terça-feira, 30 de outubro de 2012

STF, eleição e o domínio do fato


STF, eleição e o domínio do fato
Por Breno Altman

Os resultados das eleições municipais, concluído o segundo turno, evidenciam sólido avanço do Partido dos Trabalhadores. Apesar de alguns importantes insucessos localizados (como Salvador, Recife e Fortaleza), a agremiação atingiu vários objetivos estratégicos.


O PT sagrou-se como a legenda mais votada do primeiro turno, com 17,3 milhões de sufrágios e um crescimento de 4% sobre 2008. Aumentou em 15% o número de prefeituras que irá governar (634 contra 550). Deu salto de 16% para 20% no total do eleitorado sob sua gestão municipal. Acima de tudo, pelo peso político e simbólico, reconquistou o governo da cidade de São Paulo.

Apesar de aparente dispersão da hegemonia sobre o poder local, com o surgimento do PSD de Kassab e a expansão do PSB de Eduardo Campos, a pedra de toque das eleições concluídas nesse domingo foi o fortalecimento do maior partido da esquerda, em contraposição ao encolhimento de seu principal antagonista à direita, o PSDB.

Os tucanos perderam massa de votos (queda de 5,02%, de 14,5 para 13,8 milhões), além de número de prefeitos (de 787 para 704) e vereadores (de 5,9 para 5,2 mil). Foram surrados no sul e sudeste do país, que antes consideravam sua fortaleza. E foram duramente golpeados na sua principal cidadela: além de perderem a capital paulista, estão cercados pelo cinturão vermelho que se consolidou na área metropolitana de São Paulo.

Muitos analistas da imprensa tradicional estão atônitos. Tentam atropeladamente fugir às óbvias conclusões sobre o processo eleitoral. Ora ensaiam dar ênfase a uma suposta fragmentação do voto, ora dirigem olhos para uma eventual terceira via na polarização nacional, com a ascensão do PSB. Não passam de manobras diversionistas. A aposta que faziam era derrotar o PT e diminuir gravemente seu peso político. Perderam, e feio.

A estratégia antipetista repousava no julgamento do chamado “mensalão”. Estabeleceu-se acosso midiático jamais visto sobre a corte suprema, para buscar a degola de líderes históricos da sigla governista, apresentados à opinião pública, diuturnamente, como bandidos com sentença transitada em julgado pelos mais impolutos homens e mulheres da nação.

O espetáculo de exceção foi além de seu limiar processual. Os votos de vários ministros, ao vivo e em cores, constituíram-se em declarações moralmente condenatórias contra o PT e o governo Lula.

À oposição de direita e aos grandes veículos de comunicação, somou-se, no palanque das denúncias contra dirigentes petistas, a maioria do STF. O centro da disputa política, com o julgamento, trasladou-se para o tribunal, com a expectativa de sacramentar institucionalmente a existência do esquema para compra de apoio parlamentar entre 2003 e 2005. Desde às vésperas do golpe militar não se via tamanha operação de desgaste contra um partido.

O que se esperava, quando a deliberação togada chegasse às ruas, era o derretimento do PT. Na pior das hipóteses, ao menos um sensível encolhimento e a derrocada na tentativa de conquistar a maior cidade brasileira. No auge da ofensiva, não faltaram vozes que vaticinavam o ocaso da liderança de Lula. Mas as forças de direita viram ruir seus sonhos e tomaram uma tunda histórica.

Os áulicos do reacionarismo ainda não entendem o que se passou. O porquê da patuleia não dar bola para o julgamento na hora de votar. A mídia corporativa é obrigada a engolir, pela terceira vez, o fel de sua progressiva insignificância na formação de almas e mentes. Não conseguem aceitar que os pobres da cidade e do campo, secularmente condenados pela oligarquia à ignorância, ao desespero e à exclusão cultural, sejam capazes de forjar sua própria consciência de classe.

Os dez anos de governo petista, com seus altos e baixos, mudaram a vida de milhões. De dezenas de milhões. Pela primeira vez a multidão de miseráveis viu sua vida melhorar, de forma estável e duradoura. Aumentaram a renda, a oferta de trabalho, o acesso à educação e moradia, o sentimento de autoestima. Os vínculos de identidade com o partido responsável por essas mudanças, e principalmente com seu maior líder, foram se consolidando.

Os despossuídos, que antes eram majoritariamente reserva de mercado para distintos projetos políticos das elites, vão passando a ter lado, o seu próprio lado. A identificar amigos e inimigos, lógicas em conflito, a verdade dos fatos. Esse processo dolorido, mas enraizado, fabrica um escudo contra a manipulação midiática. E serviu de vacina contra o julgamento do “mensalão”.

Enormes massas de eleitores, apesar de expostos à chacina contra líderes petistas na corte suprema, não compraram gato por lebre. Não aceitaram a agenda que a direita lhes quis impor. Mesmo sensibilizados com o discurso anticorrupção, intuem sua falsidade nesse episódio, sua utilização como instrumento político-eleitoral.

De múltiplas formas, compreenderam que seria algo contrário a seus interesses, que poderia ameaçar o partido e o governo que abriram as portas para a emergência dos pobres como protagonistas do desenvolvimento.

Os conservadores estão, assim, desacorçoados com a indiferença do povaréu diante do espetáculo no qual empenharam todas as suas energias. De alguma maneira, ao menos simbolicamente, foi o julgamento do julgamento. Como disse um eleitor essa madrugada, na rede social: quem tem o domínio do fato, na democracia, é o povo

O vencedor foi Lula


O vencedor foi Lula

Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:

Desculpem mas sou obrigado a lembrar que na contagem de votos do primeiro turno escrevi uma nota neste blogue com o titulo: “O vencedor foi Lula.”

O óbvio ululante, como eu dizia, confirmou-se ontem, quando o PT conseguiu o principal troféu da campanha, que foi a eleição em São Paulo.

Há um aspecto local nesta eleição. A escolha de um prefeito envolve preferenciais politicas e fidelidade de tipo ideológico, mas não se resume a isso.

O fator municipal pesou bastante. A rejeição à gestão de Gilberto Kassab – que o destino tirou do palanque de Fernando Haddad e colocou na campanha de José Serra – contribuiu muito. Kassab estava de malas prontas para embarcar na campanha de Haddad da forma mais discreta possível até que a entrada de Serra na campanha provocou uma mudança de rumo.

Como disse Antônio Donato à Folha, se Kassab estivesse no palanque de Haddad teria sido difícil fazer o discurso de oposição, tão útil para a vitória.

A própria rejeição a Serra, que tem a ver com a cidade e com sua decisão de abandonar a prefeitura antes do fim do mandato, também tem elementos locais.

Há outros elementos, porém. No primeiro turno de 2012 o PT foi, na soma de todos os votos do país, o partido que mais votos recebeu, que mais cresceu no número de prefeituras.

O PSDB caiu tanto que sua maior vitória foi celebrada em Manaus, o que, do ponto de vista nacional, está longe de ser uma grande façanha.

A vitória de Lula não envolve uma questão pessoal mas um dado político. Não é só um político popular que está pedindo votos.

A presença de Lula num palanque ajuda a trazer votos porque seu governo estabeleceu um novo parâmetro para as escolhas do país.

Muitos eleitores têm uma ideia do que pode vir a ser um governo com apoio de Lula sem sequer saber quem será o candidato. Isso é que permite o lançamento de um poste que, se for capaz de mostrar virtudes e competências próprias, pode se tornar um vitorioso.

