quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A força da imagem do PT


Política



A força da imagem do PT


Marcos Coimbra


Ao contrário do que se costuma pensar, o sistema partidário brasileiro tem um enraizamento social expressivo. Ao considerar nossas instituições políticas, pode-se até dizer que ele é muito significativo.
Em um país com democracia intermitente, baixo acesso à educação e onde a participação eleitoral é obrigatória, a proporção de cidadãos que se identificam com algum partido chega a ser surpreendente.
Se há, portanto, uma coisa que chama a atenção no Brasil não é a ausência, mas a presença de vínculos partidários no eleitorado. Conforme mostram as pesquisas, metade dos eleitores tem algum vínculo.
Seria possível imaginar que essa taxa é consequência de termos um amplo e variado multipartidarismo, com 29 legendas registradas. Com um cardápio tão vasto, qualquer um poderia encontrar ao menos um partido com o qual concordar. Mas não é o que acontece. Pois, se o sistema partidário é disperso, as identificações são concentradas. Na verdade, fortemente concentradas.
O Vox Populi fez recentemente uma pesquisa de âmbito nacional sobre o tema. Deu o esperado: 48% dos entrevistados disseram simpatizar com algum partido. Mas 80% desses se restringiram a apenas três: PT (com 28% das respostas), PMDB (com 6%) e PSDB (com 5%). Olhado desse modo, o sistema é, portanto, bem menos heterogêneo, pois os restantes 26 partidos dividem os 20% que sobram. Temos a rigor apenas três partidos de expressão.
Entre os três, um padrão semelhante. Sozinho, o PT representa quase 60% das identidades partidárias, o que faz que todos os demais, incluindo os grandes, se apequenem perante ele. Em resumo, 50% dos eleitores brasileiros não têm partido, 30% são petistas e 20% simpatizam com algum outro – e a metade desses é peemedebista ou tucana. Do primeiro para o segundo, a relação é de quase cinco vezes.
A proeminência do PT é ainda mais acentuada quando se pede ao entrevistado que diga se “simpatiza”, “antipatiza” ou se não tem um ou outro sentimento em relação ao partido. Entre “muita” e “alguma simpatia”, temos 51%. Outros 37% se dizem indiferentes. Ficam 11%, que antipatizam “alguma” coisa ou “muito” com ele.
Essa simpatia está presente mesmo entre os que se identificam com os demais partidos. É simpática ao PT a metade dos que se sentem próximos do PMDB, um terço dos que gostam do PSDB e metade dos que simpatizam com os outros.
Se o partido é visto com bons olhos por proporções tão amplas, não espanta que seja avaliado positivamente pela maioria em diversos quesitos: 74% do total de entrevistados o consideram um partido “moderno” (ante 14% que o acham “ultrapassado”); 70% entendem que “tem compromisso com os pobres” (ante 14% que dizem que não); 66% afirmam que “busca atender ao interesse da maioria da população” (ante 15% que não acreditam nisso).
Até em uma dimensão particularmente complicada seu desempenho é positivo: 56% dos entrevistados acham que “cumpre o que promete” (enquanto 23% dizem que não). Níveis de confiança como esses não são comuns em nosso sistema político.
Ao comparar os resultados dessa pesquisa com outras, percebe-se que a imagem do PT apresenta uma leve tendência de melhora nos últimos anos. No mínimo, de estabilidade. Entre 2008 e 2012, por exemplo, a proporção dos que dizem que o partido tem atuação “positiva na política brasileira” foi de 57% a 66%.
A avaliação de sua contribuição para o crescimento do País também se mantém elevada: em 2008, 63% dos entrevistados estavam de acordo com a frase “O PT ajuda o Brasil a crescer”, proporção que foi a 72% neste ano.
O sucesso de Lula e o bom começo de Dilma Rousseff são uma parte importante da explicação para esses números. Mas não seria correto interpretá-los como fruto exclusivo da atuação de ambos.
Nas suas três décadas de existência, o PT desenvolveu algo que inexistia em nossa cultura política e se diferenciou dos demais partidos da atualidade: formou laços sólidos com uma ampla parcela do eleitorado. O petismo tornou-se um fenômeno de massa.
Há, é certo, quem não goste dele – os 11% que antipatizam, entre os quais os 5% que desgostam muito. Mas não mudam o quadro.
Ao se considerar tudo que aconteceu ao partido e ao se levar em conta o tratamento sistematicamente negativo que recebe da chamada “grande imprensa” – demonstrado em pesquisas acadêmicas realizadas por instituições respeitadas – é um saldo muito bom.
É com essa imagem e a forte aprovação de suas principais lideranças que o PT se prepara para enfrentar os difíceis dias em que o coro da indústria de comunicação usará o julgamento do mensalão para desgastá-lo.
Conseguirá
?

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O STF em dois tempos


O STF em dois tempos

Marcos Coimbra - Marcos Coimbra
Correio Braziliense - 23/09/2012
 
Terá sido um erro daqueles ministros "frustrar" o sentimento da opinião pública, que "exigia" a "punição exemplar" do ex-presidente? Ou foram corajosos ao afrontá-la, mostrando que as "certezas" de momento são irrelevantes e que a lei deve sempre ser obedecida?

Os dois mais importantes julgamentos políticos do Supremo Tribunal Federal (STF) desde a redemocratização estão separados por quase 20 anos.
E por uma distância ainda maior no modo como em relação a eles o Tribunal se portou.
Em dezembro de 1994, em quatro sessões, julgou a Ação Penal 307. Eram nove acusados, sendo o primeiro o ex-presidente da República Fernando Collor. Na mesma ação, estavam Paulo César Farias e Cláudio Vieira, respectivamente tesoureiro de campanha e antigo secretário particular do ex-presidente. Com eles, assessores e secretárias.
De agosto para cá — e com perspectiva de atravessar outubro —, o STF está julgando a Ação Penal 470, sobre o "mensalão". Nela, os acusados são 38.
Não há um ex-presidente entre os réus — e não por falta de esforço dos oposicionistas mais combativos, especialmente os pit-bulls da mídia conservadora. Como estariam felizes se Lula tivesse sido envolvido!
Mas há, na 470, figuras estelares do PT, entre as quais uma das mais expressivas lideranças de sua história, José Dirceu. Constam também deputados de vários partidos, além de pessoas que, como na 307, nada mais seriam que coadjuvantes.
Dos 11 ministros que compunham a Corte em dezembro de 1994, apenas dois ainda permanecem. Um não votou, no entanto, na decisão da 307. Por ter parentesco com Collor, Marco Aurélio Mello se disse impedido.
O STF de 1994 resolveu ser célere e discreto, considerando a gravidade do que tinha a decidir e levando em conta que o país não ganharia se o julgamento se estendesse e fosse espetaculoso.
Nada de sessões televisionadas, de votos intermináveis frente às câmaras, de entrevistas no fim do dia.
Sob a presidência de Octavio Gallotti, os ministros de 1994 evitaram que o julgamento ocorresse em plena época eleitoral. Deixaram terminar a eleição geral de outubro e só depois iniciaram os trabalhos.
Devem ter avaliado que seria equivocado forçar a coincidência do julgamento com a eleição, por menor que fosse o risco de que ele interferisse nas decisões do eleitor. Um partido poderia ser beneficiado e outro prejudicado, o que aqueles ministros entenderam ser inaceitável.
O julgamento da Ação Penal 307 aconteceu em ambiente de opinião pública semelhante ao que temos atualmente, porém muito mais intenso: a vasta maioria das pessoas tinha certeza de que Collor era culpado e estava disposta a ir às ruas para dizê-lo. Hoje, nem com os mais veementes esforços da oposição saem de casa.
O Supremo de 1994 estava errado quando julgou a Ação Penal 307 com rigor técnico? Quando exigiu que a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) provasse tudo que alegava contra os réus? Quando considerou improcedente a acusação contra Collor, por não haver prova sólida e por não ter sido demonstrado um ato de ofício que tivesse praticado e que significasse crime de responsabilidade?
Terá sido um erro daqueles ministros "frustrar" o sentimento da opinião pública, que "exigia" a "punição exemplar" do ex-presidente? Ou foram corajosos ao afrontá-la, mostrando que as "certezas" de momento são irrelevantes e que a lei deve sempre ser obedecida?
Em retrospecto, percebemos em quanto o Brasil saiu maior da decisão daqueles ministros.
Enquanto vemos os malabarismos dos de agora para ajustar a realidade à denúncia da PGR, enquanto inovam no direito para "responder" aos "anseios da opinião pública", enquanto obsequiosamente cumprem o script que a mídia conservadora escreveu, é um alívio lembrar o Supremo de então.
E acreditar que outros virão.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

