sábado, 9 de dezembro de 2017

O QUE É SER SOCIALISTA? AINDA FAZ SENTIDO SER DE ESQUERDA ?



Por Afrânio Silva Jardim

1 - POUCO ADIANTA, MAS NÃO DESISTIREMOS
Na verdade, o mundo sempre esteve dividido entre pessoas que só pensam em si e pessoas que se preocupam com a desgraça dos outros. A falta de informação ou informação deturpada impedem a divulgação dos melhores valores, fundantes de uma sociedade mais justa. A questão é ideológica.
Embora tenha nascido em um lar privilegiado, sempre pugnei por justiça social. Agradeço ao meu falecido pai por ter despertado em mim essa consciência crítica. Embora corra o risco de cair num reprovável maniqueísmo, digo que se trata de uma luta da solidariedade contra o egoísmo.
Pode ser até utopia ou romantismo juvenil, mas é a utopia que nos faz caminhar, como dizia Eduardo Galeano.
O mundo já foi muito pior (mataram quase todos os índios e escravizaram os negros e o racismo e a cobiça dizimaram civilizações). Graça à luta contra os egoístas, o mundo melhorou e, algum dia, a solidariedade, e não a competição, fará surgir um novo ser humano. Como disse Leon Gieco, em uma das suas belas músicas, "há de vir uma nova cultura".
A nossa esperança é que, ao menos, todos tenham as mesmas oportunidades. Que os filhos da minha empregada doméstica tenham as mesmas oportunidades sociais que meus filhos, vale dizer, que o filho do empregado não nasça empregado e que o filho do patrão não nasça patrão.
Enfim, desejo que consigamos vencer este trágico determinismo de uma sociedade profundamente injusta e indiferente à dor dos outros. Que jamais uma criança morra nos braços de sua mãe em razão de falta de recursos para o seu tratamento médico, enquanto outros jogam "dinheiro pelo ralo".
O grande desafio é lograr um novo modelo de sociedade, onde todos tenham, pelo menos, as mesmas oportunidades de ascensão social, sem que tenhamos um governo de matiz autoritária. O presidente Allende tentou no Chile e não conseguiu. Na Venezuela, o boicote da classe empresarial está inviabilizando a efetividade de um governo popular (diferente de populista). Como convencer a quem tem privilégios a abrir mão deles, de forma pacífica??? Entretanto, a ideia de um socialismo democrático não deve ser abandonada.
2 – PORQUE SOU DE ESQUERDA
O pensamento de esquerda prioriza a justiça social, sustentando que o Estado Popular deve assegurar, no mínimo, as mesmas oportunidades para todos.
Para isso, os chamados "bens de produção" devem ser gerenciados pelos trabalhadores, que são aqueles que realmente produzem a riqueza. As riquezas produzidas pela mão dos trabalhadores e trabalhadoras devem ser distribuídas e não concentradas nas mãos de uns poucos. Ninguém pode explorar o trabalho alheio.
Os valores da esquerda são a solidariedade e igualdade. Busca-se uma sociedade justa, sem explorados e exploradores.
Já a chamada "direita" privilegia a competição e a concorrência na sociedade. É individualista.
Acredita que a livre iniciativa na economia vai fazer a sociedade se desenvolver. Aposta no lucro, na cobiça, embora acredite que os empresários são "bondosos", pois criam empregos. Querem liberdade na economia, mas são "castradores" no que diz respeito à evolução dos costumes na sociedade. Neste particular, quase sempre a direita é conservadora ou mesmo reacionária.
A direita fala em total liberdade. Entretanto, tal liberdade é meramente abstrata pois, no mais das vezes, não é o Estado que a subtrai. No dia a dia das pessoas, a liberdade é suprimida pela relação privada de emprego.
Através do contrato de trabalho, mormente em uma sociedade onde não há pleno emprego, tenho que obedecer ao meu patrão, tenho que a ele ser submisso.
Muitas vezes, se o empregado não for um "bajulador" do seu patrão, pode ser colocado no "mar da amargura". As pessoas saem de casa com o risco de voltarem desempregadas.
Isto não ocorre com os funcionários concursados, que têm estabilidade no serviço público ou em uma sociedade coletivizada, onde o patrão seja uma cooperativa de trabalhadores.
Minha empregada doméstica tem liberdade para viajar para Paris ou Londres. Entretanto, ela pode efetivamente exercer esta liberdade?
Posso dizer o que desejo aqui, atingindo centenas de pessoas. Entretanto, de noite, a TV Globo destrói tudo, atingindo mais de 20 milhões de pessoas ...
Dizem que antes de distribuir, é preciso fazer "crescer o bolo". Sucede que raramente o "bolo cresce" e, quando cresce, eles não querem distribuir...
A esquerda pode ser um pouco utópica, mas a "poesia" está com ela. A direita aposta no egoísmo do ser humano, cria uma sociedade individualista e indiferente à dor alheia. Um verdadeiro "darwinismo" social. Que vençam os mais astutos, os mais aptos ou os mais "fortes"!
Esta, evidentemente, é a minha avaliação. Avaliação de alguém que sempre se negou a aceitar uma sociedade onde crianças peguem comida no lixo e mães assistem a seus filhos morrerem por falta de dinheiro para tratá-los das suas doenças graves. Não me conformo com esta miséria, embora este "sistema econômico" sempre me tenha sido favorável. Por isso, julgo ter legitimidade para criticá-lo: não falo em causa própria (ao contrário).
Enfim, por tudo isso, me insiro no pensamento de esquerda. O grande problema é conseguir uma sociedade justa sem sacrificar a liberdade individual, efetiva e concreta, pois ninguém abre mão de seus privilégios senão pela coerção.
A utopia é como o horizonte; está sempre distante. Entretanto, ela é que nos faz caminhar, (conforme texto citado pelo saudoso pensador Eduardo Galeano). Caminhemos sempre ...
Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre –Docente em Direito Processual (Uerj)

domingo, 3 de dezembro de 2017

PT velho de guerra

Por Gustavo Conde



"Nunca pensei que a imagem do PT fosse reconstituída de maneira tão rápida. É impressionante. O golpe fez um favor sensacional à esquerda (só os esquerdistas fajutos acham que não; porque esquerdista, meu caro, pensa sempre na vitória, não na derrota).

Depois de 16 anos no poder, se o PT saísse "democraticamente" como só acontece nas boas democracias, em 2018, ele sairia desestruturado simbolicamente. Seria muito difícil recompor quadros e projetos, ainda mais com um país modificado (para melhor).

Provavelmente, o PT dividir-se-ia, não em dois, mas em vários partidos, em vários projetos distintos. Mas, não. Interromperam esse processo natural da história. Fizeram um favor ao
PT velho de guerra (o que, sinceramente, não sei se é bom; só sei que é fato).

