domingo, 27 de março de 2016

O texto da atriz Julia Gorman!




Sou branca, privilegiada, nascida de uma família com recursos, que sempre estudou em escolas particulares da zona sul do Rio de Janeiro.

Que surpresa ao entrar na faculdade de Direção Teatral da UFRJ em 2004. Meu mundo de maioria branca, quase que estritamente zona sul se expandiu de modo quântico.

Passei 10 anos na faculdade e vi de perto o sistema de cotas ser implantado.

Acho que mesmo do meu lugar de branca privilegiada posso falar porque vi de muito perto.

 Quando começaram a falar de cotas eu não
compreendia muito bem. Achava injusto, talvez até racista.

Que engano o meu, e como é bom estar errada e ter a oportunidade de mudar de ideia. Hoje, tendo visto o que vi nesses 10 anos de ensino público, quero dizer para quem ainda duvida, que as cotas funcionam.

 Os amigos que vim a conhecer nesses 10 anos, e em especial nos últimos anos, que creio já ser uma consequência de anos dessa política inclusiva, são as pessoas mais guerreiras, mais visionárias e de mais atitude e consciência que já conheci.

 Pessoas que valorizam o espaço de troca e aprendizado da universidade e me ensinaram a ser mais, a querer mais.

 Políticos por natureza, porque a vida não lhes dá outra opção, pessoas conscientes das contradições do nosso país e que não querem cagar regra, que apenas são.

Que agora tem a oportunidade de ser em voz alta, com alta estima, e brilham inventando estéticas, linguagens novas que misturam a periferia com os grandes pensadores da humanidade, que lutam porque não há outra maneira.

Eu sou grata aos meus amigos negros, gays, trans, por me mostrarem que a vida é muito maior, mais diversa, mais colorida que a ilusão da elite branca/classe média carioca desse país.

Não sei o que eu seria sem essa experiência diversa que tive entre 2004 e 2014 na UFRJ, e quando vejo essa mesma elite, esta classe média indo pras ruas e desvalorizando todas essas conquistas, querendo retroceder, sinto um nó na garganta difícil de engolir.

Eu entendo a superficialidade de pensamento, porque lá atrás, antes de me informar propriamente e de ver com meus próprios olhos eu também duvidava.

Mas é tão legítimo, é tão importante que todos saibam o quanto essa política tem transformado nosso país, sua juventude, que quis escrever esse texto.

Ao assistir ao discurso da Anna Muylaert  agradecendo o prêmio pelo seu filme "Que Horas Ela Volta?", pensei em todas essas coisas que vivi e nesse momento de agora.

Não dá pra retroceder. Não dá pra desvalorizar tantas conquistas que transformaram e transformam as novas gerações.

 E pra isso é preciso se informar, é preciso mudar de ideia, ouvir a realidade de quem as viveu.

Outro dia um "colega" postou em sua timeline um vídeo de muito mau gosto, cujo texto de apresentação era: "para todos os gayzistas, feministas, cotistas, comunistas e outros babaquistas desse Brasil. "

Isso mexeu comigo, não só pela simplicidade burra de sua generalização, mas pelo perigo que esse tipo de pensamento raso e fascista nos apresenta como sociedade em transformação.

Quem pensa assim tem medo da mudança.
Medo dessa galera incrível que tá aí vivendo sem medo de ser quem se é.

Lindos, purpurinados, estranhos, bizarros, brilhantes, de sexualidade diversa e indefinida...

Esse povo tá aí pra complicar sua visão estreita.
Eles tão aí pra expandir seu mundo sufocado de certezas mofadas.
E eles vão entrar na sua vida enfiando o pé na porta, amando bem alto, te fazendo ficar confuso e desorientado...
Vai ser difícil no início, vai parecer que seu mundo confortável não existe mais, e deixa eu te falar um negocinho:
Ele não existe mesmo.
E não dá pra voltar atrás...
Pode pedir a volta do PSDB ou da ditadura militar, porque o que se transformou está transformado.
Está transformista.
Está legitimado, cheio de alta estima e vai te contaminar de liberdade, de tolerância e de amor.
Se preocupa não, daqui a pouco você se acostuma e vai adorar.
Porque a liberdade dessa galera é a sua também.
Então relaxa que dói menos.
Aprecia. Aprende.
Seu universo vai se expandir de modo quântico também...
Isso se vc estiver aberto a mudar de ideia.

sábado, 26 de março de 2016

Há golpe no ar:


O complô para desestabilizar Dilma Rousseff, Lula e o Brasil


por Shobhan Saxena, na The Wire

Partidos neoliberais, mídia comercial, Judiciário conservador, lobbyistas das petroleiras, elite branca e grupos de direita, com ajuda abundante que vem de fora do país, reuniram-se em gangue para derrubar o governo do Brasil. E a coisa está sendo feita de modo a fazer crer que teria havido um levante popular contra regime corrupto.

São Paulo: Em novembro de 2009, The Economist põe o Brasil na capa. "Brasil Takes Off" [Brasil decola], diz a manchete, sobre uma foto do icônico Cristo Redentor, como se decolasse sobre o mar azul, feito uma nave espacial. Prevendo que "o Brasil está a caminho de tornar-se a 5ª maior economia do mundo, deslocando a Grã Bretanha e a França", a revista dizia que a maior economia da América do Sul deveria "tomar maior velocidade nos próximos cinco anos, com a ativação dos campos de petróleo de mar profundo, e os países asiáticos ainda famintos de alimento e minérios da vasta e dadivosa terra do Brasil."

Em 2009, mesmo com o mundo ainda convalescendo de uma catastrófica crise financeira, The Economist viu o Brasil como a maior esperança do capitalismo global.

Naquele momento, a revista britânica não era a única apaixonada pelo Brasil. Sob a liderança de Lula da Silva, o país testemunhava prosperidade sem precedentes e mudança social. A própria ascensão pessoal de Lula, de menino pobre e empregado metalúrgico à presidência do maior país da América Latina era material do que se enchem as lendas. Foi tema de vários livros e de um filme de sucesso. Na reunião do G-20 em Londres, em abril de 2009, o presidente dos EUA Barrack Obama disse dele que era "o político mais popular da Terra". E dois dos maiores espetáculos esportivos – a Copa do Mundo da FIFA (2014) e as Olimpíadas (2016) – marcados para acontecer no país, o Brasil, há tanto tempo conhecido como "o país do futuro", pareceu estar chegando finalmente ao centro do palco global.

Sete anos adiante, o Brasil já parece um país completamente diferente. Lula, que concluiu o segundo mandato em 2010, com aprovação de 80% da população, foi detido, esse mês, para ser interrogado na investigação de um escândalo de corrupção que já pôs na cadeia alguns de seus camaradas do Partido dos Trabalhadores (PT). A sucessora de Lula, presidenta Dilma Rousseff enfrenta pedido de impeachment no Congresso. A economia do país encolheu 3,5% ano passado, e esse ano não verá melhor resultado. A inflação chegou aos dois dígitos e centenas de milhares de brasileiros enfrentam o desemprego. E milhões de pessoas tomaram as ruas, muitos em apoio, muitos em oposição, ao governo. Ninguém parece nem remotamente preocupado com as Olimpíadas do Rio de Janeiro, que estão a menos de cinco meses de começarem. E a mídia comercial – global e brasileira – já rifou Lula, Rousseff e o Brasil.

A história do Brasil começou a perder grande parte do brilho em 2013, especialmente aos olhos da mídia-empresa internacional e de negócios. Em setembro de 2013, novamente The Economist põe o Brasil na capa. A matéria pingava veneno e culpava Rousseff, então no governo há três anos, mas que enfrentaria eleições de reeleição no ano seguinte, por ter feito "muito pouco para reformar seu governo nos anos doboom." Acusava o Brasil de ter "impostos demais", "excessivo gasto público" e de pagar aposentadorias exageradamente "generosas".

Aquele não foi um bom ano para o Brasil. A economia patinava e centenas de milhates de pessoas saíram às ruas em manifestações contra o governo, pouco antes do início da Copa das Confederações da FIFA, para protestar contra a corrupção e exigir melhores serviços públicos. A economia parecia estar completamente paralisada.

Mas... O que deu errado entre 2009 e 2013? Como aconteceu de Rousseff, que em 2010 a revista Forbes declarara a mulher mais poderosa do mundo, virar, de repente, fraca e incompetente? Como aconteceu de a história do Brasil passar, da esperança ao desespero, em tempo tão curto?