"Revelações" e Eleições,por Marcos Coimbra



No front jurídico imediato, não tem significado. Quem entende do processo que corre no Supremo Tribunal Federal afirma que os votos dos ministros estão escritos e não mudariam porque um dos réus disse isso ou aquilo. 
Nem se a questão fosse suscitada por um veículo com credibilidade. Não é o caso dessa revista, que se dedica apenas ao combate ideológico e que se desobriga, por essa razão, de honrar as regras do jornalismo. Para ela, vale tudo.   
Não cabe especular sobre o que teria motivado Valério a falar – o que quer que tenha dito. Desinformado é que não está, considerando a qualidade dos advogados com que conta.
Ele sabe que, a esta altura do processo, lançar suspeitas sobre Lula ou outras pessoas só aprofunda seus problemas.
Estamos entrando na hora decisiva do julgamento, quando a “fatia” política será avaliada pelos ministros. É agora que a suposição da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pretenso esquema de compra de votos de parlamentares - que teria existido entre 2004 e 2005, para aprovar medidas de interesse do governo - começará a ser discutida.
Desde a CPI, essa é a parte mais fantasiosa e frágil das denúncias. Por mais que alguns deputados oposicionistas tivessem tentado ligar pagamentos recebidos por partidos e parlamentares a votações específicas, nenhuma foi identificada com clareza. A completa falta de sentido do governo pagar integrantes de sua bancada mais fiel para que votassem assim ou assado apenas ressalta a insipiência da hipótese.
Quanto à PGR, ela não conseguiu avançar um milímetro na demonstração dessa vinculação.   
Que benefício teria agora Valério estabelecendo-a, ainda que somente com base em  declarações não substanciadas? Justo quando serão julgados os políticos acusados? O que ganharia confessando ser parte de uma quadrilha que cometeu um crime grave? Boicotar o trabalho da defesa?
E a revista? O que ganha publicando a “entrevista” agora? 
No tocante ao julgamento, nada. O ambiente de pressão sobre os juízes está construído e a matéria não aumenta o risco que correm de ser achincalhados se votarem em desacordo com o que ela deseja.
Isso, eles já entenderam.
Ou seja: para Valério e a revista, dentro da história do julgamento do “mensalão”, ela é inútil (o que não quer dizer que não possa ter relevância nas guerras de longo prazo em que estão engajados - ele, tentando reduzir as provações que o aguardam, ela, na luta contra o “lulopetismo”).  
A matéria tem outra razão de ser.  
Quem mora fora de São Paulo não entende a importância que a eleição de prefeito assume para quem faz política na cidade. Acham que é fundamental para o Brasil.
Quem não é “serrista” não compreende a dor de ver seu preferido prestes a sofrer uma derrota humilhante. Se agarrando à tênue hipótese de derrotar Fernando Haddad e receber o voto petista para enfrentar Celso Russomano.
Chance remota? Pouca possibilidade? Não importa. O que puderem fazer para que ele ultrapasse Haddad farão.
Não é difícil ver as ligações. José Serra traz o mensalão para sua propaganda eleitoral, na hora em que falham os velhos argumentos (“o mais preparado”, “o líder nas pesquisas”, etc.).
Na semana seguinte, a revista faz matéria bombástica, com capa pronta para a televisão. Que coincidência feliz! Que acaso extraordinário!
Vai dar certo? Pouco provável. Mas é o que têm.  

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Defesa da regulamentação da mídia


 







Ministro-chefe da comunicação social durante o governo Lula, Martins afirma que o Brasil é o único país democrático do mundo que não possui regulamentação para o setor. Ele criticou a postura da chama grande mídia e das empresas de telecomunicações que, segundo o político,falam em atentado à liberdade de imprensa. 


Rui Martins também escreveu este artigo fazendo um pedido ao governo da presidenta Dilma


Berna (Suiça) - Daqui de longe, vendo o tumulto provocado com o processo Mensalão e a grande imprensa assanhada, me parece assistir a um show de hospício, no qual os réus e suspeitos financiam seus acusadores. O Brasil padece de sadomasoquismo, mas quem bate sempre é a direita e quem chora e geme é a esquerda.

Não vou sequer falar do Mensalão, em si mesmo, porque aqui na Suíça, país considerado dos mais honestos politicamente, ninguém entende o que se passa no Brasil. Pela simples razão de que os suíços têm seu Mensalão, perfeitamente legal e integrado na estrutura política do país.

Cada deputado ou senador eleito é imediatamente contatado por bancos, laboratórios farmacêuticos, seguradoras, investidores e outros grupos para fazer parte do conselho de administração, mediante um régio pagamento mensal. Um antigo presidente da Câmara dos deputados, Peter Hess, era vice-presidente de 42 conselhos de administração de empresas suíças e faturava cerca de meio-milhão de dólares mensais.

Com tal generosidade, na verdade uma versão helvética do Mensalão, os grupos econômicos que governam a Suíça têm assegurada a vitória dos seus projetos de lei e a derrota das propostas indesejáveis. E nunca houve uma grita geral da imprensa suíça contra esse tipo de controle e colonização do parlamento suíço.

Por que me parece masoca a esquerda brasileira e nisso incluo a presidente Dilma Rousseff e o PT ? Porque parecem gozar com as chicotadas desmoralizantes desferidas pelos rebotalhos da grande imprensa. Pelo menos é essa minha impressão ao ler a prodigalidade com que o governo Dilma premia os grupos econômicos seus detratores.

Batam, batam que eu gosto, parece dizer o governo ao distribuir 70% da verba federal para a publicidade aos dez maiores veículos de informação (jornais, rádios e tevês), justamente os mais conservadores e direitistas do país, contrários ao PT, ao ex-presidente Lula e à atual presidenta Dilma.

Quando soube dessa postura masoquista do governo, fui logo querer saber quem é o responsável por essa distribuição absurda que exclui e marginaliza a sempre moribunda mídia da esquerda e ignora os blogueiros, responsáveis pela correta informação em circulação no país.

Trata-se de uma colega de O Globo, Helena Chagas, para quem a partilha é justa – recebe mais quem tem mais audiência! diz ela.

Mas isso é um raciocínio minimalista! Então, o povo elege um governo de centro-esquerda e quando esse governo tem o poder decide alimentar seus inimigos em lugar de aproveitar o momento para desenvolver a imprensa nanica de esquerda ?

O Brasil de Fato, a revista Caros Amigos, o Correio do Brasil fazem das tripas coração para sobreviver, seus articulistas trabalham por nada ou quase nada, assim como centenas de blogueiros, defendendo a política social do governo e a senhora Helena Chagas com o aval da Dilma Rousseff nem dá bola, entrega tudo para a Veja, Globo, Folha, SBT, Record, Estadão e outros do mesmo time ?

Assim, realmente, não dá para se entender a política de comunicação do governo. Será que todos nós jornalistas de esquerda que votamos na Dilma somos paspalhos ?

Aqui na Europa, onde acabei ficando depois da ditadura militar, existe um equilíbrio na mídia. A França tem Le Figaro, mas existe também o Libération e o Nouvel Observateur. Em todos os países existem opções de direita e de esquerda na mídia. E os jornais de esquerda têm também publicidade pública e privada que lhes permitem manter uma boa qualidade e pagar bons salários aos jornalistas.