O PT voltou a ser o partido do povo. Não que ele tivesse deixado de ser. A "imagem" dele deixou de ser, uma vez que foram 13 anos de imprensa ultraconservadora martelando e o próprio desdobramento natural que se dá quando um partido cria raízes no governo. Essa ruptura institucional drástica já impregnou o inconsciente da população brasileira como injustiça e como golpe.

Nem falo da percepção prospectada nas pesquisas. Não confio muito em pesquisas. Falo da percepção real, no dia a dia. De uns tempos para cá, nas padarias, nos postos de gasolina, nas feiras, em qualquer lugar que atenda pelo nome de "popular", as pessoas manifestam seu horror ao que aí está como cenário político e dizem comovidas "como era melhor antes".

Eu converso com as pessoas, adoro. Aprendo muito mais do que lendo a Folha (que leio porque tenho fetiche e para preparar aulas de redação usando seus textos como exemplos negativos). Enfim, a canoa virou e agora falta combinar com os russos.

A sensação é muito boa. É bom ver que o PT, esse partido que dominou todos os corações durante tanto tempo, que representou um jeito diferente de lidar com o poder público, com a própria eleição, com a própria democracia, voltou a ser o partido do povo, o partido que materializa todas as demandas da maioria da população. Mais um pouco e "ser petista" voltará a ser moda, como nos anos 80.

Aliás, é daí que vem toda essa "frustração difusa" da classe média com o PT. Eles embarcaram nos anos 80 por puro modismo: era chique ser petista. Aquela adesão, portanto, foi completamente vazia. Era um bando de tucanos enrustidos - perdão - que queriam parecer inteligentes.

Data vênia, podem vender a Petrobrás, a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, as Eletrobrás, Itaipu, o raio que os parta. A gente reconstrói tudo de novo e melhor.

É bom lembrar um dos significados de se entender como uma pessoa de "esquerda": uma pessoa de esquerda tem esperança e não lida com a frustração fruto de incompetência e preguiça intelectual. A esquerda FAZ. Elabora, projeta, reage, luta, dá as caras, cria, faz arte, canta, comemora, celebra, transa. Nunca é demais lembrar de tudo isso."

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Sobre obscenidades


Por Pedro Tierra *

“Onde quer que se queimem livros,
terminarão um dia por queimar
pessoas” (Heinrich Ibsen)
Poderia iniciar este comentário expondo o sentimento de indignação ao lado de setores da sociedade brasileira que prezam a liberdade e a democracia diante da ofensiva obscurantista que se abriu contra exposições em museus e outras manifestações culturais, sob a alegação de obscenidade e indução à pedofilia.

Razões que, supõe-se, atendem a objetivos de natureza moral. A ofensiva avança nesses dias mais um degrau, com a censura à apresentação de um dos mais importantes artistas brasileiros, o cantor e compositor Caetano Veloso que seria oferecida à grande ocupação do MTST em S. Bernardo do Campo, em sua luta pelo direito à moradia digna, anunciada para a noite de 30 de outubro, e impedida pela justiça. Agora sob o pretexto de insegurança. Em pouco tempo a liberdade de expressão e criação artística garantida pela Constituição se tornará mero pretexto para medidas de força.

O Brasil, sob a nefasta figura de Michel Temer, despediu-se de qualquer aspiração a ser um país inteligível. Tudo ocorre como se estivéssemos vivendo um pesadelo coletivo, sem roteiro e sem propósito. O país foi mergulhado no irracionalismo que tudo relativiza exceto o uso da força. Simbólica ou física. E do embuste produzido em escala industrial pelo cartel da mídia conservadora.

A semente do fascismo está plantada em terreno fértil: o terreno da indiferença. E a sociedade brasileira – seus setores democráticos – deve se preparar para a conhecida advertência de Ibsen com que abri essa reflexão.

Mas, prefiro conduzir meu argumento a partir de outro olhar: a Sessão de 17 de abril de 2016, comandada por Eduardo Cunha, gerente distribuidor – em dinheiro vivo, por favor! – de milhões de reais vindos dos cofres dos açougueiros da JBS para comprar votos de parlamentares e aprovar o impedimento da Presidente eleita, Dilma Rousseff, sem que se provasse contra ela crime de responsabilidade ou de qualquer outra natureza. Todos nos recordamos com repugnância, tratou-se de uma sessão obscena, ante uma sociedade anestesiada.

Os depoimentos publicados desde então, oferecidos pelos delatores participantes da compra dos votos necessários para concretizar o impedimento criminoso de Dilma Rousseff esclarecem a população sobre os mecanismos e valores das operações de compra e venda. Não chega a gerar espanto o silêncio do STF diante da obscenidade exposta. A Suprema Corte presidiu a Sessão. Quando um dia recuperarmos a democracia, ela – a Sessão – será anulada em nome do respeito à soberania popular.

Nos últimos dias esse pesadelo que atormenta a sociedade brasileira teve confirmada – diga-se, duplamente – aquela sessão pelo arquivamento das denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal contra o usurpador Michel Temer. Agora o expediente utilizado, fartamente documentado pela mídia, foi a cooptação por meio da liberação de recursos de emendas parlamentares, oferecimento de cargos ou a publicação de mecanismos institucionais como a famigerada Portaria 1.129/17 do Ministério do Trabalho que abre as portas para a legalização da exploração do trabalho escravo no país. Na prática a portaria de Temer revoga a Lei Áurea que, há 129 anos imprimia um ponto final à escravidão legal de afrodescendentes no Brasil.

Há mais de um ano, o Estado brasileiro expõe diante do mundo as vísceras de uma quadrilha empenhada – em nome dos interesses de uma elite retrógrada e desprovida de compromisso com o país – na destruição de qualquer hipótese desenvolvimento autônomo do Brasil e na restauração dos mais selvagens métodos de exploração dos trabalhadores, como atestam a dita Reforma trabalhista e a liquidação da Previdência Social. Hoje estão sendo perpetrados, quotidianamente, crimes de lesa-pátria pelos próprios agentes do Estado que deveriam protege-la da pilhagem.

A cultura política do Brasil nos conduziu a um paradoxo: os setores populares, teoricamente, atores e destinatários do processo civilizatório do país foram secularmente hegemonizados por uma concepção que atribui às oligarquias a propriedade exclusiva dos assuntos do Estado. Este fato cultural nos ajuda a compreender alguns processos históricos como o Movimento Abolicionista que contou com o claro predomínio de militantes brancos – mesmo porque aos escravos não era permitido sequer alfabetizar-se – e se consumou com um ato assinado pela própria filha do Imperador. Ou a Proclamação da República diante dos olhos bestificados da sociedade, resultante de um movimento de militares conduzido por Deodoro, um monarquista... Os mais tímidos ensaios de participação popular nos assuntos de governo foram rechaçados de plano pelo sistema oligárquico, para prevenir que pelo exercício da cidadania, o aprendizado democrático produzisse entre os subalternos veleidades de consciência republicana.

