais, isto é, um preço dez vezes
menor. Pior ainda: esse valor foi pago em “moedas podres”, negociadas no
mercado com desconto de 50%, ou seja, os 330 milhões de reais representavam
mesmo, no final das contas, apenas 165 milhões de reais,ou praticamente 20
vezes menos do que o valor do empréstimo de 3,3 bilhões... Tudo para livrar os
“compradores” de futuros gastos. Essa operação escandalosa agravou os problemas
financeiros do Rio, como o novo governador, Anthony Garotinho, não se cansa de
apontar.
Mais dinheiro nosso para aumentar lucros
Até aqui, foram apontadas algumas
das causas dos lucros que as empresas privatizadas apresentam rapidamente, e
que a imprensa gosta de elogiar: aumento de preços e tarifas, demissões antes
da privatização, dívidas “engolidas” pelo governo, compromissos dos fundos de
pensão e das aposentadorias também “engolidos” pelo governo. Mas há outras
vantagens incríveis que engordam os lucros dos “novos donos”, sempre à custa do
dinheiro do contribuinte, do nosso dinheiro.
•
PREJUÍZOS BONDOSOS – existe uma vantagem, sobre a qual nunca se fala, de
que desfrutam os “compradores” de bancos estatais – à custa da Receita Federal,
do pagamento de impostos. Eles podem utilizar os prejuízos que os bancos
estatais “comprados” por eles tenham sofrido nos últimos anos e acumulado nos
balanços. Utilizar como? Eles podem “pegar” esse prejuízo e subtraí-lo do seu
próprio lucro, reduzindo-o e, portanto, diminuindo também o Imposto de Renda
que deveriam pagar. Com esse mecanismo, chamado de “crédito tributário”, o
banco “comprador” do gaúcho Meridional pode utilizar um prejuízo de 230 milhões
de reais (do banco “comprado”) em seu benefício. Quanto ele havia pago pelo
Meridional? Apenas 267 milhões de reais. Como utilizou os 230 milhões de reais,
o seu “gasto” para comprar o banco seria, na verdade, de meros 37 milhões de
reais. Quem se interessar por maiores detalhes sobre essas operações deve
consultar a magnífica reportagem da jornalista Maria Christina de Carvalho,publicada
pela Gazeta Mercantil em 17 de novembro de 1998.
• DINHEIRO
EM CAIXA – por incrível que possa parecer, há estatais que foram
vendidas com “dinheiro em caixa”, isto é, dinheiro que os compradores receberam
de mão beijada. A Vale do Rio Doce foi entregue a Benjamin Steinbruch com 700
milhões de reais em caixa, segundo noticiário da época. Ou, mais inacreditável
ainda, simplesmente espantoso: a Telesp tinha nada menos que 1 bilhão (com
letra b, mesmo) em caixa ao ser entregue à espanhola Telefônica, segundo
entrevista do diretor da empresa “compradora” à Gazeta Mercantil, em janeiro de
1999, logo após a queda do real.
Lembrete: a Telefônica pagou uma
entrada de 2,2 bilhões de reais pela Telesp. Descontando-se o dinheiro em
caixa, seu desembolso na verdade foi de apenas 1,2 bilhão.
Vendas a prestação
Outro motivo para o aumento dos
lucros dos “compradores” (e novos “rombos”, se as contas forem bem feitas, para
o governo): na maioria das privatizações, o valor está sendo pago em prestações,
e com juros vergonhosamente baixos, se comparados com as taxas normais no
Brasil ou, mais ainda, com as taxas que o governo tem pago sobre sua dívida
cada vez mais alta. Na venda das redes ferroviárias, por exemplo, houve uma
entrada de 10% a 20% do valor, com prazo, no total, de nada menos de 30 anos.
