O complô para desestabilizar Dilma Rousseff, Lula e o Brasil
por Shobhan
Saxena, na The Wire
Partidos
neoliberais, mídia comercial, Judiciário conservador, lobbyistas das
petroleiras, elite branca e grupos de direita, com ajuda abundante que vem de
fora do país, reuniram-se em gangue para derrubar o governo do Brasil. E a
coisa está sendo feita de modo a fazer crer que teria havido um levante popular
contra regime corrupto.
São Paulo:
Em novembro de 2009, The Economist põe o Brasil na capa. "Brasil Takes
Off" [Brasil decola], diz a manchete, sobre uma foto do icônico Cristo
Redentor, como se decolasse sobre o mar azul, feito uma nave espacial. Prevendo
que "o Brasil está a caminho de tornar-se a 5ª maior economia do mundo,
deslocando a Grã Bretanha e a França", a revista dizia que a maior
economia da América do Sul deveria "tomar maior velocidade nos próximos
cinco anos, com a ativação dos campos de petróleo de mar profundo, e os países
asiáticos ainda famintos de alimento e minérios da vasta e dadivosa terra do
Brasil."
Em 2009,
mesmo com o mundo ainda convalescendo de uma catastrófica crise financeira, The
Economist viu o Brasil como a maior esperança do capitalismo global.
Naquele
momento, a revista britânica não era a única apaixonada pelo Brasil. Sob a
liderança de Lula da Silva, o país testemunhava prosperidade sem precedentes e
mudança social. A própria ascensão pessoal de Lula, de menino pobre e empregado
metalúrgico à presidência do maior país da América Latina era material do que
se enchem as lendas. Foi tema de vários livros e de um filme de sucesso. Na
reunião do G-20 em Londres, em abril de 2009, o presidente dos EUA Barrack
Obama disse dele que era "o político mais popular da Terra". E dois
dos maiores espetáculos esportivos – a Copa do Mundo da FIFA (2014) e as
Olimpíadas (2016) – marcados para acontecer no país, o Brasil, há tanto tempo
conhecido como "o país do futuro", pareceu estar chegando finalmente
ao centro do palco global.
Sete anos
adiante, o Brasil já parece um país completamente diferente. Lula, que concluiu
o segundo mandato em 2010, com aprovação de 80% da população, foi detido, esse
mês, para ser interrogado na investigação de um escândalo de corrupção que já
pôs na cadeia alguns de seus camaradas do Partido dos Trabalhadores (PT). A
sucessora de Lula, presidenta Dilma Rousseff enfrenta pedido de impeachment no
Congresso. A economia do país encolheu 3,5% ano passado, e esse ano não verá
melhor resultado. A inflação chegou aos dois dígitos e centenas de milhares de
brasileiros enfrentam o desemprego. E milhões de pessoas tomaram as ruas,
muitos em apoio, muitos em oposição, ao governo. Ninguém parece nem remotamente
preocupado com as Olimpíadas do Rio de Janeiro, que estão a menos de cinco
meses de começarem. E a mídia comercial – global e brasileira – já rifou Lula,
Rousseff e o Brasil.
A história
do Brasil começou a perder grande parte do brilho em 2013, especialmente aos
olhos da mídia-empresa internacional e de negócios. Em setembro de 2013,
novamente The Economist põe o Brasil na capa. A matéria pingava veneno e
culpava Rousseff, então no governo há três anos, mas que enfrentaria eleições
de reeleição no ano seguinte, por ter feito "muito pouco para reformar seu
governo nos anos doboom." Acusava o Brasil de ter "impostos
demais", "excessivo gasto público" e de pagar aposentadorias
exageradamente "generosas".
Aquele não
foi um bom ano para o Brasil. A economia patinava e centenas de milhates de
pessoas saíram às ruas em manifestações contra o governo, pouco antes do início
da Copa das Confederações da FIFA, para protestar contra a corrupção e exigir
melhores serviços públicos. A economia parecia estar completamente paralisada.
Mas... O que
deu errado entre 2009 e 2013? Como aconteceu de Rousseff, que em 2010 a revista
Forbes declarara a mulher mais poderosa do mundo, virar, de repente, fraca e
incompetente? Como aconteceu de a história do Brasil passar, da esperança ao
desespero, em tempo tão curto?
A resposta é
simples: petróleo e o dinheiro, a força e a política que o petróleo gera.
Em 2007, o
Brasil descobriu um campo de petróleo com quantidades imensas de petróleo numa
região do pré-sal em águas oceânicas profundas. No período de um ano, o país
descobriu reservas de petróleo e gás natural que ultrapassam os 50 bilhões de
barris – a maior reserva confirmada na América do Sul. Com isso, o Brasil
passou a ser o queridinho dos mercadores de petróleo do planeta e de Wall
Street.
A empresa
estatal petroleira do Brasil, Petrobrás sempre tivera o monopólio da exploração
do petróleo no Brasil desde a criação da empresa, em 1953, mas o setor
abriu-se, em 1997, para a Royal Dutch Shell. Com as descobertas de 2007-08,
gigantes globais como as empresas Chevron, Shell e ExxonMobil puseram os olhos
no Brasil, antevendo contratos lucrativos. Mas não fecharam negócio algum.
