sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Marcos Coimbra: Barbosa passou dos limites em seu desejo de vingança



A figura de Joaquim Barbosa faz mal à cultura política brasileira. Muito já se falou a respeito de como o atual presidente do Supremo conduziu o julgamento da Ação Penal 470, a que trata do “mensalão”. Salvo os antipetistas radicais, que ficaram encantados com seu comportamento e o endeusaram, a maioria dos comentaristas o criticou.

Ao longo do processo, Barbosa nunca foi julgador, mas acusador. Desde a fase inicial, parecia considerar-se imbuído da missão de condenar e castigar os envolvidos a penas “exemplares”, como se estivesse no cumprimento de um desígnio de Deus. Nunca mostrou ter a dúvida necessária à aplicação equilibrada da lei. Ao contrário, revelou-se um homem de certezas inabaláveis, o pior tipo de magistrado.

Passou dos limites em seu desejo de vingança. Legitimou evidências tênues e admitiu provas amplamente questionáveis contra os acusados, inovou em matéria jurídica para prejudicá-los, foi criativo no estabelecimento de uma processualística que inibisse a defesa, usou as prerrogativas de relator do processo para constranger seus pares, aproveitou-se dos vínculos com grande parte da mídia para acuar quem o confrontasse.

Agora, depois da prisão dos condenados, foi ao extremo de destituir o juiz responsável pela execução das penas: parece achá-lo leniente. Queria dureza.

Barbosa é exemplo de algo inaceitável na democracia: o juiz que acha suficientes suas convicções. Que justifica sua ação por pretensa superioridade moral em relação aos outros. E que, ao se comportar dessa forma, autoriza qualquer um pegar o porrete (desde que se acredite “certo”).

Sua figura é negativa, também, por um segundo motivo.
Pense em ser candidato a Presidente da República ou não, Barbosa é um autêntico expoente de algo que cresceu nos últimos anos e que pode se tornar um grave problema em nossa sociedade: o sentimento de ódio na política.
Quem lida com pesquisas de opinião, particularmente as qualitativas, vê avolumar-se o contigente de eleitores que mostram odiar alguma coisa ou tudo na política. Não a simples desaprovação ou rejeição, o desgostar de alguém ou de um partido. Mas o ódio.

É fácil constatar a difusão do fenômeno na internet, particularmente nas redes sociais. Nas postagens a respeito do cotidiano da política, por exemplo sobre a prisão dos condenados no “mensalão”, a linguagem de muitos expressa intenso rancor: vontade de matar, destruir, exterminar. E o mais extraordinário é que esses indivíduos não estranham suas emoções, acham normal a violência.

Não se espantam, pois veem sentimentos iguais na televisão, leem editorialistas e comentaristas que se orgulham da boçalidade. Os odientos na sociedade reproduzem o ódio que consomem.

Isso não fazia parte relevante de nossa cultura política até outro dia. Certamente houve, mas não foi típico o ódio contra os militares na ditadura. Havia rejeição a José Sarney, mas ninguém queria matá-lo. Fernando Collor subiu e caiu sem ser odiado (talvez, apenas no confisco da poupança). Fernando Henrique Cardoso terminou seu governo reprovado por nove entre 10 brasileiros, enfrentou oposição, mas não a cólera de hoje.

O ódio que um pedaço da oposição sente atualmente nasce de onde? Da aversão (irracional) às mudanças que nossa sociedade experimentou de Lula para cá? Do temor (racional) que Dilma Rousseff vença a eleição de 2014? Da estupidez de acreditar que nasceram agora os problemas (como a corrupção) que inexistiam (ou eram “pequenos”)? Da necessidade de macaquear os porta-vozes do conservadorismo (como acontece com qualquer modismo)?
Barbosa é um dos principais responsáveis por essa onda que só faz crescer. Consolidou-se nesse posto nada honroso ao oferecer ao País o espetáculo do avião com os condenados do “mensalão” rumo a Brasília no dia 15 de novembro. Exibiu-o apenas para alimentar o ódio de alguns.