Os avanços obtidos na distribuição de renda, seja entre as pessoas, seja entre regiões, se projetam na memória de cada brasileiro toda vez que ele toma o caminho das urnas – e isso influi na decisão.

Este processo envolve, também, os votos obtidos por legendas aliadas. O PSB foi o segundo grande vitorioso neste pleito mas é bom recordar que ele faz parte do bloco de partidos aliados de Lula. Não podem ser contados como votos de oposição, como tantos observadores sugerem. Se há uma porção nacional nesta decisão, ela faz parte do mesmo universo.

Em pleitos passados o PT abriu mão de crescer no Nordeste para favorecer uma aliança com os socialistas – que retribuíam com o apoio integral a Lula em eleições municipais.

Embora não sejam partidos idênticos e até possam vir a se separar em pleitos futuros, até o momento o PT e o PSB se apresentaram como aliados federais separados no plano local – e é assim que se apresentam para o eleitorado. Ninguém sabe o que o futuro reserva a estes aliados.

Mas até domingo passado, os dois partidos estavam sob a projeção de Lula, o que ajuda tornar sua vitória, ontem, ainda maior do que se costuma reconhecer.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A VERTIGEM DO SUPREMO




247 publica em primeira mão a reportagem de Raimundo Rodrigues Pereira, um dos mais consagrados jornalistas brasileiros e editor da Retrato do Brasil, sobre o julgamento da Ação Penal 470; amparado em documentos, ele
demonstra que o desvio de R$ 73,8 milhões do Banco do Brasil, por meio da Visanet, simplesmente não ocorreu; corte julga o capítulo final, que trata da formação de quadrilha
22 DE OUTUBRO DE 2012 ÀS 13:00

247 – Raimundo Rodrigues Pereira é um herói do jornalismo brasileiro, que criou o jornal Movimento e enfrentou a ditadura militar. Agora, ele abre uma nova frente de combate, desta vez com o Supremo Tribunal Federal, ao demonstrar que o desvio de R$ 73,8 milhões do Banco do Brasil, viga mestra da tese do mensalão, simplesmente não ocorreu. Leia em primeira mão a reportagem de capa da revista Retrato do Brasil, que vai às bancas em 1º de novembro e que, nesta semana, estará disponibilizada no site da revista, amparada também em documentos:

A VERTIGEM DO SUPREMO

Os ministros do STF deliraram: não houve o desvio de 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil, viga mestra da tese do mensalão. Acompanhe a nossa demonstração

Por Raimundo Rodrigues Pereira, da revista Retrato do Brasil

A tese do mensalão como um dos maiores crimes de corrupção da história do País foi consagrada no STF. Veja-se o que diz, por exemplo, o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, ao condenar José Dirceu como o chefe da “quadrilha dos mensaleiros”. O mensalão foi “um projeto de poder”, “que vai muito além de um quadriênio quadruplicado”. Foi “continuísmo governamental”, “golpe, portanto”. Em outro voto, que postou no site do tribunal dias antes, Britto disse que o mensalão envolveu “crimes em quantidades enlouquecidas”, “volumosas somas de recursos financeiros e interesses conversíveis em pecúnia”, pessoas jurídicas tais como “a União Federal pela sua Câmara dos Deputados, Banco do Brasil-Visanet, Banco Central da República”.

Britto, data vênia, é um poeta. Na sua caracterização do mensalão como um crime gigante, um golpe na República, o que ele chama de Banco do Brasil-Visanet, por exemplo? É uma nova entidade financeira? Banco do Brasil a gente sabe o que é: é aquele banco estatal que os liberais queriam transformar em Banco Brasil, assim como quiseram transformar a Petrobras em Petrobrax, porque achavam ser necessário, pelo menos por palavras, nos integrarmos ao mundo financeiro globalizado.

De fato, Visanet é o nome fantasia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento, responsável, no Brasil, pelos cartões emitidos com a chamada bandeira Visa (hoje o nome fantasia mudou, é Cielo). Banco do Brasil-Visanet não existia, nem existe; é uma entidade criada pelo ministro Britto. E por que, como disse no voto citado, ele a colocou junto com os mais altos poderes do País - a União Federal, a Câmara dos Deputados e o Banco Central da República? Com certeza porque, como a maioria do STF, num surto anti-corrupção tão ruim quanto os piores presenciados na história política do País, viu, num suposto escândalo Banco do Brasil-Visanet, uma espécie de revelação divina. Ele seria a chave para transformar num delito de proporções inéditas o esquema de distribuição, a políticos associados e colaboradores do PT, de cerca de 50 milhões de reais tomados de empréstimo, de dois bancos mineiros, pelo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No dia 13 de julho de 2005, menos de um mês depois de o escândalo do mensalão ter surgido, com as denúncias do deputado Roberto Jefferson, a Polícia Federal descobriu, no arquivo central do Banco Rural, em Belo Horizonte, todos os recibos da dinheirama distribuída. Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e Marcos Valério, um empresário de publicidade mineiro, principais operadores da distribuição, contaram sua história logo depois. E não só eles como mais algumas dezenas de pessoas, também envolvidas no escândalo de alguma forma, foram chamadas a depor em dezenas de inquéritos policiais e nas três comissões parlamentares de inquérito que o Congresso organizou para deslindar a trama.

Todos disseram que se tratava do famoso caixa-dois, dinheiro para o pagamento de campanhas eleitorais, passadas e futuras. Como dizemos, desde 2005, tratava-se de uma tese razoável. Por que razoável, apenas? Porque as teses, mesmo as melhores, nunca conseguem juntar todos os fatos, sempre deixam alguns de lado. A do caixa-dois é razoável. O próprio STF absolveu o publicitário Duda Mendonça, sua sócia Zilmar Fernandes e vários petistas, que receberam a maior parte do dinheiro do chamado valerioduto, porque, a despeito de proclamar que esse escândalo é o maior de todos, a corte reconheceu tratar-se, no caso das pessoas citadas, de dinheiro para campanhas eleitorais. E a tese do caixa-dois é apenas razoável, como dissemos também, porque fatos ficam de fora.

É sabido, por exemplo, que, dos 4 milhões recebidos pelo denunciante Roberto Jefferson - que jura ser o dinheiro dele caixa dois e o dos outros, mensalão - uma parte, modesta é verdade, foi para uma jovem amiga de um velho dirigente político ligado ao próprio Jefferson e falecido pouco antes. Qualquer criança relativamente esperta suporia também que os banqueiros não emprestaram dinheiro ao PT porque são altruístas e teria de se perguntar porque o partido repassou dinheiro ao PTB, PL e PP, aliados novos, e não ao PSB, PCdoB, aliados mais fiéis e antigos. Um arguto repórter da Folha de S. Paulo, num debate recente sobre o escândalo, com a participação de Retrato do Brasil, disse que dinheiro de caixa-dois é assim mesmo. E que viu deputado acusado de ter recebido o dinheiro do valerioduto vestido de modo mais sofisticado depois desses deploráveis acontecimentos.

O problema não é com a tese do caixa-dois, no entanto. Essa é a tese dos réus. No direito penal brasileiro, o réu pode até ficar completamente mudo, não precisa provar nada. É ao ministério público, encarregado da tese do mensalão, que cabe o ônus da prova. E essa tese é um horror. No fundo, é uma história para criminalizar o Partido dos Trabalhadores, para bem além dos crimes eleitorais que ele de fato cometeu no episódio. O escândalo Banco do Brasil-Visanet, que é o pilar de sustentação da tese, não tem o menor apoio nos fatos.