Isto é, nesses três primeiros
anos o “comprador” recebe dinheiro,fatura, utilizando o patrimônio formado pelo
Estado ao longo de décadas, e nada paga (e atenção: ainda recebe empréstimos do
BNDES para “investir”). Mesmo no caso das teles houve parcelamento,
cuidadosamente escondido por todo o noticiário: a entrada era apenas de 40%,
seguida de duas parcelas de 30% cada, a vencerem daí a um e dois anos,
respectivamente. Os comentaristas dos jornais e TVs, ou as reportagens sobre a
venda, repisavam o tempo todo que o governo iria receber 13,5 bilhões de reais
(preço mínimo pedido no leilão), ou “quatro vezes o valor recebido pela Vale do
Rio Doce” (sic). Era mentira. A entrada seria de apenas 5,4 bilhões de reais,
ou 40% daquele valor. E, quando as teles afinal foram vendidas por 22,2 bilhões
de reais, os meios de comunicação trombetearam o tempo todo que o governo
usaria aquela “dinheirama” para reduzir a dívida... Continuavam a esconder que,
na verdade, o governo só receberia 40% desse valor – 8,8 bilhões de reais. (De
fato, receberia menos ainda, considerandose que o governo financiaria, por meio
do BNDES, 50% da entrada, quando o comprador fosse uma empresa nacional, mesmo
que ela fosse apenas participante de um consórcio).
“Moedas podres” e truques...
Nas primeiras privatizações, o
governo chegou a aceitar que o pagamento fosse totalmente feito em “moedas
podres”, isto é, títulos antigos emitidos pelo governo e que podiam ser
comprados por até 50% do seu valor. A própria Companhia Siderúrgica Nacional
foi “vendida” no leilão por 1,05 bilhão de reais, mas esse valor foi pago em
sua quase totalidade, ou 1,01 bilhão de reais, com “moedas podres”, com apenas
38 milhões de reais pagos em dinheiro. Em outras palavras, foi nula a entrada
de dinheiro nos cofres do governo, que na prática apenas recebeu de volta uma parcela
de sua dívida em títulos (exemplo: Títulos da Dívida Agrária, espécie de
“promissória”, a ser paga ao longo dos anos, entregue a proprietários rurais
que tiveram suas fazendas desapropriadas). E os grupos “compradores”? Usaram
títulos, que compraram pela metade do preço, para “pagar” ao governo, isto é,
na verdade compraram as estatais pela metade do preço anunciado. Há mais surpresas,
porém: por incrível que pareça, e o que é geralmente desconhecido pela opinião
pública, mesmo “moedas podres” usadas nos leilões também foram vendidas a
prestação, financiadas pelo BNDES. Como assim? Era o próprio banco do governo
que tinha “moedas podres” guardadas e as colocava em leilão, para os interessados
em “comprar” estatais, em condições incríveis: até 12 anos para pagar e com
juros privilegiados.
No final das contas: o governo
vendeu empresas aceitando “moedas podres” que estavam com o BNDES, que vendeu
essas moedas para pagamento em até 12 anos, para os compradores das estatais.
Ou ainda: os compradores não precisaram desembolsar dinheiro vivo nem mesmo
para comprar as “moedas podres” usadas para pagar o governo... Sem gastar,
viraram “donos” de estatais construídas com dinheiro – bilhões de reais – de
todos nós, brasileiros, ao longo de décadas...... e mais financiamentos
Em resumo, o governo está
vendendo empresas a prestação, fornecendo “metade” da “entrada” nos leilões,
financiando até a “compra” de “moedas podres”... Mas não se contenta com isso.
Os felizes “compradores” das estatais brasileiras têm ainda novos presentes à
sua espera: o BNDES lhes oferece empréstimos bilionários,depois que eles tomam posse das
empresas, para executarem –com dinheiro do banco estatal, logo nosso – os
“investimentos” que se comprometeram a fazer.
Ninguém se espante: depois do caos
nos serviços de energia elétrica no Rio, no começo de 1998, a Light ganhou um
empréstimo de nada menos que 730 milhões de reais do BNDES. A Companhia
Siderúrgica Nacional, comprada com “moedas podres” financiadas, também foi
imediatamente presenteada com um empréstimo de 1,1 bilhão de reais do BNDES
para execução de um plano de expansão de cinco anos. Tudo, sempre, com juros
privilegiados, abaixo dos níveis de mercado. Explicam-se, assim, os rápidos e
crescentes lucros dos “compradores” de estatais... Com dinheiro nosso, a baixo
custo.