Em 2007,
Lula restabeleceu parcialmente o monopólio da Petrobrás sobre o petróleo
brasileiro. Prepararam-se leis, sob orientação de Rousseff, então ministra de
Lula, que deram à Petrobrás direitos de exclusividade na exploração, com todos
os lucros do petróleo orientados para os programas sociais do governo, de
Educação e Saúde. E a Petrobrás também iniciou parcerias com outras petroleiras
estatais de outros países, principalmente com petroleiras chinesas (as
petroleiras indianas ONGC e Bharat Petroleum também são parceiras da Petrobrás
e têm escritórios no Rio de Janeiro, onde opera o quartel-general da empresa
brasileira).
Imediatamente
o Departamento de Estado e a Agência de Informação de Energia, AIE [ing.Energy
Information Agency (EIA)] dos EUA puseram-se a trabalhar nolobbying de
funcionários brasileiros, a favor das empresas dos EUA.
Telegramas
diplomáticos secretos dos EUA distribuídos por Wikileaks em 2010 relevaram o
quanto os norte-americanos estavam preocupados com a presença de empresas
estatais chinesas no Brasil; e um dos telegramas expõe detalhadamente como os
EUA tentavam naquele momento alterar as leis a seu favor (2/12/2009, "Pode
a indústria do petróleo fazer retroceder a lei do pré-sal", Emb. do RJ,
Confidencial).
Em pouco
tempo o Brasil entrou em modo de escolher quem sucederia Lula; e seu partido,
PT, indicara Rousseff como sua candidata. O principal partido de oposição, o
Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, que sempre apoiara a
privatização da Petrobrás, escolheu, como seu candidato, o ex-governador de São
Paulo, José Serra.
Os EUA
acompanhavam muito de perto as eleições; documentos distribuídos por Wikileaks
mostram que os EUA apostavam numa vitória de José Serra, para mudar as leis.
"Deixe esses sujeitos (o PT) fazerem o que quiserem. Os leilões e
concorrências não acontecerão, e depois nós mostraremos a todos que o velho
modelo funcionava (...) e faremos tudo voltar ao que era antes" – lê-se em
conversa entre José Serra com o lobby do petróleo.[1]
Mas Serra
foi à lona, na disputa eleitoral contra Rousseff nas eleições de 2010. E a
Petrobrás continuou como única operadora dos campos de petróleo do Brasil, e a
renda do petróleo continuou a ir para programas sociais do governo.
Rapidamente,
a chinesa Sinopec tornou-se ativa na exploração de petróleo em águas
brasileiras, nos termos determinados pela lei, que estipulava um mínimo de 30%
para a Petrobrás em todas as ventures. Esse foi o fim da lua-de-mel do chamado
'Ocidente', com o Brasil.
"Dado
que o lobbying deles não conseguiu arrancar contratos de petróleo, o Brasil
virou vilão, como a Venezuela. O governo dos EUA e empresas de petróleo lançaram
contra nós um ataque clandestino. A mídia-empresa deles fez como manda o
figurino" – disse no Itamaraty um experiente diplomata brasileiro, pedindo
que seu nome não fosse divulgado. "Mas o governo também errou, ao
depositar excessivas esperanças na Petrobrás e no petróleo, esquecendo que o
petróleo é commodity cujo preço desaba quando menos se espera" – completou
ele.
Chegado ao
poder sobre a promessa de fazer do Brasil uma sociedade mais igualitária, com
estado de bem-estar forte, o petróleo e a Petrobrás estavam no centro dos
planos dos governos de esquerda para usar recuros e dinheiro público para
combater a miséria, criar empregos públicos e levar o desenvolvimento para as
áreas mais remotas do país. A Petrobrás não era aposta errada.
Em 2007, a capitalização
da empresa no mercado alcançou $190 bilhões. Em 2010, último ano de Lula no
governo, o Brasil crescera 7,5% e as coisas caminhavam para cima. Embora nos
anos seguintes tenha havido uma queda na capitalização e nos lucros da
Petrobrás, a empresa permaneceu como uma das maiores petroleiras do mundo. Mas
as coisas ainda piorariam.
Entra em
cena a Agência de Segurança Nacional dos EUA
Em junho de
2013, Edward Snowden, administrador de sistemas da Agência de Segurança
Nacional dos EUA (NSA, em inglês), fugiu para Hong Kong com uma vasta
quantidade de documentos confidenciais. Nos meses seguintes, trabalhando junto
a vários jornalistas de diferentes órgãos de imprensa, Snowden disponibilizou
uma série de arquivos, demonstrando como o governo norte-americano espionava
políticos, governos, empresas e movimentos sociais ao redor do mundo.
Surpreendentemente, o Brasil estava no topo da lista de alvos da NSA, que
coletava mais informações daqui do que da Rússia ou da China. O governo
americano alegou que a vigilância fazia parte de suas medidas antiterrorismo,
mas os documentos sobre o Brasil – e países como a Índia – revelaram um quadro
totalmente diferente. Logo ficou evidente que os alvos principais da NSA no
Brasil eram a Petrobras e Rousseff.
O e-mail de
Dilma, o telefone oficial e seu celular pessoal foram rastreados pela NSA,
assim como todos os e-mails, telefonemas, mensagens e documentos oficiais da
rede da Petrobras. Com essas revelações, a relação Estados Unidos-Brasil
atingiu seu ponto mais baixo. Autoridades brasileiras foram rápidas em declarar
que a espionagem tinha sido realizada em razão dos interesses dos EUA no
petróleo e gás do Brasil.
