quinta-feira, 18 de julho de 2013

Carta de um médico cubano

Juan Carlos Raxach: Carta de um médico cubano


“Meu nome é Juan Carlos Raxach, cubano, que desde 1998 escolhi o Brasil como meu país de residência, e sinto o maior orgulho de ter me formado, em 1986, como médico em Havana, Cuba.
É com tristeza e dor que vejo as notícias publicadas pela mídia e nas redes sociais, a falta de respeito e de solidariedade proveniente de alguns colegas brasileiros, profissionais ou não da área da saúde, que atacam e desvalorizam os médicos formados em Cuba como uma forma de justificar a sua indignação às medidas tomadas pelo governo brasileiro no intuito de melhorar a qualidade dos serviços do SUS.
A qualidade humana e a alta qualificação dos profissionais de saúde cubanos têm permitido que ainda hoje, quando o país continua a enfrentar graves problemas econômicos que se alastram desde os anos 90, após a queda do campo socialista da Europa do leste, os índices de saúde da população cubana seguem colocados como exemplo para o mundo.
São índices de saúde alcançados através do trabalho interdisciplinar e intersetorial desses profissionais.
Por exemplo, em 2012 a mortalidade infantil em Cuba continuava sendo 4,6 por cada mil nascidos vivos, menor que o índice de Canadá e dos Estados Unidos.
A expectativa de vida é de 78 anos para os homens e 80 para as mulheres.
E já em 2011 existia um médico a cada 143 habitantes.
Em 2012, a dra. Margareth Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), reconheceu e elogiou o modelo sanitário de Cuba e destacou a qualidade do trabalho que realizam os profissionais de saúde e os cientistas cubanos, e felicitou às autoridades cubanas por colocar o ser humano no centro da sua atenção.
Não é desprestigiando nossos colegas de profissão, seja qual for o seu país onde tenha se formado, que vamos colocar em pauta e debater as verdadeiras causas da deterioração da qualidade dos serviços de saúde no Brasil.
Na hora de nos manifestar, o respeito, a solidariedade e a ética são necessários para estabelecer o diálogo e ir ao encontro da solução dos problemas.
Juan Carlos Raxach é assessor de projetos da Associação Brasileria Interdisciplicar de AIDS – ABIA
Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/juan-carlos-raxach-carta-de-um-medico-cubano.html

Lula no New York Times

“Novas vozes no Brasil”



Artigo original em português do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

A juventude, conectada nas redes sociais e com os dedos ágeis em seus celulares, tem saído às ruas para protestar em diversas regiões do mundo.
Parecia mais fácil explicar as razões de tais protestos quando eles aconteciam em países sem democracia, como o Egito e a Tunísia em 2011, ou onde a crise econômica levou o desemprego juvenil a níveis assustadores, como na Espanha e na Grécia, por exemplo. Mas a chegada dessa onda a países com governos democráticos e populares, como o Brasil, quando temos as menores taxas de desemprego da nossa história e uma inédita expansão dos direitos econômicos e sociais, exige de todos nós, líderes políticos, uma reflexão mais profunda.

Muitos acham que esses movimentos significam a negação da política. Eu acho que é justamente o contrario: eles indicam a necessidade de se ampliar ainda mais a democracia e a participação cidadã. De renovar a política, aproximando-a das pessoas e de suas aspirações cotidianas.

Eu só posso falar com mais propriedade sobre o Brasil. Há uma ávida nova geração em meu país, e eu creio que os movimentos recentes são, em larga medida, resultado das conquistas sociais, econômicas e políticas obtidas nos últimos anos. O Brasil conseguiu na última década mais que dobrar o número de estudantes universitários, muitos deles vindos de famílias pobres. Reduzimos fortemente a pobreza e a desigualdade. São grandes feitos, mas é também absolutamente natural que os jovens, especialmente aqueles que estão obtendo o que seus pais nunca tiveram, desejem mais.

Estes jovens tinham 8, 10,12 anos quando o partido que eu ajudei a criar, o PT, junto com seus aliados, chegou ao poder. Não viveram a repressão da ditadura nos anos 60 e 70. Não viveram a inflação dos anos 80, quando a primeira coisa que fazíamos ao receber um salário era correr para um supermercado e comprar tudo o que fosse possível antes que os preços subissem no dia seguinte. Também tem poucas lembranças dos anos 90, quando a estagnação e o desemprego deprimiam o nosso país. Eles querem mais. E é compreensível que seja assim. Tiveram acesso ao ensino superior, e agora querem empregos qualificados, onde possam aplicar o que aprenderam nas universidades. Passaram a contar com serviços públicos de que antes não dispunham, e agora querem melhorar a sua qualidade. Milhões de brasileiros, inclusive das classes populares, puderam comprar o seu primeiro carro e hoje também viajam de avião. A contrapartida, no entanto, deve ser um transporte público eficiente e digno, que facilite a mobilidade urbana, tornando menos penosa e estressante a vida nas grandes cidades.

Os anseios dos jovens, por outro lado, não são apenas materiais. Também querem maior acesso ao lazer e à cultura. E, sobretudo, reclamam instituições políticas mais transparentes e limpas, sem as distorções do anacrônico sistema partidário e eleitoral brasileiro, que até hoje não se conseguiu reformar. É impossível negar a legitimidade de tais demandas, mesmo que não seja viável atendê-las todas de imediato. É preciso encontrar fontes de financiamento, estabelecer metas e planejar como elas serão gradativamente alcançadas.

A democracia não é um pacto de silêncio. É a sociedade em movimento, discutindo e definindo suas prioridades e desafios, almejando sempre novas conquistas. E a minha fé é que somente na democracia, com muito dialogo e construção coletiva, esses objetivos podem ser alcançados. Só na democracia um índio poderia ser eleito Presidente da Bolívia, e um negro Presidente dos Estados Unidos. Só na democracia um operário e uma mulher poderiam tornar-se Presidentes do Brasil.

A história mostra que, sempre que se negou a política e os partidos, e se buscou uma solução de força, os resultados foram desastrosos: guerras, ditaduras e perseguições de minorias. Todos sabemos que, sem partidos, não pode haver verdadeira democracia. Mas cada vez fica mais evidente que as nossas populações não querem apenas votar de quatro em quatro anos, delegando o seu destino aos governantes. Querem interagir no dia a dia com os governos, tanto locais quanto nacionais, participando da definição das políticas públicas, opinando sobre as principais decisões que lhes dizem respeito.
Em suma: não querem apenas votar, querem ser ouvidas. E isso constitui um tremendo desafio para os partidos e os lideres políticos. Supõe ampliar as formas de escuta e de consulta, e os partidos precisam dialogar permanentemente com a sociedade, nas redes e nas ruas, nos locais de trabalho e de estudo, reforçando a sua interlocução com as organizações dos trabalhadores, as entidades civis, os intelectuais e os dirigentes comunitários, mas também com os setores ditos desorganizados, que nem por isso tem carências e desejos menos respeitáveis.