Comunicação é uma peça chave num governo, por que a presidenta Dilma não premiou um de seus antigos colegas e colocou na sucessão de Franklin Martins um competente jornalista de esquerda, capaz de permitir o surgimento no país de uma mídia de esquerda financeiramente forte ?

Exemplo não falta. Getúlio Vargas, quando eleito, sabia ser necessário um órgão de apoio popular para um governo que afrontava interesses internacionais ao criar a Petrobras e a siderurgia nacional. E incumbiu Samuel Wainer dessa missão com a Última Hora. O jornal conseguiu encontrar a boa receita e logo se transformou num sucesso.

O governo tem a faca e o queijo nas mãos – vai continuar dando o filet mignon aos inimigos ou se decide a dar condições de desenvolvimento para uma imprensa de esquerda no Brasil ?

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Por que eles têm medo do Lula?









Lula virou o diabo para a direita brasileira, comandada por seu partido – a mídia privada. Pelo que ele representa e por tê-los derrotado três vezes sucessivas nas eleições presidenciais, por se manter como o maior líder popular do Brasil, apesar dos ataques e manipulações de todo tipo que os donos da mídia – que não foram eleitos por ninguém para querer falar em nome do país – não param de maquinar contra ele. 

Primeiro, ele causou medo quando surgiu como líder operário, que trazia para a luta política aos trabalhadores, reprimidos e super-explorados pela ditadura durante mais de uma década e o pânico que isso causava em um empresariado já acostumado ao arrocho salarial e à intervenção nos sindicatos.

Medo de que essa política que alimentava os superlucros das grandes empresas privadas nacionais e estrangeiras – o santo do chamado “milagre econômico” -, terminasse e, com ela, a possibilidade de seguirem lucrando tanto às custas da super-exploração dos trabalhadores. 

Medo também de que isso tirasse as bases de sustentação da ditadura – além das outras bases, as baionetas e o terror – e eles tivessem que voltar às situações de incerteza relativa dos regimes eleitorais.

Medo que foi se acalmando conforme, na transição do fim do seu regime de ditadura militar para o restabelecimento da democracia liberal, triunfavam os conservadores. Derrotada a campanha das diretas, o Colégio Eleitoral consagrou um novo pacto de elite no Brasil, em que se misturavam o velho e o novo, promiscuamente na aliança PMDB-PFL, para dar nascimento a uma democracia que não estendia a democracia às profundas estruturas econômicas, sociais e midiáticas do país.

Sempre havia o medo de que Lula catalizasse os descontentamentos que não deixaram de existir com o fim da ditadura, porque a questão social continuava a arder no país mais desigual do continente mais desigual do mundo. Mas os processos eleitorais pareciam permitir que as elites tradicionais retomassem o controle da vida política brasileira.

Aí veio o novo medo, que chegou a pânico, quando Lula chegou ao segundo turno contra o seu novo queridinho, Collor, o filhote da ditadura. E foi necessário usar todo o peso da manipulação midiática para evitar que a força popular levasse Lula à presidencia do Brasil, da ameaça de debandada geral dos empresários se Lula ganhasse, à edição forjada de debate, para tentar evitar a vitória popular.

O fracasso do Collor levou a que Roberto Marinho confessasse que eles já não elegeriam um presidente deles, teriam que buscar alguém no outro campo, para fazê-lo seu representante. Se tratava de usar de tudo para evitar que o Lula ganhasse. Foram buscar ao FHC, que se prestou a esse papel e parecia se erigir em antidoto permanente contra o Lula, a quem derrotou duas vezes.

Como, porém, não conseguem resolver os problemas do país, mas apenas adiá-los – como fizeram com o Plano Real -, o fantasma voltou, com o governo FHC também fracassando. Tentaram alternativas – Roseana Sarney, Ciro Gomes, Serra -, mas não houve jeito.

Trataram de criar o pânico sobre a possibilidade da vitória do Lula, com ataque especulativo, com a transformação do chamado “risco Brasil” para “risco Lula”, mas não houve jeito.

Alivio, quando acreditaram que a postura moderada do Lula ao assumir a presidência significaria sua rendição à politica econômica de FHC, ao “pensamento único”, ao Consenso de Washington. Por um lado, saudavam essa postura do Lula, por outro incentivavam os setores que denunciavam uma “traição” do Lula, para buscar enfraquecer sua liderança popular. No fundo acreditavam que Lula demoraria pouco no governo, capitularia e perderia liderança popular ou colocaria suas propostas em prática e o país se tornaria ingovernável.

Quando se deram conta que Lula se consolidava, tentaram o golpe em 2005, valendo-se de acusações multiplicadas pela maior operação de marketing político que o pais ja conheceu – desde a ofensiva contra o Getúlio, em 1954 -, buscando derrubar o Lula e sepultar por muito tempo a possibilidade de um governo de esquerda no Brasil. Colocavam em prática o que um ministro da ditadura tinha dito: Um dia o PT vai ganhar, vai fracassar e aí vamos poder governar o país sem pressão.”

Chegaram a cogitar um impeachment, mas tiveram medo do Lula, da sua capacidade de mobilização popular contra eles. Recuaram e adotaram a tática de sangrar o governo, cercando-o no Parlamento e através da mídia, até que, inviabilizado, fosse derrotado nas eleições de 2006.

Fracassaram uma vez mais, quando o Lula convocou as mobilizações populares contra os esquemas golpistas, ao mesmo tempo que a centralidade das políticas sociais – eixo do governo Lula, que a direita não enxergava, ou subestimava e tratava de esconder – começava a dar seus frutos. Como resultado, Lula triunfou na eleições de 2006, ao contrário do que a direita programava, impondo uma nova derrota grave às elites tradicionais.

O medo passou a ser que o Brasil mudasse muito, tirando suas bases de apoio tradicionais – a começar por seus feudos políticos no nordeste -, permitindo que o Lula elegesse sua sucessora. Se refugiaram no “favoritismo” do Serra nas pesquisas – confiando, uma vez mais, na certeza do Ibope de que o Lula não elegeria sua sucessora.

Foram de novo derrotados. Acumulam derrota atrás de derrota e identificam no Lula seu grande inimigo. Ainda mais que nos últimos anos do seu segundo mandato e na campanha eleitoral, Lula identificou e apontou claramente o papel das elites tradicionais, com afirmações como a de que ele demonstrou “que se pode governar o Brasil, sem almoçar e jantar com os donos de jornal”. Quando disse que “não haverá democracia no Brasil, enquanto os políticos tiverem medo da mídia”, entre outras afirmações. 

Quando, depois de seminário que trouxe experiências de regulações democráticas da mídia em varias partes insuspeitas do mundo, elaborou uma proposta de lei de marco regulatório para a mídia, que democratize a formação da opinião pública, tirando o monopólio do restrito número de famílias e empresas que controlam o setor de forma antidemocrática. 

Além de tudo, Lula representa para eles o sucesso de um presidente que se tornou o líder político mais popular da história do Brasil, não proveniente dos setores tradicionais, mas um operário proveniente do nordeste, que se tornou líder sindical de base desafiando a ditadura, que perdeu um dedo na máquina – trazendo no próprio corpo inscrita a sua origem e as condições de trabalho dos operários brasileiros.

Enquanto o queridinho da direita partidária e midiática brasileira, FHC, fracassou, Lula teve êxito em todos os campos – econômico, social, cultural, de políticas internacional -, elevando a auto-estima dos brasileiros e do povo brasileiro. Lula resgatou o papel do Estado – reduzido à sua mínima expressão com Collor e FHC – para um instrumento de indução do crescimento econômico e de garantia das políticas sociais. Derrotou a proposta norteamericana da Alca – fazer a América Latina uma imensa área de livre comércio, subordinada ao interesses dos EUA -, para priorizar os projetos de integração regional e os intercâmbios com o Sul do mundo.