As elites conservadoras conduzem, utilizando-se de uma camarilha desprovida de escrúpulos, um processo que busca produzir conscientemente as condições da ingovernabilidade do país: a afirmação do Judiciário como um poder tutelar sobre os demais poderes da república; o desequilíbrio entre os poderes; o controle monopolista dos meios de comunicação; e modelam os contornos de um estado policial como forma de produzir o medo em escala de massa para perpetuar seu domínio sobre a sociedade brasileira.
Em qualquer democracia no mundo a gangue de rua que acendeu o estopim daquela ofensiva contra a exposição no espaço cultural de um banco espanhol, em Porto Alegre, seria alvo da atenção da polícia. Mas, como vivemos “ tempos excepcionais” e fomos instruídos pelos juízes de primeira instância que “tempos excepcionais exigem métodos excepcionais”, os mecanismos que asseguram o direito à informação e à fruição cultural são postos de lado. Aos cidadãos resta – quando muito – protestar contra a censura, quando a censura já se converte em regra, naturalizada como parte da paisagem.

Esse retorno às práticas medievais de combate à criação artística estão associados aos períodos de ascensão e predomínio das concepções mais autoritárias e truculentas na história, como o nazismo e os diferentes perfis com que o fascismo se apresentou e contemporaneamente se apresenta. Tais expedientes são utilizados para entreter a sociedade enquanto se cometem sucessivos crimes de lesa-pátria nos escaninhos do Congresso Nacional ou nos leilões promovidos por um Executivo sem legitimidade para oferecer na bacia das almas as riquezas do país e a soberania nacional.

A conhecida exposição organizada por Alfred Rosenberg em 1937, na Alemanha de Hitler, para exibir a partir de Munique a “Arte degenerada”, como ele definira dez anos antes o expressionismo e o modernismo europeu – Edward Munch, Picasso, Kandinsky, Kathe Kollwtiz, Paul Klee... entre outros – para contrapor a ela o virtuoso e convencional realismo alemão, recebeu a visitação de mais dois milhões de cidadãos. Aqui nos trópicos – tristes trópicos – a ofensiva da censura contra a criação artística é alimentada por parte de quem sequer frequenta museus...

“Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. Poucas vezes a afirmação de um intelectual e líder político brasileiro – Darcy Ribeiro – revelou-se tão tragicamente profética. As bases materiais para a colossal calamidade que vivemos no país hoje vieram sendo construídas pelo investimento insuficiente e pelo não-investimento – atentem para a Emenda Constitucional que congela os gastos por vinte anos – como política de estado para nos manter ajoelhados diante do altar do obscurantismo e da ignorância.

O extrato mais rico do Brasil, que nunca acreditou no país como nação, neste momento se empenha em destruir as poucas possibilidades experimentadas de combate às desigualdades sociais criminosas que nos marcam como o caráter mais duradouro desde o desembarque dos portugueses. A base da pirâmide social, os assalariados, mais uma vez será chamada para despedir-se da indiferença, reocupar o espaço privativo da política, redesenhar e, agora, reconduzir um processo que possa resgatar o destino deste país como nação...

*Pedro Tierra é poeta. Ex-Presidente da Fundação Perseu Abramo.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

UM GOLPE JUSTO, MAS UM GOLPE



Por Francisco Costa
Porque os miliquinhos da monarquia traíram o seu comandante em chefe, Dom Pedrinho Dois?

Ao contrário de 64, que foi um golpe conservador, para impedir o avanço da sociedade brasileira, principalmente das classes trabalhadoras, o golpe de 1889, PARA A ÉPOCA, foi progressista.

A classe dominante, como sempre, ancorada no egoísmo, no só tudo pra mim, estava revoltada com a Abolição dos Escravos, mas não porque houve a abolição, e sim porque queriam que a coroa os indenizasse por cada escravo liberto, como se a abolição tivesse sido uma expropriação.

Junto a isso, os progressistas reclamavam o voto universal e direto, para todos, já que era censitário, de acordo com o poder econômico do eleitor, o que dividia a sociedade imperial em castas.
Para piorar, porque bosta nenhuma fede tanto que não possa feder mais, a educação era elitista, só para os filhos da nobreza. 

Os negrinhos, indinhos, mulatinhos, cafuzinhos, e branquinhos vindos de Portugal como trabalhadores braçais estavam condenados ao analfabetismo por todos os séculos dos séculos, amém.

Para piorar ainda mais, numa sociedade machista de dar inveja no Bolsonaro, Dom Pedrito não tinha filhos, só filhas, e morto, a mais velha, Isabel, herdaria o trono.

Só que Isabel era casada com um conde muito parecido com o Marco Feliciano: arrogante, prepotente e sem conteúdo, o Conde d’Eu, e aqui cessam as diferenças porque o Feliciano é o Conde d’Á.
Para piorar, o d’Eu era odiado, não porque cobrava dízimos, mas aluguéis nas favelas cariocas, na época chamadas de cortiços, das quais ele era proprietário, da maioria.

Um cafetão de pobres, embora não fosse pastor.

Pra embolar mais ainda o meio de campo, maçons e católicos estavam às porradas, e Dom Pedro (era maçom) comprou a briga da maçonaria, desobedecendo determinações papais, fechando instituições e ordens católicas e condenando padrecos a trabalhos forçados.

Isso num país fortemente católico, com a bancada católica, na época, tão cretina quanto a bancada evangélica hoje, aliás como todo religioso, vide talibãs em Paris.

Mas não pense que os maçons eram bonzinhos não, eram do bloco conservador, como são até hoje.
Mentira? Anota aí: Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alkimin, José Serra, Silas Malafaia... Tudo maçon. Roberto Marinho era, boa parte dos generais da ditadura também.

Onde tem golpe e contra golpe tem maçon. Não sei como O chamam de Supremo Arquiteto, deveriam chamar de Supremo General, anauê!

Então quais eram as bandeiras dos republicanos? Voto universal, para todos, desde que machos e alfabetizados; escola para todos, fosse negrinho filho de ex escravo ou a filha querida da baronesa dos paus solitários; estado laico, sem padres nem maçons; igualdade entre negros e brancos (não fazia sentido os negros terem lutado na Guerra do Paraguai e não terem cidadania brasileira); direito de propriedade pra todo mundo, com o fim dos aluguéis nas favelas...

Para apimentar mais a suruba, o povo vivia um dilema: amava Dom Pedrito, o pop star da época, mas tinha um péssimo exemplo da vizinhança: último país a libertar os escravos, só o Brasil não tinha proclamado a república, ainda, éramos tucanos cercados de fidéis e guevaras por todos os lados, o que dividia como mulher gostosa e autoritária: ou se curva e usufrui ou entra em guerra e se tranca no banheiro sozinho, ô vida!

Os progressistas mandaram todas essa propostas para o senado, as PEC da época.