E não só em períodos eleitorais. Já se disse, e com razão, que a sociedade entrou na era digital e a política permaneceu analógica. Se as instituições democráticas souberem utilizar criativamente as novas tecnologias de comunicação, como instrumentos de dialogo e participação, e não de mera propaganda, poderão oxigenar – e muito – o seu funcionamento, sintonizando-se de modo mais efetivo com a juventude e todos os setores sociais.
No caso do PT, que tanto contribuiu para modernizar e democratizar a política brasileira e que há dez anos governa o meu país, estou convencido de que ele também precisa renovar-se profundamente, recuperando seu vinculo cotidiano com os movimentos sociais. Dando respostas novas a problemas novos. E sem tratar os jovens com paternalismo.

A boa noticia é que os jovens não são conformistas, apáticos, indiferentes à vida pública. Mesmo aqueles que hoje acham que odeiam a política, estão começando a fazer política muito antes do que eu comecei. Na idade deles, não imaginava tornar-me um militante político. E acabamos criando um partido, quando descobrimos que no Congresso Nacional praticamente não havia representantes dos trabalhadores. Inicialmente não pensava em me candidatar a nada. E terminei sendo Presidente da República. Conseguimos, pela política, reconquistar a democracia, consolidar a estabilidade econômica, retomar o crescimento, criar milhões de novos empregos e reduzir a desigualdade no meu país. Mas claro que ainda há muito a ser feito. E que bom que os jovens queiram lutar para que a mudança social continue e num ritmo mais intenso.

Outra boa notícia é que a Presidente Dilma Rousseff soube ouvir a voz das ruas e deu respostas corajosas e inovadoras aos seus anseios. Propôs, antes de mais nada, a convocação de um plebiscito popular para fazer a tão necessária reforma política. E lançou um pacto nacional pela educação, a saúde e o transporte público, no qual o governo federal dará grande apoio financeiro e técnico aos estados e municípios.

Quando falo com a juventude brasileira e de outros países, costumo dizer a cada jovem: mesmo quando você estiver irritado com a situação da sua cidade, do seu estado, do seu país, desanimado de tudo e de todos, não negue a política. Ao contrário, participe! Porque o político que você deseja, se não estiver nos outros, pode estar dentro de você

Fonte:
http://caduamaral.blogspot.com.br/2013/07/lula-no-new-york-times.html

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Casca de jabuticaba pode reduzir dois tipos de câncer, diz pesquisa


Dez unidades consumidas por dia, com casca, seriam suficientes para auxiliar na prevenção de doenças. Isso, claro, associado a estilo de vida saudável.

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas descobriram que a casca de jabuticaba pode reduzir dois tipos de câncer e ainda prevenir diabetes.

Uma fruta com sabor de infância. E uma série de benefícios para a saúde. “A jabuticaba possui compostos fenólicos que ajudam a prevenir o envelhecimento precoce, combater os radicais livres, possui vitamina C e do complexo B alem de possuir fibras que ajudam o colesterol sanguíneo”, explica Mário Roberto Maróstica, pesquisador da Unicamp.

O departamento de Engenharia de Alimentos da Unicamp faz há cinco anos o mais completo estudo sobre a fruta, e descobriu que as melhores propriedades estão na casca. Transformada em pó e depois em um extrato, foi testada em células humanas com algum tipo de câncer.
“Nós observamos uma redução de 50% no crescimento de células de leucemia e células de câncer de próstata”, afirma o pesquisador.

A multiplicação das células cancerígenas foi reduzida, justamente porque a fruta é rica em compostos fenólicos. Os mais potentes são as antocianinas e os taninos, que dão a cor escura à jabuticaba e combatem o envelhecimento precoce das células.
Outra parte da pesquisa envolveu ratos obesos, onde a farinha da casca de jabuticaba virou ração. Os resultados mostraram que o consumo diário pode ter efeito na prevenção de doenças como o diabetes tipo dois.

“A casca de jabuticaba oferecida durante 30 dias aos animais provou ser eficaz na redução de 10% de glicemia e na redução do colesterol sanguíneo”, destaca Mário Roberto Maróstica.

As descobertas ganharam repercussão internacional com as publicações em duas das revistas científicas mais respeitadas do mundo, no British Journal of Nutrition e o canadense Food Reserch Internacional.
Os pesquisadores elaboraram uma receita de saúde. Dez unidades de jabuticaba consumidas por dia, com a casca, seriam suficientes para auxiliar na prevenção de doenças. Isso, é claro, associado a um estilo de vida saudável, com boa alimentação e exercícios. Jabuticaba sozinha não faz milagres