Lula passou a representar o Brasil, a América Latina e o Sul do mundo, na luta contra a fome, contra a guerra, contra o monopólio de poder das nações centrais do sistema. Lula mostrou que é possível diminuir a desigualdade e a pobreza, terminar com a miséria no Brasil, ao contrário do que era dito e feito pelos governos tradicionais.

Lula saiu do governo com praticamente toda a mídia tradicional contra ele, mas com mais de 80% de apoio e apenas 3% de rejeição. Elegeu sua sucessora contra o “favoritismo” do candidato da direita. 

Aí acreditaram que poderiam neutralizá-lo, elogiando a Dilma como contraponto a ele, até que se rendem que não conseguem promover conflitos entre eles. Temem o retorno do Lula como presidente, mas principalmente o temem como líder político, como quem melhor vocaliza os grandes temas nacionais, apontando para a direita como obstáculo para a democratização do Brasil.

Lula representa a esquerda realmente existente no Brasil, com liderança nacional, latino-americana e mundial. Lula representa o resgate da questão social no Brasil, promovendo o acesso a bens fundamentais da maioria da população, incorporando definitivamente os pobres e o mercado interno de consumo popular à vida do país.

Lula representa o líder que não foi cooptado pela direita, pela mídia, pelas nações imperiais. Por tudo isso, eles tem medo do Lula. Por tudo isso querem tentam desgastar sua imagem. Por isso 80% das referências ao Lula na mídia são negativas. Mas 69,8% dos brasileiros dizem que gostariam que ele volte a ser presidente do Brasil. Por isso eles tem tanto medo do Lula. 
Postado por Emir Sader às 08:03

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Haddad no melhor momento






Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:

Já tem analista político pedindo socorro a neurologia para tentar explicar a eleição em São Paulo. Outros, em breve, vão jogar búzios. Prova de que a política brasileira resiste aos amadores. Por que?

Porque boa parte de nossos analistas teima em fazer um exercício primário da política: confundir o desejo com a realidade. São quarentões e cinquentões que não aprenderam nada. Ou muito pouco.

O desejo: torcer por uma derrota de Fernando Haddad em São Paulo, que poderia ser anunciada como o início da desconstrução de Lula pelo eleitorado.

A realidade: Haddad está a três pontos de Serra e dificilmente ficará de fora do segundo turno.

Na curva das pesquisas, a tendência de Haddad vai para cima. A de Serra, para baixo.

A curva de Serra que sobe no momento é a rejeição, mostra o DataFolha. Chegou a 46% e é duas vezes e meia maior do que a linha de eleitores que pretendem votar nele. A eleição não está resolvida mas a tendência atual é esta.

Não se sabe se FHC poderá trazer, a Serra, eleitores novos, além dos que já estão com ele.

Marta, com certeza, irá engordar o eleitorado de Haddad. Considerando que a campanha de Serra resolveu criticar o bilhete único – conquista que a população impediu que fosse extinta quando os tucanos recuperaram a cidade – pode-se prever que Marta não terá muita dificuldade para fazer o trabalho eleitoral.

Até porque o número de indecisos subiu e Russomano deu uma leve oscilada para baixo. Não há dúvida que a campanha de Haddad se encontra no melhor momento. A população começa a prestar atenção nele. Basta conversar na barraca da feira perto de sua casa para perceber isso.

Por isso a escolha de Marta para o Ministério da Cultura tem uma relevância política enorme. Não é a ajuda na hora da queda, como FHC a Serra. É o reforço na hora da subida.

Já estou estranhando a ausência, até agora, daqueles balanços previsíveis, chorosos e lacrimejantes, sobre a ministra Ana de Hollanda, que sai. Não tenho a menor condição de avaliar o trabalho dela.

Mas tenho certeza de que, massacrada e criticada em vida, será lamentada fora do cargo, num esforço para esconder aquilo que a nomeação de Marta indica: ao contrário do que garantiam os adversários, os petistas se uniram para tentar vencer a eleição. Quem dizia que Dilma estava pouco ligando para a eleição deve conformar-se com a ideia de que ela fez o que pode para ajudar.

Hipocritamente, observadores que sempre acharam que o mercado deveria mandar na Cultura, deixando ao Estado a função de garantir subsídios e facilidades para investidores privados, já preparam críticas a indicação de Marta. Vão cobrar iniciativas e projetos. Vão lembrar frases infelizes e gafes. No fundo, eles acham que a pasta deveria ser extinta mas aproveitam para falar em toma-lá-dá-cá, no mesmo jogo eleitoral que acusam o governo de fazer.

Não sou otimista nem pessimista a respeito do Ministério.

Acho que a Cultura é um ministério político, como todos os outros. Não é moeda de troca eleitoral e deve ser tratado com respeito. Há muito a ser feito ali. Muito para ser estimulado. É preciso querer e saber.

É bom aguardar, para breve, que Marta demonstre a que veio, num ministério cuja importante nem sempre é bem compreendida - muitas vezes, nem pelos próprios ministros.

E é bom aguardar, num prazo também curto, o desfecho da eleição paulistana. Agora, que não é impossível imaginar uma vitória de Haddad, já é possível adivinhar como ela será apresentada pelos inimigos, se vier a ocorrer.

Já estão dizendo que, agora, Lula “só” quer ganhar em São Paulo. A eleição mais importante, um mes atrás, agora é “só”uma.

Não sei se é caso de neurologia. Quem sabe seja psiquiatria, sociologia, sei lá…

Caveat: o STF caminha para subverter as bases do direito positivo brasileiro



J. Carlos de Assis - Carta Maior

Desde o século XVIII firmou-se como princípio do direito europeu continental, ao qual se filia o direito brasileiro, a máxima, inscrita em nossa Constituição, de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. (Em latim: Nullum crimen, nulla poena sine previa lege.) O arauto desse princípio foi Cesare Beccaria, numa obra que constitui um dos pilares da era moderna, “Dos Delitos e das Penas”. Ela prenunciava uma doutrina de proteção do cidadão comum contra arbitrariedades do soberano, do Estado ou... de magistrados. A propósito, foram justamente magistrados os poucos opositores de Beccaria.

O julgamento do chamado mensalão está caminhando para uma situação na qual grande parte dos réus está destinada a ser condenada a penas sem prévia cominação legal referidas a crimes que não estão definidos como tais em leis. É que os ministros do Supremo estão se arrogando a prerrogativa de definir “por analogia”, como crimes, após o fato consumado, ações como o gerenciamento de caixa dois eleitoral que estão tradicionalmente presentes como irregularidades eleitorais em todas as eleições brasileiras, sem uma única exceção, acredito eu. Por que só agora a criminalização penal nesse caso específico?

Não falo de gestão fraudulenta de instituição financeira: isso está tipificado em lei e já faz parte do direito objetivo brasileiro. Mas dizer que houve a formação de “quadrilha” por parte dos dirigentes do PT para comprar votos de parlamentares próprios ou de partidos aliados no Congresso, chamar de peculato o recebimento de dinheiro para pagar despesas eleitorais do próprio partido ou de outros, definir ainda como peculato recebimento de pretensa vantagem sem provar que houve contrapartida, tudo isso beira o surrealismo, para não dizer a máxima arbitrariedade.

Vamos ser claros: há uma parte da opinião pública querendo ver sangue, e uma parte do Judiciário querendo saciá-la. Ela ignora as consequências dos precedentes dos julgamentos para o comportamento futuro do sistema judiciário como um todo. Não sabe que, para atender seu apetite, o Supremo, que deveria resguardar-se como guardião da serenidade, atua às vezes, e não raro, política e demagogicamente. No caso, o Supremo está subvertendo a mais sagrada regra do sistema judiciário brasileiro, a saber, a doutrina do direito objetivo que exige prévia definição legal do crime, sem maiores contorcionismos jurídicos.