Como aumentar a dívida e abalar o
real Para coroar tudo isso, não se deve esquecer que o governo fez investimentos
maciços, bilionários, nos meses que antecederam os leilões de “venda” das
estatais. Isto é, com esses investimentos, o governo está criando novas e
formidáveis fontes de renda, de faturamento, para os “compradores” – que,
assim, já têm garantido um salto fantástico nos lucros, falsamente atribuídos
pelos meios de comunicação à sua “eficiência”.
Exemplos? O governo investiu 4,7 bilhões de
reais na Açominas, antes de privatizá-la. Gastou também 1,9 bilhão na CSN.
Telebrás, o escândalo
Mas o caso mais escandaloso de
“investimentos para enriquecer os compradores” foi o do sistema Telebrás. Em
1996, o governo duplicou os investimentos nas teles, alcançando 7,5 bilhões de reais,
chegou aos 8,5 bilhões de reais em 1997 e investiu mais 5 bilhões de reais no
primeiro semestre de 1998, totalizando, portanto, 21 bilhões de reais de
investimentos em dois anos e meio.
Uma “gastança” ainda mais
estranha se lembrarmos que naquela época o Brasil já caminhava para a crise, o
que forçou o governo a lançar seu primeiro programa de “ajuste fiscal” em fins
de 1997 –levando a violentas reduções nos gastos, inclusive nas áreas da saúde,
educação, verbas para o Nordeste etc. Com essa “dinheirama”, o governo ampliou
as redes, instalações, estações, cabos, toda a infraestrutura do sistema
telefônico, deixando tudo pronto para as telefônicas chegarem, puxarem as
linhas até a casa do freguês e começarem a faturar para seus próprios cofres.
Lucros obtidos com dinheiro nosso. Mas, neste Brasil em que a mentira campeia solta,
as empresas “compradoras” dizem, e os meios de comunicação repetem, que os
problemas surgidos depois da privatização se devem à “falta de investimentos”
no período em que elas eram do governo. A mesma mentira repetida, também, pelos
“compradores” das empresas paulistas de energia elétrica já privatizadas...
O governo não tinha outro caminho?
A febre da privatização e o
impulso ao chamado neoliberalismo tiveram seu ponto de partida na Inglaterra,
com a primeira-ministra Margaret Thatcher. Mas mesmo a “dama de ferro” fez tudo
diferente do governo Fernando Henrique Cardoso: a privatização inglesa não
representou a doação de empresas estatais, a preços baixos, a poucos grupos
empresariais. Ao contrário: seu objetivo foi exatamente a “pulverização” das
ações, isto é, transformar o maior número possível de cidadãos ingleses em
“donos” de ações, acionistas das empresas privatizadas. Não foi só blablablá,
não. O governo inglês criou “prêmios”, incentivos para qualquer cidadão comprar
ações: quem não as revendesse antes de certo prazo tinha o direito de “ganhar”
determinadas quantias, em datas já marcadas no momento da compra (o sistema se baseava
na distribuição de customer vouchers, espécie de cupons que eram trocados por
dinheiro, nos prazos previstos). Ou ainda: após três anos, os acionistas que
tivessem guardado as ações podiam ganhar também “lotes extras” dos títulos,
geralmente na proporção de 10% sobre o número de ações compradas. Isto na
Inglaterra de Thatcher, nos anos 1980.
Mais recentemente, a Itália também partiu para a
privatização.
Como na Inglaterra, houve a
preocupação de “democratizar”, garantir a distribuição do patrimônio nacional,
evitar a concentração da renda. Como os italianos não eram tão adeptos de
aplicações em bolsas quanto os norte-americanos ou os ingleses, o governo
procurou vencer suas resistências com uma fórmula atraente: o comprador de
ações, se houvesse queda nas Bolsas ou por outro motivo qualquer, poderia
receber seu dinheiro de volta, com juros de 3% a 4% acima das taxas do mercado
internacional, que ele ganharia se tivesse aplicado em títulos de renda fixa
(isto é, que só rendem juros).