Ser doutor é mais fácil do que se tornar médico





A resistência ao projeto que obrigará os estudantes de medicina a trabalhar dois anos no SUS expõe a fratura social do Brasil
Eliane Brum, Revista Época
O programa “Mais Médicos”, lançado pela presidente Dilma Rousseff, não vai resolver o problema do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas pode, sim, ser parte da solução. Ou alguém realmente acredita que colocar mais médicos nos lugares carentes do Brasil pode fazer mal para a população? Sério que, de boa fé, alguém acredita nisso? A veemência dos protestos contra o projeto de ampliar o curso de medicina de seis para oito anos e tornar esses dois últimos anos um trabalho remunerado para o SUS revela muito. Especialmente o quanto é abissal a fratura social no Brasil. E o quanto a parte mais rica é cega para a possibilidade de fazer a sua parte para diminuir uma desigualdade que deveria nos envergonhar todos os dias – e que, no caso da saúde, mata os mais frágeis e os mais pobres.
Para resolver o problema do SUS é preciso assumir, de fato, o compromisso com a saúde pública gratuita e universal. O que significa investir muito mais recursos. Em 2011, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil gastou US$ 477 per capita em saúde. Menos do que vizinhos como Uruguai (US$ 817,8) e Argentina (US$ 869,4), por exemplo. E quase seis vezes menos do que o Reino Unido (US$ 2.747), cujo sistema de saúde tem sido apresentado como referência do projeto do governo. Hoje, falta dinheiro e falta gestão eficiente. Sem dinheiro e sem eficiência, duas obviedades, não se constrói um sistema decente. Mas, para investir mais dinheiro no SUS, é preciso tocar também em questões sensíveis, como o financiamento da saúde privada. Falta dinheiro no SUS também – mas não só – porque o Estado tem subsidiado a saúde dos mais ricos via renúncia fiscal. 
Um recente estudo do IPEA (leia aqui) mostrou que, em 2011, último ano avaliado, quase R$ 16 bilhões de reais deixaram de ser arrecadados pelo governo, por dedução no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas e desoneração fiscal da indústria farmacêutica e de hospitais filantrópicos. O que é, de fato, renúncia fiscal? Um pagamento feito pelo Estado: ele não desembolsa, mas paga, ao deixar de receber. Assim, quase R$ 16 bilhões, o equivalente a 22,5% do gasto público federal em saúde, deixaram de ser investidos no SUS para serem transferidos para o setor privado, numa espécie de distribuição de renda para o topo da pirâmide. Para ter uma ideia do impacto, é mais do que os R$ 13 bilhões que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirma que o governo está investindo em unidades básicas de saúde, pronto-atendimento e hospitais. Não é a toa que, entre 2003 e 2011, o faturamento do mercado dos planos de saúde quase dobrou e o lucro líquido cresceu mais de duas vezes e meia acima da inflação.
O governo tem estimulado a população – e também os empregadores – a investir em saúde privada. Um plano de saúde privado tornou-se uma marca de ascensão social. A “classe C” ou “nova classe média” tem sido vítima de planos de saúde mequetrefes que, na hora de maior necessidade, deixam as pessoas desprotegidas. Como muitos já sentiram na pele, quando a coisa realmente aperta, quando a doença é séria e requer recursos  e intervenções de ponta, quem vai resolver não é a rede privada, mas o SUS, porque uma parte significativa dos planos não cobre os exames e tratamentos mais caros.
Para que a solução seja estrutural – e não cosmética – é preciso acabar com as distorções e fortalecer o SUS. Sem dinheiro, o SUS vai sendo sucateado e se torna o destino apenas dos mais pobres e com menos instrumentos para reivindicar seus direitos. Assustada com a precarização do SUS, a classe média se sacrifica para pagar um plano privado, que tem sempre muitas letras miúdas. Os trabalhadores organizados incluem saúde privada na pauta sindical, afastando-se da luta do SUS. Quem tem mais poder de pressão para pressionar o Estado por saúde pública de qualidade, portanto, encontra saídas individuais – que muitas vezes vão se mostrar pífias na hora da urgência – ou saídas coletivas, mas para grupos específicos, no caso dos empregados com planos empresariais.
Enquanto sobrar distorções e faltar dinheiro, o SUS não vai melhorar. Não vai mesmo. Neste sentido, tem razão quem afirma que o programa “Mais Médicos” é demagogia. Mas apenas em parte.
Acrescentar dois anos ao curso de medicina e tornar esses dois últimos anos um trabalho remunerado no SUS, uma das mudanças previstas para iniciar em 2015, pode ser um aprendizado. E rico. Não só da prática médica como da realidade do país e da sua população, o que não pode fazer mal a alguém que pretenda ser um bom médico. Para que isso funcione, tanto como formação quanto como atendimento de qualidade à população, é preciso que exista de fato a supervisão dos professores e das faculdades. E essa é uma boa causa para as entidades corporativas e para as escolas de medicina.
Hoje, um dos problemas do SUS é a fragilidade da atenção básica: o que poderia ser resolvido nos postos de saúde ou pelo médico de família e que consiste em cerca de 90% dos casos acaba indo sobrecarregar os hospitais, que deveriam ser acionados apenas para os casos mais graves. A distorção provoca problemas de atendimento de uma ponta a outra do sistema. Por outro lado, entre os avanços mais significativos do SUS está o Programa Saúde da Família (PSF), um dos principais responsáveis, junto com o Bolsa Família, pela redução da mortalidade infantil no país. Mas faltam médicos para esse programa. A atuação dos estudantes de medicina poderá fazer uma enorme diferença. E isso não é pouco num país em que os filhos dos pobres ainda morrem de diarreia e de doenças já erradicadas nos países desenvolvidos.
A obrigatoriedade de trabalhar dois anos no SUS tem sido considerada por alguns setores, como as entidades corporativas, uma violação dos direitos individuais do estudante de medicina. Será que não poderia ser vista, além de um aprendizado, também como uma contrapartida, especialmente para quem estudou em universidades públicas ou foi beneficiado com bolsas do Prouni? O Estado, o que equivale a dizer toda a população brasileira, incluindo os que hoje não têm acesso à saúde pela precariedade do SUS, financia os estudos desses estudantes. Não seria lógico e mesmo ético que, ao final do curso, os estudantes devolvessem uma mínima parte desse investimento à sociedade? Para os estudantes das escolas privadas, o projeto prevê a liberação do pagamento das mensalidades nestes dois últimos anos. Mas sempre vale a pena lembrar que também há financiamento público das particulares, na forma de uma série de mecanismos, como renúncia fiscal para as filantrópicas e para as que aderiram ao Prouni.
Os estudantes de medicina serão remunerados pelo trabalho e pelo aprendizado. O valor mensal da bolsa ainda não está definido, mas a imprensa divulgou que será algo entre R$ 3 mil e R$ 8 mil. Ainda que seja o menor valor, que outra categoria no Brasil pode sonhar em ganhar isso antes mesmo de se formar? E mesmo depois de formado? Por que, então, uma resistência tão grande?
Por causa do abismo. A maioria dos estudantes de medicina vem das classes mais abastadas, como mostrou a Folha de S. Paulo de 13/7: na Unesp (Universidade Estadual Paulista), apenas 2% cursaram colégio público, contra 40% no geral; na USP (Universidade de São Paulo), 20% dos estudantes têm renda familiar superior a R$ 20 mil, não há negros na turma que ingressou em 2013. Historicamente, a elite brasileira não se vê como parte da construção de um país mais igualitário. Pelos motivos óbvios – e porque está acostumada a receber, não a dar. Assim, ter seus estudos financiados pelo conjunto da população brasileira é interpretado como parte dos seus direitos – não como algo que pressupõe também um dever ou uma contrapartida. Dever e contrapartida, como se sabe, são para os outros.
Não fosse esse olhar sobre si e sobre seu lugar no país, seria plausível que trabalhar os dois últimos anos do curso no SUS pudesse ser uma boa notícia para quem escolheu ser médico. Fosse até desejável. Primeiro, porque está ajudando a levar saúde a uma população que não tem. E, neste sentido, pode fazer a diferença, algumas vezes entre viver e morrer. Segundo, por participar da construção de um país mais justo, o que implica deveres ainda maiores a quem recebeu mais. Receber mais – melhores escolas, melhor saúde, melhores oportunidades – não significa que tenha de continuar recebendo mais, mas que precisa dar mais, já que a responsabilidade com quem recebeu menos se torna ainda maior. Terceiro, porque é inestimável a oportunidade de conhecer as dores, as necessidades e as aspirações das porções mais carentes do Brasil, não só pelo aprendizado médico em si, mas pelo que essa população pode ensinar sobre um outro viver.
Tornar-se médico – e não apenas um técnico em medicina – não passa pela capacidade de escutar o outro como alguém que tem algo a dizer não apenas sobre seus sintomas, mas sobre uma visão de mundo singular e uma interpretação complexa da vida?
Ao ler a maioria das críticas sobre o programa, o que chama a atenção é a impossibilidade de seus autores se verem como parte da construção de um SUS mais forte e eficiente, o que significa ser parte da construção de um Brasil melhor para todos – e não só para uma minoria. No geral, o que se revela nitidamente é um olhar de fora, como se tudo tivesse que estar pronto, em perfeitas condições, para que só então o médico atuasse. Mas é no embate cotidiano, no reconhecimento das carências e na pressão por mudanças que o SUS será fortalecido, como tem mostrado em sua prática uma parcela dos médicos tachada – às vezes pejorativamente – como idealista. Nesse sentido, também os estudantes de medicina e seus professores farão uma enorme diferença ao estar no palco onde esse embate é travado. Ao estar presentes – promovendo saúde, denunciando distorções e pressionando por qualidade – mais do que hoje.
Acredito que a vida da maioria só muda quando os Brasis se aproximam e se misturam. Tenho esperança de que esse programa – se bem executado, o que só pode acontecer com a adesão e o compromisso de todos os envolvidos – possa ser inscrito nesse gesto. O conjunto de medidas do “Mais médicos”, que inclui também a atuação de profissionais estrangeiros em áreas carentes, já promoveu pelo menos um impacto positivo: colocou o SUS no centro da pauta nacional. Seria tão importante que os protagonistas desse debate superassem a polarização inicial entre governo e entidades médicas para fazer uma discussão séria, com a participação da população, que pudesse resultar no acesso real da maioria a um sistema de saúde com qualidade. E seria uma pena que essa oportunidade fosse perdida por interesses imediatos e menos nobres, tanto de um lado quanto de outro.
É grande o debate sobre se faltam profissionais ou se eles estão mal distribuídos. O que me parece é que não faltam doutores no Brasil – o que falta são médicos. São muitos os doutores que ainda nem sequer se formaram, mas já assumiram o título e o encarnam num sentido profundo. O SUS terá mais chance quando existirem menos doutores e mais médicos trilhando o mapa do Brasil.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O dedo do Lula