A resposta é simples: petróleo e o dinheiro, a força e a política que o petróleo gera.

Em 2007, o Brasil descobriu um campo de petróleo com quantidades imensas de petróleo numa região do pré-sal em águas oceânicas profundas. No período de um ano, o país descobriu reservas de petróleo e gás natural que ultrapassam os 50 bilhões de barris – a maior reserva confirmada na América do Sul. Com isso, o Brasil passou a ser o queridinho dos mercadores de petróleo do planeta e de Wall Street.

A empresa estatal petroleira do Brasil, Petrobrás sempre tivera o monopólio da exploração do petróleo no Brasil desde a criação da empresa, em 1953, mas o setor abriu-se, em 1997, para a Royal Dutch Shell. Com as descobertas de 2007-08, gigantes globais como as empresas Chevron, Shell e ExxonMobil puseram os olhos no Brasil, antevendo contratos lucrativos. Mas não fecharam negócio algum.

Em 2007, Lula restabeleceu parcialmente o monopólio da Petrobrás sobre o petróleo brasileiro. Prepararam-se leis, sob orientação de Rousseff, então ministra de Lula, que deram à Petrobrás direitos de exclusividade na exploração, com todos os lucros do petróleo orientados para os programas sociais do governo, de Educação e Saúde. E a Petrobrás também iniciou parcerias com outras petroleiras estatais de outros países, principalmente com petroleiras chinesas (as petroleiras indianas ONGC e Bharat Petroleum também são parceiras da Petrobrás e têm escritórios no Rio de Janeiro, onde opera o quartel-general da empresa brasileira).

Imediatamente o Departamento de Estado e a Agência de Informação de Energia, AIE [ing.Energy Information Agency (EIA)] dos EUA puseram-se a trabalhar nolobbying de funcionários brasileiros, a favor das empresas dos EUA.

Telegramas diplomáticos secretos dos EUA distribuídos por Wikileaks em 2010 relevaram o quanto os norte-americanos estavam preocupados com a presença de empresas estatais chinesas no Brasil; e um dos telegramas expõe detalhadamente como os EUA tentavam naquele momento alterar as leis a seu favor (2/12/2009, "Pode a indústria do petróleo fazer retroceder a lei do pré-sal", Emb. do RJ, Confidencial).

Em pouco tempo o Brasil entrou em modo de escolher quem sucederia Lula; e seu partido, PT, indicara Rousseff como sua candidata. O principal partido de oposição, o Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, que sempre apoiara a privatização da Petrobrás, escolheu, como seu candidato, o ex-governador de São Paulo, José Serra.

Os EUA acompanhavam muito de perto as eleições; documentos distribuídos por Wikileaks mostram que os EUA apostavam numa vitória de José Serra, para mudar as leis. "Deixe esses sujeitos (o PT) fazerem o que quiserem. Os leilões e concorrências não acontecerão, e depois nós mostraremos a todos que o velho modelo funcionava (...) e faremos tudo voltar ao que era antes" – lê-se em conversa entre José Serra com o lobby do petróleo.[1]

Mas Serra foi à lona, na disputa eleitoral contra Rousseff nas eleições de 2010. E a Petrobrás continuou como única operadora dos campos de petróleo do Brasil, e a renda do petróleo continuou a ir para programas sociais do governo.

Rapidamente, a chinesa Sinopec tornou-se ativa na exploração de petróleo em águas brasileiras, nos termos determinados pela lei, que estipulava um mínimo de 30% para a Petrobrás em todas as ventures. Esse foi o fim da lua-de-mel do chamado 'Ocidente', com o Brasil.

"Dado que o lobbying deles não conseguiu arrancar contratos de petróleo, o Brasil virou vilão, como a Venezuela. O governo dos EUA e empresas de petróleo lançaram contra nós um ataque clandestino. A mídia-empresa deles fez como manda o figurino" – disse no Itamaraty um experiente diplomata brasileiro, pedindo que seu nome não fosse divulgado. "Mas o governo também errou, ao depositar excessivas esperanças na Petrobrás e no petróleo, esquecendo que o petróleo é commodity cujo preço desaba quando menos se espera" – completou ele.

Chegado ao poder sobre a promessa de fazer do Brasil uma sociedade mais igualitária, com estado de bem-estar forte, o petróleo e a Petrobrás estavam no centro dos planos dos governos de esquerda para usar recuros e dinheiro público para combater a miséria, criar empregos públicos e levar o desenvolvimento para as áreas mais remotas do país. A Petrobrás não era aposta errada.

Em 2007, a capitalização da empresa no mercado alcançou $190 bilhões. Em 2010, último ano de Lula no governo, o Brasil crescera 7,5% e as coisas caminhavam para cima. Embora nos anos seguintes tenha havido uma queda na capitalização e nos lucros da Petrobrás, a empresa permaneceu como uma das maiores petroleiras do mundo. Mas as coisas ainda piorariam.

Entra em cena a Agência de Segurança Nacional dos EUA

Em junho de 2013, Edward Snowden, administrador de sistemas da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, em inglês), fugiu para Hong Kong com uma vasta quantidade de documentos confidenciais. Nos meses seguintes, trabalhando junto a vários jornalistas de diferentes órgãos de imprensa, Snowden disponibilizou uma série de arquivos, demonstrando como o governo norte-americano espionava políticos, governos, empresas e movimentos sociais ao redor do mundo. Surpreendentemente, o Brasil estava no topo da lista de alvos da NSA, que coletava mais informações daqui do que da Rússia ou da China. O governo americano alegou que a vigilância fazia parte de suas medidas antiterrorismo, mas os documentos sobre o Brasil – e países como a Índia – revelaram um quadro totalmente diferente. Logo ficou evidente que os alvos principais da NSA no Brasil eram a Petrobras e Rousseff.

O e-mail de Dilma, o telefone oficial e seu celular pessoal foram rastreados pela NSA, assim como todos os e-mails, telefonemas, mensagens e documentos oficiais da rede da Petrobras. Com essas revelações, a relação Estados Unidos-Brasil atingiu seu ponto mais baixo. Autoridades brasileiras foram rápidas em declarar que a espionagem tinha sido realizada em razão dos interesses dos EUA no petróleo e gás do Brasil.

Naquele período, a Petrobras estava prestes a leiloar uma de suas maiores jazidas petrolíferas, com a esperada participação de várias empresas americanas. Mas após Dilma ignorar Obama na reunião do G-20 na Rússia e as autoridades da Petrobras acusarem os Estados Unidos de roubarem informação que lhes daria "posição privilegiada no leilão", histórias negativas sobre a empresa brasileira e seu iminente leilão começaram a surgir na mídia ocidental. Quando o leilão foi realizado, nenhuma empresa americana deu qualquer lance. O que Serra 'previra', aconteceu.

Com os segredos e informações sobre seus ativos copiados pelas instalações da NSA, a Petrobras era agora um alvo fácil. Sua queda apenas começava.

Em março de 2014, Alberto Yousseff, doleiro condenado por lavagem de dinheiro que havia sido preso cinco vezes, começou a dar com a língua nos dentes após negociar um acordo de delação premiada com os procuradores de Curitiba, capital do estado do Paraná, no sudeste do Brasil. Youssef denunciou muitas pessoas do alto escalão que, segundo ele, haviam sido beneficiárias de suborno, propina e lavagem de dinheiro na Petrobras. Desde então, a investigação sobre esse escândalo, chefiada pelo juiz Sergio Moro, levou a nomes de altos executivos brasileiro no ramo do petróleo e, mais importante, da liderança do PT.

Conhecida como "Operação Lava Jato", a investigação se desenrola como uma telenovela, com pessoas de renome sendo levadas pela polícia ou mandadas para prisão por Moro em intervalos regulares.

Neste mês, o impensável aconteceu. O líder mais popular da história do Brasil esteve prestes a ser preso por suspeita de corrupção relacionada à Petrobras. No dia 3 de março, a Polícia Federal levou Lula de sua casa sob um "mandado de condução coercitiva" (que força a pessoa a testemunhar sobre um caso) e o deteve por cinco horas em um dos escritórios da polícia no aeroporto para voos domésticos de São Paulo.