Acontece que o senado era conservador e mais renitente que hímen complacente (vai se informar, coxinha, se é que você sabe o que é hímen), com os senadores nomeados pelo imperador, como na ditadura militar (senadores biônicos) e com cargo vitalício, como hoje os ministros do STF e os acadêmicos da Academia Brasileira de Letras, que só tiram as bundas das cadeiras para colocar no caixão.

E os Cunhas, Aécios, Aloysios, Bolsonaros, Piccianis, Heráclitos, Agripinos da época recusaram tudo.
Só restou uma alternativa: golpe.

Foram até o Marechal Deodoro da Fonseca e disseram: é agora!

Mas havia um problema: Deodoro era monarquista e muito amigo, fiel, a Dom Pedrito, o que foi uma merda pra convencer o homem.

Por fim convenceram-no: não vamos derrubar o cara, só o Chefe de Gabinete dele, o Visconde de Ouro Preto.

O Chefe de Gabinete seria o que é hoje um Primeiro Ministro, num parlamentarismo.

Deodoro foi na conversa, topou, e sabe como é, nunca acredite no só a cabecinha... Derrubaram foi todo mundo, e no dia 15 de novembro de 1889 Deodoro arregimentou algumas centenas de soldados, dirigiu-se a um campo, hoje um grande jardim, o Campo de Santana, aqui no Rio de Crivela, cheio de cotias, cisnes e mendigos, de frente para o prédio onde hoje é o quartel general do comando leste, montou num cavalo, tirou o chapéu e gritou “viva a república”.

No mesmo dia, no final da tarde, a Câmara Municipal do Rio de janeiro, fez constar a existência da república em lei.

Pronto. Nasceu.
Hoje a criança republicana está fazendo 128 anos, com um curto intervalo de 21 anos, entre 1964 e 1985, uma época pouco república e muito cana.

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segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Lula


Por Gustavo Conde

"Dia pródigo para falar de Lula. Todo mundo só pensa em Lula, seja para odiar, seja para amar. Eu tento pensá-lo como um homem, um político, um estrategista, um formulador, um ex-presidente. Sem ele, não existe história do Brasil de 1978 para cá.

Odiar Lula é um grande e infame exercício de nulidade mental, preguiça intelectual, má fé existencial e mau-caratismo eleitoral. Critique Lula, mas argumente. Não deixa a baba escorrer pelo canto da boca.

Algo muito singelo que posso prospectar da leitura burra que se faz de Lula desde os anos 2000 é que muita gente acha que ele é socialista. A esses, eu só posso lançar um olhar de comiseração. Até a resposta retórica de Lula os ofendia: "sou metalúrgico" (e eles continuavam não entendendo). Chato explicar. Chato desenhar.

Basta dizer que a origem política de Lula é o sindicato. Não tem nada de romântico, nem de intelectual, nem de salvacionismo, nem de utopia. O socialismo é que foi atrás de Lula, porque Lula o aceitou e o compreendeu melhor que os próprios socialistas.

Qual socialista no mundo produziu uma política pública como a do bolsa-família (que, mais do que sua função ética de levar comida na mesa do pobre, ainda incendiou a economia, fazendo o país sair daquele marasmo econômico da era FHC)?

Qual socialista no mundo foi tão absurdamente democrático, perdendo três eleições majoritárias e, ainda assim, submeteu-se a mais um processo eleitoral?

Qual socialista no mundo teve 258.823.579 de votos ao longo de 30 anos de vida pública (e, pasmem, continua liderando pesquisas de opinião)?

Qual socialista no mundo foi tão perseguido pela imprensa, pela elite, pelo racismo, pela justiça e pelo ódio?

Qual socialista no mundo dialogou com tantas forças do tecido democrático com tanta desenvoltura e resultados: empresariado, movimentos sociais, entidades religiosas, sindicatos, imprensa, organizações não governamentais, sociedade civil, estudantes?

Qual socialista no mundo acumulou 300 bilhões de dólares de reservas internacionais?
Qual socialista no mundo pagou uma das maiores dívidas externas do planeta?
Qual socialista no mundo emprestou dinheiro ao FMI?
Qual socialista no mundo criou um banco para fazer frente ao FMI?
Qual socialista no mundo teve um Celso Amorim como chanceler?

Não se trata de colocar o socialismo em xeque, mas apenas de restituir alguma cifra de realidade ao argumento. Todo intelectual sério sabe que Lula nunca foi socialista e que isso é um dado fantástico: não é preciso ser socialista para lutar pela igualdade e pela democracia.

Lula é a prova de que a gestão pública não aceita a burocracia do pensamento acadêmico como elemento irradiador de políticas. Isso não é o papel de um líder histórico. Um acadêmico no poder é um desastre da natureza.

Cargos da dimensão de uma presidência de um país continental em desenvolvimento não é um trampolim carreirista qualquer: é uma responsabilidade que transcende as ambições mesquinhas de toda e qualquer classe média semi letrada. Compreender essa dimensão é tarefa hercúlea para a classe média, cognitivamente falando.

Essa faixa 'pequeno-burquesa' - só para evocar e agradar os socialistas remanescentes - ainda fantasia que Lula deveria ter sido um Fidel Castro. Ele deveria ter "eliminado" seus adversários políticos.
Ora, ora, ora. Curioso ver como o caudilho autoritário não está em Lula, mas em seus críticos. Reclamam que Lula fez alianças com coronéis, mas o que afinal eles queriam? Que Lula matasse os coronéis? Os coronéis do PMDB?

Sim, era o que eles achavam razoável. A solução dessa turma para os adversários é ELIMINAR o adversário. É a sofisticação estratégica deles. É por isso que a democracia não é para fracos. É por isso que a democracia exige coragem e humildade ao mesmo tempo. É por isso que eles não entendem a democracia.

Lula é uma esfinge para esses anti-analistas, mestres da não argumentação. Para eles, tudo é rótulo, tudo é estereótipo, tudo é frase feita, tudo é comunismo. Eles mal conseguem entender o que é racismo, quanto mais o que é política.

Pena que a história não seja uma donzela recatada e do lar. Ela não segue a lógica primitiva dos seres não argumentativos. A história gosta de conteúdo.

Para a história, o golpe é só um elemento narrativo extremamente poderoso. 

Um antissujeito, uma perturbação, um "tranco" semiótico que prepara a retomada da progressão e dos protagonismos das personagens principais.

E uma personagem de narrativa histórica que se preze não pode ser "transparente", visível a todo e qualquer leitor. Ela exige uma face enigmática, esfíngica, caso contrário anula-se o elemento de suspense.

Tudo isso só para dizer o seguinte: continuem não compreendendo o Lula. Ele se alimenta da não compreensão de vocês."