A sociedade brasileira teve sempre a discriminação como um dos seus pilares. A escravidão, que desqualificava, ao mesmo tempo, os negros e o trabalho – atividade de uma raça considerada inferior – foi constitutiva do Brasil, como economia, como estratificação social e como ideologia.

Uma sociedade que nunca foi majoritariamente branca, teve sempre como ideologia dominante a da elite branca, Sempre presidiram o país, ocuparam os cargos mais importantes nas FFAA, nos bancos, nos ministérios, na direção das grandes empresas, na mídia, na direção dos clubes – em todos os lugares em que se concentra o poder na sociedade, estiveram sempre os brancos.

A elite paulista representa melhor do que qualquer outro setor, esse ranço racista. Nunca assimilaram a Revoluçao de 30, menos ainda o governo do Getúlio. Foram derrotados sistematicamente pelo Getulio e pelos candidatos que ele apoiou. Atribuíam essa derrota aos “marmiteiros”- expressão depreciativa que a direita tinha para os trabalhadores, uma forma explicita de preconceito de classe.

A ideologia separatista de 1932 – que considerava São Paulo “a locomotiva da nação”, o setor dinâmico e trabalhador, que arrastava os vagões preguiçosos e atrasados dos outros estados – nunca deixou de ser o sentimento dominante da elite paulista em relação ao resto do Brasil. Os trabalhadores imigrantes, que construíram a riqueza de Sao Paulo, eram todos “baianos” ou “cabeças chatas”, trabalhadores que sobreviviam morando nas construções – como o personagem que comia gilete, da música do Vinicius e do Carlos Lira, cantada pelo Ari Toledo, com o sugestivo nome de pau-de-arara, outra denominação para os imigrantes nordestinos em Sao Paulo.

A elite paulista foi protagonista essencial nas marchas das senhoras com a igreja e a mídia, que prepararam o clima para o golpe militar e o apoiaram, incluindo o mesmo tipo de campanha de 1932, com doações de joias e outros bens para a “salvação do Brasil”- de que os militares da ditadura eram os agentes salvadores.

Terminada a ditadura, tiveram que conviver com o Lula como líder popular e o Partido dos Trabalhadores, para o qual canalizaram seu ódio de classe e seu racismo. Lula é o personagem preferencial desses sentimentos, porque sintetiza os aspectos que a elite paulista mais detesta: nordestino, não branco, operário, esquerdista, líder popular.

Não bastasse sua imagem de nordestino, de trabalhador, sua linguagem, seu caráter, está sua mão: Lula perdeu um dedo não em um jet-sky, mas na máquina, como operário metalúrgico, em um dos tantos acidentes de trabalho cotidianos, produto da super exploração dos trabalhadores. O dedo de uma mão de operário, acostumado a produzir, a trabalhar na máquina, a viver do seu próprio trabalho, a lutar, a resistir, a organizar os trabalhadores, a batalhar por seus interesses. Está inscrito no corpo do Lula, nos seus gestos, nas suas mãos, sua origem de classe. É insuportável para o racismo da elite paulista. 

Essa elite racista teve que conviver com o sucesso dos governos Lula, depois do fracasso do seu queridinho – FHC, que saiu enxotado da presidência – e da sua sucessora, a Dilma. Tem que conviver com a ascensão social dos trabalhadores, dos nordestinos, dos não brancos, da vitória da esquerda, do PT, do Lula, do povo.