Essencialmente, a tese do mensalão é a de que o petista Henrique Pizzolato teria desviado de um “Fundo de Incentivo Visanet” 73,8 milhões de reais que pertenceriam ao Banco do Brasil. Seria esse o verdadeiro dinheiro do esquema armado por Delúbio e Valério sob a direção de José Dirceu. Os empréstimos dos bancos mineiros não existiriam. Seriam falsos. Teriam sido inventados pelos banqueiros, também articulados com Valério e José Dirceu, para acobertar o desvio do dinheiro público.

Essa história já existia desde a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios. Foi encampada pelos dois procuradores-gerais da República, Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, que fizeram os trabalhos da acusação. E foi transformada num sucesso de público graças aos talentos do ministro Joaquim Barbosa na armação de uma historinha ao gosto de setores de uma opinião pública sedenta de punir políticos, que em geral considerada corruptos, e ao surto anticorrupção espalhado por nossa grande mídia, que infectou e levou ao delírio a maioria do STF.

Por que a tese do mensalão é falsa? Porque o desvio dos 73,8 milhões de reais não existe. A acusação disse e o STF acreditou que uma empresa de publicidade de Valério, a DNA, recebeu esse dinheiro do Banco do Brasil (BB) para realizar trabalhos de promoção da venda de cartões de bandeira Visa do banco, ao longo dos anos 2003 e 2004. E haveria provas cabais de que esses trabalhos não foram realizados.

A acusação diz isso, há mais de seis anos, porque ela precisa de que esse desvio exista. Porque seria ele a prova de serem os 50 milhões de reais do caixa dois confessado por Delúbio e Valério inexistentes e de os empréstimos dos bancos mineiros ao esquema Valério-Delúbio serem falsos e decorrentes de uma articulação política inconfessável de Dirceu com os banqueiros. Ocorre, no entanto, que a verdade é oposto do que a acusação diz e o STF engoliu. Os autos da Ação Penal 470 contêm um mar de evidências de que a DNA de Valério realizou os trabalhos pelos quais recebeu os 73,8 milhões de reais.

No nosso site na internet, RB está apresentando, a todos os interessados em formar uma opinião mais esclarecida sobre o julgamento que está sendo concluído no STF, um endereço onde pode ser localizada a mais completa auditoria sobre o suposto escândalo BB-Visanet. Nesse local o leitor vai encontrar os 108 apensos da AP 470 com os trabalhos dessa auditoria. São documentos em formato pdf equivalentes a mais de 20.000 páginas e foram coletados por uma equipe de 20 auditores do BB num trabalho de quatro meses, de 25 de julho a 7 de dezembro de 2005 e depois estendido com interrogatórios de pessoas envolvidas e de documentos coletados ao longo de 2006.

A auditoria foi buscar provas de que o escândalo existia. Mas, ao analisar o caso, não o fez da forma interesseira e escandalosa da procuradoria geral da República e do relator da AP 470 Joaquim Barbosa, empenhados em criminalizar a ação do PT. Fez um levantamento amplo do que foram as ações do Fundo de Incentivo Visanet (FIV) desde sua criação em 2001.

Um resumo da auditoria, de 32 páginas, está nas primeiras páginas do terceiro apenso (Vol. 320). Resumindo-a mais ainda se pode dizer que:

* As regras para uso do fundo pelo BB têm duas fases: uma, de sua criação em 2001 até meados de 2004, quando o banco adotou como referencial básico para uso dos recursos o Regulamento de Constituição e Uso do FIV da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP); e outra, do segundo semestre de 2004 até dezembro de 2005, quando o BB criou uma norma própria para o controle do fundo.

*Entre 2001 e 2004, a CBMP pagou, por ações do FIV programadas pelo BB, aproximadamente 150 milhões de reais – 60 milhões nos anos 2001-2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, portanto; e 90 milhões nos anos 2003-2004, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E, nos dois períodos, sempre 80% dos recursos foram antecipados pela CBMP, a pedido do BB, para as agências de publicidade contratadas pelo banco.

*O BB decidiu, em 2001, por motivos fiscais, que os recursos do FIV não deveriam passar pelo banco. A CBMP pagaria diretamente os serviços através de agências contratadas pelo BB. A DNA e a Lowe Lintas foram as agências, no período 2001-2002. No final de 2002 o BB decidiu especializar suas agências e só a DNA ficou encarregada das promoções do FIV. Os originais dos documentos comprobatórios das ações ficavam na CBMP, não no BB, em todos os dois períodos.

*O fato de o BB encomendar as ações mas não ser o controlador oficial das mesmas fez com que, nos dois períodos, 2001-2002 e 2003-2004, fossem identificadas, diz a auditoria, “fragilidades no processo e falhas na condução de ações e eventos”, que motivaram mudanças nos controles de uso do fundo. Essas mudanças foram implementadas no segundo semestre de 2004, a partir de 1 de setembro.

*O relatório destaca algumas dessas “fragilidades” e “falhas”. Aqui destacaremos a do controle dos serviços, para saber se as ações de promoção tinham sido feitas de fato. Os auditores procuraram saber se existiam os comprovantes de que as ações de incentivo autorizadas pelo BB no período tinham sido de fato realizadas. **Procuraram os documentos existentes no próprio banco – notas fiscais, faturas, recibos emitidos pelas agências para pagar os serviços e despesas de fornecedores para produzir as ações. Descobriram que, para os dois períodos 2001-2002 e 2003-2004 igualmente, somando-se as ações com falta absoluta de documentos às com falta parcial, tinha-se quase metade dos recursos despendidos.

**Os auditores procuraram então os mesmos documentos na CBMP, que é, por estatuto, a dona dos recursos e a controladora de sua aplicação e dos documentos originais de comprovação da realização dos serviços. A falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena - em proporção aos valores dos gastos autorizados, de 0,2% em 2001, 0,1% em 2002, 0,4% em 2003 e 1% em 2004.

*Dizem ainda os auditores: com as novas normas, em função das mudanças feitas nas formas de controlar o uso do dinheiro do FIV pelo BB, entre janeiro e agosto de 2005 foram executadas sete ações de incentivo, no valor de 10,9 milhões de reais e se pode constatar que, embora ainda precisassem de aprimoramento, as novas regras fixadas pelo banco estavam sendo cumpridas e os “mecanismos de controle” tinham sido aprimorados.

Ou seja: o uso dos recursos do FIV pelo BB foi feito, sob a gestão do petista Henrique Pizzolato, exatamente como tinha sido feito no governo FHC, nos dois anos anteriores à chegada de Pizzolato ao banco. E mais: foi sob a gestão de Pizzolato, em meados de 2004, que as regras para uso e controle dos recursos foram aprimoradas.

Mais reveladora ainda é análise dos apensos em busca das evidências de que os trabalhos de promoção dos cartões Visa vendidos pelo BB foram feitos. E essas evidências são torrenciais. Uma amostra dessas promoções que devem ser do conhecimento de milhares e milhares de brasileiros estão no quadro abaixo.

