Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:
Crianças fazendo perguntas de adultos para “celebridades” surgiram como
nova atração da Bandeirantes nas noites de domingo. Concorriam com Faustão na
Globo, Silvio Santos no SBT e Gugu na Record, evidenciando que o controle
remoto não serve mesmo para nada. Troca-se de canal, mas o nível continua o
mesmo.
A Bandeirantes tentou inovar, e acabou colocando no ar um programa
chamado Conversa de Gente Grande. Constrangedor. Menores de 12 anos
entrevistavam “celebridades” com perguntas – algumas claramente formuladas pela
produção do programa – destinadas a provocar risadas nos adultos.
Para Alexandre Frota, uma criança perguntou como tinha sido “a primeira
vez”. Outra quis saber se Sabrina Sato havia feito “o teste do sofá” para
trabalhar na TV. Como se nota, a escolha dos entrevistados e das perguntas
enquadra-se perfeitamente no artigo da Constituição que estabelece preferência,
nos programas de rádio e TV, para conteúdos com “finalidades educativas,
artísticas, culturais e informativas”.
O que fazer? Infelizmente muito pouco. Não há para quem reclamar. No
Brasil, ao contrário do que acontece nas grandes democracias do mundo, não
existe um órgão regulador capaz de ouvir o público e dialogar com as emissoras.
A existência desse órgão foi prevista em alguns dos 19 anteprojetos de lei para
o rádio e a televisão, elaborados desde os anos 1980, nunca levados adiante.
Continuamos com a mesma legislação que, em 27 de agosto, completou 50 anos.
Os governos brasileiros sofrem, na radiodifusão, da síndrome Jango.
Quando a lei entrou em vigor, João Goulart era o presidente da República. Ele
vetou 52 artigos do texto aprovado no Congresso, a maioria de interesse dos
radiodifusores. No entanto, de forma inédita, o Parlamento brasileiro derrubou
os vetos presidenciais, mostrando, em 1962, uma força até hoje inabalável.
Menos de dois anos depois, esses mesmos radiodifusores, aliados a
outros setores da mídia, obtiveram uma vitória maior: derrubaram o presidente
da República, integrados que estavam ao movimento civil-militar de 1964. Essa
talvez seja a razão principal da timidez de todos os governos, de lá para cá,
levar adiante o debate em torno de uma nova lei para a radiodifusão.
Há 50 anos o Brasil tinha 71 milhões de habitantes e só 5% possuíam um
aparelho de TV. Hoje somos quase 200 milhões e a televisão está em 98% dos
domicílios. Hábitos, valores e costumes eram bem diferentes. A pílula
anticoncepcional não havia sido inventada nem a minissaia era moda. Era um país
rural, com 80% da população morando no campo. Hoje é o inverso, mas a lei
permanece a mesma. Sem falar das diferenças tecnológicas. O videoteipe era a
grande novidade, permitindo, por exemplo, que Chico Anísio contracenasse com
ele mesmo, e os jogos da Copa do Mundo no Chile pudessem ser vistos aqui, no
dia seguinte. Tudo em preto e branco.
Uma lei feita para aquele momento é incompatível com os tempos atuais.
Por ser tão desatualizada não regula nada e permite abusos. Como o aluguel de
horários para igrejas, a propriedade de vários meios de comunicação por um
mesmo grupo empresarial, a falta de diversidade nas programações, a renovação
das concessões de rádio e TV sem debate público, entre outras aberrações.
É óbvia a necessidade de uma lei de meios. Aliás, ela já está pronta há
muito tempo. Há contribuições, por exemplo, dos ministros Sergio Motta e Juarez
Quadros, dos governos Fernando Henrique, e, mais recentemente, do ministro
Franklin Martins, no segundo governo Lula. Mas aí entra em cena a síndrome
Jango. O poder político das empresas de comunicação – ferozes adversárias das
mudanças – atemoriza os governos, tornando-os reféns do atraso. E o
telespectador, vítima da TV, não tem para quem reclamar quando vê uma criança
perguntando a uma “celebridade” como foi a sua primeira relação sexual.
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