A terceira razão é que inventou para si uma imagem nociva à democracia. O papel que encena, de justiceiro implacável e ferrabrás dos corruptos, é profundamente antipedagógico.

Em um país tão marcado pelo personalismo, Barbosa apresenta-se como “encarnação do bem”, mais um santarrão que vem de fora da política para limpá-la. Serve apenas para confirmar equívocos autoritários e deseducar a respeito da vida democrática.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Ser feito de bobo da corte

Ser feito de bobo da corte parece ser um papel histórico da classe média que você pode romper, para seu próprio benefício




Um alerta para você perceber a tempo que pode estar fazendo o jogo do (seu) inimigo
Você que é classe média, seja a favor da redução de impostos, sim: menos impostos para a classe média e imposto zero para famílias pobres, para periferias. Defenda mais imposto para ricos. Essa agenda, a da tributação progressiva, a da justiça tributária – paga mais quem tem mais –, é sua. Assim é que vai se financiar a melhoria dos serviços públicos. Não caia na conversa fiada de que imposto para rico, banco, fazenda e empresa é um fardo que inviabiliza a competitividade econômica – na verdade, eles nunca serão a favor de abrir mão de qualquer parte de seus ganhos e lucros, evidentemente, e se pudessem não pagariam nada. Repare como os jornais, a TV, nunca debatem esse tema. Ou melhor, até debatem, mas quando o fazem é sempre do ponto de vista do andar de cima. É um sinal, não acha?

Você que é classe média, seja sim a favor do combate à corrupção: a compra de jornais ditos independentes por políticos que tentam tapear você manchete após manchete vendendo como notícia o que é manobra de blindagem; a chantagem de promotores que ameaçam com denúncias para amealhar fortunas; o financiamento privado de campanhas eleitorais, que torna os representantes no parlamento marionetes dos mais diversos interesses empresarias ou de máfias. É óbvio, mas repare que (quase) ninguém defende uma correção radical dessa anomalia.

Classe média, não seja complexado(a). A síndrome de vira-lata em relação ao Brasil é sistematicamente alimentada no contexto de uma estratégia geopolítica. Claro, seja crítico. Mas não seja derrotista, envergonhado. Você nasceu aqui, ou veio viver aqui: defenda seu lugar. Repare que muitas vezes o noticiário que você lê, ouve ou vê, embora seja veiculado em português, parece ter sido produzido fora daqui. Não é curioso?

Você que é classe média, seja conservador. Conserve o que vale a pena ser conservado: a Constituição, por exemplo, ou a política de distribuição de renda, ou a excelente concepção do SUS. Lembre que certos tribunos da República de hoje promoveram há pouco tempo a compra de votos para aprovar a reeleição presidencial no curso do primeiro mandato do maior interessado na mudança. Isso que é subversão! Note que forçar condenações sem provas e espernear contra o direito de recorrer é inconstitucional. Isso é subversão. Entenda que educação e saúde públicas, universais e de qualidade liberariam seu orçamento de classe média de um grande fardo. Lembre quem derrubou a CPMF, que financiaria a saúde pública. Pense em quem nunca investiu na expansão das universidades federais. Faça esse esforço e você vai perceber que estão tentando fazer você de bobo. Ser feito de bobo da corte parece ser um papel histórico da classe média que você pode romper, para seu próprio benefício.