Enquanto Lula era detido e liberado, a tensão foi-se acumulando pelo país com uma parte da sociedade brasileira – classe alta e de maioria branca – celebrando a ação policial, enquanto a outra parte protestava contra o "golpe". O Brasil dividiu-se verticalmente no dia em que Lula foi detido.

História de golpes

O Brasil é país dividido, já há um bom tempo. Poucas pessoas no país aceitam a existência de linhas de ruptura de classe e raça, mas elas são visíveis todos os dias nos conflitos sociais e políticos do Brasil. Após anos de estresse, as linhas começaram a se agitar em junho de 2013 enquanto o Brasil se preparava para receber a Copa das Confederações da FIFA; milhares foram às ruas protestar contra o governo, com alguns pedindo o impeachment e outros ainda pedindo intervenção militar.

Ignorando a natureza racial e de classe dos protestos, a mídia – local e internacional – chamou aquilo de "primavera brasileira" – um levante contra governo impopular e corrupto.

Narrativa similar se repetiu nos últimos dias desde a detenção de Lula. Mas muitos do governo veem isso como conspiração. "O que está acontecendo no país é uma conspiração nacional e internacional para destruir o PT e introduzir no Brasil um modelo econômico como o atual (neoliberal) da Argentina" – disse o veterano diplomata brasileiro Samuel Guimarães a repórteres, após Lula ser detido pela polícia. "Isto é um golpe em andamento".

O Brasil tem familiaridade com golpes. Assim como com as interferências externas dos Estados Unidos. No século 20, pelo menos três presidentes brasileiros perderam o mandato – e um, a vida – por realizar políticas populares, despertando a ira das elites do país e de Washington.

Em todos os casos, o culpado pela queda dos presidentes foi a alta da inflação, queda da renda e má administração da economia. Há um claro padrão nisso tudo. Getúlio Vargas, criador da Petrobras como uma empresa estatal e que deu direitos sociais aos pobres do país, foi acusado pela elite carioca, liderada pelo conglomerado midiático, de corrupção que ele nunca cometeu. Em 1954, pôs fim à humilhação pública ininterrupta com uma bala no peito.

O próximo a cair foi Jânio Quadros, vencedor da eleição presidencial com margem de diferença recorde em 1961. No mesmo ano, Jânio convidou o revolucionário argentino Ernesto "Che" Guevara ao Brasil, e o honrou com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Essa iniciativa alarmou a elite brasileira e os americanos, ambos paranoicos com a expansão do comunismo na América do Sul. Então, Jânio cometeu um erro ainda maior: nacionalizou jazidas minerais. Em menos de um ano, foi retirado do poder por um Congresso dominado por antigos capitalistas e pessoas leais a Washington.

Jânio foi substituído por João Goulart. Líder de centro com visões progressistas, Goulart começou a implementar políticas de aumento salarial para os trabalhadores, reforma agrária, direito ao voto para todos os brasileiros e justiça social. Enquanto o governo brasileiro se dirigia levemente para a esquerda, John F. Kennedy, o então presidente americano que ainda se recuperava do infortúnio na Baía dos Porcos em Cuba, começava a discutir com seus aliados as maneiras de tirar Goulart do poder.

De acordo com documentos do Arquivo da Segurança Nacional dos EUA, em março de 1963, Kennedy disse a seus aliados: "Temos que fazer alguma coisa quanto ao Brasil". Logo depois, a mídia brasileira chamava Goulart de comunista e reclamava sobre a alta da inflação. Em 1964, sob o comando dos EUA, o exército brasileiro derrubou Goulart para "salvar o país" do comunismo. Até hoje, muitos círculos da elite brasileira chamam aquele golpe de "revolução".

O mundo sabe dos regimes ditatoriais brutais da Argentina e do Chile, mas tudo começou no Brasil – em 1964. A maioria dos países sul-americanos foi devastada por décadas de ditaduras patrocinadas pelos EUA. Os países só iniciaram o retorno à democracia nos anos 90, após o fim da Guerra Fria.

Então, numa virada irônica de grande abalo para a Doutrina Monroe, um país após o outro, começando pela Venezuela, depois Brasil, Argentina, Uruguai e Chileelegeram governantes de esquerda. A América do Sul não era mais o quintal de Washington.

Nos últimos 15 anos, todas as nações sul-americanas testemunharam acelerado crescimento econômico à medida em que estabeleceram relações com a China,fazendo do país asiático o maior ator na região.

Tragédia pela segunda vez

A contínua marcha para a esquerda na América do Sul disparou os alarmes de Washington novamente e também tirou o sono da elite local. Depois de 13 anos de governo petista, durante o qual enormes planos de bem-estar social foram implementados, a elite brasileira está cega de preocupação com a "bolivarização" do Brasil – referência às políticas de esquerda da Venezuela sob o governo de Hugo Chávez. Em São Paulo, a capital financeira da América do Sul, as conversas de bar geralmente são em torno de como o Brasil está se "tornando uma Venezuela". Os manifestantes antigoverno nas ruas repetem os mesmos slogans, enquanto agridem agridem qualquer um que lhes apareça vestido de vermelho.

Muitos dizem que a tragédia de 1964 está-se repetindo. "Estamos enfrentando uma estratégia de golpe de estado contra uma presidente eleita", informou recentemente o historiador Paulo Alves de Lima ao jornal RT. "Estamos à beira de uma nova etapa de contrarrevolução, com uma democracia ainda mais restrita, impregnada de arrogância e violência institucional...", disse Lima ao jornalista brasileiro Pepe Escobar, que vê a 'mudança de regime’ no Brasil como um ataque contra o grupo BRICS.

No Brasil, muitos intelectuais, observadores políticos, ativistas sociais, peritos judiciais e membros do governo acreditam que, diferentemente de 1964, quando o exército liderou a tomada do governo, a atual "contrarrevolução" está sendo organizada e liderada pelos partidos neoliberais em conluio com lobistas do país, grupos de direita, a mídia corporativa e um "judiciário altamente politizado".

Liderando o ataque ao governo Dilma Rouseff está o PSDB, autoproclamado democrata social, mas que de fato é um partido de direita que advoga políticas neoliberais e destruição de políticas sociais. Tendo perdido quatro eleições consecutivas para o PT, o PSDB testemunha uma guerra amarga entre seus líderes – todos desejando ser o presidente do país. O partido sentiu uma chance de vitória em 2015, após as pesquisas de opinião projetarem Dilma enfraquecida pelo escândalo da Petrobras e pelos protestos das ruas. No meio do processo eleitoral, após Eduardo Campos, um popular candidato do Partido Socialista Brasileiro, ter misteriosamente falecido num acidente de avião, o candidato pelo PSDB, Aécio Neves, começou a imaginar-se no palácio presidencial. A mídia ocidental o projetou como o salvador do Brasil. Banqueiro do Morgan Stanley chegou a comparar a 'ascensão' de Aécio ào do Primeiro-ministro indiano Narendra Modi.

Aécio estava certo de sua vitória após a revista Veja publicar uma matéria na véspera do 2º turno das eleições em dezembro de 2014, alegando que o doleiro Yousseff havia dito à polícia que Dilma e Lula sabiam da corrupção na Petrobras. Mas mesmo assim, Aécio  perdeu a eleição. Um mês após o início do segundo governo Dilma Rousseff, em janeiro de 2015, Aécio iniciou o pedido de impeachment, ainda tendo o artigo de Veja como "prova" da cumplicidade da presidente com o escândalo.

O artigo, publicado sem nenhuma resposta de Lula e Dilma, não era exceção. Os julgamentos da "Operação Lava Jato" estavam tanto na mídia quanto nas cortes,com vazamentos regulares de acusações feitas em delações premiadas. O magistrado de Curitiba, declaradamente influenciado pela operação Mani Pulite da Itália, tornou-se cultuado pela classe média, com suas fotos e frases espalhadas por revistas e jornais quase que diariamente.

Mas Moro, o juiz, também tem enfrentado críticas por suas táticas de manter os acusados na prisão, sem fiança, e utilizando-se de acordos de delação premiada para construir casos contra outros. Até o The Sunday Times de Londres recentemente publicou artigo sobre o juiz brasileiro, questionando a forma como ele conduz o caso.