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

A INCOMPETÊNCIA DE LULA



Francisco Costa

Longe de ser um comunista, porque não pratica a Práxis marxista, e acredito que nem a conheça, menos socialista, pelo tipo de governo que fez, no máximo um social democrata, Lula é chamado, por beócios, ignaros, mentecaptos, boçais, néscios, tolos, apalermados, idiotas, ignorantes, broncos, estúpidos, bocós, sacripantas, palermas, bobocas, atoleimados, estafermos, abestados, alienados, coxinhas e mal intencionados, variações do mesmo, de comunista e bolivarista, os que confundem alface e alfafa, comendo as duas, por via das dúvidas.

Prefiro chamá-los de despirocados, termo contemporâneo e carioca para designar os que não são vegetais porque têm pés, ao invés de raízes, além de digitarem frases soltas e colarem figurinhas nas redes sociais.

Se Lula trabalhou com o capitalismo a favor do povo brasileiro e do Brasil, em sua vida pessoal é um fracassado, um falido, um incompetente para gerir os seus próprios negócios.
Começou dono da Friboi, a maior produtora e exportadora de proteína animal do planeta, e acabou comprando carne no açougue, para fazer churrasco com os netos.

Foi talvez o maior latifundiário do planeta, com diversas mega fazendas, onde se destaca uma, amplamente divulgada pelos coxas, que tinha como limites o Oceano Atlântico, no litoral de Alagoas, e ia até os confins do Acre, quase na Bolívia, a maior fazenda do mundo, maior que a maioria dos países, sem contar que para tê-la, Lula teve que comprar grandes pedaços de onze estados, em operações similares à compra do Acre à Bolívia, feita pelo Barão do Rio Branco, sem contar a Esalq – Escola de Agricultura Luiz de Queirós, privatizada pelo governo e comprada por Lula.

Hoje... Só o apartamento em que mora e um alugado, ao lado.

Não nos esqueçamos dos iates, muitos, cada um mais luxuoso que o outro, pilotados por seus filhos, Fábio e Cláudio, dois dos maiores empresários da Fiesp.

Hoje o que resta? Uma canoa de lata e dois pedalinhos.
E dinheiro? Afff O pobre tem sete pilas num fundo de pensão e olhe lá.
É por isso que gosto do FHC, esse sim, foi competente.

Só o apartamento dele, em Paris, vale 23 vezes esse triplex que o bobalhão do Lula desistiu de comprar, seis vezes a merreca que Lula tem no fundo de pensão, sem contar os dois apartamentos em São Pulo, um no Rio e um nos Estados Unidos.

Enquanto o incompetente do Lula não conseguiu ficar nem com um sitiozinho, FHC tem uma mega fazenda, com um aeroporto do tamanho do Santos Dumont, no Rio, e que serve à ponte aérea Rio-Tietenópolis.

E mais as contas nos paraísos fiscais, as titularidades em ofshores...
Por isso sou FHC e não esse paraibinha sem eira nem beira, que jogou fora tudo o que a mídia e a oposição lhe deu.

Prenda-o, Moro. Se não encontrou provas, vasculhe o cafofo dele, manda a companhia de energia elétrica ver se ele não tem ligação direta, gato de luz.
Vê se não tem gato no hidrante, se ele não está lesando a Sabesp, faça alguma coisa, senão ele vai ficar sem nada, sem que você possa provar que ele é ladrão.
Alguma coisa ele deve ter feito de errado, Moro. 

Vai me dizer que nunca mijou na tampa da privada, deixou um copo cair e quebrar, discutiu com um vizinho, tirou meleca do nariz em público, coçou o saco na hora da missa... 

Fé em Deus, Moro, continua, alguma coisa você vai achar, afinal, ninguém é santo, aliás... Só você.
Francisco Costa
Rio, 13/10/2017.

sábado, 2 de setembro de 2017

A Lei é Para Todos!!!???





Autora: Elizabeth Dusi Acacio 

Seria épico, se não fosse um acinte à sociedade, o título desse filme.

Filme que a própria PF, diz ser caricatura mal feita da sua realidade.

Filme cujos patrocinadore$, estranhamente, querem se manter no anonimato, enquanto normalmente, os patrocinadoreS querem mais é fazer sua propaganda.

A lei é para todos quem, cara pálida?

Pro filho da desembargadora encontrado com quilos de droga e munição e liberado pela mãe, ou pra mulher presa e condenada a 12 anos, porque roubou ovos de Páscoa e uma bandeja de frango pra dar aos 4 filhos?

Pro filho do Eike que atropelou e matou um ciclista, devidamente absolvido pelos desembargadores, ou pro Rafael Braga, preso por portar Pinho Sol, uma “perigosa” arma, em uma manifestação?

Pra mulher do governador, liberada da prisão pra cuidar do filho, ou pras detentas que dão à luz algemadas?

Pro Perrela dono do cocacóptero, (a juíza proibiu falar helicoca, acabou liberdade de expressão e eu não sabia), que continua senador, ou pro professor Pedro Mara podendo ser exonerado por ter sido acusado, e processado pelos defensores do Escola sem Partido (Bolsonaro, Feliciano e cia) de incentivar alunos (ridículo isso) a lutar por seus direitos, em manifestação de estudantes?

Pro senador Agripino, liberado pela Lava Jato, de responder pela propina recebida e comprovada pela PF, por ter mais de 70 anos, ou pro Almirante Othon, 78 anos, pai da tecnologia nuclear brasileira – coisa que incomoda nossos vizinhos de cima – mantido preso pela mesma Lava Jato, por suspeita de propina?

Pro ejaculador do ônibus, liberado porque, segundo o juiz, não aconteceu constrangimento da vítima, ou pro blogueiro Eduardo, constrangido e intimado pela Lava Jato por não revelar suas fontes (cujo sigilo é garantido pelo inciso XIV do artigo 5º da CF)?

Para juízes que no lugar dos devidos Códigos usam a Bíblia (que eu como teóloga devo usar), já que uma sentença é decisão do Estado laico, ou pra donas de terreiros que têm seus templos apedrejados?

Pros bancos e grandes ruralistas que têm dívidas bilionárias perdoadas, ou pro trabalhador que perdeu seus direitos?

Para os parlamentares para os quais pagamos plano de saúde AAA por todos os seus dependentes, ou para nós que a duro custo temos um plano de 5ª, ou enfrentamos filas para conseguir uma operação daqui a dois anos?

Pro Dória que ficou anos, devendo trocentos paus de IPTU, ou para nós, pobres mortais, que se atrasarmos, somos jogados na Dívida Ativa?

Pro torturador Ulstra, homenageado por parlamentares, ou pros índios Guarani-Kaiowá chacinados no MS a mando de grileiros?

Pro Aécio gravado negociando propina, prometendo matar e que retomou o mandato, ou pro Lula condenado por um triplex que é da Caixa?

Para os ineficazes apadrinhados que infestam o serviço público, ou para milhares de homens e mulheres que não conseguem um emprego?

Pro juiz Moro que condena baseado em delação de suspeitos, e quando acusado de venda de sentenças, desqualifica delação de suspeitos?