Autoria : Ricardo Whiteman Muniz é jornalista, bacharel em Direito (USP) e trabalha no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.
Fonte: 
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/ser-feito-de-bobo-da-corte-parece-ser-um-papel-historico-da-classe-media-que-voce-pode-romper-para-seu-proprio-beneficio/

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Falhas que falam



As irregularidades cometidas nesta fase inicial da execução penal dos condenados no processo do mensalão suprimem as aparências de um rito “estritamente técnico” que acusadores e juízes se esforçaram para manter na condução da Ação Penal 470. Agora, transpareceu o desejo de humilhar, espezinhar e incitar ao assédio midiático, que não pode ser atributo da Justiça. De sexta-feira até ontem, ocorreram anomalias diversas, como a injustificada transferência para Brasília de presos que se entregaram na expectativa do direito de cumprir pena nas proximidades do domicílio e a imposição do regime fechado aos que tinham direito ao semiaberto. Houve o deslocamento para o presídio da Papuda sem a devida guia de encaminhamento dos presos, com indicações clara, do juiz executor, das condições de cumprimento de pena, afora a desconsideração para com o estado de saúde de José Genoino. Só ontem, foi anunciado o ajuste nos regimes de prisão. Ainda é insondável a percepção da opinião pública, mas, os que compreendem a gravidade de tais fatos numa democracia e o significado de um Estado judicial, devem ter se preocupado.

Durante oito anos, a trama do mensalão envenenou e dividiu o Brasil. Ódios e intolerâncias contaminaram espaços interativos da internet, alianças e até amizades se perderam. De um lado, os indignados, por rancor político ou sincero ardor republicano, clamando por castigo exemplar e cadeia para os protagonistas do “maior escândalo de corrupção da história”. Em outra faixa, minoritária — mas não circunscrita ao PT e à esquerda —, os que veem no processo um acerto de contas, uma revanche ideológica, propiciada pela narrativa de Roberto Jefferson, que foi confirmada quanto ao fluxo irregular de recursos do PT para os partidos aliados, mas não quanto à origem e à finalidade do dinheiro. A sofisticação dos libelos acusatórios e a condução calculada do julgamento prevaleceram sobre o contraditório, que por sinal, o PT sempre negligenciou, mesmo nas defesas formais. Os presos são muitos, mas, no teatro do confronto, o que hoje conta é o fato de Dirceu, Genoino e Delúbio estarem dormindo na cadeia, como encarnações do PT demonizado. Apesar da excitação, a vida seguirá como sempre. Até prova em contrário, a política seguirá movida por acordos pragmáticos e financiada por dinheiro oculto, tratando todos de evitar lambanças que exijam providências, ainda que não tão drásticas como as adotadas em relação ao PT e seus aliados. Até prova em contrário, que seria a prisão dos poderosos de fato — condenados por tenebrosas transações, mas livres e soltos por aí gastando seus milhões —, o Judiciário seguirá complacente com a elite real. O pecado do PT foi substituir a elite política secular, adotando suas práticas.

Hoje, com a luz batendo forte sobre os crimes da ditadura, muitos se perguntam como foi possível tanta indiferença, à parte os que os aprovavam. Mais tarde, quando o mensalão também for exumado pela história, perguntas que ficaram sem respostas ressurgirão, e alguns se perguntarão como foi possível ignorá-las.

Em sua carta anunciando a deserção, Henrique Pizzolato fala das provas, sempre ignoradas, de que os serviços contratados pela Visanet à agência DNA foram todos executados. Logo, ele não teria desviado de dinheiro público para o valerioduto, o que lhe valeu a condenação por peculato. Logo, os empréstimos seriam reais e isso desmontaria o pilar central da narrativa da acusação. Os autos contêm notas das grandes emissoras de tevê que exibiram a campanha do Ourocard, fotos de outdoors e campanha em mobiliário urbano (painéis em shoppings e pontos das cidades, não compra de móveis, como disse um ministro do STF no julgamento). Até um congresso de magistrados foi patrocinado pelo Visa Ourocard. Por que tais elementos jamais foram considerados? Eis uma pergunta. Uma outra, sem resposta, apareceu durante o julgamento, numa questão de ordem que Joaquim Barbosa indeferiu liminarmente, sem saciar a curiosidade do ministro Marco Aurélio. Dizia respeito à existência do inquérito sigiloso 2.454, que contem várias contraprovas dos réus. Por que corre ainda em sigilo, destacado da Ação Penal 470?

