segunda-feira, 18 de abril de 2016

A volta reacionária de Deus e da família



Por Leonardo Boff



Observando o comportamento dos parlamentares nos três dias em que discutiram a admissibilidade do impedimento da presidenta Dilma Rousseff parecia-nos ver criançolas se divertindo num jardim da infância. Gritarias por todo canto. Coros recitando seus mantras contra ou a favor do impedimento. Alguns vinham fantasiados com os símbolos de suas causas. Pessoas vestidas com a bandeira nacional como se estivessem num dia de carnaval. Placas com seus slogans repetitivos. Enfim, um espetáculo indigno de pessoas decentes de quem se esperaria um mínimo de seriedade. Chegou-se a fazer até um bolão de apostas como se fora um jogo do bicho ou de futebol.

Mas o que mais causou estranheza foi a figura do presidente da Câmara que presidiu a sessão, o deputado Eduardo Cunha. Ele vem acusado de muitos crimes e é réu pelo Supremo Tribunal Federal: um gangster julgando uma mulher decente contra a qual ninguém ousou lhe atribuir qualquer crime.

Precisamos questionar a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal por ter permitido esse ato que nos envergonhou nacional e internacionalmente a ponto de o New York Times de 15 de abril escrever: “Ela não roubou nada, mas está sendo julgada por uma quadrilha de ladrões”. Que interesse secreto alimenta a Suprema Corte face a tão escandalosa omissão? Recusamos a ideia de que esteja participando de alguma conspiração.

Ocorreu na declaração de voto algo absolutamente desviante. Tratava-se de julgar se a presidenta havia cometido um crime de irresponsabilidade fiscal junto a outros manejos administrativos das finanças, base jurídica para um processo político de impedimento que implica destituir a presidenta de seu cargo, conseguido pelo voto popular majoritário. Grande parte dos deputados sequer se referiu a essa base jurídica, as famosas pedaladas fiscais etc. Ao invés de se ater juridicamente ao eventual crime, deram asas à politização da insatisfação generalizada que corre pela sociedade em razão da crise econômica, do desemprego e da corrupção na Petrobrás. Essa insatisfação pode representar um erro político da presidenta mas não configura um crime.

Como num ritornelo, a grande maioria se concentrou na corrupção e nos efeitos negativos da crise. Apostrofaram hipocritamente o governo de corrupto quando sabemos que um grande número de deputados está indiciado em crimes de corrupção. Boa parte deles se elegeu com dinheiro da corrupção política, sustentada pelas empresas. Generalizando, com honrosas exceções, os deputados não representam os interesses coletivos, mas aqueles das empresas que lhes financiaram as campanhas.

Importa notar um fato preocupante: emergiu novamente como um espantalho a velha campanha que reforçou o golpe militar de 1964: as marchas da religião, da família, de Deus e contra a corrupção. Dezenas de parlamentares da bancada evangélica claramente fizeram discursos de tom religioso e invocando o nome de Deus. E todos, sem exceção, votaram pelo impedimento. Poucas vezes se ofendeu tanto o segundo mandamento da lei de Deus que proíbe usar o santo nome de Deus em vão. Grande parte dos parlamentares de forma pueril dedicavam seu voto à família, à esposa, à avó, aos filhos e aos netos, citando seus nomes, numa espetacularização da política de reles banalidade. Ao contrário, aqueles contra o impedimento argumentavam e mostravam um comportamento decente.

Fez-se um julgamento apenas político sem embasamento jurídico convincente, o que fere o preceito constitucional. O que ocorreu foi um golpe parlamentar inaceitável.

Os votos contra o impedimento não foram suficientes. Todos saímos diminuídos como nação e envergonhados dos representantes do povo que, na verdade, não o representam nem pretendem mudar as regras do jogo político.

Agora nos resta esperar a racionalidade do Senado que irá analisar a validade ou não dos argumentos jurídicos, base para um julgamento político acerca de um eventual crime de responsabilidade, negado por notáveis juristas do país.


Talvez não tenhamos ainda suficientemente amadurecido como povo para poder realizar uma democracia digna deste nome: a tradução para o campo da politica da soberania popular.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Análise da conjuntura politica atual

Por Elizabeth Dusi

Como professora que conviveu anos a fio com jovens e ouviu a voz dos vários extratos da sociedade, como teóloga que buscou estudar o inefável para concretizar no humano o Amor, como servidora da justiça, servindo como olhos dessa senhora cega, como mãe responsável pelas vidas que gerei e pelas gerações que carregarão uma parte do meu DNA, não me é permitido o silêncio, diante do cenário atual do Brasil.