Naquele
período, a Petrobras estava prestes a leiloar uma de suas maiores jazidas
petrolíferas, com a esperada participação de várias empresas americanas. Mas
após Dilma ignorar Obama na reunião do G-20 na Rússia e as autoridades da
Petrobras acusarem os Estados Unidos de roubarem informação que lhes daria
"posição privilegiada no leilão", histórias negativas sobre a empresa
brasileira e seu iminente leilão começaram a surgir na mídia ocidental. Quando
o leilão foi realizado, nenhuma empresa americana deu qualquer lance. O que
Serra 'previra', aconteceu.
Com os
segredos e informações sobre seus ativos copiados pelas instalações da NSA, a
Petrobras era agora um alvo fácil. Sua queda apenas começava.
Em março de
2014, Alberto Yousseff, doleiro condenado por lavagem de dinheiro que havia
sido preso cinco vezes, começou a dar com a língua nos dentes após negociar um
acordo de delação premiada com os procuradores de Curitiba, capital do estado
do Paraná, no sudeste do Brasil. Youssef denunciou muitas pessoas do alto
escalão que, segundo ele, haviam sido beneficiárias de suborno, propina e
lavagem de dinheiro na Petrobras. Desde então, a investigação sobre esse
escândalo, chefiada pelo juiz Sergio Moro, levou a nomes de altos executivos
brasileiro no ramo do petróleo e, mais importante, da liderança do PT.
Conhecida
como "Operação Lava Jato", a investigação se desenrola como uma
telenovela, com pessoas de renome sendo levadas pela polícia ou mandadas para prisão
por Moro em intervalos regulares.
Neste mês, o
impensável aconteceu. O líder mais popular da história do Brasil esteve prestes
a ser preso por suspeita de corrupção relacionada à Petrobras. No dia 3 de
março, a Polícia Federal levou Lula de sua casa sob um "mandado de
condução coercitiva" (que força a pessoa a testemunhar sobre um caso) e o
deteve por cinco horas em um dos escritórios da polícia no aeroporto para voos
domésticos de São Paulo.
Enquanto
Lula era detido e liberado, a tensão foi-se acumulando pelo país com uma parte
da sociedade brasileira – classe alta e de maioria branca – celebrando a ação
policial, enquanto a outra parte protestava contra o "golpe". O
Brasil dividiu-se verticalmente no dia em que Lula foi detido.
História de
golpes
O Brasil é
país dividido, já há um bom tempo. Poucas pessoas no país aceitam a existência
de linhas de ruptura de classe e raça, mas elas são visíveis todos os dias nos
conflitos sociais e políticos do Brasil. Após anos de estresse, as linhas
começaram a se agitar em junho de 2013 enquanto o Brasil se preparava para
receber a Copa das Confederações da FIFA; milhares foram às ruas protestar
contra o governo, com alguns pedindo o impeachment e outros ainda pedindo
intervenção militar.
Ignorando a
natureza racial e de classe dos protestos, a mídia – local e internacional –
chamou aquilo de "primavera brasileira" – um levante contra governo
impopular e corrupto.
Narrativa
similar se repetiu nos últimos dias desde a detenção de Lula. Mas muitos do
governo veem isso como conspiração. "O que está acontecendo no país é uma
conspiração nacional e internacional para destruir o PT e introduzir no Brasil
um modelo econômico como o atual (neoliberal) da Argentina" – disse o
veterano diplomata brasileiro Samuel Guimarães a repórteres, após Lula ser
detido pela polícia. "Isto é um golpe em andamento".
O Brasil tem
familiaridade com golpes. Assim como com as interferências externas dos Estados
Unidos. No século 20, pelo menos três presidentes brasileiros perderam o mandato
– e um, a vida – por realizar políticas populares, despertando a ira das elites
do país e de Washington.
Em todos os
casos, o culpado pela queda dos presidentes foi a alta da inflação, queda da
renda e má administração da economia. Há um claro padrão nisso tudo. Getúlio
Vargas, criador da Petrobras como uma empresa estatal e que deu direitos
sociais aos pobres do país, foi acusado pela elite carioca, liderada pelo
conglomerado midiático, de corrupção que ele nunca cometeu. Em 1954, pôs fim à
humilhação pública ininterrupta com uma bala no peito.
O próximo a
cair foi Jânio Quadros, vencedor da eleição presidencial com margem de
diferença recorde em 1961. No mesmo ano, Jânio convidou o revolucionário
argentino Ernesto "Che" Guevara ao Brasil, e o honrou com a Ordem
Nacional do Cruzeiro do Sul. Essa iniciativa alarmou a elite brasileira e os
americanos, ambos paranoicos com a expansão do comunismo na América do Sul.
Então, Jânio cometeu um erro ainda maior: nacionalizou jazidas minerais. Em
menos de um ano, foi retirado do poder por um Congresso dominado por antigos
capitalistas e pessoas leais a Washington.
Jânio foi
substituído por João Goulart. Líder de centro com visões progressistas, Goulart
começou a implementar políticas de aumento salarial para os trabalhadores,
reforma agrária, direito ao voto para todos os brasileiros e justiça social.
Enquanto o governo brasileiro se dirigia levemente para a esquerda, John F.