Outra pergunta que o julgamento calou sem responder: quais foram os deputados comprados e quais votações foram viciadas? As reformas da Previdência e Tributária foram aprovadas com quase 400 votos cada uma, muitos da oposição, dispensando a compra de voto. Os recursos, sustenta o PT, foram transferidos a presidentes e dirigentes partidários para honrar compromissos eleitorais. Não, disse a acusação, para serem redistribuídos. Mais tarde, o STF disse que não importava o destino dado às “vantagens indevidas”. Parece importante, pois isso muda a natureza do delito. Mas, se os sete deputados não petistas redistribuíram os recursos recebidos, era fundamental saber quais deputados receberam, foram comprados. Por que não foram investigados, com quebra de sigilo e tudo, todos os que votaram a favor do governo no período? Daí, sim, viriam provas cabais.


Por fim, a teoria do domínio do fato, importada de encomenda para condenar José Dirceu, contra quem faltaram provas, seja de corrupção ativa ou formação de quadrilha. Ele não poderia ignorar, pelo cargo que ocupava, concluíram os ministros. A pergunta é: daqui para a frente será adotado contra todos os ocupantes de elevada posição hierárquica? Não havendo impunidade, haveria uma razia.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Cuba – Socialismo: O nome político do amor





Frei Betto

Por que o socialismo, em tese uma alternativa humanitária ao capitalismo, fracassou na Europa e na Ásia? O capitalismo teve a esperteza de, ao privatizar os bens materiais, socializar os bens simbólicos. De dentro do barraco de uma favela uma família miserável, desprovida de direitos básicos como alimentação, saúde e educação, pode sonhar com o universo onírico das telenovelas e ter fé de que, através da loteria, da sorte, da igreja que lhe promete prosperidade ou mesmo da contravenção, haverá de ter acesso aos bens supérfluos.

O socialismo cometeu o erro de, ao socializar os bens materiais, privatizar os simbólicos, e confundiu crítica construtiva com contra-revolução; cerceou a autonomia da sociedade civil ao atrelar ao partido os sindicatos e movimentos sociais; coibiu a criatividade artística com o realismo socialista; permitiu que a esfera de poder se transformasse numa casta de privilegiados distantes dos anseios populares; e cedeu ao paradoxo de conquistar grandes avanços na corrida espacial e não ser capaz de suprir devidamente o mercado varejista de gêneros de primeira necessidade.

Hoje, resta Cuba como exemplo de país socialista. Todos conhecemos os desafios que a Revolução enfrenta às vésperas de seu meio século de existência. Sabemos dos efeitos nefastos do bloqueio imposto pelo governo dos EUA e de como a queda do Muro de Berlim deteriorou a economia da Ilha.

Apesar de todas as dificuldades, nesses 49 anos a Revolução logrou assegurar a 11,2 milhões de habitantes os três direitos básicos: alimentação, saúde e educação. Elevou a auto-estima da cidadania cubana, que tão bem se expressa em suas vitórias nos campos da arte e do esporte, bem como na solidariedade internacional, através de milhares de profissionais cubanos das áreas da saúde e da educação presentes em mais de uma centena de países do mundo, em geral em regiões inóspitas marcadas pela pobreza e a miséria.

O socialismo cubano não tem o direito de fracassar! Se acontecer, não será apenas Cuba que, como símbolo, desaparecerá do mapa, como ocorreu à União Soviética. Será a confirmação da funesta previsão de Fukuyama, de que “a história acabou”; a esperança – uma virtude teologal para nós, cristãos – findou; a utopia morreu; e o capitalismo venceu, venceu para uns poucos – 20% da população mundial que usufrui de seus avanços – sobre uma montanha de cadáveres e vítimas.