O complexo judicial-jornalístico



Moro pareceu dar importância mínima a essas críticas, quando enviou a Polícia à casa de Lula para prendê-lo. Apesar de o nome do ex-presidente aparecer citado em incontáveis artigos que o dão como ligado ao escândalo, a verdade é que, até hoje ninguém apresentou qualquer tipo de prova contra ele – nem em tribunais nem em algum veículo de imprensa comercial. Além disso, o ex-presidente jamais se recusou a cooperar com a investigação. Portanto, quando Lula foi preso por mandato coercitivo assinado por juiz, muitos entenderam que o juiz Moro pisara fora da linha. Um juiz da Suprema Corte brasileira, Marco Aurélio Mello, criticou publicamente o juiz, porque "coerção só se aplicaria se Lula tivesse sido intimado e se recusasse a depor, o que não aconteceu."

Mas, mesmo com a tática dura de Moro, a detenção de Lula não saiu conforme oscript. Tão logo a notícia da prisão espalhou-se por São Paulo, começaram as brigas a murros na calçada em frente ao prédio onde Lula mora. E a conta do PT no Twitter lançou mensagem em que Lula era chamado de "preso político". Com as mídias sociais fervilhando de notícias sobre o "sequestro" de Lula pela polícia, centenas de pessoas começaram a reunir-se pelas ruas em São Paulo, gritando "Não vai ter golpe" [N. Quando já começavam a chegar notícias de multidões mobilizadas em outras cidades do país, o ex-presidente Lula foi deixado partir.] E dirigiu-se diretamente à sede do Partido dos Trabalhadores, onde falou a uma multidão de ativistas e estudantes. "Mereço mais respeito nesse país" – disse Lula, com ar cansado, mas resoluto. Na mesma noite, Lula estava numa reunião de sindicalistas, onde disse que, sim, pode candidatar-se à presidência em 2018. "Sinceramente, espero que tenha outras pessoas para serem candidatas. Agora, uma coisa pode ficar certa: se for necessário, eu vou para a disputa em 2018" – disse Lula a uma multidão reunida para ouvi-lo, no centro de São Paulo.

Até apoiadores ferrenhos do PT e de Lula consideram que o Partido dos Trabalhadores é em parte responsável pelo que acontece hoje no Brasil. O envolvimento de líderes do partido em atos de corrupção maculou sua imagem até entre seguidores. Além disso, o núcleo duro de apoio ao partido, sindicatos, movimentos sociais, ativistas e ideólogos de esquerda já se afastaram do PT, com Rousseff empurrando o governo para o centro e, ela própria, afastando-se daquelas bases. Nesse cenário, a prisão de Lula deveria ser o golpe de morte contra o PT. Na mídia comercial – local e global – Lula era apresentado como figura isolada. Na verdade, a situação em campo mostrou-se muito diferente, ante os milhões de apoiadores que se apresentaram nas ruas em apoio ao ex-presidente.

Mas outras reviravoltas estavam por vir.

Dia 11 de março, Rousseff ofereceu a Lula um posto de ministro de seu governo. Depois de muita discussão e adiamento, Lula afinal aceitou ser ministro da Casa Civil da presidenta Dilma (cargo, aproximadamente, de primeiro-ministro). O movimento foi considerado pelos petistas como necessário para salvar o governo do "golpe" em curso; a oposição não tardou a 'denunciar' o que, para ela, seria tentativa de salvar Lula de ser preso no "escândalo da corrupção". Dia seguinte, o juiz Moro entregou à Globo TV a gravação de uma conversa telefônica entre a presidenta e o ex-presidente, em que conversam sobre a ida de Lula para o ministério. À noite, a TV Globo exibiu a gravação em horário nobre, interpretando as falas como se fossem uma espécie de 'arranjo', para garantir a Lula um cargo que o poria em situação de só poder ser julgado pela Suprema Corte.

Como se não bastasse divulgar material sem verificar a veracidade dos fatos e sem autorização legal, os âncoras e repórteres da TV Globo puseram-se a incitar a população a ir para as ruas protestar contra Lula e Rousseff.

A gravação pela Polícia Federal, de conversas de Rousseff no próprio telefone, quando a presidenta falava com um ex-presidente, imediatamente disparou uma comparação com a vigilância ilegal da Agência de Segurança Nacional dos EUA. Vários importantes juristas e especialistas em questões de escutas ilegais questionaram a decisão de Moro, de gravar conversas privadas e 'vazá-las' para a TV Globo, antes de a gravação ter sido apresentada como prova na corte. Mas Moro justificou sua ação, comparando o caso brasileiro ao escândalo Watergate que envolveu o ex-presidente Richard Nixon.

A gravação de 30 segundos, que já não tem qualquer valor judicial, deu munição à oposição para exigir a prisão de Lula e que se acelerasse a tramitação de um pedido de impeachment contra Rousseff.

Apesar de o ministro Mello da Suprema Corte já ter criticado Moro duramente, chamando de "crime" a ação de gravar clandestinamente conversas da presidenta, o vazamento da gravação e as manchetes histéricas de O Globo e da TV do mesmo grupo Globo tiveram o efeito desejado: a nomeação de Lula ao cargo de ministro foi bloqueada – e eclodiram movimentos de rua contra o governo Rousseff.

Dois Brasis, duas narrativas

No dia seguinte ao vazamento da conversa gravada, cerca de 1,5 milhão de pessoas, muitas usando a camisa amarela da seleção de futebol do Brasil e ostentando bandeiras do Brasil, saíram às ruas pelo país.

Com muitos fotógrafos e cinegrafistas em helicópteros registrando o mar de verde-e-amarelo na Av. Paulista em SP, onde se reuniram 400 mil pessoas, no maior protesto antigoverno da história da cidade, dia seguinte os jornais estavam também pintados de verde-e-amarelo. Quem visse pensaria que todo o Brasil exigia a cabeça do PT. Foi o que bastou para que a velha narrativa de "levante popular contra governo corrupto e ineficiente" voltasse às páginas da mídia comercial internacional.

A verdade é um pouco mais complicada.

Embora vestidos com as cores nacionais, as pessoas que protestaram naquele dia na Av. Paulista seriam qualquer coisa, exceto nacionalistas. Pesquisa da empresa Datafolha revelou que 80% dos 'manifestantes' anti-Rousseff e anti-PT eram brancos; 77% com formação universitária; e 75% classificados nos grupos de mais alta renda.

Num país cuja população apresenta 50% de brancos, 11% apenas, com formação universitária e menos de 6% classificados nos grupos de mais alta renda, não é difícil entender quem, afinal de contas, manifestava-se nas ruas contra o governo Rousseff. Praticamente todos ali eram representantes da elite da sociedade brasileira: ricos, brancos e conservadores.

A elite brasileira sempre manifestou grande incômodo com a vitória de candidatos populares de tendência de esquerda; o partido preferencial da elite era o PSDB – várias vezes derrotado nas urnas. No governo do PT, mais de 40 milhões de pessoas superaram a pobreza e ascenderam socialmente. Foi o período de mais consistente inclusão social, num país conhecido pela terrível desigualdade. Aconteceram mudanças sociais amplas no Brasil. Com leis que garantem salários mínimos e aposentadorias e pensões, a classe média alta deixou de poder manter empregados domésticos e motoristas. Com quotas asseguradas para o acesso à educação, estudantes negros entram afinal nas universidades públicas e no mercado de trabalho profissional, em números jamais vistos no Brasil. E com renda melhor, os pobres afinal viajam de avião, compram em shopping centers e compram casa própria em bairros tradicionalmente 'de ricos' (e brancos). Fato é que os governos do Partido dos Trabalhadores, sim, perturbaram a velha ordem estabelecida.

Poucos países viram, em toda a história, mudança social tão ampla, em tão pouco tempo. Assim como os ricos explodiram em fúria nos tempos de mudanças nos governos de Getúlio Vargas e João "Jango" Goulart, também dessa vez as classes privilegiadas do Brasil estão furiosas contra o PT por dar dinheiro diretamente às mães pobres, no programa Bolsa Família – que inspirou o programa indianoMahatma Gandhi National Rural Employment Guarantee Act, MNREGA (Lei Mahatma Gahdhi de Garantia Nacional de Emprego Rural).

Em seus discursos, Lula frequentemente denuncia a elite brasileira por não aceitar essa mudança social e ressentir-se por a vida dos mais pobres ter melhorado um pouco. No Brasil, muitos entendem que a atual crise foi urdida pela elite brasileira, para desestabilizar o governo e conseguir voltar ao poder.