Em toda a documentação da auditoria existem questionamentos, são apresentados problemas. Mas de detalhes. Não é disso que se tratou no julgamento da AP 470 no entanto. A acusação que se fez e que se pretende impor através do surto do STF é outra coisa. Quer apresentar os 73,8 milhões gastos através da DNA de Valério como uma farsa montada pelo PT com o objetivo de ficar no poder, como diz o ministro Britto, “muito além de um quadriênio quadruplicado”. Essa conclusão é um delírio. As campanhas de promoção não só existiram como deram resultados espetaculares para o BB tendo em vista os objetivos pretendidos. O banco tornou-se o líder nos gastos com cartões Visa no Brasil.

Em 2003, o banco emitiu 5,3 milhões desses cartões, teve um crescimento de cerca de 35% no seu movimento de dinheiro através deles, tornou-se o número um nesse quesito entre os associados da CBMP. No final do ano, 18 de dezembro, às 14h30 horas, em São Paulo, no Itaim Bibi, rua Brigadeiro Faria Lima 3729, segundo andar, sala Platinum, de acordo com ata do encontro, os representantes dos sócios no Conselho de Administração da CBMP se reuniram e aprovaram o plano para o ano seguinte. Faturamento esperado nas transações com os cartões Visa para 2004, 156 bilhões de reais. Dinheiro do FIV, ou seja: recursos para as promoções dos cartões pelos vários bancos associados, 0,10%, ou seja 1 milésimo, desse total: 156 milhões. Parte a ser usada pelo BB, que era, dos 25 sócios da CBMP, o mais empenhado nas promoções: 35 milhões de reais.

Pode-se criticar esse esquema Visanet-BB. O governo está querendo que as taxas cobradas dos estabelecimentos comerciais pelos uso dos cartões sejam reduzidas. Na conta feita no parágrafo anterior, dos 156 bilhões de reais a serem movimentados pelos cartões em 2004, o dinheiro que iria para o esquema Visanet-BB seria de 4% a 6% desse total, ou seja, ficaria entre 6 a 10 bilhões de reais (ou seja, a verba programada para o fundo de incentivos na promoção dos cartões foi pelo menos 40 vezes menor). A procuradoria da República e o ministro Barbosa sabem de tudo isso. Se não o sabem é porque não quiseram saber: da documentação tiraram apenas detalhes, para criar o escândalo no qual estavam interessados.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/83657/A-vertigem-do-Supremo.htm

quarta-feira, 17 de outubro de 2012


Acabou o Lexotan na SIP


Por Leandro Fortes, na CartaCapital:

Há quase 200 anos, os embaixadores das maiores potências da Europa se reuniram em Viena, na Áustria, com o mesmo objetivo que, por esses dias, juntou em São Paulo os barões da mídia panamericana na 68ª Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Nos dois casos – no Congresso de Viena e no convescote da SIP – a nobreza presente tinha o mesmíssimo objetivo: restaurar o passado, voltar ao status quo e, principalmente, eliminar do futuro o germe da revolução. Em 1814, a intenção era redesenhar a geopolítica europeia após o fim da Era Napoleônica e banir das mentes e dos corações dos cidadãos de então as ideias e ideais da Revolução Francesa.

Em 2012, o baronato da mídia associado à SIP, também em franco desespero, tenta a mesma coisa: resgatar um mundo hegemônico onde a imprensa determinava o perfil e o caráter dos governantes, onde a mídia tinha a exclusividade da intermediação dos fatos, das informações, das notícias, e era, por si só, a própria ideologia da comunicação.

A História, como se sabe, se repete como farsa.

A SIP foi criada em 1943, em Havana, Cuba, durante a ditadura-bordel de Fulgencio Batista. Acabou sediada em Miami, nos Estados Unidos e, como tudo o mais durante da Guerra Fria, rapidamente foi transformada em braço funcional da CIA e do Departamento de Estado dos EUA para dar suporte aos movimentos golpistas bancados pelos ianques na América Latina. Os tempos mudaram, mas a SIP, como a maioria de seus associados, quedou-se estagnada, triste e ultrapassada, exatamente como a mídia que orgulhosamente representa.

Assim como os ventos revoltosos do século XIX surpreenderam os nobres europeus em Viena, perdidos estão, no tempo e na circunstância, os porta-vozes dos oligopólios de mídia convidados a participar da assembleia da SIP, em São Paulo. Também estão apavorados. Os une o desespero das perdas e a incerteza de um futuro nebuloso sobre o qual não há mais quaisquer garantias de poder e lucro. Buscam na encenação montada sob as bandeiras das liberdades de imprensa e expressão um Napoleão Bonaparte que os justifique e, por isso mesmo, os redima. Encontram, aturdidos, generais do povo, pior, eleitos. Gente a quem sempre consideraram serviçais de menor monta: índios, mamelucos, mulatos, negros, caboclos, operários, mulheres.

Como era de se esperar, os dirigentes da SIP tem se revezado na tribuna para demonizar os napoleões que elegeram como inimigos da liberdade de imprensa: Hugo Chávez, da Venezuela; Cristina Kirchner, da Argentina; Rafael Correa, do Equador; e Evo Morales, da Bolívia.

Dilma Rousseff, do Brasil, esperada para falar no festim da SIP, desistiu de última hora. Enfim, se redimiu de ter participado do aniversário de 90 anos da Folha de S.Paulo, jornal associado da SIP que, em 2010, estampou uma ficha falsa do DOPS da então candidata do PT à Presidência da República a fim de eternizá-la como terrorista e assassina.

Diante da cadeira vazia reservada a Dilma, os 600 participantes da assembleia da SIP sincronizaram um muxoxo generalizado, mas pelo menos se livraram da obrigação protocolar de respeitar a presidenta do País que os acolheu. Em poucos minutos, Dilma foi comparada ao general-ditador Ernesto Geisel e ao ex-presidente Fernando Collor, outros dois mandatários que se negaram a emoldurar, quando no Brasil, a feliz confraternização de empresários midiáticos do continente americano.
Até o final do encontro, espera-se que a presidenta seja igualada a Stalin, Hitler, Mussolini, Gengis Khan e Átila, o huno.

Embalados pelo medo do admirável mundo novo aberto pela internet, mas, sobretudo, unidos por um grau de descolamento da realidade muito próximo do delírio, os próceres da SIP vociferam em coro contra os governos progressistas aos quais, cada qual em seu canto americano, fazem oposição sistemática, partidária e, não raramente, golpista.

Temem, no detalhe, medidas como a Lei dos Meios, baixada na Argentina, que irá desmembrar, em breve, o império do Clarín, principal apoiador da sangrenta ditadura dos generais argentinos. No todo, se apavoram com a possibilidade de uma combinação capaz de disseminar, sobretudo na América do Sul, a ideia de um novo marco regulatório com poder de romper a hegemonia dos oligopólios de mídia e, enfim, criar mecanismos de democratização da informação – um direito humano imprescindível, mas negado desde sempre ao eleitor latino americano.

A tudo chamam de censura e, deliberadamente, misturam os conceitos de liberdade de expressão e liberdade de imprensa para que, justamente, não se discuta nem um, nem outro.
Em Viena, pelo menos, a nobreza era genuína.

domingo, 14 de outubro de 2012

A mesada e o mensalão


A mesada e o mensalão



A mentira foi a geradora de todas as verdades, meias verdades, indícios desprezados e indícios manipulados que deram a dimensão do escândalo e o espírito do julgamento do "mensalão".

Por ora, o paradoxo irônico está soterrado no clima odiento que, das manifestações antidemocráticas de jornalistas e leitores às agressões verbais no Supremo, restringe a busca de elucidação de todo o episódio. Pode ser que mais tarde contribua para compreenderem o nosso tempo de brasileiros.