Quem dera, fosse ainda criança e no balançar de uma varinha de condão, ou no espalhar um pó de pirlimpimpim tudo estivesse como deveria estar! Mas, sem varinha ou pós mágicos temos que usar a coragem, o discernimento e a serenidade pra tentar entender e descobrir caminhos.

Não sou do PT nem do PSDB, mas, achei interessante quando no início da década de 80, foi fundado por sindicalistas cansados de opressão, por intelectuais que eu admirava e pelo pessoal da teologia da libertação com a qual me identifico um partido, o PT. Também achei interessante a criação do PSDB, logo depois, pois achava que seguiria a social-democracia alemã que conjuga a liberdade de mercado com parâmetros de defesa do cidadão. Até colei na janela da minha casa, na época da eleição, um cartaz do Covas, acreditando que poderia ser uma solução. Logo, logo me decepcionei com o PSDB que de social-democracia nada tem.

Aí o PT passou a ser a única opção. Até que, recentemente, inchado por oportunistas saiu do rumo traçado, deixando muito a desejar. Resumindo, hoje voto Psol, que até agora não me decepcionou.

E hoje, embora não queira convencer ninguém, é justamente por aqueles que odeiam o PT e querem o impeachment de Dilma, que faço uma reflexão e um alerta, para que possam continuar tendo liberdade de expressão. Para que continuem sendo trabalhadores e não escravos. Para que possam continuar a ser servidores e não demitidos. Para que continuem cidadãos de um país livre e não colonos de uma potência estrangeira.

Há algum tempo cheguei à conclusão que nosso país é riquíssimo. Porque suportar 500 anos de corrupção, de roubos, de desmandos, sem quebrar, só mesmo sendo muito rico.

O governo do PT é ótimo? Claro que não. Muita coisa poderia ser feita e não foi, seja por incompetência ou “mal-feitos”. Mas, mesmo assim, ele é de longe, tirando Getúlio Vargas, que só depois de bem adulta li e entendi, o melhor que tivemos até agora.

Eu, particularmente, como servidora do Judiciário, deveria ser a primeira a gritar fora Dilma. Há dez (10, ten, dix, bem explicado pra não restar dúvida) eu não recebo um centavo sequer de reposição de inflação. Mas, sinceramente, por mais falta que me faça para poder viajar nas férias, e manter um padrão de zona de conforto, reconheço que tirar pessoas da miséria é mais relevante que minha viagem.

Tenho amigos fantásticos, dos quais gosto demais, que estão na linha de frente do coro de “fora Dilma”. Claro que nenhum desses amigos está a favor do impeachment, porque pobre passou a andar de avião, porque em muitas famílias, pela primeira vez houve um alguém formado em nível superior, ou porque o Nordeste, historicamente esquecido, passou a ter melhores condições de vida. Meus amigos não são mesquinhos, preconceituosos nem egoístas. Então o que os leva a ir pra linha de frente?

Teriam sido favorecidos por esquemas corruptos da oposição, algum dia? Teriam em algum momento de suas vidas, agido ao arrepio da lei, e agora querem purgar a culpa? Teriam sido preteridos em alguma ocasião por programas desse governo de esquerda? Acreditam que o deus mercado é mais importante que um sem-teto? Têm amigos ou parentes, que sejam políticos da oposição e teriam interesse em se “dar bem” com a volta desse pessoal ao poder? Seriam membros de alguma organização que com o combate à desigualdade, perderiam seus privilégios? Teriam recebido outrora, algum benefício e por conta disso precisam ser fiéis ao padrinho? Seriam analfabetos políticos, inocentes úteis cooptados pela mídia feudal que se perpetua no país?  Não, não vejo em nenhum deles esses “predicados”. Ao contrário, são pessoas de bem, que amam seu país.

Então, por que?

Porque o Brasil financiou um porto em Cuba. Mas peraí. Com o fim do embargo econômico imposto anos a fio pelos Estados Unidos, Cuba será um fantástico escoador de produtos brasileiros, superavitando nossa balança comercial.

Porque os comunistas (comunista dito não como se fosse uma ideologia, mas um palavrão) vão tomar conta do Brasil. Ops... há mais de vinte anos num tomam conta nem na Rússia.

Porque vão cobrar CPMF, pra roubar mais. Taí, também detesto imposto. Só que o CPMF impede que transações financeiras milionárias passem ao largo do controle e se transformem em fonte para offshores. E hoje há mecanismos que determinam transparência na arrecadação para que essa não seja desviada para fins outros.

Porque a Dilma não sabe o que diz. Será que a maioria de nós, sabe? Mas ela é desonesta. Acho difícil uma pessoa que arrisca sua vida por uma causa, como ela fez na juventude, ser desonesta.