Na França, a mesma coisa. Na
privatização parcial das empresas de telecomunicações, em 1998, nada menos de 4
milhões de franceses compraram ações, graças aos atrativos oferecidos pelo governo.
Povo duplamente lesado
O governo Fernando Henrique
Cardoso implantou as privatizações a preços baixos, financiou os “compradores”,
sempre alegando não haver outros caminhos possíveis. A experiência de outros países,
que a equipe de governo conhecia muito bem, mostra que essa argumentação é
falsa. Como foi possível ao governo agir com tal autoritarismo, transferindo o
patrimônio público, acumulado ao longo de décadas, a poucos grupos empresariais
que nem sequer tinham dinheiro para pagar ao Tesouro? Como explicar a falta de
reação da sociedade?
Sem sombra de dúvida, os meios de
comunicação, com seu apoio incondicional às privatizações, foram um aliado
poderoso. Houve a campanha de desmoralização das estatais e a ladainha do
“esgotamento dos recursos do Estado”. Mais ainda: a sociedade brasileira perdeu
completamente a noção – se é que a tinha – de que as estatais não são empresas
de propriedade do “governo”, que pode dispor delas a seu bel-prazer.
Esqueceu-se de que o Estado é mero “gerente” dos bens, do patrimônio da
sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada cidadão, portanto
a todos os cidadãos, e não ao governo federal ou estadual. Essa falta de
consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação, explica a
indiferença com que a opinião pública viu o governo doar por 10 o que valia
100. Um “negócio da China” que, em sua vida particular, nenhum trabalhador,
empresário, nenhuma família de classe média ou o povão aceitariam. Qual seria a
reação de qualquer brasileiro, por exemplo, se um vizinho rico quisesse comprar
sua casa, que valesse 50 mil ou 100 mil, por 5 mil ou 10 mil? Reagiria
violentamente. No entanto, centenas e centenas de bilhões de reais de
patrimônio público, isto é, de propriedade dos milhões de brasileiros, foram
“vendidos” dessa forma, sem grandes protestos a não ser nas áreas sindicais ou
oposicionistas – que, por isso mesmo, tiveram seu espaço nos meios de comunicação
devidamente cortado, tornado quase inexistente, nos últimos anos.
A “doação” do patrimônio público empreendida pelo governo
Fernando Henrique Cardoso tem um
agravante. O governo poderia ter imitado o modelo de outros países, como dito.
Mas havia ainda outro aspecto, no caso brasileiro, que não apenas aconselhava,
mas exigia, o caminho da “pulverização” de ações das empresas privatizadas.
Qual? O governo já tem dívidas com os trabalhadores, cerca de 50 bilhões a 60
bilhões de reais, representadas pelo dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS)e do PIS/Pasep (Plano de Integração Social/Programa de Formação
de Patrimônio do Servidor Público), que o governo usou para financiar projetos
diversos. Se todos os trabalhadores brasileiros fossem sacar seu PIS ou FGTS ao
mesmo tempo, descobririam que não poderiam receber, porque está “faltando”
aquele dinheiro, tilizado pelo governo. Isto é: quando se diz que o governo
deve a cada João, a cada Maria, a cada Antônio, a cada Joana brasileiros, não é
mera força de expressão. É a pura verdade. O governo poderia ter finalmente
pago essa dívida aos brasileiros, entregando lhes ações das empresas estatais.
Essa hipótese existia no governo Itamar Franco, quando o BNDES planejava
privatizar as estatais usando “moedas sociais” (ou seja, FGTS, PIS/Pasep). Com
a posse de Fernando Henrique Cardoso e sua equipe, a proposta foi abandonada,
para alegria de grupos empresariais.
O trabalhador brasileiro foi
duplamente lesado. Continuou vítima do “calote” do governo, no FGTS e no
PIS/Pasep. E ficou sem as estatais, das quais já era dono.