"Os primeiros protestos contra Dilma aconteceram em 2013, quando nos preparávamos para receber a Copa das Confederações da FIFA. Naquele momento, o desemprego era o mais baixo que jamais houve no Brasil, inflação de um dígito, salários em alta, e Dilma tinha aprovação de 70%. E tanta gente exigia 'mudanças'?! Claro q há mudanças a fazer, mas reivindicar naquele momento, e não em tantos outros, não fazia sentido. De fato, foi o início de uma operação de mudança de regime, mais uma 'revolução colorida', dessa vez no Brasil" – diz membro do PT que pede para não ser identificado. "Foram ações organizadas e promovidas pelas mídias sociais. Foi quase como uma operação de inteligência" – acrescenta.

Embora não haja prova de que os protestos antigoverno de 2013 tenham sido arquitetados de fora, também ali, sem dúvida possível, a multidão era indiscutivelmente 'elite'. Pesquisa da Datafolha feita naquele momento mostrou que 90% dos manifestantes eram brancos; 77% com formação universitária. Desde 2013, todos os protestos contra o governo acontecem em áreas de classe média rica, longe das áreas onde vive a maioria da população mais pobre. Mas as mídias comerciais sempre falam da "indignação dos brasileiros", como se todos fossem igualmente ricos, ou igualmente pobres.

No Brasil toda a imprensa/mídia comercial é controlada por oligarcas – e o país já foi chamado de "Um país de 30 Berlusconis" em documento dos Jornalistas Sem Fronteiras. Sempre houve, desde o primeiro mandato de Lula em 2003 – governo de tendência de esquerda ou apenas progressista –, guerra declarada àquele governo, pelas empresas da imprensa comercial no Brasil.

Nos anos Rousseff, a guerra tornou-se ainda mais suja. O massacre contra os governos petistas sempre foi comandado pelo Grupo Globo, que inclui dúzias de jornais, revistas, canais de TV e websites. O conglomerado, que tem monopólio quase total sobre noticiário, entretenimento, futebol e carnaval, sempre, historicamente, foi anti-PT. O grupo também apoiou ativamente o golpe militar de 1964 e cresceu, com lucros gigantes, durante os 21 anos do governo dos militares.

Mas o tom beligerante da TV Globo não caiu bem entre os brasileiros pobres e das classes médias, e muitos já trabalham para boicotar a rede. Um dia depois que o canal de TV do grupo exibiu a fita da conversa entre Lula e Rousseff, o famoso ator brasileiro Wagner Moura, astro de Narcos em Netflix, distribuiu um vídeo por sua página de Facebook, manifestando preocupação com o "circo midiático" e a "agenda política" do Judiciário. "A mídia, claro, se se examina o passado, todos os grupos estiveram envolvidos no golpe de 64" – diz Moura no vídeo.

A noite das facas longas

A mídia comercial brasileira dominante tem poder tremendo no país, mas raramente usa esse poder para questionar o Judiciário. Todos os 'vazamentos seletivos' feitos por Moro e pela polícia federal foram cuidadosamente publicados e repetidos.

E há graves acusações por corrupção contra altos chefes do PSDB, inclusive contra Aécio Neves e contra o presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha... o mesmo que, agora, conduz o processo de impeachment contra Rousseff. Mas a imprensa comercial absolutamente não se interessou por levantar qualquer discussão que envolva esses chefes.

Os principais intelectuais brasileiros vêm problema maior que esse. Nas palavras deJesse Jose Freire de Souza de Souza, sociólogo renomado, o Judiciário tomou a posição de "força moderadora superior", acima da política, a mesma que, na ditadura, era ocupada pelos ditadores militares e, antes ainda, pela monarquia. "Quem possibilitou tudo isso foi a mídia-empresa comercial" – Jesse escreveu em artigo publicado semana passada.

Para comentaristas de esquerda, o país enfrenta "golpe", e as empresas comerciais de mídia e o Judiciário trabalham juntos. Miguel do Rosário, editor de O Cafezinho,website não comercial, de esquerda, vê conspiração ainda maior que em 1964. "Semelhante a 1964, o golpe atual é apoiado pela maior empresa de mídia comercial do Brasil, Globo. Diferente de 1964, o golpe atual é resultado da ação de um Judiciário ideologicamente tendencioso, que tem três objetivos: derrubar presidenta democraticamente eleita; impedir que o ex-presidente Lula concorra às eleições de 2018; e, afinal, pôr na ilegalidade o Partido dos Trabalhadores brasileiro" – escreveu ele.

Pode soar alarmista, mas há medo no ar, no Brasil, pelo modo como as coisas vão-se desdobrando: medo pelo futuro da democracia e do Estado de Direito.

Dia 18 de março, centenas de milhares de pessoas comuns encheram as ruas em "defesa da democracia", em 45 cidades em todo o país. A maior concentração aconteceu em São Paulo onde 250 mil pessoas, inclusive críticos do governo de Dilma e de Lula, encheram a Avenida Paulista, apesar das ameaças de violência por gangues de direita. Foi um show de força, contra "o golpe". Foi um show da diversidade do Brasil. A noite incendiou-se quando Lula, vestindo camisa vermelha [sempre usou camisa vermelha em todos os atos do Partido dos Trabalhadores (NTs)], chegou à avenida e falou durante 20 minutos, sobre o teto de um ônibus que fechava a passagem. "Não vai ter golpe," gritou Lula, ecoado por milhares de vozes. "Democracia tem a ver com a voz do povo, trata da voz da maioria" – disse ele, eletrizando a multidão.

A detenção de Lula energizou a esquerda brasileira. As ruas, desde 2013, estavam dominadas pela direita. Agora, com os grupos de esquerda se reorganizando, muitos temem o pior: violência e conflito social.

A disputa final

Brasileiros comuns podem estar-se preparando para brigas de rua, mas os verdadeiros jogos estão sendo jogados em Brasília, capital do país. Um juiz da Suprema Corte, Gilmar Mendes, suspendeu a nomeação de Lula para o ministério da presidenta Dilma. Cunha uniu-se ao PSDB para acelerar o impeachment de Rousseff. Michel Temer, o vice-presidente, estaria discutindo a formação do governo pós-Dilma, com José Serra, hoje senador. Há rumores de que o processo deimpeachment estará concluído no fim de abril, e de que Temer – que aparece em posição de destaque em vários casos de corrupção – assuma o governo do Brasil.

O Brasil está na corda bamba. Um ex-presidente que transformou o país pode ir para a prisão. A atual presidenta, contra quem não há qualquer acusação de corrupção, pode ser impedida. E tudo isso no ano em que o país hospedará os Jogos Olímpicos. Pois por mais que alguns temam que a atual crise venha a causar dano às instituições do país, e outros falem de uma ameaça à democracia, a elite brasileira parece não se preocupar.

Indicação do que pode estar sendo cozinhado em Brasília, Ilimar Franco, conhecido jornalista e blogueiro publicou foto de uma reunião de almoço, dia 16 de março, um dia antes de a nomeação de Lula para o ministério ter sido suspensa. Na foto, Mendes, o juiz que, no dia seguinte, suspendeu a posse, é visto almoçando com Serra e Armínio Fraga, [ex-presidente do Banco Central do Brasil, de 1999 a 2002, assessor dos dois governos do PSDB de Fernando Henrique Cardoso (NTs) e] ex-gerente do Fundo Quantum, de George Soros. A foto viralizou nas mídias sociais, com muita gente se perguntando sobre o que estariam discutindo o juiz; um ex-candidato à presidência e nome que aparece várias vezes citados nos telegramas de Wikileaks [como 'contato' da Embaixada e de consulados dos EUA no Brasil (NTs)], e um gerente de fundos que representa o interesse das corporações financeiras dos EUA.

É. Podem ter sentado para almoçar e discutir futebol.

Mas com Serra, mestre de conspirações políticas, no centro da ação, depois da humilhante derrota que sofreu nas eleições de 2010, quando Dilma o tirou da corrida presidencial, as próximas poucas semanas serão cruciais para o Brasil, para o PT e para a Petrobrás.

Em Brasília, a batalha está sendo chamada de "ou vai ou racha", com alianças políticas dos dois lados do muro sob pressão intensa, para alcançar os números necessários, seja para descartar seja para aprovar o impeachment de Dilma. Dilma e Lula lutam pela democracia e pela própria sobrevivência política, mas já se veemlobbyistas trabalhando freneticamente para quebrar o monopólio da Petrobrás sobre o petróleo brasileiro.