Estava lá, na primeira página de celebração das condenações de José Dirceu e José Genoíno  a reprodução da primeira página da Folha em 6 de junho de 2005. Primeiro passo para a recente manchete editorializada --CULPADOS--, a estonteante denúncia colhida pela jornalista Renata Lo Prete: "PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson". O leitor não tinha ideia de que Jefferson era esse.

Era mentira a mesada de R$ 30 mil. Nem indício apareceu desse pagamento de montante regular e mensal, apesar da minúcia com que as investigações o procuraram. Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira, além da mensalidade, na denúncia inicial de Roberto Jefferson. A tão citada conversa com Lula a respeito de mesada é um exemplo da ficção continuada.

A mentira central deu origem ao nome --mensalão-- que não se adapta à trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira. E, como apropriado, o deputado Miro Teixeira diz ser mentira a sua autoria do batismo, cujo jeito lembra mesmo o do próprio Jefferson.

Nada leva, porém, à velha ideia de alguém que atirou no que viu e acertou no que não viu. A mentira da denúncia de Roberto Jefferson era de quem sabia haver dinheiro, mas dinheiro grosso: ele o recebera. E não há sinal de que o tenha repassado ao PTB, em nome do qual colheu mais de R$ 4 milhões e, admitiria mais tarde, esperava ainda R$ 15 milhões. A mentira de modestos R$ 30 mil era prudente e útil.

Prudente por acobertar, eventualmente até para companheiros petebistas, a correnteza dos milhões que também o inundava. E útil por bastar para a vingança ou chantagem pela falta dos R$ 15 milhões, paralela à demissão de gente sua por corrupção no Correio. Como diria mais tarde, Jefferson supôs que o flagrante de corrupção, exibido nas TVs, fosse coisa de José Dirceu para atingi-lo. O que soa como outra mentira, porque presidia o PTB e o governo não hostilizaria um partido necessário à sua base na Câmara.

Da mentira vieram as verdades, as meias verdades e nem isso. Mas a condenação de Roberto Jefferson, por corrupção passiva, ainda não é a verdade que aparenta. Nem é provável que venha a sê-lo.

MAIS DEDUÇÃO
Em sua mais recente dedução para voto condenatório, o presidente do Supremo, Ayres Britto, deu como certo que as ações em julgamento visaram a "continuísmo governamental.
Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia que é o republicanismo, que postula renovação dos quadros de dirigentes".
Desde sua criação e no mundo todo, alcançar o poder, e, se alcançado, nele permanecer o máximo possível, é a razão de ser dos partidos políticos. Os que não se organizem por tal razão, são contrafações, fraudes admitidas, não são partidos políticos.
Sergio Motta, que esteve politicamente para Fernando Henrique como José Dirceu para Lula, informou ao país que o projeto do PSDB era continuar no poder por 20 anos.
Não há por que supor que, nesse caso, o ministro Ayres Britto tenha deduzido haver golpe ou plano golpista. Nem mesmo depois que o projeto se iniciou com a compra de deputados para aprovar a reeleição.
Daniel Marenco/Folhapress
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.

O fim de um ciclo político


Segundo o jornalista, enquanto Lula conseguiu renovar o PT, FHC entrega um partido em ruínas; ele afirma ainda que a história se lembrará dos construtores, Sergio Motta e José Dirceu, que colocavam a mão na massa

Luis Nassif
Semanas atrás escrevi sobre o fim da geração das diretas, o grupo que, a partir de São Paulo, dominou a cena política nacional, através do PSDB e do PT.
Do lado tucano, Covas, Fernando Henrique, Sérgio Motta, entre outros; do lado petista, Lula, Dirceu, Mercadante, Suplicy, Martha. Do lado dos peemedebistas históricos, Ulisses e Tancredo.
De certo modo, foram desbravadores da democracia brasileira, conseguindo definir um padrão de governabilidade que permitiu ao ornitorrinco voar.
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Saía-se da ditadura praticamente sem sociedade civil. Os partidos políticos dividiam-se entre posições muito simplórias: contra ou a favor do regime anterior. Não havia maiores definições programáticas. E o equilíbrio do Executivo era constantemente bombardeado pela instabilidade econômica e por dois tipos de demanda: a do Congresso e a da mídia.
Não era tarefa fácil equilibrar a estabilidade democrática em meio a ventos tão implacáveis.
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De Sarney até FHC, o único instrumento de pacificação política foram os pacotes econômicos, mirabolantes, mas que, de tempos em tempos, conferiam algum fôlego político aos governantes. Foi assim com os sucessivos planos econômicos do governo Sarney, Collor, até o derradeiro, o Plano Real.
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A partir daí, consolidava-se a dualidade PSDB-PT paulistas, comandados pelos personagens das diretas-já. E, em cada partido, conviveram dois personagens: o líder (simbólico ou real) e o que botava a mão na massa.
Um conjunto de circunstâncias jogou o PSDB nas mãos de FHC, o líder simbólico, e de Sérgio Motta, o que botava a mão na massa. Figura generosa, impulsiva, Motta era o motor do partido, o que sujava as mãos (como no caso da votação da reeleição), acolhia os desabrigados, mantinha a chama acesa - ao lado do governador Mário Covas, em São Paulo.
Pouco antes de morrer, conhecendo o caráter de FHC, Motta deixou o bilhete histórico, pedindo que não se apequenasse. Apequenou-se. Tornou-se refém dos financistas do partido, abraçou o neoliberalismo mais desbragado, abandonou o discurso social-democrata e deslumbrou-se definitivamente com os salões.
Com isso, escancarou uma rodovia para que entrasse o discurso social do PT.
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Do mesmo modo que no PSDB, no PT havia o líder, Lula, e o que botava a mão na massa, José Dirceu.
Coube a Dirceu o papel fundamental de consolidar o arquipélago de tendências do PT, muitas vezes com uma objetividade dura que deixou ressentimentos, mas que liberou Lula para montar as estratégias maiores do partido.
Eleito Lula, Dirceu teve papel central na transição. Comandou intenso processo de negociação com o governo que saía, incluindo um pacto de não agressão que varreu para baixo do tapete inúmeros episódios obscuros do governo anterior.
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Tentou, depois, absorver toda a tecnologia de governabilidade do governo que saía, incluindo operadores, lobistas e tudo isso em um momento em que, com os principais quadros do partido indo para o governo, o PT viu-se meio acéfalo.
Mas não foi seguida a principal lição de FHC - aliar-se a um grande partido ônibus, como o PMDB, assim como o PSDB se aliou ao DEM.
O desafio de administrar o varejo acabou resultando no mensalão.
O "mensalão" foi um divisor de águas. E é interessante entender como se comportaram os atores políticos depois dele.
O pós-mensalão e Lula - 1
No início do governo, Lula teve que enfrentar uma enorme crise de mercado, com o dólar explodindo, o aumento da inflação e a inexperiência do novo partido com o poder. Foi nesse período que o trabalho de José Dirceu, junto ao meio político, e Antonio Palocci, junto ao mercado, foi fundamental para garantir a governabilidade. Passada a crise, o poder de Dirceu acabou sendo incômodo para o próprio Lula.
O pós-mensalão e Lula - 2
O "mensalão" acabou provocando a saída de Dirceu e dos demais companheiros que haviam carregado o piano do jogo pesado inicial. A luta pela sobrevivência política exigiu tudo de Lula. E aí apareceu o político fulgurante em sua plenitude. De um lado, passou a colher os frutos das políticas sociais do início do governo. De outro, precisou dar um impulso gerencial sem precedentes ao seu governo.
O pós-mensalão e Lula - 3
Finalmente, o enorme desgaste produzido pelo episódio impulsionou a renovação do PT. A cara do partido não podia ser mais a dos pioneiros, os que ajudaram no trabalho hercúleo de criar um partido nacional. É nesse contexto que a intuição política de Lula leva à indicação de Dilma Rousseff para presidente e de Fernando Haddad para concorrer à prefeitura de São Paulo. Além da aproximação com Eduardo Campos.
O pós-mensalão e FHC - 1
Caminho inverso percorreu FHC. Sem Mário Covas, tornou-se a única referência do PSDB. Sua falta de vontade de governar, a falta de visão de futuro (ao não perceber o tempo social sucedendo o tempo da estabilização), a escassez de ideias (que o levou a adotar acriticamente o receituário neoliberal), e o neodeslumbramento da mídia (para caracterizá-lo como o antiLula)  cobraram sua conta.
O pós-mensalão e FHC - 2
Mais e mais, FHC imbuiu-se do discurso moralizante, de uma retórica que, embora não tão grosseira quanto a de José Serra, empurrava para o conflito. Nas palestras e, principalmente, nos artigos para o Estadão e o Globo, não conseguia desenvolver mais do que bordões soltos, sem nenhuma profundidade. Mais que isso, não preparou o partido para a renovação, para o aparecimento de novos quadros.
O pós-mensalão e FHC - 3
Chega-se, ao final do longo processo político, que vem da redemocratização até os dias atuais, com os resultados conhecidos. No campo das lideranças, Lula conseguiu não apenas reeleger o sucessor como reestruturar o partido; já FHC  saiu derrotado do governo e deixa um partido em ruínas. Mas a história há de se lembrar dos construtores, os que colocaram a mão na massa e pagaram por isso: Sérgio Motta e José Dirceu.