Nós, amigos da Revolução cubana, não esperamos de Cuba grandes avanços tecnológicos e científicos, serviços turísticos de primeira linha, medalhas de ouro em disputas desportivas. Esperamos mais do que isso: a ação solidária de que falava Martí; a felicidade de um povo construída em base a valores éticos e espirituais; o princípio evangélico da partilha dos bens; a criação do homem e da mulher novos, como sonhava o Che, centrados na posse, não dos bens finitos, e sim dos bens infinitos, como generosidade, desapego, companheirismo, capacidade de fazer coincidir a felicidade pessoal com os sucessos comunitários.

Em resumo, almejamos que, em Cuba, o socialismo seja sempre sinônimo de amor, que significa entrega, compromisso, confiança, altruísmo, dedicação, fidelidade, alegria, felicidade. Pois o nome político do amor não é outro senão socialismo.

[Autor de “A mosca azul – reflexões sobre o poder” (Rocco), entre outros livros]

segunda-feira, 11 de novembro de 2013



Bater em criança educa?


por 
Você apanhava dos seus pais quando era pequeno? Se sim, quando isso acontecia, você aprendia a não cometer o mesmo erro que levou seus pais a lhe darem um “corretivo”?


Não, né?

Então por que diabos, até hoje, a gente acha que bater em criança resolve? “Pra ela aprender?” sendo que, com a gente, isso nunca funcionou. E nem com nossos pais, veja bem, que apanharam muito, mas muito mais que qualquer um de nós.


Link YouTube | Um pai dos anos 50 ensinando seus filhos (filme: A Árvore da Vida)

Outro dia eu vi um post da Natacha — que é recém mamãe do lindo Theo — falando sobre isso. Discutimos um pouco por lá e me passaram um ótimo conteúdo para falar sobre o assunto que é muito pouco discutido por aí.

Eu tive a sorte de crescer numa família bem aberta. Meus irmãos e eu sempre tivemos liberdade para falarmos sobre qualquer coisa, para fazermos qualquer coisa. Meus pais sempre foram muito abertos em relação a tudo. Lembro de apanhar pouco, mas muito pouco mesmo. E a gente só tomava uns tapas da minha mãe (meu pai raramente intervia). A punição do meu pai era uma colher de pimenta, ou um puxão de orelha.

O único efeito colateral disso tudo acho que foi meu irmão mais velho ter aversão a pimentas de qualquer tipo. Aprendemos também a jamais fazer raiva na minha mãe enquanto ela carregasse algum objeto de qualquer natureza nas mãos.

Importantíssimo dizer que nenhuma dessas punições, nenhuma das vezes, surtia o menor efeito no sentido de educar. No sentido de “não posso fazer mais isso”. Mas essa foi a minha experiência. Uma criança jamais poderia fazer algo tão sério a ponto de ser agredida severamente — ou brandamente — de quem quer que seja, física, verbal ou psicologicamente.

Estudos comprovam por A mais B que bater em criança é, de longe, a pior solução quando o objetivo é educar ou ensinar algo. Pelo contrário, violência física contra crianças ou adolescentes podem trazer resultados péssimos para um ser que poucas vezes é entendido como deveria. E muito disso vem da cultura idiota de que não podemos errar.

Além de ensinar para uma criança que ela tem de ser perfeita, você ensina que violência é uma resposta imediata para algo que você acredita que esteja errado. Encontrei uma citação de duas autoras — Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira Guerra — que exemplifica bem isso:

“Toda a ação que causa dor física numa criança ou adolescente, desde um simples tapa até o espancamento fatal, representam um só continuum de violência”

– do livro Mania de bater: a punição corporal doméstica de crianças e adolescentes no Brasil

A mesma cultura machista e preconceituosa que impera geração após geração da nossa sociedade, aquela que ensina que a piada da loira burra, de que mulher tem que pilotar fogão e de que preto correndo é ladrão é “só uma piada”. É a mesma que diz que criança que faz pirraça, ou criança mal educada é que não apanhou o bastante. E isso é simplesmente aceito como normal por boa parte de todo mundo. O que pra mim é uma loucura.