As contas falsas
O governo repete insistentemente
que a União e os estados arrecadaram 68,7 bilhões de reais com a venda das
estatais, até dezembro de 1998, e que a esse valor é preciso, ainda, somar
outros 16,5 bilhões de reais representados pelas dívidas “transferidas” para os
compradores, totalizando 85,2 bilhões de reais. Minuciosos, os porta-vozes do
governo distribuem até “cálculos”, mostrando quanto o governo teria
desembolsado, no pagamento de juros,sobre essas dívidas “transferidas”. O
argumento é um blefe, por vários motivos:
• DÍVIDAS
“ENGOLIDAS” – já que o governo “calcula” os juros economizados, por que
não calcula também os juros que passou a pagar sobre as dívidas “engolidas”?
Quem é sério usa esse critério.
•
DÍVIDAS DUPLAS – na verdade, no caso das dívidas “transferidas”o cálculo
de “juros” seria um procedimento incorreto. Por quê?
Como já dito anteriormente: com
as tarifas e preços reajustados,com financiamentos a juros favoráveis, com
novos investimentos,as estatais – mesmo se tivessem permanecido nessa condição
– também seriam lucrativas. Pagariam suas dívidas. Portanto, ficariam livres
dos juros ao longo dos anos. Com a “venda”, ocorreu o contrário: o governo
ficou sem as fontes de renda e “engoliu” as dívidas e os juros que será forçado
a pagar com dinheiro do Tesouro, isto é, do contribuinte. Nosso.
•
DIVIDENDOS – tão meticulosos em calcular os juros “economizados”, os
técnicos do governo se esquecem, muito distraídos, de incluir três outros dados
nessas contas. Primeiro: os lucros que as principais estatais sempre apresentaram,
e que teriam de ser subtraídos – se os cálculos fossem feitos com honestidade –
dos “pagamentos de juros” divulgados pelo governo. Segundo: os dividendos que
eram distribuídos ao Tesouro pelas estatais.
Terceiro: a valorização futura
das ações das estatais nas bolsas.
Até tu, Malan?
Tudo somado, contas bem feitas
mostrariam que as privatizações não reduziram a dívida e o “rombo” do governo.
Ao contrário, elas contribuíram para aumentá-los. O governo ficou com dívidas –
e sem as fontes de lucros para pagá-las.Ironicamente, o governo reconheceu isso
com todas as letras.
Na carta de intenções que o
ministro da Fazenda, Pedro Malan, entregou ao FMI (Fundo Monetário
Internacional), inconscientemente, o governo confessa que o equilíbrio das
contas do Tesouro ficou mais difícil porque... o governo deixou de contar com
os lucros que as estatais ofereciam como contribuição para cobrir o rombo até
serem vendidas. Pasme-se, mas é verdade.
• JUROS SUBSIDIADOS – não se deve
esquecer, finalmente, que juros privilegiados nos empréstimos aos “compradores”
representam subsídios, ostensivos ou “invisíveis”, por parte do BNDES ou, indiretamente,
do próprio Tesouro.
Para piorar, até abalos no real
As privatizações não
contribuíram, portanto, para reduzir o “rombo” e as dívidas do Tesouro –
totalmente atolado, em 1999, com o pagamento de juros na casa astronômica dos
130 bilhões de reais.
Uma quantia impagável, já que é
praticamente o valor de todo o orçamento da União em 1999 – excluindo-se a
Previdência –, no montante de 160 bilhões de reais. Pior ainda: a política de
privatizações tampouco desempenhou o outro papel que se anunciava para ela, a
saber, o de criar “novos motores na economia”, com a contratação maciça de
encomendas nas indústrias do país, graças aos investimentos gigantescos
previstos para as áreas de telecomunicações, energia e, em menor escala,
ferrovias – além da área petrolífera.
Ao contrário: com a conivência e
até incentivos do governo, esses setores vêm realizando importações explosivas,
“torrando” dólares e ampliando o “rombo” da balança comercial (exportações
menos importações). Além disso, os “donos” multinacionais das empresas
privatizadas passaram a realizar remessas maciças para o exterior, para seus
países, seja como lucros, dividendos, juros ou até como pagamento de
“assistência técnica” ou “compra de tecnologia” de suas matrizes. Em lugar de
ajudar a tapar o “rombo” externo, a privatização o agravou, e de forma
permanente. Como? Decisões do governo que dessem preferência ao produtor local
poderiam corrigir distorções e levar à redução nas importações. Mas as remessas
às matrizes permanecerão. Para sempre.