Kennedy, o então presidente americano que ainda se recuperava do infortúnio na
Baía dos Porcos em Cuba, começava a discutir com seus aliados as maneiras de
tirar Goulart do poder.
De acordo
com documentos do Arquivo da Segurança Nacional dos EUA, em março de 1963,
Kennedy disse a seus aliados: "Temos que fazer alguma coisa quanto ao
Brasil". Logo depois, a mídia brasileira chamava Goulart de comunista e
reclamava sobre a alta da inflação. Em 1964, sob o comando dos EUA, o exército
brasileiro derrubou Goulart para "salvar o país" do comunismo. Até
hoje, muitos círculos da elite brasileira chamam aquele golpe de
"revolução".
O mundo sabe
dos regimes ditatoriais brutais da Argentina e do Chile, mas tudo começou no
Brasil – em 1964. A maioria dos países sul-americanos foi devastada por décadas
de ditaduras patrocinadas pelos EUA. Os países só iniciaram o retorno à
democracia nos anos 90, após o fim da Guerra Fria.
Então, numa
virada irônica de grande abalo para a Doutrina Monroe, um país após o outro,
começando pela Venezuela, depois Brasil, Argentina, Uruguai e Chileelegeram
governantes de esquerda. A América do Sul não era mais o quintal de Washington.
Nos últimos
15 anos, todas as nações sul-americanas testemunharam acelerado crescimento
econômico à medida em que estabeleceram relações com a China,fazendo do país
asiático o maior ator na região.
Tragédia
pela segunda vez
A contínua
marcha para a esquerda na América do Sul disparou os alarmes de Washington
novamente e também tirou o sono da elite local. Depois de 13 anos de governo
petista, durante o qual enormes planos de bem-estar social foram implementados,
a elite brasileira está cega de preocupação com a "bolivarização" do
Brasil – referência às políticas de esquerda da Venezuela sob o governo de Hugo
Chávez. Em São Paulo, a capital financeira da América do Sul, as conversas de
bar geralmente são em torno de como o Brasil está se "tornando uma Venezuela".
Os manifestantes antigoverno nas ruas repetem os mesmos slogans, enquanto
agridem agridem qualquer um que lhes apareça vestido de vermelho.
Muitos dizem
que a tragédia de 1964 está-se repetindo. "Estamos enfrentando uma
estratégia de golpe de estado contra uma presidente eleita", informou
recentemente o historiador Paulo Alves de Lima ao jornal RT. "Estamos à
beira de uma nova etapa de contrarrevolução, com uma democracia ainda mais
restrita, impregnada de arrogância e violência institucional...", disse
Lima ao jornalista brasileiro Pepe Escobar, que vê a 'mudança de regime’ no
Brasil como um ataque contra o grupo BRICS.
No Brasil,
muitos intelectuais, observadores políticos, ativistas sociais, peritos
judiciais e membros do governo acreditam que, diferentemente de 1964, quando o
exército liderou a tomada do governo, a atual "contrarrevolução" está
sendo organizada e liderada pelos partidos neoliberais em conluio com lobistas
do país, grupos de direita, a mídia corporativa e um "judiciário altamente
politizado".
Liderando o
ataque ao governo Dilma Rouseff está o PSDB, autoproclamado democrata social,
mas que de fato é um partido de direita que advoga políticas neoliberais e
destruição de políticas sociais. Tendo perdido quatro eleições consecutivas para
o PT, o PSDB testemunha uma guerra amarga entre seus líderes – todos desejando
ser o presidente do país. O partido sentiu uma chance de vitória em 2015, após
as pesquisas de opinião projetarem Dilma enfraquecida pelo escândalo da
Petrobras e pelos protestos das ruas. No meio do processo eleitoral, após
Eduardo Campos, um popular candidato do Partido Socialista Brasileiro, ter
misteriosamente falecido num acidente de avião, o candidato pelo PSDB, Aécio
Neves, começou a imaginar-se no palácio presidencial. A mídia ocidental o
projetou como o salvador do Brasil. Banqueiro do Morgan Stanley chegou a
comparar a 'ascensão' de Aécio ào do Primeiro-ministro indiano Narendra Modi.
Aécio estava
certo de sua vitória após a revista Veja publicar uma matéria na véspera do 2º
turno das eleições em dezembro de 2014, alegando que o doleiro Yousseff havia
dito à polícia que Dilma e Lula sabiam da corrupção na Petrobras. Mas mesmo
assim, Aécio perdeu a eleição. Um mês
após o início do segundo governo Dilma Rousseff, em janeiro de 2015, Aécio
iniciou o pedido de impeachment, ainda tendo o artigo de Veja como
"prova" da cumplicidade da presidente com o escândalo.
O artigo,
publicado sem nenhuma resposta de Lula e Dilma, não era exceção. Os julgamentos
da "Operação Lava Jato" estavam tanto na mídia quanto nas cortes,com
vazamentos regulares de acusações feitas em delações premiadas. O magistrado de
Curitiba, declaradamente influenciado pela operação Mani Pulite da Itália,
tornou-se cultuado pela classe média, com suas fotos e frases espalhadas por
revistas e jornais quase que diariamente.
Mas Moro, o
juiz, também tem enfrentado críticas por suas táticas de manter os acusados na
prisão, sem fiança, e utilizando-se de acordos de delação premiada para
construir casos contra outros. Até o The Sunday Times de Londres recentemente
publicou artigo sobre o juiz brasileiro, questionando a forma como ele conduz o
caso.