O ódio a Lula é um ódio de classe, vem do profundo da burguesia paulista e de setores de classe média que assumem os valores dessa burguesia. O anti-petismo é expressão disso. Os tucanos são sua representação política.
Da discriminação, do racismo, do pânico diante das ascensão das classes populares, do seu desalojo da direção do Estado, que sempre tinham exercido sem contrapontos. Os Cansei, a mídia paulista, os moradores dos Jardins, os adeptos do FHC, do Serra, do Gilmar, dos otavinhos – derrotados, desesperados, racistas, decadentes. 
Postado por Emir Sader

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Instrumentos de Planejamento 

O Plano Plurianual – PPA estabelece as diretrizes, objetivos e metas da administração pública, em especial aquelas relativas às despesas de capital e aos programas de duração continuada. 

A Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO compreende as metas e prioridades da administração pública, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orienta a elaboração da lei orçamentária anual e dispõe sobre as alterações na legislação tributária. Integra a LDO documento estabelecendo as Metas Fiscais relativas à receita, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referem e para os dois seguintes. Ao final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo avaliará o cumprimento das metas fiscais em cada quadrimestre, em audiência pública. 

A Lei Orçamentária Anual - LOA compreende o orçamento fiscal referente aos Poderes, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; o orçamento de investimento das empresas em que o Executivo, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto e o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as 
entidades e órgãos a ele vinculados bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Receitas 

O administrador responsável busca a plena arrecadação de suas receitas. Constituem requisitos essenciais dessa responsabilidade a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência (art. 156 da Constituição Federal) do município. 

RESPONSABILIDADE FISCAL 

O administrador municipal deve manter uma postura fiscal responsável. Esta cartilha apresenta sumariamente: 

 a) a legislação a ser observada e os endereços de apoio na Internet; 
 b) a agenda anual do gestor municipal responsável; e 
 c) as situações administrativas que devem ser evitadas e as correspondentes 
sanções. A renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, 
bem como atender ao disposto na LDO e a pelo menos uma das seguintes condições: 

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da LDO; 

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Despesas 

Toda despesa pública deve estar prevista na Lei do orçamento. A realização da despesa é precedida do respectivo empenho. 
A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: 

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; 
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. 

É vedado ao titular de Poder ou órgão, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Endividamento (Operações de Crédito) 

O administrador público deve observar rigorosamente o limite de endividamento 
estabelecido pelo Senado Federal e, quando este for eventualmente extrapolado, adotar as medidas definidas na legislação para sua recondução nos prazos estabelecidos. 

Novas operações de crédito deverão ser avaliadas pelo Ministério da Fazenda quanto ao cumprimento dos limites e todas as demais condições estabelecidas na LRF e nas Resoluções do Senado Federal, inclusive nos casos das empresas controladas pelos Municípios, direta ou indiretamente. 

É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. 

Qualquer operação realizada com infração do disposto na LRF será considerada nula, procedendo-se ao seu cancelamento, mediante a devolução do principal, vedado o pagamento de juros e demais encargos financeiros sem prejuízo das sanções penais. 

A atualização do Sistema de Coleta de Dados Contábeis - SISTN é um dos procedimentos necessários para instrução de pleitos de autorização para contratar operações 
de crédito.


Transferências Voluntárias 

As transferências voluntárias são recursos financeiros transferidos aos Municípios (ou Estados) título de cooperação, auxílio ou assistência, objetivando a realização de programas de trabalho, projeto, atividade, ou de eventos com duração certa e será efeti-vada mediante a celebração de convênios ou destinação por

Portaria Ministerial, observada a legislação pertinente. 

Não poderão ser realizadas transferências voluntárias ao Município que esteja inadimplente com o Governo Federal, que esteja descumprindo os limites de despesa de pessoal, de educação e saúde, e que não esteja enquadrado nos limites de dívida. Essas avaliações são feitas a partir dos RREO, RGF e Balanços Anuais, podendo ser utilizadas também informações apresentadas ao SISTN. Esse controle é efetuado por intermédio do Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias para Estados e Municípios - CAUC. 

O administrador público deve apresentar as prestações de contas relativas aos convênios firmados nos prazos e forma estabelecida na IN STN nº 01/97 (e suas alterações) sob pena de ter que devolver os recursos recebidos, além de sanções administrativas e judiciais. 

Transparência 

São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: 
• Os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; 
• As prestações de contas e o respectivo parecer prévio; 
• Relatório Resumido da Execução Orçamentária - RREO; 
• Relatório de Gestão Fi 
• scal - RGF. 

A transparência será assegurada, também, mediante incentivo à participação popular e à realização de audiências públicas durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos. 
As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.


No âmbito municipal, as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo deverão ser acompanhadas pelas dos Presidentes dos órgãos do Poder Legislativo. Todas as contas são objeto de parecer prévio do respectivo Tribunal de Contas. 

A emissão do parecer prévio deve ocorrer no prazo de sessenta dias, contados da data do recebimento das contas e, tratando-se de Município com menos de duzentos mil habitantes, desde que não seja capital, esse prazo é dilatado para cento e oitenta dias. Caso as constituições estaduais ou as leis orgânicas municipais disponham diferentemente, prevalece o prazo por elas estabelecido. 

Finalmente, deve o conteúdo das prestações de contas englobar, sem prejuízo de que se abordem outros assuntos, o desempenho da arrecadação de receitas, destacando: as providências adotadas quanto à fiscalização e ao combate à sonegação; as medidas administrativas e judiciais de recuperação de créditos e as destinadas ao incremento das receitas tributárias e de contribuições.

Fonte: http://municipios.bdmg.mg.gov.br

janio de freitas

 


De galinhas e medicina




O ovo ou a galinha.
O ovo já é colega íntimo dos médicos em serviços à vida, no seu papel de receptáculo de contaminações nele injetadas para a produção de vacinas. A galinha tem séculos de contribuição aos pacientes, sob a forma daquela santa canja que reanima muito doente, para maior prestígio da medicina. É natural que se juntem para mais um esforço de contribuição ao mais importante dos saberes humanos.

Faz sentido a ponderação dos contrários à contratação de médicos estrangeiros para o interior, por falta, lá, até dos mais simples recursos para atendimento (a ponderação das associações médicas exala odores de motivação real muito diferente). É diante desse argumento que o ovo e a galinha comparecem com a velha indagação de qual deles veio primeiro. Muito sugestiva no caso atual.