Link YouTube | “O Riso dos Outros”, magistral documentário sobre humor e politicamente correto, por Pedro Arantes

Isso sem contar o enorme número de crianças e adolescentes que, além de serem agredidas física, sexual e psicologicamente, crescem com o sentimento de que elas merecem isso e que a culpa disso tudo é tão somente delas. Você tem noção no adulto que essa criança irá se tornar?

De acordo com a organização End of All Corporal Punishment os principais efeitos são:

Impactos negativos na saúde física e mental;

Crescimento de agressividade;
Crescimento da perpetuação da violência;
Comportamento antissocial;
Péssimo desenvolvimento cognitivo;
Relações entre familiares prejudicadas.

Isso só para citar alguns, que são decorrência de violência contínua. Sem falar, é claro, de danos físicos diretos como ossos e dentes quebrados, desmaios, e até morte. Além dos óbvios efeitos, um me chama atenção no sentido de que ao “educar” com violência, você só estará afastando seus filhos de você mesmo. Imagine o pavor que a criança tem de contar a verdade?

Você sabia que, no ano de 2012, foram registrados mais de 120.000 casos de agressão contra crianças só aqui no Brasil? Se essas foram as registradas segundo os dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, calcule por alto quantidade de crianças agredidas no total. Ou você acredita mesmo que esse número assustador é real? Ele dá — infelizmente — apenas uma ideia de como o problema é sério.

Essa educação medieval de bater em criança “pra ela aprender” (de uma vez por todas), deveria ser muito mais discutida aqui. Só para citar alguns países — e não, não vou citar nenhum primeiro mundo — onde existem leis que proíbem diretamente qualquer tipo de violência física contra crianças e adolescentes; Israel, República do Congo, Togo, Tunísia, Uruguai e Venezuela. Confira a lista completa aqui.

Esse texto é só um olhar superficial em algo que está totalmente ligada à educação nosso país. E em como a nossa sociedade perpetua ensinamentos, dogmas e costumes de um tempo que seres humanos eram considerados animais por terem a pele negra. É apenas um ponto de partida e uma lembrança a todos os meus amigos que estão pipocando como papais e mamães por aí.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A ditadura cubana é assim....

A ditadura cubana é assim, educa o povo e mata os mosquitos, que horror!: "Não há dengue em Cuba"


 A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando concedeu entrevista à Carta Maior nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Na entrevista à Carta Maior, ela fala sobre sua experiência como médica e sobre a situação da saúde em seu país. 

Por Najla Passos - Carta Maior
Brasília - A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, ainda falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando a encontrei nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Ela nasceu em Guane, um pequeno município de 35 mil habitantes na província de Pinar del Rio, famosa pela produção dos charutos cubanos. Aos 5 anos, mudou-se para a capital, onde cursou o estudo básico e médio. Com 17 anos de prática médica e experiências internacionais em Honduras e Bolívia, está divorciada há dois anos e não possui filhos. Decidi iniciar por aí nossa entrevista.

- É mais fácil deixar seu país quando não se tem marido e filhos?, questionei.

“Não tenho marido e filhos, mas tenho família: pai, mãe, irmão. Mas mesmo meus colegas que têm filhos, não temem deixá-los porque sabem que, em Cuba, eles serão muito bem assistidos, terão acesso gratuito à educação e saúde de qualidade. Além disso, os colegas médicos que permanecem na ilha criam uma espécie de rede de solidariedade para atender as famílias dos que estão fora. Nossos companheiros policlínicos visitam nossas famílias e cuidam para que sejam assistida nas suas necessidades. Eles ligam para meus pais, visitam minha casa e, assim, posso viajar tranquila”, explicou. 

- Seus pais também são médicos?

“Não. Eles são professores, já aposentados".

- E seu irmão, é médico?

“Não, eletricista. Sou a única médica da família”.

- E como você decidiu fazer medicina?