O complexo
judicial-jornalístico
Moro pareceu
dar importância mínima a essas críticas, quando enviou a Polícia à casa de Lula
para prendê-lo. Apesar de o nome do ex-presidente aparecer citado em
incontáveis artigos que o dão como ligado ao escândalo, a verdade é que, até
hoje ninguém apresentou qualquer tipo de prova contra ele – nem em tribunais
nem em algum veículo de imprensa comercial. Além disso, o ex-presidente jamais
se recusou a cooperar com a investigação. Portanto, quando Lula foi preso por
mandato coercitivo assinado por juiz, muitos entenderam que o juiz Moro pisara
fora da linha. Um juiz da Suprema Corte brasileira, Marco Aurélio Mello,
criticou publicamente o juiz, porque "coerção só se aplicaria se Lula
tivesse sido intimado e se recusasse a depor, o que não aconteceu."
Mas, mesmo
com a tática dura de Moro, a detenção de Lula não saiu conforme oscript. Tão
logo a notícia da prisão espalhou-se por São Paulo, começaram as brigas a
murros na calçada em frente ao prédio onde Lula mora. E a conta do PT no
Twitter lançou mensagem em que Lula era chamado de "preso político".
Com as mídias sociais fervilhando de notícias sobre o "sequestro" de
Lula pela polícia, centenas de pessoas começaram a reunir-se pelas ruas em São
Paulo, gritando "Não vai ter golpe" [N. Quando já começavam a chegar
notícias de multidões mobilizadas em outras cidades do país, o ex-presidente
Lula foi deixado partir.] E dirigiu-se diretamente à sede do Partido dos
Trabalhadores, onde falou a uma multidão de ativistas e estudantes.
"Mereço mais respeito nesse país" – disse Lula, com ar cansado, mas
resoluto. Na mesma noite, Lula estava numa reunião de sindicalistas, onde disse
que, sim, pode candidatar-se à presidência em 2018. "Sinceramente, espero
que tenha outras pessoas para serem candidatas. Agora, uma coisa pode ficar
certa: se for necessário, eu vou para a disputa em 2018" – disse Lula a
uma multidão reunida para ouvi-lo, no centro de São Paulo.
Até
apoiadores ferrenhos do PT e de Lula consideram que o Partido dos Trabalhadores
é em parte responsável pelo que acontece hoje no Brasil. O envolvimento de
líderes do partido em atos de corrupção maculou sua imagem até entre
seguidores. Além disso, o núcleo duro de apoio ao partido, sindicatos,
movimentos sociais, ativistas e ideólogos de esquerda já se afastaram do PT,
com Rousseff empurrando o governo para o centro e, ela própria, afastando-se
daquelas bases. Nesse cenário, a prisão de Lula deveria ser o golpe de morte
contra o PT. Na mídia comercial – local e global – Lula era apresentado como
figura isolada. Na verdade, a situação em campo mostrou-se muito diferente,
ante os milhões de apoiadores que se apresentaram nas ruas em apoio ao
ex-presidente.
Mas outras
reviravoltas estavam por vir.
Dia 11 de
março, Rousseff ofereceu a Lula um posto de ministro de seu governo. Depois de
muita discussão e adiamento, Lula afinal aceitou ser ministro da Casa Civil da
presidenta Dilma (cargo, aproximadamente, de primeiro-ministro). O movimento
foi considerado pelos petistas como necessário para salvar o governo do
"golpe" em curso; a oposição não tardou a 'denunciar' o que, para
ela, seria tentativa de salvar Lula de ser preso no "escândalo da
corrupção". Dia seguinte, o juiz Moro entregou à Globo TV a gravação de
uma conversa telefônica entre a presidenta e o ex-presidente, em que conversam
sobre a ida de Lula para o ministério. À noite, a TV Globo exibiu a gravação em
horário nobre, interpretando as falas como se fossem uma espécie de 'arranjo',
para garantir a Lula um cargo que o poria em situação de só poder ser julgado
pela Suprema Corte.
Como se não
bastasse divulgar material sem verificar a veracidade dos fatos e sem
autorização legal, os âncoras e repórteres da TV Globo puseram-se a incitar a
população a ir para as ruas protestar contra Lula e Rousseff.
A gravação
pela Polícia Federal, de conversas de Rousseff no próprio telefone, quando a
presidenta falava com um ex-presidente, imediatamente disparou uma comparação
com a vigilância ilegal da Agência de Segurança Nacional dos EUA. Vários
importantes juristas e especialistas em questões de escutas ilegais
questionaram a decisão de Moro, de gravar conversas privadas e 'vazá-las' para
a TV Globo, antes de a gravação ter sido apresentada como prova na corte. Mas
Moro justificou sua ação, comparando o caso brasileiro ao escândalo Watergate
que envolveu o ex-presidente Richard Nixon.
A gravação
de 30 segundos, que já não tem qualquer valor judicial, deu munição à oposição
para exigir a prisão de Lula e que se acelerasse a tramitação de um pedido de
impeachment contra Rousseff.