O que deve ir primeiro para o interior, o tão invocado equipamento básico ou o médico? Se for o equipamento, além de ficar inútil, não tem, por si só, poder de atrair quem lhe dê uso proveitoso. Jornais e TV têm noticiado casos exemplares de municípios com instalações à espera de médicos, mesmo com remuneração melhor que a ofertada nas capitais.
O médico que é médico quase sempre tem alguma coisa a fazer para atenuar o sofrimento mesmo sem a instrumentação e o remédio adequados. Vemos isso, com frequência, nos acidentes. Eu mesmo já ansiei, na beira de uma estrada, por um médico que parasse ao menos para me dizer como estancar a hemorragia perigosa.

Se primeiro a chegar, o médico, além do efeito de sua simples chegada, e das imediatas orientações sanitárias que pode proporcionar, tem meios de requerer, reclamar, denunciar e acusar publicamente as responsabilidades pelo descaso com os recursos de que precisa. E pode romper, até com apoio judicial, o contrato não cumprido pelo contratante.

O que não faz sentido é estabelecer a priori que no interior não haverá sequer os recursos minimamente necessários. Isto é sacar sobre o futuro. Especialidade de economistas e jornalistas, não de médicos. Por que não experimentar com mil ou dois mil médicos? Se a experiência com metade deles der certo, ou que seja um terço, um quarto, já se terá aprendido muito, mas, sobretudo, quanto alívio terá sido dado, quantas crianças terão deixado de sofrer, se não de morrer?

E, se a carência impeditiva está no interior, os grandes centros urbanos estão equipados para o atendimento à população, mínimo embora? Há três dias noticiava-se que o Hospital do Andaraí, pronto-socorro e referência em queimados no Rio, estava com as cirurgias suspensas por falta até do material mais simplório, como cateter. A desgraçada periferia de São Paulo inclui serviços médicos com o equipamento necessário? As cenas recentes em TV não foram tomadas no Projac.

Essa discussão não é sobre médicos, hospitais, postos de saúde, equipamentos. É sobre doença, sofrimento, partos, mortes, crianças.
Daniel Marenco/Folhapress
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Cidadão politizado participa da vida política do país o ano inteiro


De Meme consciente


A recente onda de manifestações que tomou o país é o reflexo de uma sociedade que não conseguiu educar para a cidadania diária seus milhões de habitantes. A grande pauta de reivindicações mostra que o brasileiro não está participando da vida política do país com a intensidade necessária.

É compreensível que as pessoas peçam o “fim da corrupção”, mas há de lembrar-se que a mesma é praticada no dia-a-dia por milhões de pessoas, quando o cidadão estaciona o carro em vaga de deficiente, sonega impostos, tenta obter pequenas vantagens ilícitas etc. Precisamos de um currículo escolar que contemple aulas de cidadania, ensinando desde cedo que o político corrupto veio da massa homogênea da população.
Saber o papel do vereador, ter conhecimento que qualquer brasileiro pode e deve assistir a uma sessão da câmara da sua cidade, agendar uma reunião com os vereadores e cobrar da sua prefeitura devem ser situações basilares na vida de uma pessoa.

Se tivermos pessoas bem instruídas, que cobram dos políticos no cotidiano, fazendo que os mesmos cumpram seus papéis de funcionários públicos que são da maneira correta, não precisaremos chegar a um ponto onde manifestações populares legítimas são cooptadas por agendas reacionárias e fascistas, onde paradoxalmente pessoas tentam coibir partidos políticos, legalmente constituídos e que podem existir devido a muitas lutas na democracia. Não duvido que muitos apenas repetem este discurso “antipartidos” por desinformação.

Há de se abrir um debate com educadores, antropólogos, sociólogos, professores e com outros segmentos da sociedade sobre a necessidade de uma agenda educacional onde todos os brasileiros aprendam, desde cedo, que podem e devem participar da vida política da nação, não só cobrando os políticos, mas tomando gosto por debater a política e ocupar os partidos de suas preferências. O brasileiro precisa pesquisar a vida dos candidatos nos anos de eleição, conversar com eles, apresentar propostas, questionar quais são suas bandeiras, verificar se eles são ficha-limpa e depois de eleitos, cobrar de todos as promessas, durante os quatro anos de mandato.
Além de termos as próximas gerações educadas e preparadas para apreciar o debate político e o exercício diário da participação na política, peço que todos tenhamos o hábito de acompanhar de perto o que as esferas do poder estão fazendo.

Acessar os portais de fiscalização do dinheiro público (como o portal da transparência), denunciar irregularidades ao Ministério Público, acessar os sites das prefeituras, câmaras municipais, assembleias legislativas e presidência, questionar saudavelmente o que a mídia publica e sobretudo dar o exemplo na convivência diária na sociedade. Do que adianta o cidadão reclamar que há “políticos corruptos”, se ele desrespeita seus semelhantes no dia-a-dia, ouvindo música alta sem fone de ouvindo, deixando de ceder o lugar para idosos no ônibus, parando o carro em vaga para deficiente, tentando subornar o guarda etc? Atos irregulares de políticos nada mais são do que reflexo de uma sociedade que precisa refletir sobre si mesma e exigir uma educação de mais qualidade, das três esferas de poder (federal, estadual e municipal)."
Fonte: https://www.facebook.com/MemeConsciente

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O Brasil se reinventa, contra as aves de rapina

O Brasil se reinventa, contra as aves de rapina
de Emir Sader:


Tiveram que aguentar, durante mais de 10 anos, que o país mais desigual do continente mais desigual conseguisse diminuir a pobreza, a miséria e a desigualdade, mediante políticas sociais inovadoras. Tiveram que aguentar que um imigrante nordestino, líder sindical, dirigente de um partido de esquerda, se transformasse no maior líder político popular do mundo.

Quando o Brasil enfrenta sua crise atual, com mobilizações populares, enfrentadas pelo governo com diálogo e atendimento de reivindicações, soa o coro dos frustrados – da ultraesquerda incompetente para dirigir qualquer processo minimamente progressista a favor do povo, até a direita, encalacrada com uma crise interminável e devastadora da qual não consegue sair – para atacar o Brasil.

O Brasil não poderia dar certo, senão suas teses de que política social é custo, de que incluir a massa da população na economia é produzir déficit e inflação, de que uma pessoa sem preparação tecnocrática e acadêmica não pode governar melhor que seus bacharéis revelariam suas falácias.

Tudo tem que ter sido uma ilusão – de um “breve” período de 10 anos. O Brasil deveria voltar a ter um modelo centrado no mercado. O Estado não poderia demonstrar que é mais eficiente para reagir à recessão, nem mais justo no atendimento dos direitos da massa da população.