Essa subversão terá consequências terríveis para o futuro jurídico brasileiro. Caímos no sistema anglo-saxão, aquele do direito consuetudinário, aquele que dá ao juiz uma imensa margem de discricionariedade em suas decisões. Quais as consequências disso? Para mim, que não sou jurista, devo usar uma linguagem comum: significa simplesmente que nas causas correntes no Judiciário haverá mais margem para os ricos culpados comprarem a sua absolvição e os pobres inocentes arcarem com o peso da lei. Mas é estranho que nenhum grande advogado ou jurista esteja chamando a atenção sobre isso: talvez tenham medo de se indispor junto ao Supremo!

Entendo que o Congresso brasileiro deva invocar suas prerrogativas e barrar essa pretensão do Supremo de, ao arrepio da cidadania, mudar as bases doutrinárias de nosso sistema jurídico. O direito objetivo, mesmo que circunstancialmente favoreça os ricos, é essencialmente uma proteção dos pobres. Se tivermos de adotar o sistema anglo-saxão, que, como dito, dá aos juízes ampla margem de arbitrariedade em suas decisões, que seja por decisão da cidadania, através de seus representantes no Congresso. Não pode ser um simples golpe do Supremo Tribunal Federal. Deve ser por um consenso mínimo na sociedade.

A propósito, já é tempo de recordar ao Supremo quem é o poder máximo na sociedade. Constitucionalmente, os três poderes são independentes e autônomos. Politicamente, porém, o Poder Judiciário e o Poder Executivo estão subordinados ao Legislativo, pelo fato de que este representa o conjunto da cidadania, da cidadania e da soberania, acima da qual não existe poder algum. Portanto, o ministro Marco Aurélio não pode atropelar a letra da Constituição dizendo que o deputado João Paulo Cunha está cassado por decisão do STF sem ter de passar pelo rito legal que estabelece a própria Carta Magna.

É preciso que o Congresso, nesse contexto de exorbitação de poderes pelo STF, tome iniciativas concretas para o restabelecimento da ordem constitucional. Afinal, há vários ministros do Supremo sobre os quais recaem pesadas suspeitas de falta de decoro. A revista Carta Capital, por exemplo, afirmou em matéria de capa que o ministro Gilmar Mendes foi beneficiário do esquema do valerioduto. Cabe investigar isso. Se confirmado, é um delito político, sem necessidade de um artigo de lei que o tipifique. E vale um processo de impeachment perante o Senado, conforme previsto na Constituição.

Na condição de cidadão livre, e conforme a lição de Bobbio, eu tenho a prerrogativa de fazer as leis através dos meus representantes políticos. Repele-me a ideia de ficar sob o jugo de leis feitas por homens – sejam reis, sejam presidentes, sejam juízes – que não têm que prestar conta a seus constituintes. Veja o abominável sistema judiciário americano e inglês: no curso da maior crise financeira de todos os tempos, devida basicamente a fraudes e desvios praticados por instituições financeiras, nem um único banqueiro ou dirigente financeiro foi preso ou condenado. Eles literalmente compram o sistema judicial e se safam. Já os pobres sofrem penas extremamente rigorosas, com poucas chances de regeneração.

Recorde-se ainda, nos Estados Unidos, a arbitrária decisão da maioria da Suprema Corte de atropelar resultados eleitorais inequívocos que davam a vitória a Gore para fazer vitorioso George Bush filho. O candidato conservador, preferido da maioria da Corte, foi beneficiário de um esquema corrupto, decisivo para o resultado nacional, montado seu próprio irmão, ninguém menos que o governador da Flórida. Estaria o cidadão comum brasileiro mais protegido com a adoção desse sistema? Fala-se descaradamente, entre advogados e juristas, que o critério para o julgamento do chamado mensalão é excepcional. Depois, voltaria tudo como antes. Se for assim estaremos no limite extremo da arbitrariedade, da demagogia e da violação dos direitos humanos.

Portanto, é necessário fazer um apelo sobretudo aos jovens que se impressionaram com a retórica da procuradoria e do relator do chamado mensalão: isso não passa de um circo para valorização pessoal de alguns atores junto à opinião pública. No fundo, é uma vergonha que o procurador e o relator estejam se prestando a esse papel de basear uma retórica tão hiperbólica em provas factuais tão frágeis ou inexistentes. Em que código, em que lei, em que regra o procedimento normal de dirigentes partidários de buscar alianças e apoio pode ser definido como ação de quadrilha? Não seria o trabalho normal deles? 

Ou quadrilha é quando se juntam algumas pessoas para qualquer propósito, inclusive o de condenar?
(*) Economista e professor da UEPB, presidente do Intersul, autor junto com o matemático Francisco Antonio Doria do recém-lançado “O Universo Neoliberal em Desencanto”, Ed. Civilização Brasileira. Esta coluna sai às terças também no site Rumos do Brasil e no jornal carioca Monitor Mercantil.

A tentativa de golpe contra Lula muito bem explicada




Tudo começou antes mesmo do chamado valerioduto tucano.
Muita gente pensa que a história do mensalão começou em 14 de maio de 2004, quando a TV Globo mostrou uma reportagem com um diretor da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos (ECT), Maurício Marinho, recebendo propina de uma pessoa apresentada como um empresário.
Outros pensam que foi quando o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) deu a bombástica e fantasiosa entrevista à Folha de S. Paulo, em 6 de junho de 2005, que logo repercutiu pela imprensa, tornando-se capa nos maiores jornais do país. Foi nela que o então deputado criou o neologismo “mensalão”.

Entretanto, estes acontecimentos expõem apenas a superfície da luta política que há por trás do chamado “mensalão”. Sua história mais profunda só pode ser entendida no quadro mais largo da luta política no Brasil. Ela começou muito antes, mesmo deixando de lado considerações sobre o ”mensalão tucano”, que irrigou a campanha eleitoral de 1998, beneficiando o candidato do PSDB em Minas Gerais Eduardo Azeredo e, também, a candidatura de Fernando Henrique Cardoso à reeleição para a presidência da República (“O valerioduto abasteceu Gilmar”. Carta Capital, nº 708, 27 de julho de 2012).

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Um dos marcos dessa história foi a eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994, quando a coalizão tucano-pefelista imaginou iniciar um projeto de poder que, como acreditava o mentor de FHC, o ex-ministro das Comunicações Sérgio Mota, deveria durar 30 anos!

De “principe dos sociólogos” a “monarca dos políticos”
Não durou tanto. A eleição de Fernando Henrique Cardoso e seu vice do PFL (atual DEM) Marco Maciel foi impulsionada pelo lançamento do Plano Real que, em 2 de julho de 1994, introduziu o real como padrão monetário.

A promessa de fim da inflação e de uma moeda forte (de “primeiro mundo”) sensibilizou o eleitorado e transformou o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, no ansiado (pela classe dominante) anti-Lula: o candidato com apelo popular suficientemente forte para derrotar o líder operário que, em 1989, quase chegou à presidência e deixou a classe dominante em pânico.

Fernando Henrique Cardoso era, aliás, um anti-Lula conveniente para a classe dominante. Ancorado em seu passado de oposicionista à ditadura militar, sua candidatura navegou no clamor pela ética na política que os brasileiros passaram a ver como uma verdadeira bandeira programática depois do impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992, acusado justamente de corrupção.
Coube ao governo tucano implantar o programa de Collor: o programa de privatizações, reformas neoliberais, desregulamentação das relações trabalhistas, redução dos direitos sociais e submissão às imposições do imperialismo, que Collor iniciou sem poder levar até o final.

Mas a ilusão popular com Fernando Henrique Cardoso durou pouco e diminuiu drasticamente durante seu primeiro mandato. Para assegurar a aplicação daquele programa antinacional e antipopular, o então presidente usou de todos os meios, sob uma chuva de acusações de ter comprado votos de parlamentares para mudar a Constituição e permitir, para si próprio, a reeleição para mais um mandato como presidente da República. O cientista político Bolivar Lamounier comentou com ironia, na semana daquela votação, que Fernando Henrique Cardoso – antes considerado o “príncipe dos sociólogos” brasileiros – com a reeleição podia se tornar “o monarca dos políticos” (Veja, 5 de fevereiro de 1997).