Páginas e mais páginas poderiam ser escritas com esses questionamentos, mas paro por aqui, porque o computador já chora e se revolta, pode até dar um tilt.

Como não vi, nem vou ver, não posso dar opinião sobre a qualidade técnica e artística do filme. Que o filme é partidário é obvio, mas todos os filmes o são, nisso não vejo problema.

Mas usar um filme como propaganda de um status quo doente ou como meio de direcionar o pensamento de quem, ingenuamente – ou não, está com venda nos olhos, me remete às estratégias da propaganda nazista para manter a população cativa da sua ideologia.

E membros do Judiciário, que deveriam se pautar pela imparcialidade e discrição, passando em tapete vermelho como celebridade, é um pouco além das atribuições.

Não, a lei não é para todos, pois se o fosse, não haveria indignação, revolta, desigualdade, injustiça e tristeza.

Sei que não faz falta num mundo movido por milhões corruptos, meu limpo dinheirinho que não vai comprar o ingresso. Mas sei também que meus netos saberão que não compactuei com esse desgoverno que quer cortar o futuro deles e das outras gerações.
                                                      

               

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Condenação de Lula é absolutamente nula

Por Afranio Silva Jardim, professor associadode Direito Proc.Penal da Uerj.
CASO LULA. Lógica é complicado mesmo. Entretanto, é fácil compreender que, se partimos de uma premissa falsa,(e inconstitucional), a conclusão será equivocada. Vejam a excelente reflexão de um dos mais cultos autores jovens de Direito Penal, com tese de doutorado premiada em Barcelona. Brilhante professor.
José Carlos Porciúncula: Doutor em Direito Penal pela Universidade de Barcelona (Espanha), com período doutoral na Universidade de Bonn (Alemanha). Professor da pós-graduação do IDP - Brasília.
Só discordo de um ponto: a deficiência ou defeito no raciocínio do magistrado que lastreia um juízo de condenação deve acarretar a sua reforma - com absolvição do réu - e não a sua nulidade.

Condenação de Lula é absolutamente nula "para além de qualquer dúvida razoável"



Embora se possa (e se deva!) censurar a sentença condenatória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sob distintas perspectivas, concentro-me aqui num argumento que me parece de superlativa importância, justamente por consubstanciar uma espécie de «ponto arquimédico», algo como uma base firme sobre a qual é possível erguer uma crítica implacável e inquestionável.
A meu ver, este minimum quid invenero quod certum consiste no seguinte: ao fazer uso do teorema de Bayes para fundamentar o seu pedido de condenação, o MPF, necessariamente, partiu da presunção de culpabilidade do ex-presidente Lula, violando o princípio insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. E ao adotar toda a linha lógico-argumentativa das alegações finais do MPF, a sentença condenatória do ex-Presidente Lula incorreu em evidente nulidade. Pode-se demonstrar isso com rigor more geometrico. É conferir.
A incompatibilidade do teorema de Bayes com o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF)

O MPF abre o tópico 3.1.2. de suas alegações finais (intitulado “modernas técnicas de análise de evidências”) sustentando que “as duas mais modernas teorias sobre evidência atualmente são o probabilismo, na vertente do bayesianismo, e o explanacionismo". Não é o caso aqui de se realizar uma profunda análise teórica delas, mas apenas de expor seus principais pontos, a fim de usar tal abordagem na análise da prova neste caso”.
Inicialmente, observe-se que, embora a aplicação do teorema de Bayes à valoração das provas e à determinação dos fatos tenha se convertido, nos anos 70, numa espécie de ortodoxia teórica ou até mesmo numa sorte de modismo (ser «bayesiano» era estar up to date), o certo é que, na atualidade, ao contrário do que faz crer o Parquet, este enfoque é alvo de inúmeras objeções[1].
Não quero aqui reproduzi-las, até porque, recentemente, Lenio Streck, com sua elevada percuciência e habitual elegantia iuris, teceu críticas certeiras à referida teoria e sua aplicação em nosso âmbito. Quero, insisto, concentrar todos os esforços na demonstração da absoluta incompatibilidade do teorema de Bayes com o princípio da presunção de inocência. Esta é uma objeção irrespondível: ou se aplica o teorema de Bayes ou se preserva a presunção de inocência, tertium non datur.
Antes, porém, de realizar tal demonstração é preciso conhecer o teorema, em sua expressão mais simples:
P(H/E)=P(E/H) x P(H)P(E/¬H)
Lê-se: a probabilidade condicional de que seja verdadeira a hipótese H dada a evidência E [P(H/E)] é igual à probabilidade de que ocorra E se é verdadeira a hipótese H [P(E/H)] multiplicado pela probabilidade da hipótese H [P(H)], dividido pela probabilidade de que ocorra E se não é verdadeira a hipótese H [P(E/¬H)].
Note-se bem a razão pela qual a aplicação do teorema de Bayes é absolutamente incompatível com princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 5º, LVII, da CF). Se quisermos preservar tal princípio, devemos, claramente, atribuir à hipótese da culpabilidade uma probabilidade inicial (prior probability) igual a zero. Isto é, P(H) = 0.
Entretanto, a inevitável consequência disso é que a probabilidade final da hipótese P(H/E) seria necessariamente zero, já que, de acordo com o teorema de Bayes, deve-se multiplicar a probabilidade condicionada inversa P(E/H) pela probabilidade inicial P(H), e qualquer número multiplicado por zero resulta, obviamente, em zero. É bem verdade que tal «problema» poderia ser «contornado» atribuindo-se uma probabilidade maior que zero à hipótese da culpabilidade antes de se levar em consideração as evidências do caso, mas aí, claro, já se estaria violando irremediavelmente o princípio da presunção de inocência[2].
Aliás, esse foi o exato entendimento da Suprema Corte do Estado de Connecticut, nos Estados Unidos, no precedente State v. Skipper.
Faz-se aqui um breve relato do caso: Skipper foi acusado de estuprar uma jovem, que acabou por engravidar. Extraídas provas de DNA da jovem, do acusado e do feto, um perito determinou, aplicando o teorema de Bayes, e partindo de uma probabilidade inicial de 50% para a hipótese de paternidade do Sr. Skipper, que a probabilidade de que ele fosse o pai da criança era de 99,97%. Pois bem, a Corte declarou tal análise incompatível com o princípio da presunção de inocência, por atribuir uma probabilidade inicial maior que zero à hipótese da culpabilidade de Skipper[3]. Verbis: “Se assumirmos que o standard da presunção de inocência requer que a probabilidade inicial da culpabilidade seja zero, então a probabilidade da paternidade num caso penal será sempre zero, porque o teorema de Bayes requer que o índice de paternidade seja multiplicado por uma probabilidade inicial positiva para que tenha alguma utilidade. Em outras palavras, o teorema de Bayes somente pode funcionar se não levarmos em consideração a presunção de inocência”[4].
Como se percebe, o teorema de Bayes é absolutamente incompatível com o princípio da presunção de inocência. Se o Ministério Público o utilizou em suas alegações finais, logo, necessária e indubitavelmente, atribuiu uma probabilidade inicial (prior probability) maior que zero à hipótese da culpabilidade do ex-presidente Lula, antes mesmo de levar em consideração as supostas evidências disponíveis, violando, assim, o princípio da presunção de inocência. E o mesmo pode ser dito em relação à sentença condenatória do ex-presidente Lula, que adotou toda a linha lógico-argumentativa das alegações finais do MPF. Quod erat demonstrandum.
Algumas observações a respeito da fórmula «para além de qualquer dúvida razoável» (beyond any reasonable doubt)
O MPF inicia o tópico 3.1.3. de suas alegações finais (intitulado “Standard de prova”) assinalando que “o melhor standard de prova que existe foi desenvolvido no direito anglo-saxão, e é o ‘para além da dúvida razoável’. Esse standard decorreu da constatação, pelas cortes inglesas no século XVII, de que a certeza é impossível, e de que, caso exigida certeza, os jurados absolveriam mesmo aqueles réus em relação aos quais há abundante prova”.
Ora, com o devido respeito, não se pode estar de acordo com tais considerações. Por alguns motivos.
Inicialmente, e apenas por absoluto rigor, observe-se que a fórmula beyond any reasonable doubt foi introduzida no Common Law no final do século XVIII (mais exatamente entre 1770 e 1780), e não no século XVII como afirma o MPF. Mais importante, porém, é assinalar que a inserção da mencionada fórmula não se deve a uma suposta “constatação, pelas cortes inglesas (...), de que a certeza é impossível”. De modo algum! Na realidade, tal fórmula foi adotada como solução para um problema de cunho teológico!
Explica-se: de acordo com a antiga tradição cristã, condenar um inocente era considerado um pecado mortal. O propósito da introdução da referida cláusula era assegurar aos jurados a possibilidade de condenar alguém sem colocar em risco a sua própria salvação, contanto que as dúvidas a respeito da culpabilidade do sujeito não fossem razoáveis[5]. Por óbvio, a fórmula também possuía uma finalidade didática, consistente em mostrar aos jurados que a condenação de um sujeito não requeria uma «certeza matemática», mas apenas uma «certeza moral» (moral certainty)[6]. De qualquer sorte, note-se que, rigorosamente falando, não se abdicou da noção de certeza. De fato, como observa Larry Laudan, «certeza moral» significava apenas impossibilidade de demonstração «rigorosa» ou «matemática», e não ausência de firmeza suportada por múltiplas linhas de evidência[7]. Em suma: a introdução no Common Law da fórmula "para além de qualquer dúvida razoável" não guarda relação direta com questões pertinentes ao standard probatório.
Também não se compreende, sit venia verbo, o entusiasmo do MPF com a referida fórmula, ao considerá-la como “o melhor standard de prova que existe”. Na realidade, trata-se de uma fórmula excessivamente vaga. De fato, como observa Taruffo, trata-se de um critério cujo significado é bastante incerto: “Por um lado, não é possível saber como ele é efetivamente aplicado pelos júris norte-americanos, que não motivam seus vereditos; por outro, a definição de dúvida razoável é tudo menos clara, e as tentativas de quantificá-la não produziram qualquer resultado”[8].
Conclusão a modo de manifesto

