“Novas vozes no Brasil”
Artigo original em português do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
A juventude, conectada nas redes
sociais e com os dedos ágeis em seus celulares, tem saído às ruas para
protestar em diversas regiões do mundo.
Parecia mais fácil explicar as
razões de tais protestos quando eles aconteciam em países sem democracia, como
o Egito e a Tunísia em 2011, ou onde a crise econômica levou o desemprego
juvenil a níveis assustadores, como na Espanha e na Grécia, por exemplo. Mas a
chegada dessa onda a países com governos democráticos e populares, como o
Brasil, quando temos as menores taxas de desemprego da nossa história e uma
inédita expansão dos direitos econômicos e sociais, exige de todos nós, líderes
políticos, uma reflexão mais profunda.
Muitos acham que esses movimentos
significam a negação da política. Eu acho que é justamente o contrario: eles
indicam a necessidade de se ampliar ainda mais a democracia e a participação
cidadã. De renovar a política, aproximando-a das pessoas e de suas aspirações
cotidianas.
Eu só posso falar com mais
propriedade sobre o Brasil. Há uma ávida nova geração em meu país, e eu creio
que os movimentos recentes são, em larga medida, resultado das conquistas
sociais, econômicas e políticas obtidas nos últimos anos. O Brasil conseguiu na
última década mais que dobrar o número de estudantes universitários, muitos
deles vindos de famílias pobres. Reduzimos fortemente a pobreza e a
desigualdade. São grandes feitos, mas é também absolutamente natural que os
jovens, especialmente aqueles que estão obtendo o que seus pais nunca tiveram,
desejem mais.
Estes jovens tinham 8, 10,12 anos
quando o partido que eu ajudei a criar, o PT, junto com seus aliados, chegou ao
poder. Não viveram a repressão da ditadura nos anos 60 e 70. Não viveram a
inflação dos anos 80, quando a primeira coisa que fazíamos ao receber um
salário era correr para um supermercado e comprar tudo o que fosse possível
antes que os preços subissem no dia seguinte. Também tem poucas lembranças dos
anos 90, quando a estagnação e o desemprego deprimiam o nosso país. Eles querem
mais. E é compreensível que seja assim. Tiveram acesso ao ensino superior, e
agora querem empregos qualificados, onde possam aplicar o que aprenderam nas
universidades. Passaram a contar com serviços públicos de que antes não
dispunham, e agora querem melhorar a sua qualidade. Milhões de brasileiros,
inclusive das classes populares, puderam comprar o seu primeiro carro e hoje
também viajam de avião. A contrapartida, no entanto, deve ser um transporte
público eficiente e digno, que facilite a mobilidade urbana, tornando menos
penosa e estressante a vida nas grandes cidades.
Os anseios dos jovens, por outro
lado, não são apenas materiais. Também querem maior acesso ao lazer e à
cultura. E, sobretudo, reclamam instituições políticas mais transparentes e
limpas, sem as distorções do anacrônico sistema partidário e eleitoral
brasileiro, que até hoje não se conseguiu reformar. É impossível negar a
legitimidade de tais demandas, mesmo que não seja viável atendê-las todas de
imediato. É preciso encontrar fontes de financiamento, estabelecer metas e
planejar como elas serão gradativamente alcançadas.
A democracia não é um pacto de
silêncio. É a sociedade em movimento, discutindo e definindo suas prioridades e
desafios, almejando sempre novas conquistas. E a minha fé é que somente na
democracia, com muito dialogo e construção coletiva, esses objetivos podem ser
alcançados. Só na democracia um índio poderia ser eleito Presidente da Bolívia,
e um negro Presidente dos Estados Unidos. Só na democracia um operário e uma
mulher poderiam tornar-se Presidentes do Brasil.
A história mostra que, sempre que
se negou a política e os partidos, e se buscou uma solução de força, os
resultados foram desastrosos: guerras, ditaduras e perseguições de minorias.
Todos sabemos que, sem partidos, não pode haver verdadeira democracia. Mas cada
vez fica mais evidente que as nossas populações não querem apenas votar de
quatro em quatro anos, delegando o seu destino aos governantes. Querem interagir
no dia a dia com os governos, tanto locais quanto nacionais, participando da
definição das políticas públicas, opinando sobre as principais decisões que
lhes dizem respeito.
Em suma: não querem apenas votar,
querem ser ouvidas. E isso constitui um tremendo desafio para os partidos e os
lideres políticos. Supõe ampliar as formas de escuta e de consulta, e os
partidos precisam dialogar permanentemente com a sociedade, nas redes e nas
ruas, nos locais de trabalho e de estudo, reforçando a sua interlocução com as
organizações dos trabalhadores, as entidades civis, os intelectuais e os
dirigentes comunitários, mas também com os setores ditos desorganizados, que
nem por isso tem carências e desejos menos respeitáveis.
E não só em períodos eleitorais.
Já se disse, e com razão, que a sociedade entrou na era digital e a política
permaneceu analógica. Se as instituições democráticas souberem utilizar
criativamente as novas tecnologias de comunicação, como instrumentos de dialogo
e participação, e não de mera propaganda, poderão oxigenar – e muito – o seu
funcionamento, sintonizando-se de modo mais efetivo com a juventude e todos os
setores sociais.
No caso do PT, que tanto
contribuiu para modernizar e democratizar a política brasileira e que há dez
anos governa o meu país, estou convencido de que ele também precisa renovar-se
profundamente, recuperando seu vinculo cotidiano com os movimentos sociais.
Dando respostas novas a problemas novos. E sem tratar os jovens com
paternalismo.
A boa noticia é que os jovens não
são conformistas, apáticos, indiferentes à vida pública. Mesmo aqueles que hoje
acham que odeiam a política, estão começando a fazer política muito antes do
que eu comecei. Na idade deles, não imaginava tornar-me um militante político.
E acabamos criando um partido, quando descobrimos que no Congresso Nacional
praticamente não havia representantes dos trabalhadores. Inicialmente não
pensava em me candidatar a nada. E terminei sendo Presidente da República.
Conseguimos, pela política, reconquistar a democracia, consolidar a
estabilidade econômica, retomar o crescimento, criar milhões de novos empregos
e reduzir a desigualdade no meu país. Mas claro que ainda há muito a ser feito.
E que bom que os jovens queiram lutar para que a mudança social continue e num
ritmo mais intenso.
Outra boa notícia é que a
Presidente Dilma Rousseff soube ouvir a voz das ruas e deu respostas corajosas
e inovadoras aos seus anseios. Propôs, antes de mais nada, a convocação de um
plebiscito popular para fazer a tão necessária reforma política. E lançou um
pacto nacional pela educação, a saúde e o transporte público, no qual o governo
federal dará grande apoio financeiro e técnico aos estados e municípios.
Fonte:http://caduamaral.blogspot.com.br/2013/07/lula-no-new-york-times.html
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