Ele tinha razão: a soberba fez o presidente governar de forma imperial, de olhos fechados para o povo e para as ruas, e de joelhos perante a classe dominante, o capital financeiro e o imperialismo, principalmente dos EUA.
Veja: “A euforia inicial pode azedar”
Estava pavimentado o caminho para o desastre. Fernando Henrique Cardoso esperou a campanha eleitoral passar e o evento de sua própria posse, em janeiro de 1999, para revelar a gravidade da crise econômica na qual sua política econômica encalacrou o país.
As medidas por ele anunciadas agravaram a crise, dificultando a vida das empresas e dos trabalhadores, com o aumento do desemprego, que já era alto.

Ação penal 470 é julgada durante o mês de agosto. Ano: 2012.

Seu governo mudou o câmbio, desatrelando o real do dólar, desmanchando assim a chamada “âncora cambial”. Em consequência, a cotação da moeda norte-americana disparou de R$ 1,20 em novembro de 1998 para R$ 2,07 no final de janeiro de 1999, representando um golpe rude e inesperado nas finanças das empresas que, estimuladas pelo própio governo, haviam contraído empréstimos externos: em poucas semanas elas viram o valor em reais de suas dívidas quase dobrar. As matérias da revista Veja refletiram a gravidade da crise e o sentimento de traição de grande parte dos empresários. Uma delas tinha um título significativo: “A âncora virou anzol”; outra dizia: “A euforia inicial pode azedar” (Veja, 20 de janeiro de 1999). 

Contra a crise, o governo pensou na receita conservadora de sempre e, num artigo elogioso sobre o ministro da Fazenda Pedro Malan, a revista assegurou que o governo estudava a venda imediata da Petrobras (Veja, 3 de fevereiro de 1999).

A popularidade do presidente foi ladeira abaixo. Em dezembro de 1998 ele ainda ostentava 58% de aprovação nas pesquisas de opinião; em março de 1999, caiu para 35% e em julho ainda mais: 26%. A desaprovação crescia no mesmo sentido, passando de 37% em dezembro de 1998 para 56% em março de 1999 e para 66% em julho.

Se a queda do prestígio de Fernando Henrique Cardoso era nítida, crescia a percepção de que a eleição de 2002 para sua sucessão seria vencida pelo temido Luís Inácio Lula da Silva.

Um mandato é suficiente para Lula

Os setores conservadores da política e da mídia, articulados na coalizão PSDB-PFL, alimentaram o sonho de que bastaria um mandato para Lula como presidente. E que logo o controle do Palácio do Planalto voltaria às mesmas forças políticas que sempre estiveram à frente dele: os derrotados de 2002. Apostaram que o novo governo se esboroaria em um imaginado desastre político- administrativo, que o prestígio popular do líder operário logo se diluiria, e que isso favoreceria o retorno do projeto neoliberal e seus paladinos ao governo.

Mas a realidade não saiu como seus planos e, ante a realidade adversa, tentaram construir este cenário apelando para a velha e esfarrapada banderia da corrução, já aplicada contra Getúlio Vargas (1954, levando ao suicídio do presidente), Juscelino Kubtischek (1955 a 1961) e João Goulart (1961 a 1964, resultando na deposição do presidente).

As acusações contra Lula se multiplicaram desde 2004 quando os sonhos de esboroamento do governo se desfizeram, principalmente depois do bom desempenho de candidatos apoiados por Lula na eleição municipal daquele ano.

Ao contrário das esperanças conservadoras, a popularidade do governo Lula não cedia. Se o grau de aprovação do governo caiu, em 2004, chegando a 29% (fruto dos problemas que o governo enfrentava devido à “herança maldita” de FHC e também das acusações feitas através da mídia conservadora), o grau de confiança popular no presidente permanecia: 54% (Jornal do Brasil, 29 de junho de 2004).

Os brasileiros começavam a notar a diferença entre a nova era que se iniciava sob Lula e o período de retrocesso e empobrecimento vivido sob Fernando Henrique Cardoso. De um lado, essa diferença se manifestava na retomada da economia e do emprego. Em 2004, informa o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e do Emprego) foram criados 1,8 milhão de empregos formais, muito acima do milhão de novos empregos do último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Outro sinal importante de mudança – e inquietante para os conservadores e neoliberais – foi o anúncio feito pelo governo, em março de 2005, de que não renovaria o acordo com o Fundo Monetário Inrternacional (FMI) assinado por Fernando Henrique Cardoso em 2002 e que reforçou a submissão do Brasil às autoridades financeiras daquele organismo e do imperialismo. Aquele anúncio apontava para o fortalecimento da soberania nacional e para a recuperação da autonomia do país em matéria de política econômica, o que é inaceitável para a direita neoliberal.

Fernando Henrique Cardoso defende a “ruptura institucional”

Neste quadro, a tática que sobrava para a direita e para os conservadores era investir numa cruzada moralista para abalar o governo do presidente Lula. Paralelamente ao espetáculo midiático protagonizado por Roberto Jefferson e personagens de seu quilate, Fernando Henrique Cardoso repercutia em artigos e discursos aquelas acusações usando-as como base para orientar seus prosélitos do campo conservador e direitista.

No auge daquela campanha midiática, o ex-presidente tucano repetiu em sua coluna nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo afirmações de que “o partido do presidente e seu governo estão envoltos num tsunami de suspeitas de corrupção” (publicada em 8 de agosto de 2005). Mas fazia uma ressalva dizendo-se cheio “de cuidados para não atribuir ao presidente culpas específicas em função de suas responsabilidades gerais”, embora afirmasse que o presidente não assumia essas responsabilidades deixando de fazer “o que o País espera: governar”. Mas pedia pressa: “Nesse processo, entretanto, ruma-se contra o tempo. O país perderá se deixarmos passar a hora”, insinuando (claramente) a tomada de medidas contra o presidente – o impeachment.

Em artigo publicado em abril de 2005, naquela coluna, Fernando Henrique Cardoso teve a desfaçatez de propor que, ante as acusações contra o governo, a oposição (isto é, o conluio direitista e conservador) devia estar preparada para tudo, inclusive para uma ruptura institucional! Isto é, para o golpe. Esta ambição recuou logo para o objetivo de impor ao presidente Lula o compromisso de não se candidatar à reeleição em 2006.

Em 5 de julho de 2005 Fernando Henrique Cardoso voltou à carga apelidando as acusações como “inéditas em nossa história”, mantendo a ressalva de que “até agora nada indica que o presidente Lula tenha diretamente algo a ver com tudo isso”.
Mas insistia na tese de que “Lula deveria anunciar que não é mais candidato à reeleição” (entrevista à revista Exame,1º de setembro de 2005). E tentava explicar a chantagem: isso “poderia aliviar a crise e permitir que [Lula] volte a ser candidato se as coisas andarem bem”.

Deixava claro o objetivo político da cruzada moralizante da mídia conservadora e da oposição neoliberal e de direita: abrir caminho para sua volta à presidência da República com o afastamento de Lula e da esquerda da disputa eleitoral de 2006.
Lula rejeitou prontamente a chantagem. Como mostraram os repórteres Cristiano Romero e Raymundo Costa (“Como Lula deu a volta por cima”, Valor Econômico, 21 de maio de 2010), sua reação foi forte e embutia uma ameaça da qual a direita e os conservadores fugiam como o diabo da cruz: “Se eles estão pensando que vão me tirar daqui no tapetão, nem pensar! Vou pra rua”, disse ele numa reunião.
Impeachment

Se o presidente não aceitava as pressões para desistir da disputa, era preciso tirá-lo – esta foi a tese que começou a crescer no campo da oposição conservadora e de direita. Fernando Henrique Cardoso, o principal dirigente da oposição conservadora e neoliberal, defendeu a tese em seu costumeiro estilo sinuoso e aparentemente indireto. Em julho de 2005, numa coluna em O Estado de S. Paulo, referiu-se ao impeachment de Collor num claro paralelo à crise criada em torno do presidente Lula. “Os fatos foram mais fortes do que tudo e nos curvamos a eles e à necessidade da depuração”, escreveu, concluindo com uma espécie de “garantia” ao dizer que “a democracia resistiu galhardamente” (O Estado de S. Paulo, 5 de julho de 2005).
O subtexto era claro: em sua opinião o afastamento de Lula poderia não significar riscos à democracia na forma como um conservador como Fernando Henrique Cardoso a compreende.