Por meio dessas brevíssimas considerações, demonstramos que o MPF, ao fazer uso, em sua alegações finais, do teorema de Bayes, violou o princípio da presunção de inocência. E ao adotar toda a linha lógico-argumentativa contida nas alegações finais do MPF, a sentença condenatória do ex-presidente Lula mostra-se absolutamente nula. Ironicamente, chega-se à conclusão de que tal sentença é nula "para além de qualquer dúvida razoável".
Uma advertência e um pedido: estivéssemos nós, por assim dizer, nos Jardins de Platão (os jardins de Akádēmos [Ακάδημος], berço da Academia) estas breves reflexões poderiam, quem sabe, ser tomadas, por metonímia ou mesmo sinédoque (pars pro toto), como pré(texto) para o início de um profícuo e amplo diálogo a respeito dos limites do Sistema Penal no Estado Democrático de Direito. Entretanto, como nos encontramos no Oásis de Baudelaire[9], pouca esperança nos resta. Mas é preciso seguir lutando pela preservação dos Direitos e Garantias fundamentais do cidadão:
Não entres docilmente nessa noite serena,
Odeia, odeia a luz que começa a morrer”
(Dylan Thomas)[10]
Fonte:  http://www.conjur.com.br/2017-ago-24/carlos-porciuncula-condenacao-lula-absolutamente-nula

CONCEITO DE LIBERDADE



Tendo em vista algumas mensagens que coloquei sobre a crise na Venezuela, surgiu aqui um bom debate sobre o conceito de liberdade no socialismo e na chamada democracia liberal, mais própria do sistema capitalista.

Desta forma, retorno ao polêmico tema, no singelo texto abaixo. Entretanto, aconselho aos companheiros a leitura de um breve livro escrito por Caio Prado Junior, cujo título é: "O que é liberdade", que pode ser adquirido no site da Estante Virtual (muito barato).

REFLEXÃO SOBRE O CONCEITO DE LIBERDADE

O conceito de liberdade, em uma sociedade de economia capitalista, é uma categoria abstrata, um valor de difícil concretização. Poucos podem efetivamente exercer essa "liberdade consentida".

Enquanto não se coloca em risco concreto o sistema de privilégios da classe dominante, qualquer um pode falar o que desejar, embora não possa ter efetivo acesso aos meios de comunicação de massa. É absolutamente desigual, mas até parece legitimar o sistema.

Agora, quando o exercício desta liberdade coloca em risco a estrutura injusta de determinada sociedade, vem o golpe de estado para manter o "status quo" e aí surgem vários argumentos falaciosos para justificar a supressão temporária desta liberdade tolerada.

O golpe militar no Chile de Allende e tantos outros bem demonstram que as "regras do jogo" só são obedecidas quando servem para deixar tudo como está...

Agora, estão querendo derrubar o governo eleito da Venezuela. As classes privilegiadas não aceitam que sejam implementadas medidas populares e jurídicas que viabilizam uma economia socialista e nacionalistas. Os Estados Unidos, através da Cia., acaba de confessar que estão ajudando a oposição a tentar depor o presidente Maduro (veja postagem que hoje coloquei nesta página).

Ademais, na realidade de nosso cotidiano, quem mais restringe, concretamente, a nossa liberdade não é o Estado, mas sim a estrutura autoritária de uma sociedade hierarquizada. O patrão manda no empregado e limita efetivamente a sua liberdade.