Mas ela deu pedaladas. Verdade. Ela atrasou o pagamento aos órgãos que arcam com os custos das políticas sociais. Sim, mas pagou. Isso é crime? Algum de nós alguma vez tendo que escolher entre quitar o cartão pra evitar aqueles juros absurdos e pagar a conta do telefone no mês seguinte com uma pequena multa, preferiu pagar a conta do telefone e se ferrar no cartão?

Porque ela não cumpriu sua plataforma eleitoral. Sim ela tá deixando a desejar e a oposição de esquerda sabe disso e ela está sendo cobrada.  Mas convenhamos, com um congresso que há quase 2 anos só quer tirá-la do poder e nada vota, fica difícil.

Porque roubou a Petrobrás. E concordou com a compra de Pasadena. Quanto a Pasadena, a Aepet pode esclarecer que técnicos qualificados e que vestem a camisa da empresa aconselharam ser um bom negócio. E roubo na Petrobrás por parte dela não foi comprovado, ao contrário de recém paladinos da ética que por muitos anos, comprovadamente se locupletaram dos roubos na empresa. Sem falar que as acusações são uma tentativa de desestabilizar nossa maior empresa, por causa do olho gordo no pré-sal. Se eu desqualifico um, digamos, artesanato que tenha feito, só consigo um preço bem abaixo do real valor. Assim, desqualificando a Petrobrás o pré-sal vai sair bem baratinho pra quem quiser comprar.  E já que estamos no reino mineral, que tal o contrabando do nióbio retirado do Brasil? Detemos quase 90% das reservas mundiais. Será que é a Dilma que tem um convênio com empresa estrangeira para levar o tal do nióbio?

Porque o desemprego está aumentando. Nos governos FHC o desemprego oscilou entre 7% e 12%. No governo Dilma, atualmente, atingiu seu pior patamar: 7%. Só consultar o dr. Google. E FHC não sofreu impeachment por isso.

Porque há muita corrupção. Ou será porque toda corrupção está vindo à tona, como nunca foi possível nesse país? Se a polícia não é proibida de investigar, a sujeira aparece. E foi a presidente que sancionou a lei da delação premiada. Se eu tivesse rabo preso, nunquinha que ia sancionar uma lei dessas. Será então que a corrupção nunca apareceu antes, porque só havia vestais? Me engana, que eu gosto!

Porque faz repasses aos vagabundos do MST, para apoiar o governo. Bem, tirando alguns líderes, que mesmo não sendo sem-terra, encabeçam o movimento, que tal abrir mão da sua vidinha cômoda e passar a morar em acampamentos itinerantes sem qualquer conforto a que estamos acostumados? Que tal ser um deserdado da vida e ter que brigar, e brigar muito pra conseguir sobreviver? Os repasses tem por objetivo o desenvolvimento agrário e capacitação dos jovens. E todas as vezes que se constatou mal-uso do repasse, este foi suspenso. E na verdade o que sustenta o Brasil e gera recursos é a agricultura familiar, porque, tirando honrosas exceções, o agronegócio só dá lucro para os latifundiários. Aí eu me pergunto: como algumas famílias se tornaram proprietárias de uma quantidade incalculável de terra? Em que cartório do céu tá escrito que fizeram jus a tantos e tantos alqueires? Porque aqui, só mesmo a malfadada metodologia de capitanias hereditárias, preferencialmente dadas àqueles puxa-sacos do rei, explicam essas propriedades.

Porque a saúde e educação estão sucateadas. Ok. Seguinte: os repasses são feitos aos estados e municípios. Se esse repasse é desviado, de quem é a culpa? O Alckmin mesmo já falou que quem ser professor que o seja por amor e não por salário. 

E o Mais Médicos precisou importar estrangeiros, porque ir pro fim do mundo, com um salário menor do que se consegue nos consultórios de Ipanema e dos Jardins não é lá das coisas mais atraentes para aqueles que optaram pela medicina como uma carreira que oferece um bom retorno. Nada errado querer isso, mas porque implicar com aqueles que aceitam as condições oferecidas?

Porque sou de direita e não gosto das ideias da esquerda. Perfeito. Então, comece a defender suas ideias junto a seus amigos e em 2018 eleja seu candidato. Mas respeite o atual mandato até o final, porque querer tirá-lo por impeachment, que embora seja um instituto legal, não se sustenta em razões jurídicas legais, fica feio pra quem quer justiça. Querer acabar com o Estado de Direito porque hoje te satisfaz que assim seja, cuidado, que o feitiço sempre vira contra o feiticeiro.