Em meio a todas as mais ferozes disputas nos tribunais, no Congresso e nas ruas, o Senado brasileiro aprovou recentemente uma lei que pode "cancelar a exigência de que a Petrobrás seja operadora e fique com pelo menos 30% dos lucros operacionais em todos os campos do pré-sal". Se essa lei, cujo projeto é patrocinado pelo senador José Serra, vier a ser lei, terá acabado o controle que a Petrobrás tem sobre os campos de petróleo do país. Embora fortemente rejeitado por alguns senadores, como Roberto Requião, do Paraná, a lei foi aprovada no Senado, por diferença mínima.

Surpreso ante o frenesi para privatizar os negócios do petróleo, Requião disse que a tramitação da lei está avançando "na correria, sem passar pelas comissões, com os gabinetes dos senadores cheios de lobbyistas que promovem interesses de multinacionais como Shell e British Petroleum". Mas, ante a massiva pressão doslobbyistas, a oposição do senador Requião não foi suficiente. "Será que o Brasil perdeu a maioria no Senado, para petroleiras multinacionais? Ainda espero que não" – o veterano senador tuitou, depois da votação.

Agora o projeto de lei vai à Câmara de Deputados e, na sequência, terá de ser sancionado pela presidenta. Rousseff ainda pode vetar o projeto de lei. Mas, se o vice-presidente Michel Temer, que se separou de Dilma, assumir a presidência em lugar dela, há bem pouca dúvida de que o projeto será sancionado e se converterá em lei. Significaria que todo o drama que o Brasil está vivendo – detenção de Lula,impeachment de Dilma e perseguição incansável ao PT – resume-se, afinal, a petróleo.

Como voz do Big Oil, The Economist põe o Brasil outra vez na capa, essa semana. "Time to go" [Hora de sair], diz a revista, sobre uma foto de Dilma com ar desolado. Repetindo o mesmo velho script de "má administração da Economia", a revista 'exige' a remoção, do governo, de uma governante eleita, que recebeu seu mandato, de pleno direito, em eleições livres e justas, ocorridas há menos de 15 meses.

Hoje, a elite e o complexo midiático-judiciário brasileiro também seguem o mesmoscript. Como aconteceu com presidentes anteriores – Vargas, Quadros e Goulart –, se Dilma Rousseff tiver de deixar o governo, as multinacionais do petróleo terão vencido mais uma vez. E mais uma vez o Brasil terá sucumbido a um golpe de Estado.*****


* Shobhan Saxena é jornalista, indiano, que cobre assuntos da América do Sul, com base em São Paulo.

[1] Esse telegrama, datado de 13/2/2010, "coordenado entre os consulados do Rio de Janeiro e São Paulo, foi distribuído para as embaixadas dos EUA em "ARGENTINA BUENOS AIRES | BOLIVIA LA PAZ | BRAZIL BRASILIA | BRAZIL RIO DE JANEIRO | BRAZIL SÃO PAULO | CHILE SANTIAGO | COLOMBIA BOGOTÁ | PERU LIMA | SECRETARY OF STATE | URUGUAY MONTEVIDEO | VENEZUELA CARACAS".

Fonte:http://www.ocafezinho.com/2016/03/26/ha-golpe-no-ar-o-complo-para-desestabilizar-dilma-rousseff-lula-e-o-brasil/

A história do Brasil contada por Magna Novais


"Então, estudei muito, o bastante para saber que quando as caravelas por aqui chegaram, trouxeram todo o tipo de bandido para colonizar o Brasil.

Depois, fatiaram o país e criaram as capitanias hereditárias, algumas vivas até hoje na mão da família Sarney.

Em seguida, um REI, fugindo de Napoleão Bonaparte, abandona Portugal à própria sorte e vem ser imperador ´por essas bandas, fundando o Banco do Brasil com dinheiro roubado dos cofres de lá.

 Estudei o suficiente para saber que no século XVIII enforcaram e esquartejaram um cara que lutava por liberdade e que foi condenado através do que chamaríamos hoje de delação premiada.

Sei também de um outro cara, que em Canudos quis recomeçar com sua comunidade, implantou um sistema autossuficiente onde todos podiam plantar, colher, trabalhar e que as tropas da recém criada república dizimaram, não sobrou uma única pessoa viva em canudos.

Estudei o bastante também para saber que a abolição da escravatura não foi nada além de uma jogada de mercado, influenciada e financiada pelos cofres ingleses e que a proclamação da república não foi um ato de reconhecimento do clamor do povo, mas uma jogada de gabinete que levou os militares ao poder pela primeira vez.

Não esqueçamos que nosso primeiro presidente da república foi um marechal. Depois disso, sei também que até 1930, paulistas e mineiros se alternavam no poder, numa clara afronta à democracia até que Getúlio Vargas toma o poder, não nos levando a uma democracia, mas a uma ditadura até 1945 quando finalmente as pessoas puderam votar e o elegeram presidente, e ele acabou morrendo sendo chamado de o "maior corrupto da história" e até hoje a História se divide entre os que acreditam e os que não acreditam nisso.

Em seguida João Goulart,  que lutava pela reforma agrária, reforma política, melhores condições de trabalho, defesa do 13º salário, foi deposto pelos militares como o "maior corrupto da História do Brasil.

 Então mergulhamos em 21 anos de ditadura, de mortos, desaparecidos políticos, famílias dizimadas pela fome, falta de comida no super prá comprar, inflação de 83% ao mês, fim das liberdades políticas para o ciadão, corrupção na construção da Transamazônica, do Riocentro, desvios já na Petrobrás, concessões de rádio e TV para algumas poucas famílias, entre elas os Marinho, enriquecimento ilícito de empresários, financiamento de golpes no Chile e no Uruguai através de bancos estadunidenses......dinheiro na mala.....e por aí vai.....

 Com o fim da ditadura, vieram os gatilhos do Sarney e então enfrentávamos inflação entre 70 e 73% ao mês.

Até que chegou o "caçador de marajás" que renunciou sob denuncias de caixa 2 na campanha, tráfico de influência e cassação da poupança.

 Chega a vez do intelectual governar por 8 anos o país e vieram as privatizações, 100 bilhões desviados da Petrobrás e que segundo o seu herói juiz Moro, "não vem ao caso".

A venda da Vale do Rio Doce para a Samarco sob fortes indícios de irregularidades que nunca foram investigadas, que foram arquivadas.

 Sei também, através de meus estudos, que só em 1995, governo FHC, 5.000.000 de nordestinos morreram de fome, mas tudo bem, é no nordeste né?

 Por isso Betinho saiu pelo Brasil na campanha Brasil sem fome.

Internacionalmente, tinha governante que achava que o Brasil ficava na África por sermos semelhantes aos países mais pobres daquele continente. E ninguém bateu panela por isso.

Ninguém bate panela pelos 55.000 jovens negros mortos pela polícia todos os anos, ninguém bate panelas pelo fim do estupro das mulheres (1 a cada 1,3h no Brasil), ninguém bate panela pelos índios mortos no Pará e no Mato Grosso pelos latifundiários do gado, ninguém bate panela pedindo e prisão de Aécio Neves, já citado na lava jato 4 vezes em diferentes delações.

 Ninguém bate panela pedindo a aceleração do processo de afastamento de Eduardo Cunha da câmara de deputados.

Ninguém bate panela pela prisão de Paulo Maluf.

Ninguém vai prá rua pedir justiça pelo pedreiro ou pela doméstica negros mortos covardemente pela polícia.

Batem panela e vão para a rua contra as cotas que colocaram os negros em ambiente branco, nas universidades.

Batem panela contra os 36.000.000 de brasileiros que saíram da extrema pobreza, tirando o Brasil do mapa da fome mundial.

Batem panela contra o Prouni, batem panela para o luz para todos que levou energia elétrica para o sertão, batem panela contra a transposição do são francisco, que começou este ano a levar água para os confins do nordeste.

Batem panela para o minha casa minha vida, que deu um pouco de moradia digna para quem vivia em condições subumanas.

Batem panela para o crédito rural que baixou o juro para o pequeno agricultor.

Batem panela para os 4 anos de IPI 0% na compra de automóveis.