Em agosto ele voltou à carga. Insistindo na acusação de que nunca teria ocorrido, “na História do Brasil, uma sequência de desvios de conduta tão deprimente como a que foi montada no País sob os auspícios de um partido, o PT” (ele deixava de considerar, é óbvio, a pilhagem do patrimônio público ocorrida em seu governo, entre 1995 e 2002), e pedia que as responsabilidades recaíssem “sobre cada indivíduo na proporção dos erros cometidos. Seja qual for o resultado das investigações, o importante é que, em seguida, haja as punições de acordo com as leis”. Sem reservas: “se crime de responsabilidade houver ou quebra de decoro parlamentar, sigam-se as regras estabelecidas na Constituição com todas as consequências”. O alvo da expressão “crime de responsabilidade “não podia ser outro senão o presidente Lula, não deixando dúvida de que a pena constitucional defendida naquele texto só podia ser seu impeachment (O Estado de S. Paulo, 8 de agosto de 2005).

O auge da crise ocorreu na ocasião do depoimento do publicitário Duda Mendonça à CPI dos Correios, em 11 de agosto de 2005. Orientado pelo senador Antônio Carlos Magalhães, um dos principais líderes da direita brasileira desde a década de 1950, seu depoimento associou a campanha presidencial de 2002 a irregularidades eleitorais referentes ao financiamento da campanha; elas dariam o pretexto para o pedido de anulação judicial da vitória de Lula em 2002 – podendo passar a presidência da República ao segundo colocado, José Serra!

Lula: “esses caras não conhecem minha ligação com o povo”

“O governo Lula balançou” naquele dia, dizem os repórteres Cristiano Romero e Raymundo Costa e, no dia seguinte, a cúpula do Palácio do Planalto fez um exame detalhado da situação, encarando “o impeachment como uma ameaça concreta”, afirmam aqueles repórteres. Lula revelou que um auxiliar havia proposto, dias antes, que renunciasse à reeleição em 2006, aceitando os acenos de trégua feitos por Fernando Henrique Cardoso. “Esses caras são gozados”, respondeu Lula, reafirmando a disposição de continuar no páreo. “Eles não conhecem a minha ligação com o povo. Isso não vai acontecer! Vou ganhar a eleição desses filhos da mãe!”. Desenhava-se, cada vez com mais força, a reação que faria os conservadores e a direita recuar: o apelo à rua (Valor Econômico, 21 de maio de 2010).

Mas foi exatamente o temor dessa ligação do presidente com o povo que intimidou a direita e os conservadores. A pretensão de levar o presidente ao impeachment começou a perder força quando os dirigentes da oposição avaliaram, numa reunião realizadas na segunda feira seguinte ao depoimento de Duda Mendonça, não terem votos no Congresso Nacional nem apoio popular para tirar o presidente. “Não há clima político para o impedimento e o pedido, se houver, tem de vir da sociedade”, disse o senador tucano Arthur Virgílio, depois da reunião (Valor Econômico, 21 de maio de 2010).

À sua maneira, o então senador tucano Arthur Virgílio manifestou os temores da direita e dos conservadores: o medo da reação popular. Isto é, da “rua”.
No passado, a “rua” já se manifestara contra a mesma linha política representada pela coalizão tucano-pefelista: em 1954 quando, após o suicídio de Getúlio Vargas, a população apedrejou instalações de empresas norte-americanas e redações de jornais que participaram da campanha contra o presidente em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre. A manifestação teve força suficiente para barrar o golpe em andamento, que ficou “adiado” por uma década. Em 1964, a direita conquistou a “rua”, mas sem mobilizar os trabalhadores a seu favor: as passeatas contra Goulart foram frequentadas pela classe média carola e anticomunista que deu um ar de apoio popular ao golpe de Estado.

A direita perdeu a “rua”

As mais recentes manifestações da “rua” não foram exatamente a favor do programa da direita e dos conservadores. Em 1984, multidões exigiram as Diretas Já, apressando o fim da ditadura militar. Em 1992, ergueram-se novamente contra o programa neoliberal de privatizações e cortes de direitos sociais do presidente Fernando Collor de Mello.

Em 2005 havia, de fato, um risco para a direita e seus dirigentes estiveram à beira do pânico quando, em julho, estudantes que participavam do 49º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Goiânia, juntamente com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) colocaram 20 mil pessoas nas ruas da capital goiana contra o golpe em andamento, em apoio ao presidente Lula e à ordem constitucional e em defesa das reivindicações contidas na Carta ao Povo Brasileiro, que fora entregue ao presidente em junho, assinada por 42 entidades do movimento social. Ela convocava manifestações populares contra a campanha da direita e por mudanças no rumo do governo.
Lula reconheceu o significado daquela iniciativa ao receber a Carta dizendo: “essa é a diferença dos amigos e dos companheiros como vocês em relação aos que apareceram no meu caminho nos últimos anos. É bom contar com vocês nessa hora” 

(Folha de S. Paulo, 22 de junho de 2005).
A direita perdera a “rua” e se consolava com um discurso conveniente, para eles, de que o povo teria sido “comprado” pelos programas sociais (como o Bolsa Família) e pelas melhorias econômicas trazidas pelo governo Lula.
Ilusões desfeitas no moinho da política

Na entrevista para a revista Exame (1º de julho de 2005) Fernando Henrique Cardoso ainda mantinha a ilusão de obter apoio popular para a campanha que liderava contra o presidente Lula. Fora assim no passado – em 1954 ou 1964, por exemplo; porque seria diferente agora? Para explicar a popularidade de Lula, apesar dos ataques que sofria, ele usou um sofisma. “A opinião pública reage lentamente”, disse, acrescentando um preconceito elitista, de classe, ao argumento: “A opinião mais esclarecida já perdeu a confiança, o povo não. É um movimento que aos poucos vai se espalhando”. “Opinião mais esclarecida”, aqui, é uma expressão que se refere aos setores conservadores que aderiram à campanha anti-Lula; ele esperava que estes setores, tradicionalmente formadores de opinião, repercutissem as teses da campanha conservadora, obtendo a adesão dos trabalhadores e do povo. Mas o país já tinha mudado, e muito – e o que se viu, nos meses seguintes, foi a falência destes formadores de opinião, que perderam cada vez mais a capacidade de influir sobre as decisões dos demais. Basta lembrar o fracasso do pífio Cansei! que a direita tentou convocar em 2007, e que deu em nada.

Sem perceber, ou admitir, que a questão não é de moralidade ou ética, esta ilusão conservadora se juntava a outras desfeitas no moinho da política e da luta de classes.
O velho e persistente conflito entre desenvolvimentistas e neoliberais – que, desde os primórdios da República, manifestou-se no confronto entre industrialistas e os dogmáticos da “vocação agrícola” do Brasil – foi reposto com força no final da ditadura de 1964. Os interesses do capital financeiro e do imperialismo confluíram no programa neoliberal imposto pelo Consenso de Washington reforçando a posição subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho.

Num país como o Brasil, onde a divisão de classes atingiu alto grau de complexidade, a luta de classes em torno do projeto neoliberal envolveu inclusive setores das classes dominantes que discordavam de alguns aspectos parciais, como destacou o professor Décio Saes num artigo publicado na revista Princípios, em 1996.