"Em Cuba, as escolas promovem ciclos de interesse que vão combinando as coisas que você gosta desde pequena. Por exemplo, vão bombeiros, professores, esportistas e vários outros profissionais, dentre eles os médicos. Isso para formar, desde pequeno, conhecimento sobre todas as áreas. Eu sempre gostei sempre da medicina. No ensino médio, participei do ciclo de interesse de cirurgia experimental e, depois, ainda participei do ciclo de medicina geral e integrada, ainda em Pinar Del Rio. Depois passei pela faculdade de medicina, seis anos de muito estudo. Era um período muito duro. Mas consegui nota máxima em todas as disciplinas. Em seguida, prestei os dois anos de serviço social obrigatório em Guane".

- Você voltou a sua cidade natal para clinicar?

"Sim, é uma cidade muito pequena, mas gosto muito de trabalhar lá".

- Não fez nenhuma especialização?

"Depois do serviço social, fiz três anos de especialização em medicina geral e integrada, como todos os médicos cubanos que vieram para o Brasil. Seria o equivalente, aqui no Brasil, a medicina familiar, que ensina ver a pessoa no seu conjunto. Fiz a especialização em dois níveis. Sou mestre em Procedimento e a Diagnósticos Primários de Atenção à Saúde".

- E como você aprendeu o português?

Meu pai morou na Guiné Bissau por um ano e se apaixonou pelo idioma. Ele me ensinava desde que eu era bem pequena. 

- Você disse que, em Cuba, os estudantes escolhem fazer medicina por vocação. No Brasil, os cursos de medicina são os mais caros, nas universidades particulares, e os mais concorridos, nas universidades públicas e, com isso, acaba que praticamente só os mais ricos, que têm como pagar uma educação de maior qualidade, conseguem acesso a eles.

"Em Cuba, a oportunidade é a mesma para todos os cubanos. Primeiro, não há classes sociais diferentes. Todos somos iguais. Não há discriminações por sexo ou raça. Sou mulher, sou mulata, mas estou aqui como todos os outros companheiros da brigada."

- Os brasileiros têm muita dificuldade em entender como vocês podem vir para cá sem receber o mesmo salário pago aos demais profissionais que integram o programa, como vocês aceitam que parte dos seus salários seja retida pelo governo. Como você vê isso?

"Eu conheço essa polêmica capitalista. É que vocês não entendem que nós não trabalhamos por dinheiro, mas por solidariedade, humanismo. O comandante Fidel Castro, nosso líder nacional e também latino-americano e mundial, tem uma frase que diz que “ser internacionalista é saudar nossa própria dívida com a humanidade”. E nós carregamos esse conceito em nosso coração. Desde pequenos, já aprendemos sobre internacionalismo, solidariedade, honradez, bondade, profissionalismo. Eu acho até que o povo cubano não poderia viver sem esses conceitos, que estão na base da sua cultura. Como diz nossa ministra da Saúde, temos um recurso muito grande, que é nosso próprio conhecimento e o amor do nosso povo por outros povos irmãos".

- Você falou que já esteve em outras missões internacionais...

"Sim, trabalhei por dois anos na Bolívia, em Potosí, o departamento mais pobre do país. Um lugar cheio de riquezas, mas onde o povo é muito pobre.
Também atuei em Três Cruzes, uma aldeia muito pequena e pobre. Lá, eu tive o prazer de trabalhar muito e conseguir inaugurar um hospital. Em Honduras, trabalhei em Nova Esperança, em municípios muito pobres.

- E, nesses locais, vocês tinham acesso a equipamentos, infraestrutura e tecnologia para atender adequadamente os pacientes? 

"Não. Nós trabalhávamos com o método clínico. Nós examinávamos os pacientes. Tocávamos as pessoas, conversávamos com os doentes. A falta de tecnologia não é problema para mim e nem para a brigada cubana, que trabalha muito com este método. E é com isso que esperamos melhorar muito a saúde do seu povo. Muitos países não têm dinheiro para pagar a tecnologia avançada. Sei usar um ultrassom, mas pratico muito o método clínico". 