Batem panela para o ciência sem fronteira que está levando nossos universitários para complementarem seus estudos nas melhores universidades do mundo. Batem panela para a Polícia Federal livre para investigar, e só por isso Lula está sendo investigado.

 Enfim, não defendo a pessoa do Lula, até porque NADA foi provado, TUDO ainda está sendo investigado e se for comprovado ele será sim julgado, independente da instância.

Defendo, tudo o que a massa de manobra da globo e da elite raivosa está querendo comprometer.

Defendo um projeto de país livre do FMI, um projeto que tem muito a avançar, porque ainda há muito o que fazer, na segurança, educação, saúde que estão sim, muito precárias, mas que se a gente não tivesse perdendo tempo na frente do Jornal Nacional, poderíamos estar lutando para arrumar.

 Porque um executivo que tenta trabalhar com um legislativo podre como o nosso é como uma mãe que trabalha o dia  inteiro pros filhos jogarem a comida da panela fora só para bater no fundo.

Não confundam as coisas.
Não defendo bandido, mas também não lambo bota de uma elite que não odeia, ela terceiriza o ódio e é isso que vemos agora.
Tem gente que sai de camiseta vermelha na rua e apanha dos que vestem a camiseta da corrupta CBF,  enquanto os que não aguentam mais ficar longe do poder estão sentadinhos na frente do Bonner tomando seu scoot 12 anos.

 Sim, a casa grande surta quando a senzala aprende a ler, e a gente aprendeu, e se tivermos que cair, vamos cair lutando, porque sabemos a diferença entre sermos os coitadinhos e os protagonistas da História.

 Não aceitamos mais as migalhas dos caridosos, queremos justiça social e é isso que os poderosos não estão aguentando, pobre protagonizando sua história.

Pobre em aeroporto, pobre comprando carro, pobre comprando casa, filho de pedreiro virando médico, pobre indo a restaurante.....etc.....como disse a socialite Danuza coxinha Leão "Não tem mais graça ir a Paris porque agora você encontra o porteiro do prédio lá".....e isso incomoda, e muito. Sim, eu estudei, e gostaria de ter dois cérebros, para estudar ainda mais!!!"

Texto de Magna Novais

sexta-feira, 25 de março de 2016

Lava Jato: a narrativa sai dos trilhos



Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

A Operação Lava Jato desenrolou-se, nos últimos dois anos, seguindo uma narrativa com início, meio e fim. Uma história que devia terminar com Lula preso e responsabilizado pela montagem de um mega-esquema de corrupção para financiar a manutenção do PT no poder. Caracterizado como podre e corrupto, o partido, no final da história, também poderia ter seu registro cassado e desaparecer de cena. De Dilma, cuidaria o Congresso com o impeachment. Alguns fatos recentes, entretanto, estão ameaçando o o curso da narrativa. Por isso a lista da Odebrecht agora foi posta pelo Juiz Moro sob sigilo, depois de ele ter autorizado a divulgação do grampo Dilma-Lula. Por isso o Ministério Público praticamente dispensou a “colaboração definitiva” da empreiteira.

Em agosto do ano passado, quando José Dirceu foi preso às vésperas do protesto do dia 16 daquele mês contra Dilma e o governo, a narrativa fez uma forte inflexão. Registramos neste blog, no dia 25 de agosto: “Lava Jato muda narrativa para chegar a Lula”. Falando sobre a 17ª. Fase, em que Dirceu foi preso, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, porta voz mais frequente do comando de Curitiba, afirmou repetidas vezes em relação a Dirceu: "Chegamos a um dos líderes principais, que instituiu o esquema, permitiu que ele existisse e se beneficiou dele". E estabeleceu a comparação com o mensalão de 2005: “O DNA é o mesmo: compra de apoio político”. Com muita insistência afirmou que o esquema “teve início no governo Lula” e perguntado se o ex-presidente também seria investigado respondeu:"nenhuma pessoa no regime republicano está isenta de ser investigada". A frase inteira em que ele responsabiliza Dirceu foi claramente insinuante: "Não descarto que existam outros cabeças mas chegamos a um dos líderes principais, que instituiu o esquema, permitiu que ele existisse e se beneficiou dele".

Vieram as outras fases. A Odebrecht foi a única empreiteira que, mesmo tendo seu principal executivo e herdeiro preso, recusou-se a fazer acordo de delação. Nas fases seguintes, não foram encontradas provas de que Lula era “o outro cabeça” ou a principal cabeça do esquema Petrobrás. Ele então começou a ser investigado pelas obras no sítio de Atibaia e por reformas no apartamento que não chegou a comprar. Dava no mesmo, ou quase.

O cerco a Lula foi se fechando ao mesmo tempo que o Congresso avançava contra Dilma com o impeachment. Quando ela chama Lula para ajuda-la a resistir e a soerguer o governo, e o nomeia ministro, Moro dá o tiro de escopeta da divulgação ilegal dos grampos. Foi aí que a narrativa começou a sair dos trilhos. Moro expôs-se mais que o devido, para além do previsto no script.

A base social de Lula e do PT também foi às ruas. A consciência jurídica manifestou-se contra o impeachment por razões políticas, que assim sendo, ganha outro nome, como disse Renan Calheiros. O nome de golpe.

E para completar, com a operação Xepa invandindo suas sedes em várias cidades, a Odebrecht informa em nota que está disposta a fazer uma “colaboração definitiva” sobre fatos que se relacionam com a existência “de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoal”. Opa, de um sistema? Na narrativa original estava escrito “um partido”.

E começa o vazamento da lista com mais de 300 nomes do “sistema” que receberam dinheiro da empreiteira. Doações legais ou ilegais? Não importa, pois as doações das empreiteiras ao PT não são consideradas como “propinas”.

O “sistema”, segundo a lista, é antigo, remonta aos anos 1980. Opa, isso contradiz o procurador que afirmou sem sombra de dúvida que ele “foi instituído no governo Lula”.

O Ministério Público então avisa que não tem interesse pela delação da Odebrecht. Ela poderia ser um tiro fatal na narrativa.

Mas aí vem Pedro Correa, um velho político das franjas do sistema, com uma delação em que espalha bala para todo lado. Afirma até que FHC comprou a emenda da reeleição com a ajuda do Banco Itaú.

Encalacra o PSDB, o TCU e todo mundo.

O país também tem direito à delação de Pedro Correa. Só falta ela ser protegida por sigilo, como nenhuma outra foi.

Definitivamente, a narrativa está saindo do script original.

Está se caracterizando a existência de um “sistema” de financiamento da política a partir do Estado mas não um financiamento público transparente e lícito. Tal sistema se baseia no financiamento pelo Estado a partir dos contratos com grandes empresas fornecedoras, e nele os operadores de dentro e fora do Estado embolsam uma boa parte. Baruscos e companhia. Um sistema que gera e realimenta a corrupção, qualquer que seja o partido no poder.

Esta verdade não interessa à Lava Jato e aos que dela se valeram para fomentar a crise. Não interessa ao “sistema”.

Mas é a partir dela que poderemos realmente passar o sistema político a limpo para o bem da democracia. Se ele for mantido, mesmo com Lula defenestrado da cena política, Dilma afastada e o PT banido para a terra do mal, mesmo com as empreiteiras sangradas, abrindo espaço para empresas estrangeiras, outras crises virão.


A palavra do momento é acordão. Faz-se o impeachment e na poeira todos escapam. Com isso, as ruas não podem concordar. Nem as que estão contra Dilma, nem as que combatem o golpe.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Lula e a narrativa de George Lakoff,




 por Madrasta do Texto Ruim
VIA Nassif online


Tá tudo descrito por George Lakoff no livro The Political Mind, de 2008. (Joga no Google pra saber qual é a do Lakoff. Digo apenas que o cara manda muito. Os livros dele são divisores de águas para o estudo da linguística cognitiva, e ele fala de igual pra igual com a psicologia cognitiva.)

As pessoas assimilam histórias longas dividindo-as em pequenas histórias. Cada uma dessas pequenas histórias são clichês repletos de julgamentos de valor, e um campo semântico predeterminado.

Assim, entendemos a Branca de Neve como jovem pobre e indefesa, vítima de uma madrasta malvada. E entendemos o Capitão Nascimento como um policial violento e truculento que se vale de armas, coragem e valentia para ser um herói.

Nunca vamos associar o sintagma "jovem indefesa" ao Capitão Nascimento, nem "violência e truculência" à Branca de Neve.