Embora praticamente toda a classe dominante fosse favorável à desregulação das relações de trabalho e ao programa de privatizações, cada uma de suas facções tinha lá seu próprio neoliberalismo. Os grandes bancos brasileiros, por exemplo, não queriam a abertura do sistema financeiro aos estrangeiros. A grande burguesia industrial, representada pela Fiesp e pela CNI, queria a liquidação dos direitos sociais e trabalhistas, mas resistia à abertura do mercado ao capital estrangeiro e, sobretudo, à enxurrada de importações representada pela abertura econômica que ameaçava, inclusive, o “desaparecimento do empresariado industrial e a conversão dos antigos industriais em importadores de similares estrangeiros” (Décio Saes, “O governo de FHC e o campo político conservador”. Princípios Nº 40, fevereiro/março/abril de 1996).

Aldo Rebelo: “A rua não tem regimento interno”

Lula manifestou uma notável percepção deste dissenso. Se há uma contradição de classe mais geral, que opõe o proletariado à burguesia, ou os trabalhadores às classes dominantes, os conflitos dentro da própria classe dominante têm também uma expressão política que se manifesta na oposição entre programas para o país – e o neoliberalismo de Collor e Fernando Henrique Cardoso atendia sobretudo aos interesses da oligarquia financeira aliada do imperialismo.
Naquela conjuntura, cresceram os acenos do presidente em direção aos sindicalistas, trabalhadores e ao movimento social. Em 12 de julho de 2005 – em plena crise – ele colocou no Ministério do Trabalho e do Emprego o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e ex-presidente da CUT, Luiz Marinho. Era uma sinalização importante, reforçada pela aceleração do processo de recuperação do valor do salário mínimo.

A disposição de “ir pra rua” acompanhava estas mudanças. Na reunião ocorrida no Palácio do Planalto no dia seguinte ao depoimento de Duda Mendonça, Lula reafirmou esta disposição: “Nós vamos pra rua defender o mandato que o povo nos deu”, disse Lula (Valor Econômico, 21 de maio de 2010).
A “rua” – este era o fantasma dos pesadelos conservadores e da direita. Temor ressaltado pelo deputado comunista Aldo Rebelo ao final de uma reunião com Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, que teve a participação dos então ministros Márcio Thomaz Bastos e Antônio Palocci. O tema da conversa, ocorrida depois do depoimento de Duda Mendonça, foi a questão do impeachment, e os ministros manifestavam preocupação com a agressividade da oposição.

A oposição temia, dizem os repórteres Cristiano Romero e Raymundo Costa (Valor Econômico, 21 de maio de 2010), que a reação de Lula a um processo de impeachment pudesse ser um apelo ao instinto de classe dos trabalhadores: “o primeiro trabalhador a chegar à Presidência da República ia ser degolado pela elite”, seguido de um inevitável aprofundamento das contradições políticas no país. Temor acentuado quando Aldo Rebelo advertiu o ex-presidente: “Rua não tem regimento interno”. Isto é, seu desenvolvimento pode ser imprevisível, ao contrário dos embates no âmbito do parlamento, onde existe um regimento interno que estabelece as regras para o confronto.

Tudo indica que a frase de Aldo Rebelo repercutiu no ânimo da liderança tucana. “O problema é o seguinte: temos força?” [para o impeachment], perguntou o ex-presidente aos senadores tucanos Arthur Virgílio e Tasso Jereissati, que era presidente do PSDB. Virgílio já havia concluído, antes, que não tinham. E o próprio Fernando Henrique chegou a essa conclusão na conversa finalizada com a advertência de Aldo Rebelo. “O impeachment é um ato político, o jurídico é outra coisa. Você vai para o tribunal. O ato político você tem que ter força para ganhar, não é ter a razão”, disse aos ministros e ao deputado que foram conversar com ele. E a oposição de direita e conservadora reconhecia não ter força para ganhar.

A “tática do jagunço”: sangrar o adversário até que morra

A consequência foi uma mudança na tática da oposição. Se Lula não aceitou desistir da reeleição, se o impeachment era inviável pela falta de força da direita, o caminho escolhido por ela e pelos conservadores foi aquilo que pode se chamar de “tática do jagunço”: sangrar o adversário até a morte. Investir contra ele, de todas as formas imagináveis, com o objetivo de desmoralizá-lo e erodir a alta aprovação popular, levando-o à derrota na eleição de 2006.

Isto intensificou a campanha moralista da oposição, que passava a apostar no desdobramento das CPIs e em sua repercussão na imprensa conservadora. A “tática do jagunço” mobilizou os cardeais tucanos e pefelistas, de Tasso Jereissati a Jorge Bornhausen, José Serra e Aécio Neves (Valor Econômico, 21 de maio de 2010). Os meses seguintes e a campanha eleitoral de 2006 foram marcados por ela e pelas acusações mais inverossímeis, caluniosas e irresponsáveis que o país assistiu até a véspera da eleição de 2006. Foi, contudo, um vale-tudo inútil cujo resultado é conhecido: a direita e os conservadores perderam.

Os propagandistas do chamado “mensalão” alardeiam tratar-se do “maior escândalo de corrupção da história da República”. Esquecem do mar de lama constituído pela privataria tucana e pela entrega de patrimônio público a empresas privadas (muitas delas multinacionais), a preços aviltados. Esquecem do esquema de financiamento das campanhas de 1998, envolvendo o candidato tucano em Minas Gerais (Eduardo Azeredo) e também Fernando Henrique Cardoso. Ele e a cúpula de seu governo não esqueceram, e uma das últimas medidas do então presidente da República foi aprovar uma lei, no final de seu governo (em 24 de dezembro de 2002) garantindo foro privilegiado a ex-presidentes, ex-ministros, ex-governadores, ex-secretários de Estado e ex-prefeitos e por aí vai, subtraindo o julgamento de suas ações à justiça comum. Medida que indica o temor de precisar comparecer perante os tribunais para responder por aquilo que fez na presidência da República.

Ganhar no tapetão

O processo continuou na justiça. Com base nas apurações feitas pelas CPIs em agosto de 2007 o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia apresentada em abril de 2006 pelo Procurador Geral da República, iniciando o processo contra os acusados pelo chamado “mensalão”. É o processo cujo julgamento entrou em sua fase final no dia 2 de agosto.
As alegações deste processo, baseadas em argumentação frágil, reiteram o caráter político de seu desdobramento e acentuam o objetivo de condenar o governo de Luís Inácio Lula da Silva e a esquerda em geral, acusados de imersos no apelidado “maior escândalo de corrupção” da República.
Mas não há provas e este é o problema para a oposição. Inexistência de provas reforçada inclusive pelas alegações do autor da farsa do “mensalão” – Roberto Jefferson – ao STF, em setembro de 2011, como revelou a colunista Hildegard Angel (Portal R7, 15 de setembro de 2011). Em sua defesa, o denunciante afirma que o 

“Mensalão nunca existiu. Não foi fato. Foi retórica”.

O caráter político do julgamento do chamado “mensalão” revela-se nessa fragilidade. A mídia conservadora e a direita neoliberal condenaram antecipadamente aqueles a quem acusaram pelo crime do “mensalão”. E agora colocam uma faca no pescoço do STF, exigindo que ratifique esta condenação “extrajudicial”. Este é o grande problema da direita e dos conservadores. Que mesmo assim não deixam de usar aquelas acusações e o julgamento como ferramenta política contra o ex-presidente Lula e a esquerda (“Com a faca no pescoço. Ou sem a faca?”. Retrato do Brasil, edição nº 55, fevereiro de 2012).

Uso, agora, defensivo: em meio às graves dificuldades eleitorais que vai ceifando, eleição a eleição, os quadros mais notáveis do conluio tucano-pefelista, esperam agitar as sessões do STF no mesmo espírito da “tática do jagunço”: sangrar o adversário para pelo menos reduzir sua força na eleição deste ano e criar algumas dificuldades para a disputa de 2014.


Postado em: 7 ago 2012 às 19:19 
Por José Carlos Ruy, Vermelho