Tucanos jogam em SP a sobrevivência


Emir Sader: Tucanos jogam em SP a sobrevivência




 por Emir Sader, no seu blog

Os tucanos nasceram de forma contingente na política brasileira, apontaram para um potencial forte, tiveram sucesso por via que não se esperava, decaíram com grande rapidez e agora chegam a seu final.
Os tucanos nasceram de setores descontentes do PMDB, basicamente de São Paulo, com o domínio de Orestes Quércia sobre a secção paulista do partido. Tentaram a eleição de Antonio Ermírio de Morais, em 1986, pelo PTB, mas Quércia os derrotou.

Se articularam então para sair do PMDB e formar um novo partido que, apesar de contar com um democrata–cristão histórico, Franco Montoro, optou pela sigla da social democracia e escolheu o símbolo do tucano, para tentar dar-lhe um caráter brasileiro.
O agrupamento foi assim centralmente paulista, incorporando a alguns dirigentes nacionais vinculados a esse grupo, como Tasso Jereisatti, Álvaro Dias, Artur Virgílio, entre outros. Mas o núcleo central sempre foi paulista – Mario Covas, Franco Montoro, FHC .

A candidatura de Covas à presidência foi sua primeira aparição pública nacional. Escondido atrás do perfil de candidatos como Collor, Lula, Brizola, Ulysses Guimarães, Covas tentou encontrar seu nicho com um lema que já apontava para o que terminariam sendo os tucanos – Por um choque de capitalismo.

O segundo capítulo da sua definição ideológica veio no namoro com o governo Collor, que se concretizou na entrada de alguns tucanos no governo – Celso Lafer, Sergio Rouanet. Se revelava a atração que a “modernização neoliberal” tinha sobre os tucanos. O veto de Mário Covas impediu que os tucanos fizessem o segundo movimento, de ingresso formal no governo Collor – o que os teria feito naufragar com o impeachment e talvez tivesse fechado seu posterior caminho para a presidência.

Mas o modelo que definitivamente eles seguiram veio da Europa, da conversão ideológica e política dos socialistas franceses no governo de Mitterrand e no governo de Felipe Gonzalez na Espanha. A social democracia, como corrente, optava por uma adesão à corrente neoliberal, lançada pela direita tradicional, à que ela aderia, inicialmente na Europa, até chegar à América Latina.

No continente se deu um fenômeno similar: introduzido por Pinochet sob ditadura militar, o modelo foi recebendo adesões de correntes originariamente nacionalistas – o MNR da Bolívia, o PRI do México, o peronismo da Argentina – e de correntes social democratas – Partido Socialista do Chile, Ação Democrática da Venezuela, Apra do Peru, PSDB do Brasil.
Como outros governantes das correntes aderidas ao neoliberalismo – como Menem, Carlos Andres Peres, Ricardo Lagos, Salinas de Gortari -, no Brasil, os tucanos puderam chegar à presidência, quando a América Latina se transformava na região do mundo com mais governos neoliberais e em suas modalidades mais radicais.

O programa do FHC era apenas uma pobre adaptação do mesmo programa que o FMI mandou para todos os países da periferia, em particular para a América Latina. Ao adotá-lo,  FHC reciclava definitivamente seu partido para ocupar o lugar de centro do bloco de direita no Brasil, quando os partidos de origem na ditadura – PFL, PP – tinham se esgotado. (Quando o Collor foi derrubado, Roberto Marinho disse que a direita já não elegeria mais um candidato seu, dando a entender que teriam que buscar alguém fora de suas filas, o que se deu com FHC.)

O governo teve o sucesso espetacular que os governos neoliberais tiveram em toda a América Latina no seu primeiro mandato: privatizações, corte de recursos públicos, abertura acelerada do mercado interno, flexibilização laboral, desregulamentações. Contava com 3/5 do Congresso e com o apoio em coro da mídia. Como outros governos também, mudou a Constituição para ter um segundo mandato.

Da mesma forma que outros, conseguiu se reeleger, já com dificuldades, porque seu governo havia projetado a economia numa profunda e prolongada recessão. Negociou de novo com o FMI, foi se desgastando cada vez mais conforme a estabilidade monetária não levou à retomada do crescimento econômico, nem à melhoria da situação da massa da população e acabou enxotado, com apoio mínimo e com seu candidato derrotado.

Aí, os tucanos já tinham vivido e desperdiçado seu momento de glória. Estavam condenados a derrotas e à decadência. Se apegaram a São Paulo, seu núcleo original, desde onde fizeram oposição, muito menos como partido – debilitado e sem filiados – e mais como apêndice pautado e conduzido pela mídia privada.
Derrotado três vezes sucessivas para a presidência e perdendo cada vez mais espaços nos estados, o PSDB chega a esta eleição aferrado à prefeitura de São Paulo, onde as brigas internas levaram à eleição de um aliado, que teve péssimo desempenho.

Os tucanos chegam a esta eleição jogando sua sobrevivência em São Paulo, com riscos graves de, perdendo, rumarem para a desaparição política. Ninguém acredita em Aécio como candidato com possibilidade reais de vencer a eleição para a presidência, menos ainda o Alckmin.
Vai terminando a geração que deu luz aos tucanos como partido e protagonizaram seu auge – o governo FHC – que, pela forma que assumiu, teve sucesso efêmero e condenou – pelo seu fracasso e a imagem desgastada do FHC e do seu governo – à desaparição política

" O JULGAMENTO DO “MENSALÃO”

PARA ENTENDER O JULGAMENTO DO “MENSALÃO”

Ao se encerrar o processo penal de maior repercussão pública dos últimos anos, é preciso dele tirar as necessárias conclusões ético-políticas.