A isto Lakoff chama de framing. A gente associa todas as ideias que cercam uma palavra a um fato/pessoa.

Ponto parágrafo.

A ideia é incutir o frame "ladrão corrupto" a (adivinha de quem eu tô falando? Dica: podemos considerá-lo primo do Dinofauro, tá parei).

O trabalho vem sendo feito desde 2006 (ok, me deixem, tô contando por alto), com a ideia do mensalão (uma palavra cuja composição morfológica repleta de significados lhe atribui um campo semântico poderoso).

Aí não colou nele.

Aí ele ficou forte.

Aí ele saiu da função com alta taxa de aprovação. E o framing de ladrão corrupto se enfraqueceu.

Aí ele elegeu sua sucessora.

Aí ele reelegeu sua sucessora, em meio a um trabalho forte de framing de ladrão/corrupto/chefe de quadrilha à imagem dele. E nada de grudR muito o framing.

Os cabra num engoliro a reeleição. E sabem que, quanto mais desconstruído, mais desmitificado, mais fraco ele fica. E tome de framing.

- Ah, ele tem um sítio não declarado! (Framing de corrupto). Mas o sítio num tava em nome dele, então a história meio que tava forçada (imaginem Capitão Nascimento com saia de frufru dançando balé. Fica difícil chamá-lo de valentão, né?). O framing não pegou EM QUEM RACIOCINA DIREITO.

- Ah, um barco de QUATRO MIL REAIS foii comprado pela mulher dele e entregue no sítio! Aí mais uma vez, framing de corrupto e ladrão entra melhor em quem tem iate, né? E esqueceu-se do barquinho de alumínio furreco.

- Ah, tem dois pedalinhos de CISNEY (pausa para risos), com o nome dos NETOS dele!!! E mais uma vez, o framing falhou. Tenho pra mim apenas que dona Marisa tem um mau gostodo caralho, mas corrupta e ladra ela não é, coitada. E deixou-se de lado os pedalinho, já que.... Tcharam....

- LEVARAM O CARA PARA DEPOOOOOOORRRRR!!! A POLÍCIA PRENDEU ELEEEEEEE!!!! UHUUUUU! . Aí ele saiu do depoimento aclamado. Geral dizendo q o aparato para pegar o cara ( 200 policiais armados até os dentes e com uniforme camuflado. Não sei vcs, mas eu consigo ouvir o Capitão Nascimento bradando "putaquepariu, caralho, pede pra sair zérodois!!!") era por demais exagerado. Aí o cara deu (mais) uma (de suas) entrevista(s) mitológica(s) e ainda se autointitulou (ele não sabe, mas é ótimo em framings) jararaca. Tá foda emplacar o framing de ladrão corrupto, né?

- a moda agora é falar dos onze contêineres q ele "levou do Alvorada, cheio de coisa da presidência", e VOILÀ! Temos um bom framing de ladrão de galinha.

O problema vai ser quando geral descobrir que o material foi separado pelo próprio staff do Alvorada, sob a ordem "quero levar o mínimo necessário. Aliás, deixem o máximo possível aqui".

Enquanto isso, a plebe ignara vai acolhendo um framing fraco atrás do outro, e neles incute-se facilmente a ideia de que Lula (vcs já tinham sacado, né?) é ladrão, corrupto, bêbado e analfabeto (o único analfabeto com noções de trigonometria, mas deixa isso pra lá).

E George Lakoff, direto de Berkley, segue todo trabalhado naquele gatinho do "falo nada, só observo"...

Eu apenas chamo de volta à baila minha miga Onça Paçada.


Fonte : http://jornalggn.com.br/noticia/lula-e-a-narrativa-de-george-lakoff-por-madrasta-do-texto-ruim#.Vt2Z-q3eckw.facebook

quinta-feira, 3 de março de 2016

Zé Dirceu não é gente deste mundo


Do jornalista Ernesto Marques* 


Há muito tempo digo que Zé Dirceu não é gente deste mundo. Basta olhar a expressão dele aos vinte e poucos anos, preso numa Veraneio daquelas que a PF usava pra ver que uma pessoa normal não manteria aquele olhar blasé, como quem vai de carona ao teatro. Por acaso é um ser normal, um sujeito que lidera uma passeata com 100 mil pessoas em plena ditadura, sem sequer um velho megafone?
É gente deste mundo um cara entre os mais procurados pelo regime militar, que entra e sai do país com passaporte falso para organizar a resistência contra os golpistas? Não parece coisa de cinema, o sujeito fazer plástica para não ser reconhecido, voltar ao seu país com identidade falsa, casar sem envolver sua companheira nos riscos da atividade política e ter uma vida clandestina em paralelo?
É gente deste mundo um sujeito genial, como muitos da geração de 1968, em vez de fazer inflexões ao centro ou mesmo à direita e se manter no mesmo campo para fundar um partido operário e manter-se na luta, trocando as armas pela institucionalidade?
É gente deste mundo um cara com méritos para ocupar, na política, espaços que foram ocupados por gente como José Serra, Aloízio Nunes Ferreira e tantos outros convertidos, e prefere estar ao lado de um peão ainda bruto e falando errado?
É gente deste mundo um gênio da política como ele é – nem seus mais severos detratores podem negar sua genialidade – saber-se segundo e conduzir o metalúrgico nordestino, como o primeiro dos nossos a chegar à Presidência da República?
Não. Definitivamente, Zé Dirceu não é gente deste mundo. Eu já o odiei várias vezes e tive minhas razões para isso. Xinguei a sua última geração quando ele orquestrou a abertura do capital das empresas de comunicação para o capital internacional. Vociferei quando ele saiu de seus cuidados em Brasília para impedir a eleição de Jandira Feghali para o Senado, pelo Rio de Janeiro e fazer Francisco Dornelles senador, para vingar-se da altivez da deputada comunista quando da votação da reforma da Previdência.
E, claro, sempre creditei a ele, principalmente, tudo que amargamos por conta da política de alianças que nos levou a vitórias eleitorais e a essa tal “governabilidade”. Continuo achando que ele errou muito feio. Entre outras consequências, salvou os oligopólios midiáticos que hoje expõem suas vísceras para as bicadas de corvos, urubus e tucanos. Mas quem não comete erros?
Devo reconhecer que em contraponto aos tantos erros dos governos petistas, sobejam acertos indelevelmente inscritos na História. Os mais de 40 milhões de pessoas resgatados da miséria, a criação do mercado interno que nos livrou das consequências da crise internacional que devastou economias mundo afora, a criação de oportunidades para milhões de jovens sem qualquer perspectiva num governo ‘austerocrata” tucano… sem falar nas repercussões dos acertos petistas por quase todo o hemisfério sul. Em tudo isso tem o dedo desse cara.
Definitivamente, José Dirceu de Oliveira não é gente deste mundo. Gente deste mundo, como eu e provavelmente você, depois da morte fica na lembrança apenas das pessoas mais próximas e queridas. Ele já está eternizado pela História, ainda em vida. Gente como Zé Dirceu pode amargar uns tantos anos de cadeia na juventude e na velhice, seja pelo tacão de um ditador, seja pela caneta de um juiz de primeira instância. Mas ao fim e ao cabo, só quem julga gente como José Dirceu de Oliveira é a História.
Comentário do blogueiro:Luiz Müller  

Me senti representado no texto. Não fecho com tudo o que o Zé defende e tenho discordância de algumas coisas do seu método. Mas dou a mão a palmatória: se não fosse ele, o Brasil não seria hoje a referência política internacional que é para o mundo e só não é reconhecida aqui dentro pelos medíocres e “midiotas” espectadores da grande mídia golpista. Sem o seu condão, definitivamente não teríamos tirado milhões da pobreza e da miséria e tampouco teríamos milhões de filhos de trabalhadores acessando a universidade. Mas fazer tudo isto que fizemos nos últimos anos, só era possível mesmo, sob a batuta destes dois gênios, o Zé Dirceu e o Lula. E eu sinto orgulho de fazer parte desta história. Mesmo que lá em 1968, quando o Zé dirigia uma passeata de 100 mil pessoas, eu ainda era um guri de 9 anos de idade lá no interior do Rio Grande do Sul. Vida Longa ao Zé!!!
Fonte: https://luizmullerpt.wordpress.com/2016/03/02/ze-dirceu-nao-e-gente-deste-mundo/