Apesar de o
ministro Mello da Suprema Corte já ter criticado Moro duramente, chamando de
"crime" a ação de gravar clandestinamente conversas da presidenta, o
vazamento da gravação e as manchetes histéricas de O Globo e da TV do mesmo
grupo Globo tiveram o efeito desejado: a nomeação de Lula ao cargo de ministro
foi bloqueada – e eclodiram movimentos de rua contra o governo Rousseff.
Dois Brasis,
duas narrativas
No dia
seguinte ao vazamento da conversa gravada, cerca de 1,5 milhão de pessoas,
muitas usando a camisa amarela da seleção de futebol do Brasil e ostentando
bandeiras do Brasil, saíram às ruas pelo país.
Com muitos
fotógrafos e cinegrafistas em helicópteros registrando o mar de verde-e-amarelo
na Av. Paulista em SP, onde se reuniram 400 mil pessoas, no maior protesto
antigoverno da história da cidade, dia seguinte os jornais estavam também
pintados de verde-e-amarelo. Quem visse pensaria que todo o Brasil exigia a
cabeça do PT. Foi o que bastou para que a velha narrativa de "levante
popular contra governo corrupto e ineficiente" voltasse às páginas da
mídia comercial internacional.
A verdade é
um pouco mais complicada.
Embora
vestidos com as cores nacionais, as pessoas que protestaram naquele dia na Av.
Paulista seriam qualquer coisa, exceto nacionalistas. Pesquisa da empresa
Datafolha revelou que 80% dos 'manifestantes' anti-Rousseff e anti-PT eram
brancos; 77% com formação universitária; e 75% classificados nos grupos de mais
alta renda.
Num país
cuja população apresenta 50% de brancos, 11% apenas, com formação universitária
e menos de 6% classificados nos grupos de mais alta renda, não é difícil
entender quem, afinal de contas, manifestava-se nas ruas contra o governo Rousseff.
Praticamente todos ali eram representantes da elite da sociedade brasileira:
ricos, brancos e conservadores.
A elite
brasileira sempre manifestou grande incômodo com a vitória de candidatos
populares de tendência de esquerda; o partido preferencial da elite era o PSDB
– várias vezes derrotado nas urnas. No governo do PT, mais de 40 milhões de
pessoas superaram a pobreza e ascenderam socialmente. Foi o período de mais
consistente inclusão social, num país conhecido pela terrível desigualdade.
Aconteceram mudanças sociais amplas no Brasil. Com leis que garantem salários
mínimos e aposentadorias e pensões, a classe média alta deixou de poder manter
empregados domésticos e motoristas. Com quotas asseguradas para o acesso à
educação, estudantes negros entram afinal nas universidades públicas e no
mercado de trabalho profissional, em números jamais vistos no Brasil. E com
renda melhor, os pobres afinal viajam de avião, compram em shopping centers e
compram casa própria em bairros tradicionalmente 'de ricos' (e brancos). Fato é
que os governos do Partido dos Trabalhadores, sim, perturbaram a velha ordem
estabelecida.
Poucos
países viram, em toda a história, mudança social tão ampla, em tão pouco tempo.
Assim como os ricos explodiram em fúria nos tempos de mudanças nos governos de
Getúlio Vargas e João "Jango" Goulart, também dessa vez as classes
privilegiadas do Brasil estão furiosas contra o PT por dar dinheiro diretamente
às mães pobres, no programa Bolsa Família – que inspirou o programa indianoMahatma
Gandhi National Rural Employment Guarantee Act, MNREGA (Lei Mahatma Gahdhi de
Garantia Nacional de Emprego Rural).
Em seus
discursos, Lula frequentemente denuncia a elite brasileira por não aceitar essa
mudança social e ressentir-se por a vida dos mais pobres ter melhorado um
pouco. No Brasil, muitos entendem que a atual crise foi urdida pela elite
brasileira, para desestabilizar o governo e conseguir voltar ao poder.
"Os
primeiros protestos contra Dilma aconteceram em 2013, quando nos preparávamos
para receber a Copa das Confederações da FIFA. Naquele momento, o desemprego
era o mais baixo que jamais houve no Brasil, inflação de um dígito, salários em
alta, e Dilma tinha aprovação de 70%. E tanta gente exigia 'mudanças'?! Claro q
há mudanças a fazer, mas reivindicar naquele momento, e não em tantos outros,
não fazia sentido. De fato, foi o início de uma operação de mudança de regime,
mais uma 'revolução colorida', dessa vez no Brasil" – diz membro do PT que
pede para não ser identificado. "Foram ações organizadas e promovidas
pelas mídias sociais. Foi quase como uma operação de inteligência" –
acrescenta.
Embora não
haja prova de que os protestos antigoverno de 2013 tenham sido arquitetados de
fora, também ali, sem dúvida possível, a multidão era indiscutivelmente
'elite'. Pesquisa da Datafolha feita naquele momento mostrou que 90% dos
manifestantes eram brancos; 77% com formação universitária. Desde 2013, todos
os protestos contra o governo acontecem em áreas de classe média rica, longe
das áreas onde vive a maioria da população mais pobre. Mas as mídias comerciais
sempre falam da "indignação dos brasileiros", como se todos fossem
igualmente ricos, ou igualmente pobres.
No Brasil
toda a imprensa/mídia comercial é controlada por oligarcas – e o país já foi
chamado de "Um país de 30 Berlusconis" em documento dos Jornalistas
Sem Fronteiras. Sempre houve, desde o primeiro mandato de Lula em 2003 –
governo de tendência de esquerda ou apenas progressista –, guerra declarada
àquele governo, pelas empresas da imprensa comercial no Brasil.