Não poderia dar certo uma política de integração regional e intercâmbio Sul-Sul, ao invés dos subalternos Tratados de Livre Comércio com os EUA. Contrariaria tudo o que os organismos internacionais – a começar pelo FMI, pelo Banco Mundial, pelo governo dos EUA – apregoam.

Todos os incomodados com os avanços do Brasil, do seu modelo econômico e social, da liderança do Lula, fazem coro agora para denunciar a “fantasia” do que teria acontecido nessa década no Brasil, da “farsa” de tudo o que se apregoava sobre o Brasil etc. etc. Juntinhos, ultraesquerda e direita neoliberal.

É preciso que saibam que os dados são inquestionáveis: fazendo o contrário do que eles pregavam, o Brasil resgatou da pobreza mais de 30 milhões de pessoas, diminuiu a desigualdade, retomou o crescimento econômico. Tudo isso a partir da herança maldita dos governos que tinham obedecido os preceitos que levaram a Europa à crise atual, preceitos recomendados por esses mesmos que nos criticam. Esses que, como diz o Lula, achavam que sabiam perfeitamente o que nós deveríamos fazer, e agora não sabem o que fazer nos seus próprios países.

Felizmente o Brasil seguiu a proposta do companheiro do Bolívar: Ou inventamos ou erramos. O Brasil inventou, e contra os prognósticos agourentos de ultraesquerdistas e dos direitistas, viveu uma década de avanços.

Enfrenta uma crise advinda dos próprios avanços. As pessoas querem mais e melhor – e tem razão. Mas ninguém reivindicou emprego, porque o Brasil está na fronteira do pleno emprego.

Esses mesmos se apressaram a fazer comparações do Brasil com o Egito, com a Turquia. Só que aqui a Presidente reagiu com receptividade às demandas e às mobilizações, portanto não temos ditadura, como no caso do Egito, e nem governo autoritário, como no caso da Turquia. Diálogo, e não repressão do governo federal.

Ao contrário do que pregavam os ultraesquerdistas, o governo não se passou para o outro lado da barricada. Deu passos importantes para sair do modelo neoliberal, senão o Brasil estaria mergulhado ainda na recessão do governo FHC ou estaria na mesma situação caótica da Europa. Atendeu às necessidades básicas da massa da população, revertendo e não acentuando o processo de exclusão social. Recuperando o papel do Estado na indução do crescimento econômico e na garantia dos direitos sociais, superando a centralidade do mercado.

E o Brasil não está do lado dos EUA e dos governos da Aliança para o Pacífico, o reduto neoliberal no continente. O Brasil é aliado fiel dos governos da Bolívia, do Uruguai, da Venezuela, da Argentina, do Equador, de Cuba.

A ultraesquerda foi mais uma vez derrotada na conjuntura atual. Ela sabe muito bem apontar as “traições” dos outros, mas esconde sua incompetência em construir alternativas. Onde esses que pretendem julgar tudo e saber tudo conseguiram construir uma alternativa? Acusam os governos da Cristina, do Rafael Correa, do Pepe Mujica, da Dilma, do Maduro, do Evo de serem “traidores”, “neoliberais disfarçados”, mas fracassam em todos os lados. Os povos desses países não lhes dão nenhum apoio, são grupinhos ideológicos isolados do povo.

O Brasil enfrenta um grande desafio, mas não haverá retrocessos, ninguém perderá direitos. O governo Lula tinha enfrentado uma dura crise em 2005, tanto a direita como a ultraesquerda se assanharam e acreditaram que era o fim do governo. Foram surpreendidos pelo apoio popular que as políticas sociais do governo tinham conquistado e deixou frustrados seus adversários, que tinham se aliado contra o governo Lula.

A recessão internacional é outro obstáculo contra o qual o governo Dilma – tal qual fez e saiu vitorioso o governo Lula em 2008 – se vale de todos os recursos – menos cortar recursos sociais e apelar para a recessão – para superar seus efeitos internamente. Uma crise gerada no centro do capitalismo e que nos envia suas pressões recessivas. Em outras crises internacionais, teríamos entrado em profunda e prolongada recessão. Agora sofremos a baixa das demandas externas, mas temos o intercâmbio regional e com o Sul do mundo e temos o mercado interno de consumo popular. Os que dizem que o modelo se esgotou querem que se freie a distribuição de renda e a atenção às necessidades da massa da população – sempre relegada pelos governos da direita.

O Brasil sairá mais forte desta crise, dando de novo um tapa na boca nos urubus – da direita e da ultraesquerda –, como saiu em 2005 e em 2008. O governo está sabendo entender o apelo das ruas, da nova geração de jovens que ingressa na vida política. A campanha eleitoral, levada a cabo pela Dilma e pelo Lula, mostrará que continua a haver uma maioria progressista no Brasil, que quer mais e melhor do que foi feito até aqui e não os retrocessos que a direita deseja.

O Brasil mostra que convive com essas manifestações, sem que o governo federal apele à repressão. Ao contrário, conversa com todos os setores sociais, recolhe suas propostas e busca encontrar as formas políticas de concretizá-las. Fortalece a democracia e dá continuidade à inclusão social com a inclusão política de novas gerações.

O governo se dá conta dos seus erros tecnocráticos, que buscam realizar planos de governo sem levar em conta as condições econômicas e sociais. O povo reivindica mais e melhores serviços públicos, representações políticas legítimas, sem o crivo do poder do dinheiro.

Fantasias foram as vãs promessas de que o neoliberalismo resolveria os problemas das nossas sociedades. Como fracassaram, precisam que os outros – os governos progressistas da América Latina, o Brasil – também fracassem.

Porém, mais uma vez essas aves de rapina, de dentro e de fora do Brasil, da direita e da ultraesquerda, vão ter que se calar. Porque o povo brasileiro não permitirá nenhum retrocesso e a Presidenta do Brasil já reafirmou isso. Não vão poder comemorar que o Brasil retroceda para os níveis de desemprego e de expropriação de direitos sociais que os países que seguiram o receituário neoliberal sofrem.

Mais uma vez vão se surpreender com a capacidade de o Brasil superar de forma progressista e inovadora a crise, de seguir avançando no extraordinário processo de democratização social que viveu na última década, estendendo-a agora à democratização dos meios de comunicação e das representações políticas, com o financiamento público e não do dinheiro privado nas campanhas eleitorais.