Comecemos por focalizar aquilo que representa o nervo central da vida humana em sociedade, ou seja, o poder.

No Brasil, a esfera do poder sempre se apresentou dividida em dois níveis, um oficial e outro não-oficial, sendo o último encoberto pelo primeiro.

O nível oficial de poder aparece com destaque, e é exibido a todos como prova de nosso avanço político. A Constituição, por exemplo, declara solenemente que todo poder emana do povo. Quem meditar, porém, nem que seja um instante, sobre a realidade brasileira, percebe claramente que o povo é, e sempre foi, mero figurante no teatro político. 

Ainda no escalão oficial, e com grande visibilidade, atuam os órgãos clássicos do Estado: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e outros órgãos auxiliares. Finalmente, completando esse nível oficial de poder e com a mesma visibilidade, há o conjunto de todos aqueles que militam nos partidos políticos.

Para a opinião pública e os observadores menos atentos, todo o poder político concentra-se aí.

É preciso uma boa acuidade visual para enxergar, por trás dessa fachada brilhante, um segundo nível de poder, que na realidade quase sempre suplanta o primeiro. É o grupo formado pelo grande empresariado: financeiro, industrial, comercial, de serviços e do agronegócio.

No exercício desse poder dominante (embora sempre oculto), o grande empresariado conta com alguns aliados históricos, como a corporação militar e a classe média superior. Esta, aliás, tem cada vez mais sua visão de mundo moldada pela televisão, o rádio e a grande imprensa, os quais estão, desde há muito, sob o controle de um oligopólio empresarial. Ora, a opinião – autêntica ou fabricada – da classe média conservadora sempre influenciou poderosamente a mentalidade da grande maioria dos membros do nosso Poder Judiciário.

Tentemos, agora, compreender o rumoroso caso do “mensalão”.

Ele nasceu, alimentou-se e chegou ao auge exclusivamente no nível do poder político oficial. A maioria absoluta dos réus integrava o mesmo partido político; por sinal, aquele que está no poder federal há quase dez anos. Esse partido surgiu, e permaneceu durante alguns poucos anos, como uma agremiação política de defesa dos trabalhadores contra o empresariado. Depois, em grande parte por iniciativa e sob a direção de José Dirceu, foi aos poucos procurando amancebar-se com os homens de negócio.

Os grandes empresários permaneceram aparentemente alheios ao debate do “mensalão”, embora fazendo força nos bastidores para uma condenação exemplar de todos os acusados. Essa manobra tática, como em tantas outras ocasiões, teve por objetivo desviar a atenção geral sobre a Grande Corrupção da máquina estatal, por eles, empresários, mantida constantemente em atividade magistralmente desde Pedro Álvares Cabral.

Quanto à classe média conservadora, cujas opiniões influenciam grandemente os magistrados, não foi preciso grande esforço dos meios de comunicação de massa para nela suscitar a fúria punitiva dos políticos corruptos, e para saudar o relator do processo do “mensalão” como herói nacional. É que os integrantes dessa classe, muito embora nem sempre procedam de modo honesto em suas relações com as autoridades – bastando citar a compra de facilidades na obtenção de licenças de toda sorte, com ou sem despachante; ou a não-declaração de rendimentos ao Fisco –, sempre esteve convencida de que a desonestidade pecuniária dos políticos é muito pior para o povo do que a exploração empresarial dos trabalhadores e dos consumidores.

E o Judiciário nisso tudo?

Sabe-se, tradicionalmente, que nesta terra somente são condenados os 3 Ps: pretos, pobres e prostitutas. Agora, ao que parece, estas últimas (sobretudo na high society) passaram a ser substituídas pelos políticos, de modo a conservar o mesmo sistema de letra inicial.

Pouco se indaga, porém, sobre a razão pela qual um “mensalão” anterior ao do PT, e que serviu de inspiração para este, orquestrado em outro partido político (por coincidência, seu atual opositor ferrenho), ainda não tenha sido julgado, nem parece que irá sê-lo às vésperas das próximas eleições. Da mesma forma, não causou comoção, à época, o fato de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse sido publicamente acusado de haver comprado a aprovação da sua reeleição no Congresso por emenda constitucional, e a digna Procuradoria-Geral da República permanecesse muda e queda.

Tampouco houve o menor esboço de revolta popular diante da criminosa façanha de privatização de empresas estatais, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. As poucas ações intentadas contra esse gravíssimo atentado ao patrimônio nacional, em particular a ação popular visando a anular a venda da Vale do Rio Doce na bacia das almas, jamais chegaram a ser julgadas definitivamente pelo Poder Judiciário.

Mas aí vem a pergunta indiscreta: – E os grandes empresários? Bem, estes parecem merecer especial desvelo por parte dos magistrados. 

Ainda recentemente, a condenação em primeira instância por vários crimes econômicos de um desses privilegiados, provocou o imediato afastamento do Chefe da Polícia Federal, e a concessão de habeas-corpus diretamente pelo presidente do Supremo Tribunal, saltando por cima de todas as instâncias intermediárias.

Estranho também, para dizer o mínimo, o caso do ex-presidente Fernando Collor. Seu impeachment foi decidido por “atentado à dignidade do cargo” (entenda-se, a organização de uma empresa de corrupção pelo seu fac-totum, Paulo Cezar Farias). Alguns “contribuintes” para a caixinha presidencial, entrevistados na televisão, declararam candidamente terem sido constrangidos a pagar, para obter decisões governamentais que estimavam lícitas, em seu favor. E o Supremo Tribunal Federal, aí sim, chamado a decidir, não vislumbrou crime algum no episódio.

Vou mais além. Alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao votarem no processo do “mensalão”, declararam que os crimes aí denunciados eram “gravíssimos”. Ora, os mesmos Ministros que assim se pronunciaram, chamados a votar no processo da lei de anistia, não consideraram como dotados da mesma gravidade os crimes de terrorismo praticados pelos agentes da repressão, durante o regime empresarial-militar: a saber, a sistemática tortura de presos políticos, muitas vezes até à morte, ou a execução sumária de opositores ao regime, com o esquartejamento e a ocultação dos cadáveres.

Com efeito, ao julgar em abril de 2010 a ação intentada pelo Conselho Federal da OAB, para que fosse reinterpretada, à luz da nova Constituição e do sistema internacional de direitos humanos, a lei de anistia de 1979, o mesmo Supremo Tribunal, por ampla maioria, decidiu que fora válido aquele apagamento dos crimes de terrorismo de Estado, estabelecido como condição para que a corporação militar abrisse mão do poder supremo. O severíssimo relator do “mensalão”, alegando doença, não compareceu às duas sessões de julgamento. 

Pois bem, foi preciso, para vergonha nossa, que alguns meses depois a Corte Interamericana de Direitos Humanos reabrisse a discussão sobre a matéria, e julgasse insustentável essa decisão do nosso mais alto tribunal.

Na verdade, o que poucos entendem – mesmo no meio jurídico – é que o julgamento de casos com importante componente político ou religioso não se faz por meio do puro silogismo jurídico tradicional: a interpretação das normas jurídicas pertinentes ao caso, como premissa maior; o exame dos fatos, como premissa menor, seguindo logicamente a conclusão.