Importações, o ralo
Antes mesmo das privatizações, o
governo elevou os investimentos na área de telecomunicações, de 3,5 bilhões
para 7 bilhões de reais por ano, como já
visto. Apesar dessas cifras, o faturamento dos fabricantes brasileiros recuou,
empresas foram fechadas e o desemprego avançou... Razão da contradição? As
grandes multinacionais, já existentes ou atraídas para o setor – e
beneficiadas, mais uma vez, por financiamentos do BNDES –, passaram a importar
maciçamente. Alguns equipamentos de telefonia chegaram a utilizar 97% de peças
e componentes importados – e aparelhos celulares de algumas marcas chegam a
utilizar de 85% a 100% de peças vindas do exterior; isto é, são apenas
“montados” no país.
Quando preparava a privatização,
o governo chegou a acenar com a possibilidade de obrigar as fábricas locais a
usarem pelo menos 35% de peças e componentes nacionais. À medida que o leilão
se aproximava, porém, o governo foi recuando, rebaixou aquela previsão para 20%
de índice de nacionalização e, no final, às vésperas do leilão, descartou
qualquer obrigatoriedade de compra de peças nacionais. Estabeleceu, apenas, que
o BNDES iria financiar fabricantes do país, quando seus produtos competissem com
similares estrangeiros em termos de preço, tecnologia e prazo de entrega. Ao
regulamentar a decisão, porém, houve novo recuo governamental: os financiamentos
serão concedidos às próprias empresas “compradoras” das teles, que terão
liberdade para escolher os fornecedores, mantendo-se a “preferência” pelo
produto nacional, dentro das condições expostas acima. Isto é, tudo apenas para
inglês ver... Resultado: em suas primeiras “concorrências” para a compra de
equipamentos, em março de 1999, a Telefônica, compradora da Telesp de São
Paulo, não convidou uma única empresa brasileira fabricante de peças e
equipamentos para disputar as encomendas. O peso das importações do setor de
telecomunicações no “rombo” da balança comercial pode ser avaliado por estes
dados: de 1993 a 1998, as compras da área de telecomunicações no exterior
aumentaram dez vezes, 1.000%, de 280 milhões de dólares para 2,8 bilhões de
dólares, deixando um déficit setorial de 2,5 bilhões de dólares.
Esses números, ainda por cima,
não retratam o verdadeiro tamanho do “rombo” em dólares provocado pelo setor.
Por quê? Há peças e componentes que são classificados como produtos
“eletrônicos”, embora na verdade se destinem ao setor de telecomunicações. E,
nessa área de eletrônicos, o déficit ganhou dimensões assombrosas, chegando aos
8 bilhões de dólares, com a importação de 11 bilhões de dólares e a exportação
de 3 bilhões de dólares.
Bom notar: o saldo negativo do
setor é superior a todo o “rombo” da balança comercial brasileira, de 6,4
bilhões de dólares. Vale dizer: ele é capaz de devorar o valor das exportações
e os saldos positivos de outros setores – sobretudo a agricultura... No frigir dos
ovos, as privatizações contribuíram para a “torra” de dólares, o “rombo” nas
contas externas e consequentes abalos nas cotações do real.
Redução pelo avesso
Qual o tamanho da sangria de
dólares provocada pelas remessas às matrizes ou fornecedoras localizadas no
exterior? O dado (para todos os setores) é assustador: elas passaram de algo
entre 600 milhões e 700 milhões de dólares por ano para atingir a faixa dos 7,8
bilhões de dólares em 1998. Um salto de 1.000%, ou dez vezes maior. O mesmo
fenômeno ocorreu com o pagamento de “assistência técnica” e “compra de
tecnologia” (manobra usada também para remessa disfarçada de lucros às
matrizes), que saltou de 170 milhões de dólares para 1,7 bilhão de dólares, de
1993 para 1998.