Nos anos
Rousseff, a guerra tornou-se ainda mais suja. O massacre contra os governos
petistas sempre foi comandado pelo Grupo Globo, que inclui dúzias de jornais,
revistas, canais de TV e websites. O conglomerado, que tem monopólio quase
total sobre noticiário, entretenimento, futebol e carnaval, sempre,
historicamente, foi anti-PT. O grupo também apoiou ativamente o golpe militar
de 1964 e cresceu, com lucros gigantes, durante os 21 anos do governo dos
militares.
Mas o tom
beligerante da TV Globo não caiu bem entre os brasileiros pobres e das classes
médias, e muitos já trabalham para boicotar a rede. Um dia depois que o canal
de TV do grupo exibiu a fita da conversa entre Lula e Rousseff, o famoso ator
brasileiro Wagner Moura, astro de Narcos em Netflix, distribuiu um vídeo por
sua página de Facebook, manifestando preocupação com o "circo
midiático" e a "agenda política" do Judiciário. "A mídia,
claro, se se examina o passado, todos os grupos estiveram envolvidos no golpe
de 64" – diz Moura no vídeo.
A noite das
facas longas
A mídia
comercial brasileira dominante tem poder tremendo no país, mas raramente usa
esse poder para questionar o Judiciário. Todos os 'vazamentos seletivos' feitos
por Moro e pela polícia federal foram cuidadosamente publicados e repetidos.
E há graves
acusações por corrupção contra altos chefes do PSDB, inclusive contra Aécio
Neves e contra o presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha... o mesmo
que, agora, conduz o processo de impeachment contra Rousseff. Mas a imprensa
comercial absolutamente não se interessou por levantar qualquer discussão que
envolva esses chefes.
Os
principais intelectuais brasileiros vêm problema maior que esse. Nas palavras
deJesse Jose Freire de Souza de Souza, sociólogo renomado, o Judiciário tomou a
posição de "força moderadora superior", acima da política, a mesma
que, na ditadura, era ocupada pelos ditadores militares e, antes ainda, pela
monarquia. "Quem possibilitou tudo isso foi a mídia-empresa
comercial" – Jesse escreveu em artigo publicado semana passada.
Para
comentaristas de esquerda, o país enfrenta "golpe", e as empresas
comerciais de mídia e o Judiciário trabalham juntos. Miguel do Rosário, editor
de O Cafezinho,website não comercial, de esquerda, vê conspiração ainda maior
que em 1964. "Semelhante a 1964, o golpe atual é apoiado pela maior
empresa de mídia comercial do Brasil, Globo. Diferente de 1964, o golpe atual é
resultado da ação de um Judiciário ideologicamente tendencioso, que tem três
objetivos: derrubar presidenta democraticamente eleita; impedir que o
ex-presidente Lula concorra às eleições de 2018; e, afinal, pôr na ilegalidade
o Partido dos Trabalhadores brasileiro" – escreveu ele.
Pode soar
alarmista, mas há medo no ar, no Brasil, pelo modo como as coisas vão-se
desdobrando: medo pelo futuro da democracia e do Estado de Direito.
Dia 18 de
março, centenas de milhares de pessoas comuns encheram as ruas em "defesa
da democracia", em 45 cidades em todo o país. A maior concentração
aconteceu em São Paulo onde 250 mil pessoas, inclusive críticos do governo de
Dilma e de Lula, encheram a Avenida Paulista, apesar das ameaças de violência
por gangues de direita. Foi um show de força, contra "o golpe". Foi
um show da diversidade do Brasil. A noite incendiou-se quando Lula, vestindo
camisa vermelha [sempre usou camisa vermelha em todos os atos do Partido dos
Trabalhadores (NTs)], chegou à avenida e falou durante 20 minutos, sobre o teto
de um ônibus que fechava a passagem. "Não vai ter golpe," gritou
Lula, ecoado por milhares de vozes. "Democracia tem a ver com a voz do
povo, trata da voz da maioria" – disse ele, eletrizando a multidão.
A detenção
de Lula energizou a esquerda brasileira. As ruas, desde 2013, estavam dominadas
pela direita. Agora, com os grupos de esquerda se reorganizando, muitos temem o
pior: violência e conflito social.
A disputa
final
Brasileiros
comuns podem estar-se preparando para brigas de rua, mas os verdadeiros jogos
estão sendo jogados em Brasília, capital do país. Um juiz da Suprema Corte,
Gilmar Mendes, suspendeu a nomeação de Lula para o ministério da presidenta
Dilma. Cunha uniu-se ao PSDB para acelerar o impeachment de Rousseff. Michel
Temer, o vice-presidente, estaria discutindo a formação do governo pós-Dilma,
com José Serra, hoje senador. Há rumores de que o processo deimpeachment estará
concluído no fim de abril, e de que Temer – que aparece em posição de destaque
em vários casos de corrupção – assuma o governo do Brasil.
O Brasil
está na corda bamba. Um ex-presidente que transformou o país pode ir para a
prisão. A atual presidenta, contra quem não há qualquer acusação de corrupção,
pode ser impedida. E tudo isso no ano em que o país hospedará os Jogos
Olímpicos. Pois por mais que alguns temam que a atual crise venha a causar dano
às instituições do país, e outros falem de uma ameaça à democracia, a elite
brasileira parece não se preocupar.