O procedimento mental costuma ser bem outro. De imediato, em casos que tais, salvo raras e honrosas exceções, os juízes fazem interiormente um pré-julgamento, em função de sua mentalidade própria ou visão de mundo; vale dizer, de suas preferências valorativas, crenças, opiniões, ou até mesmo preconceitos. É só num segundo momento, por razões de protocolo, que entra em jogo o raciocínio jurídico-formal. E aí, quando se trata de um colegiado julgador, a discussão do caso pelos seus integrantes costuma assumir toda a confusão de um diálogo de surdos.

Foi o que sucedeu no julgamento do “mensalão”





Autor: Professor 
Fábio Konder Comparato

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Moralistas hipócritas


Moralistas hipócritas usam julgamento do mensalão para defender a ditadura


Tenho lido alguns artigos denunciando os arrepios legais no julgamento do mensalão. Pouco importa se existem provas. O que conta mesmo é o espetáculo midiático em torno deste julgamento.


São poucas vozes que se levantam. Qualquer um que ouse manifestar posição divergente ou provocar reflexão diante deste processo é rapidamente acusado de “quadrilheiro”.

Trata-se de uma inquisição, e quem não quiser queimar junto nesta “fogueira santa” deve permanecer em silêncio.

A opinião pública quer se vingar da classe política. Qualquer resultado que não fosse a condenação de todos os réus significaria uma gigantesca pizza servida no Jornal Nacional, com alguns poucos manifestantes vestindo nariz de palhaço e com vassouras nas mãos.

Caso os réus não fossem condenados, o país estaria mais inseguro. As crianças desaprenderiam os nobres valores da sociedade civil brasileira, tão temente a Deus e obcecada pela justiça.

Quanta hipocrisia!

Existem zilhões de comentaristas dizendo as mesmas coisas.

Não faz sentido eu usar este espaço se não for para provocar certas reflexões. Tampouco este blog costuma aliviar com medo da “ditadura do senso comum”.

Mas não vou comentar sobre os absurdos deste processo jurídico. Outros já o fizeram com brilhantismo.

Quero comentar as reações subsequentes à condenação de José Genoíno e José Dirceu.

Estava lendo os comentários dos leitores nos portais dos maiores jornais do Brasil.

Muitos destes leitores faziam protestos muito curiosos.

Não foram poucos os que lamentavam o fato de que a ditadura militar brasileira não tenha executado um número maior de opositores ao regime. Em especial os presos políticos Genoíno e Dirceu.

Não foram poucos os que pediam um desagravo aos militares pela “grande obra” de extermínio de seus inimigos políticos.

Quando digo que tais protestos são curiosos é porque não são poucas as vezes que nos deparamos com acusações de que os governos Lula e Dilma estariam pondo em cheque a democracia, interferindo em nossas instituições republicanas.

Podemos entender que a ideologia difundida pela elite e propagada por alguns de seus empregados é que a democracia não passa de um método de dominação, apenas conveniente quando o grupo político hegemônico for representante direto de seus interesses.

Ou seja, quando o poder está nas mãos da “elite branca” devemos brindar a democracia.

Porém, quando o executivo é ocupado por esta “corja sindical”, clamemos por uma ditadura que venha nos redimir desta “anarquia”.

Para isso vale de tudo. Golpe militar ou “tapetão” judiciário.

Procura-se um general de farda ou um juiz de capa preta. Qualquer coisa serve para colocar as coisas em seus devidos lugares e reacomodar a velha hierarquia social.

O PT cometeu erros graves sim. Gravíssimos. Chegando ao executivo, acreditou que seu poder seria suficiente para subjugar a velha classe política tradicional. Imaginou que o apoio financeiro e político aos partidos da base seriam suficientes para ganhar a obediência das velhas raposas.

Como se não houvesse reles traições no meio do caminho.

Mas este grave erro é antecedido por outro ainda mais sério, e espero que o PT aprenda com ele.

O PT realmente acreditou que poderia se articular com a elite e controlar parte dela. Imaginou que a força do governo – com seu potencial político e econômico - permitiriam estabelecer uma agenda comum com a grande mídia. Ao controlar a economia, mantendo as bases do “acordo” do Estado com o Mercado, acreditou que as velhas forças se engajariam no projeto nacional do novo governo.

Besteira!

A relação da elite com o petismo é meramente funcional.

A velha elite se articula com o governo simplesmente porque precisa dele para manter as bases de seu domínio, porém não o reconhece como seu.

Frequentaram durante um período os mesmos salões, mas na primeira oportunidade que tiveram, lançaram mão dos recursos disponíveis para colocar na cadeia aqueles que ousaram submete-los ao seu projeto.

E a classe média?

Ah, a classe média, como sempre incorporando como seu o projeto da classe dominante. Ainda que seja em seu próprio prejuízo. Tudo para não se aliar com a classe pobre. Seria terrível ser ultrapassada na escala social por esta gentalha.

E a classe média jamais perdoará Lula e o PT por subverter a velha hierarquia das castas brasileiras.

É mentira que os moralistas estejam preocupados com a corrupção!

Se assim fosse, jamais teriam sustentado tantos coronéis no poder durante tanto tempo. Quando os escândalos eram contra a velha classe política, os moralistas achavam até graça. Riam porque ninguém nunca conseguia provar nada contra o Dr. Fulano de Tal. Criaram até o slogan do “rouba, mas faz”.

Se os moralistas estivessem realmente preocupados com o bom uso do dinheiro público, não fecharia seus olhos diante dos bilhões que escorrem dos cofres públicos todos os meses para financiar os bancos.

Se estivessem realmente atentos, fiscalizariam o volume de publicidade pública na grande imprensa. Dinheiro para pagar o arrego dos governos aos verdadeiros donos do poder.

Por que a privataria tucana nunca foi motivo de indignação destes moralistas dos dias de hoje? Não faltaram gravações, documentos, provas e resultados econômicos para comprovar o roubo destas privatizações.

De Pedro Alvarez Cabral até os dias de hoje, nenhum roubo lesou tanto esta nação como as privatizações, do jeito que foram realizadas.

Por que esta classe de moralistas sente-se ofendida com a “bolsa esmola” que o governo usa para “sustentar os vagabundos que não querem trabalhar”? Por que ajudar os miseráveis agride tanto, quando os governos do mundo todo (inclusive o nosso) não se cansam de ajudar os bancos e as multinacionais, com a justificativa de salvar a economia mundial?

É tudo mentira!

A questão aqui é política!

Para os moralistas, tanto faz se um governo seja ladrão ou não.

O problema é que os “corruptos” da vez ousaram subverter a velha hierarquia. Fizeram da política seu ofício enquanto todos os outros trabalhavam obedientemente. Converteram-se em chefes enquanto todo mundo continuava cumprindo ordens.

Por isso a condenação foi “merecida”.

Aliás, deveriam ter sido eliminados décadas atrás pela ditadura que garantia a “ordem das coisas”.

Para quem se sente humilhado no dia-a-dia, mas obedece caninamente seus patrões na esperança de algum bem-estar e segurança, ainda que ilusórios, nada é mais irritante do que o “irmão rebelde”. Nada mais recompensador do que um “pai” enérgico que faça justiça ao seu esforço e lealdade e coloque as coisas em seu devido lugar.

Sonham com uma ditadura que venha redimir a frustração que sentem ao perceberem que foram excessivamente estúpidos e recalcados durante suas vidas.

 Moralistas hipócritas!
Postado por Blog do Rafael Castilho