Segundo o governo, as
privatizações estão trazendo dólares para o país. Na prática, elas criaram
saídas fantásticas de dólares, com a ampliação do “rombo” da balança comercial
e das remessas para o exterior. Pior ainda: essas sangrias podiam ser
parcialmente compensadas se os “compradores” trouxessem capitais deles próprios,
tanto para comprar as estatais, no momento do leilão, como depois, para
realizar os investimentos previstos para a “privatizada”. Nem isso acontece,
por incrível contradição da política do governo. Nos próprios leilões, em lugar
de capitais próprios, os “compradores” tomam empréstimos lá fora, e esses
empréstimos são incluídos na dívida externa do país, engrossando também os juros
que o Brasil tem de pagar aos bancos internacionais. É o caso da privatizada
Vale do Rio Doce, que tomou um empréstimo de 1 bilhão de dólares do National
Bank para participar da compra da Light. Ou, o que é mais esdrúxulo ainda: é o
caso da pró- pria Light, já privatizada e com a Vale como uma de suas “donas”, que
tomou um empréstimo de 1,2 bilhão de dólares para comprar a Eletropaulo, de São
Paulo.
Deve-se lembrar, ainda, que o
BNDES, contraditoriamente, passou a financiar parte da “entrada” já nos
próprios leilões de compras, além de conceder empréstimos para os projetos
executados pelos “compradores”. Essa generosidade é uma contradição total por
parte do governo, pois evita, mais uma vez, que os “compradores” sejam forçados
a trazer dólares para o país.
Os empréstimos de longo prazo
para esses projetos das “privatizadas” teriam sido mais vantajosos e menos
ameaçadores do que os capitais especulativos, de curto prazo, que o governo procurou
atrair na tentativa de “salvar” o real, a taxas de juros escorchantes. O
resultado é sabido: “estouro” das contas do Tesouro provocado pelos juros, mais
recessão, perda do crédito internacional, mais crise – e acordo com o FMI.
Adubo para a recessão Implantada
com distorções, a política de privatizações acabou por ser um dos fatores da
recessão, por diversos caminhos. As importações maciças realizadas pelos
“compradores” tiveram um efeito mais devastador do que parecia à primeira
vista. A compra de peças e componentes no exterior, em substituição à produção local,
significou cortes na utilização também de matérias-primas, como plástico,
borracha, metais, devastando setores inteiros, fechando fábricas, cortando
empregos – isto é, puxando a economia do país para o fosso. Além disso, a
própria concentração dos empréstimos do BNDES a esses “compradores” implicou,
na prática, em que as demais áreas e centenas de milhares de empresas continuassem
às voltas com a falta de crédito. Ou, ainda, submetidos a juros elevadíssimos,
enquanto os “clientes” do BNDES desfrutam de taxas baixíssimas, privilegiadas:
chegam a apenas um terço dos juros cobrados no mercado.
As distorções dessa política,
agravadora da recessão, estão refletidas nas estatísticas divulgadas pelo
BNDES, que mostram o salto explosivo nos créditos para o setor de infraestrutura:
eles representaram 48% dos desembolsos em 1998, com 8,2 bilhões de reais sobre
o total de 17 bilhões de reais que o BNDES emprestou.
Em resumo: as privatizações
agravaram o “rombo” externo e o “rombo” interno. A política de crédito do BNDES
agravou a recessão.
Autoria :Aloysio Biondi
Autoria :Aloysio Biondi
Jornalista econômico, colaborou durante 44 anos com reportagens e análises para jornais e revistas. Começou na Folha de S. Paulo em 1956, ocupando o cargo de editor-executivo do caderno de Economia, que o jornal (já) mantinha na época. Ocupou os cargos de secretário de redação da Folha de S. Paulo e da Gazeta Mercantil. Foi diretor de redação do Jornal do Comércio (RJ) e do Diário Comércio & Indústria (SP). Também foi editor de economia das revistas Veja e Visão e editor de mercado de capitais (“pioneiro”, em 1969) de Veja e do jornal Correio da Manhã. Foi diretor editorial do grupo DCI/Shopping News. Ganhou dois Prêmio Esso de Jornalismo Econômico: 1967, revista Visão, e 1970, revista Veja. Faleceu em julho de 2000, na cidade de São Paulo.
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