O ressentimento contra o sucesso do Brasil volta à tona da parte de quem não tem alternativas nem sequer para seus próprios países, que não sabem resolver a sua crise e os brutais retrocessos sociais e políticos em nas suas casas. E vem daqueles que sempre foram catastrofistas, mas foram sempre derrotados pela realidade e pela rejeição popular.

O Brasil está reinventando seu processo democratizador, sem repressão e sem retrocessos. Com o Lula, com a Dilma e com o apoio do povo brasileiro.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Uma carta aberta a FHC




Uma carta aberta a FHC que merece ir para os livros de história
09/09/2012 

O texto é um primor e contribui tanto para entender o quanto o governo do PSDB foi deletério para o Brasil como ajuda a impedir que a mídia tente “lavar branquinho” a história e produzir uma nova versão do que foram os anos FHC.

THEOTONIO DOS SANTOS: CARTA ABERTA A FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Meu caro Fernando,

Vejo-me na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula, em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no Chile na segunda metade dos nos 1960.

A discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de uma experiência política que reflete contudo este debate teórico. Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil teórica e politicamente de sua gestão. 

Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação.Já discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo vários estudiosos discutimos, o inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da população.

Pois as premissas teóricas em que baseava sua ação política eram profundamente equivocadas e contraditórias com os interesses da maioria da população. (Se os leitores têm interesse de conhecer o debate sobre estas bases teóricas lhe recomendo meu livro já esgotado: Teoria da Dependência: Balanço e Perspectivas, Editora Civilização Brasileira, Rio, 2000). Contudo nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta aberta.

O primeiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico a partir do fortalecimento do real e que o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando assim resultados positivos que não quer compartilhar com você…

Em primeiro lugar vamos desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou com a inflação.

Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. 

Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário. No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos.

TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUNDO.
E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. 

Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização.

O fato é que quando você flexibilizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar.

E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”. ORA, UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que economista respeitável sustenta esta tese?

Conclusões: O plano Real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. 

O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.

Segundo mito – Segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal?

Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal em toda a história da humanidade.

E não adianta atribuir este endividamento colossal aos chamados “esqueletos” das dívidas dos estados, como o fez seu ministro de economia burlando a boa fé daqueles que preferiam não enfrentar a triste realidade de seu governo. 

Um governo que chegou a pagar 50% ao ano de juros por seus títulos para, em seguida, depositar os investimentos vindos do exterior em moeda forte a juros nominais de 3 a 4%, não pode fugir do fato de que criou uma dívida colossal só para atrair capitais do exterior para cobrir os déficits comerciais colossais gerados por uma moeda sobrevalorizada que impedia a exportação, agravada ainda mais pelos juros absurdos que pagava para cobrir o déficit que gerava.

Este nível de irresponsabilidade cambial se transforma em irresponsabilidade fiscal que o povo brasileiro pagou sob a forma de uma queda da renda de cada brasileiro pobre. Nem falar da brutal concentração de renda que esta política agravou drasticamente neste pais da maior concentração de renda no mundo.

Vergonha, Fernando. Muita vergonha. Baixa a cabeça e entenda porque nem seus companheiros de partido querem se identificar com o seu governo…te obrigando a sair sozinho nesta tarefa insana."


Terceiro mito – Segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do governo Lula. 

Fernando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS.

Você teve que pedir ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição os 20 bilhões de dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID. Tudo isto sem nenhuma garantia. 

Esperava-se aumentar as exportações do pais para gerar divisas para pagar esta dívida.

O fracasso do setor exportador brasileiro mesmo com a espetacular desvalorização do real não permitiu juntar nenhum recurso em dólar para pagar a dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. 

A ameaça de Lula existiu exatamente em consequência deste fracasso colossal de sua política macroeconômica. 

Sua política externa submissa aos interesses norte-americanos, apesar de algumas declarações críticas, ligava nossas exportações a uma economia decadente e um mercado já copado.

A recusa dos seus neoliberais de promover uma política industrial na qual o Estado apoiava e orientava nossas exportações.

A loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras. 

Os juros mais altos do mundo que inviabilizava e ainda inviabiliza a competitividade de qualquer empresa. Enfim, UM FRACASSO ECONOMICO ROTUNDO que se traduzia nos mais altos índices de risco do mundo, mesmo tratando-se de avaliadoras amigas.

Uma dívida sem dinheiro para pagar… Fernando, o Lula não era ameaça de caos. Você era o caos. 

E o povo brasileiro correu tranquilamente o risco de eleger um torneiro mecânico e um partido de agitadores, segundo a avaliação de vocês, do que continuar a aventura econômica que você e seu partido criou para este país.

Gostaria de destacar a qualidade do seu governo em algum campo mas não posso fazê-lo nem no campo cultural para o qual foi chamado o nosso querido Francisco Weffort (neste então secretário geral do PT) e não criou um só museu, uma só campanha significativa. 

Que vergonha foi a comemoração dos 500 anos da “descoberta do Brasil”. E no plano educacional onde você não criou uma só universidade e entrou em choque com a maioria dos professores universitários sucateados em seus salários e em seu prestígio profissional.

Não Fernando, não posso reconhecer nada que não pudesse ser feito por um medíocre presidente.Lamento muito o destino do Serra. Se ele não ganhar esta eleição vai ficar sem mandato, mas esta é a política.

Vocês vão ter que revisar profundamente esta tentativa de encerrar a Era Vargas com a qual se identifica tão fortemente nosso povo. E terão que pensar que o capitalismo dependente que São Paulo construiu não é o que o povo brasileiro quer.

E por mais que vocês tenham alcançado o domínio da imprensa brasileira, devido suas alianças internacionais e nacionais, está claro que isto não poderia assegurar ao PSDB um governo querido pelo nosso povo.

Vocês vão ficar na nossa história com um episódio de reação contra o verdadeiro progresso que Dilma nos promete aprofundar. Ela nos disse que a luta contra a desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma política progressista. E dessa política vocês estão fora.

Apesar de tudo isto, me dá pena colocar em choque tão radical uma velha amizade. Apesar deste caminho tão equivocado, eu ainda gosto de vocês ( e tenho a melhor recordação de Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como a grande maioria do povo brasileiro.

Poderemos bater um papo inocente em algum congresso internacional se é que vocês algum dia voltarão a frequentar este mundo dos intelectuais afastados das lides do poder.

Com a melhor disposição possível, mas com amor à verdade, me despeço.


Theotonio dos Santos