Notem que o determinismo social, no sistema capitalista, faz com que o filho do patrão nasça patrão e o filho do empregado nasça empregado. Vale dizer, o poder econômico tem "liberdade" para suprimir, concreta e permanentemente, a real liberdade das pessoas em sociedade.
Em resumo: em tese, todos têm liberdade para viajarem para Paris ou Londres. O Estado não as impede disso. Entretanto, cabe a pergunta: quantas pessoas em nosso país podem realmente exercer esta liberdade ???

Pensemos de forma mais crítica, pois sem justiça social, sem que ao menos as pessoas tenham as mesmas oportunidades para ascender socialmente, a ideia de liberdade não passa de mera ilusão e de mais um fator de mistificação.
Autor:Afranio Silva Jardim, professor de Direito da Uerj.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

O pacifismo hipócrita dos bem-pensantes



por Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).



No Brasil basta que um político, um jornalista ou um intelectual seja xingado num aeroporto ou num restaurante para que os bem-pensantes liberais e de esquerda se condoam com o "insuportável clima" de radicalização e de ódio. Todos derramam letras e erguem vozes para exigir respeito e para deplorar as situações desagradáveis e constrangedoras. Até mesmo a nova presidente do PT e parlamentares do partido entram na cruzada civilista para exigir o respeito universal, mesmo  que para inimigos. Os bem-pensantes brasileiros, cada um tem seu lado, claro, querem conviver pacificamente nos mesmos aeroportos, nos mesmos restaurantes e, porque não, compartilhar as mesmas mesas. Deve haver um pluralismo de ideias e posições, mas a paz e os modos civilizados devem reinar entre todos e a solidariedade e os desagravos precisam estar de prontidão. As rupturas na democracia e no Estado de Direito não devem abalar este convívio.
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Trata-se de um pacifismo dos hipócritas. O fato é que no Brasil, a paz é uma mentira, a democracia é uma falsidade e a realidade é deplorável, violenta e constrangedora. Deplorável, violenta e constrangedora para os índios, para os negros, para as mulheres, para os pobres, para os jovens e para a velhice. A paz, a cultura e a ilustração só existem para uma minoria constituída pelas classes médias e altas que têm acesso e podem comprar a seguridade social, a educação, a cultura e o lazer. O Estado lhes garante segurança pública.

A hipocrisia pacifista das elites econômicas e políticas e dos bem-pensantes sempre foi um ardil para acobertar a violência que lhes garante os privilégios, o poder e a impunidade. Ardil que anda inseparado de sua irmã siamesa - a democracia racial - e, juntos, constituem a ideologia da dominação e da dissimulação da tragédia social e cultural que é o nosso país.

O pacifismo é um brete, uma jaula, que procura aprisionar e conter a combatividade cívica dos movimentos sociais e dos partidos que não compartilham com a ideia de ordem vigente. Essa ideologia operante exige que as manifestações de rua sejam sempre tangidas pelas polícias e, quando algo não fica no figurino, a violência e a repressão são legitimadas para manter a paz dos de cima. A democracia racial, que sempre foi uma crassa mentira, difundida por bem-pensantes e por representantes do Estado, é uma rede de amarras e de mordaças que visa impedir a explosão de lutas e os gritos por direitos e por justiça de negros e pobres, que são pobres porque são negros. A ideia de democracia racial também não passa de um ardil para acobertar a violência e a opressão racial e econômica e para escamotear o racismo institucionalizado - herança escravocrata entranhada como mentalidade e como cultura na alma pecaminosa da elite branca.

Uma história violenta

O Brasil nasceu e se desenvolveu sob a égide da violência. Não da violência libertadora, da violência cívica que corta a cabeça dos dominadores e dos opressores para instituir a liberdade e a justiça. Aqui, os malvados, os dominadores e opressores, nunca foram ameaçados e mantêm o controle político a partir de um pacto preliminar do uso alargado da exploração e da violência como garantia última do modo de ser deste país sem futuro.

Primeiro, massacraram e escravizaram índios. Depois, trouxeram cativos da África, muitos dos quais chegavam mortos nos porões dos navios e foram jogados como um nada nos mares e nas covas e se perderam, sem nomes, nos tempos. Trabalho brutal, açoites e exploração sexual foi o triste destino a que estavam reservados. Essa compulsão violenta ecoa até hoje, no racismo, na exploração e na própria violência contra as mulheres em geral, pois a genética e a cultura brancas trazem as marcas da impiedade machista da vontade de domínio, até pela via da morte.

A hipocrisia do pacifismo bem-pensante não se condói sistematicamente com os 60 mil mortos por ano por meios violentos - prova indesmentível de que aqui não há paz. Mortos, em sua maioria, jovens pobres e negros. Também não se condói com o fato de que as nossas prisões estão apinhadas de presos, em sua maioria, pobres e negros e sem uma sentença definitiva. Presos que vivem nas mais brutais condições de desumanidade.

Não se pode exigir paz e civilidade num país que ocupa o quarto lugar dentre os que mais matam mulheres no mundo, sem contar os outros tipos de violência de gênero. E o que dizer da continuada violência contra os camponeses e do recorrente extermínio dos índios?

A paz e a civilidade existem nos restaurantes dos Jardins, nos gabinetes e palácios, nas redações da grande mídia, nos intramuros das universidades, nos escritórios luxuosos, nos condomínios seguros, nos aviões que voam levando os turistas brasileiros para fazer compras no estrangeiro. Mas elas não existem nas ruas, nas praças, nas periferias, nas favelas, no trabalho.

O Brasil caminha para o abismo, sem destino, tateando no escuro, aprisionado pela sua má fundação e de sua má formação. Precisamos recusar este destino e isto implica em recusar a mentira hipócrita do pacifismo e da civilidade dos bem pensantes e falsidade da democracia racial. Os gritos das dores das crueldades praticadas ao longo dos séculos precisam retumbar pelos salões de festa das elites e nos lares e escritórios perfumados pela alvura que quer disfarçar uma herança de mãos manchadas de sangue e de rapina. Os historiadores precisam reescrever a história deste país para que possamos entender a brutalidade do passado e do presente e projetar um outro futuro.

A doce ternura da paz e da civilidade dos bem-pensantes, dos bem-educados, dos bem-vestidos, dos bem-viventes, precisa ser confrontada e constrangida pelo fato de que nos tornamos uma nação de insensíveis e de brutais, praticantes do crime imperdoável de desalmar as vítimas da violência para dar-lhe uma alma (branca) também insensível e brutal. Não temos o direito de persistir na mentira hipócrita e na enganação. Não temos o direito de interditar caminhos de liberdade e de justiça pelas nossas ideologias ludibriantes. Se não fomos capazes de construir um nação com direitos, justiça, democracia e liberdade, deixemos que os deserdados deste país a construam e, se possível, vamos ajudá-los com humildade e sem vaidades. A paz efetiva só existirá quando estes bens se tornarem realidade para todos.


Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/o-pacifismo-hipocrita-dos-bem-pensantes-por-aldo-fornazieri