Indicação do
que pode estar sendo cozinhado em Brasília, Ilimar Franco, conhecido jornalista
e blogueiro publicou foto de uma reunião de almoço, dia 16 de março, um dia
antes de a nomeação de Lula para o ministério ter sido suspensa. Na foto,
Mendes, o juiz que, no dia seguinte, suspendeu a posse, é visto almoçando com
Serra e Armínio Fraga, [ex-presidente do Banco Central do Brasil, de 1999 a
2002, assessor dos dois governos do PSDB de Fernando Henrique Cardoso (NTs) e]
ex-gerente do Fundo Quantum, de George Soros. A foto viralizou nas mídias
sociais, com muita gente se perguntando sobre o que estariam discutindo o juiz;
um ex-candidato à presidência e nome que aparece várias vezes citados nos
telegramas de Wikileaks [como 'contato' da Embaixada e de consulados dos EUA no
Brasil (NTs)], e um gerente de fundos que representa o interesse das
corporações financeiras dos EUA.
É. Podem ter
sentado para almoçar e discutir futebol.
Mas com
Serra, mestre de conspirações políticas, no centro da ação, depois da
humilhante derrota que sofreu nas eleições de 2010, quando Dilma o tirou da
corrida presidencial, as próximas poucas semanas serão cruciais para o Brasil,
para o PT e para a Petrobrás.
Em Brasília,
a batalha está sendo chamada de "ou vai ou racha", com alianças
políticas dos dois lados do muro sob pressão intensa, para alcançar os números
necessários, seja para descartar seja para aprovar o impeachment de Dilma.
Dilma e Lula lutam pela democracia e pela própria sobrevivência política, mas já
se veemlobbyistas trabalhando freneticamente para quebrar o monopólio da
Petrobrás sobre o petróleo brasileiro.
Em meio a
todas as mais ferozes disputas nos tribunais, no Congresso e nas ruas, o Senado
brasileiro aprovou recentemente uma lei que pode "cancelar a exigência de
que a Petrobrás seja operadora e fique com pelo menos 30% dos lucros
operacionais em todos os campos do pré-sal". Se essa lei, cujo projeto é
patrocinado pelo senador José Serra, vier a ser lei, terá acabado o controle
que a Petrobrás tem sobre os campos de petróleo do país. Embora fortemente
rejeitado por alguns senadores, como Roberto Requião, do Paraná, a lei foi
aprovada no Senado, por diferença mínima.
Surpreso
ante o frenesi para privatizar os negócios do petróleo, Requião disse que a
tramitação da lei está avançando "na correria, sem passar pelas comissões,
com os gabinetes dos senadores cheios de lobbyistas que promovem interesses de
multinacionais como Shell e British Petroleum". Mas, ante a massiva
pressão doslobbyistas, a oposição do senador Requião não foi suficiente.
"Será que o Brasil perdeu a maioria no Senado, para petroleiras
multinacionais? Ainda espero que não" – o veterano senador tuitou, depois
da votação.
Agora o
projeto de lei vai à Câmara de Deputados e, na sequência, terá de ser
sancionado pela presidenta. Rousseff ainda pode vetar o projeto de lei. Mas, se
o vice-presidente Michel Temer, que se separou de Dilma, assumir a presidência
em lugar dela, há bem pouca dúvida de que o projeto será sancionado e se converterá
em lei. Significaria que todo o drama que o Brasil está vivendo – detenção de
Lula,impeachment de Dilma e perseguição incansável ao PT – resume-se, afinal, a
petróleo.
Como voz do
Big Oil, The Economist põe o Brasil outra vez na capa, essa semana. "Time
to go" [Hora de sair], diz a revista, sobre uma foto de Dilma com ar
desolado. Repetindo o mesmo velho script de "má administração da
Economia", a revista 'exige' a remoção, do governo, de uma governante
eleita, que recebeu seu mandato, de pleno direito, em eleições livres e justas,
ocorridas há menos de 15 meses.
Hoje, a
elite e o complexo midiático-judiciário brasileiro também seguem o mesmoscript.
Como aconteceu com presidentes anteriores – Vargas, Quadros e Goulart –, se
Dilma Rousseff tiver de deixar o governo, as multinacionais do petróleo terão
vencido mais uma vez. E mais uma vez o Brasil terá sucumbido a um golpe de
Estado.*****
* Shobhan
Saxena é jornalista, indiano, que cobre assuntos da América do Sul, com base em
São Paulo.
[1] Esse telegrama,
datado de 13/2/2010, "coordenado entre os consulados do Rio de Janeiro e
São Paulo, foi distribuído para as embaixadas dos EUA em "ARGENTINA BUENOS
AIRES | BOLIVIA LA PAZ | BRAZIL BRASILIA | BRAZIL RIO DE JANEIRO | BRAZIL SÃO
PAULO | CHILE SANTIAGO | COLOMBIA BOGOTÁ | PERU LIMA | SECRETARY OF STATE |
URUGUAY MONTEVIDEO | VENEZUELA CARACAS".
Fonte:http://www.ocafezinho.com/2016/03/26/ha-golpe-no-ar-o-complo-para-desestabilizar-dilma-rousseff-lula-e-o-brasil/