- Outra crítica das entidades médicas brasileiros é que, em Cuba, por conta do longo embargo econômico, o acesso à tecnologia é muito restrito, o que provoca uma defasagem na formação dos médicos e os impossibilita de atuar adequadamente no Brasil. Você concorda com isso?

"Cuba é um país pobre e bloqueado, mas nossos indicadores de saúde são excelentes. E isso não tem a ver com muita tecnologia. Estamos entre os cinco países com menor índice de mortalidade infantil: menos de 4,5 por mil nascidos vivos. Isso é graças ao nosso esforço, porque estudamos muito, investimos em pesquisas, praticamos muito o método clínico, e isso faz a diferença. Também temos uma vigilância epidemiológica muito boa, fundamental para todos. E a saúde cubana é multissetorial: até a população participa. A dengue, por exemplo, é uma doença transmissível. Se o governo não educa sua população, todos morremos. 

- Há dengue em Cuba?

"Não, não há. Eu citei a dengue porque é uma doença comum no Brasil. Já atendi muitos pacientes com dengue, mas em Honduras. Não em Cuba, que temos uma vigilância epidemiológica forte. E nem na Bolívia, porque atuei no altiplano, onde é muito frio".

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Propinoduto Tucano.

Se você acha que fez papel de bobo porque acreditou no slogan "PEC 37= impunidade", não precisa ficar muito deprimido. Só um pouco. A explicação do procurador Rodrigo de Grandis, que engavetou processo é bisonha.




A descoberta de que o inquérito sobre a Alstom foi parcialmente interrompido, na Suíça, porque o procurador Roberto de Grandis não atendeu a uma solicitação das autoridades daquele país é um fato que merece um minuto de reflexão.

A explicação de Grandis é bisonha. Ele  não teria dado sequencia ao pedido das autoridades suíças, feito em fevereiro de 2011, porque a solicitação ficou guardada na gaveta errada – e nunca mais pensou no assunto.

Há, é claro, uma suspeita de prevaricação no caso.

Código Penal – Prevaricação (art. 319): Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Lei 8429/92 – Art. 11: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
(…) II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

Há três meses, em 25 de junho, o Congresso rejeitou, sob uma pressão que seria mais conveniente definir como chantagem, a PEC 37, que pretendia  garantir aos delegados de polícia a exclusividade sobre a condução de um inquérito policial. A votação foi um massacre: 430 a 9.

O monopólio dos delegados sobre uma investigação tampouco  era uma boa ideia, quando se recorda o histórico de nossas corporações policiais. Mas a PEC 37 ajudava a fazer um debate necessário e poderia permitir correções úteis. 

Nos bastidores de Brasília, policiais, procuradores e representantes do ministério da Justiça tentavam chegar a um acordo, a partir da PEC, para assegurar os direitos da polícia sobre a investigação sem deixar de atender os principais pleitos do Ministério Público. Pensava-se em criar uma nova divisão do trabalho de apuração, mais inteligente e produtiva.

Mas, com o apoio dos meios de comunicação, que passaram a tratar a rejeição à PEC 37 como se fosse como se fosse uma reivindicação tão popular como a redução da passagem de ônibus, o Ministério Público  garantiu a votação em bloco, sem qualquer concessão à outra parte. Confusos, e mesmo acovardados, vários parlamentares preferiam omitir-se e votar errado para não ser criticados pelos jornais nos dias seguintes.

Naquele momento, o procurador geral da República, Roberto Gurgel, travava uma luta de morte para fazer o sucessor. Seu prestígio atingia o ponto máximo em função do julgamento da ação penal 470.

A denúncia ainda não havia sofrido a primeira (e até agora única) derrota, representada pela aceitação dos embargos infringentes para 12 condenados.

Acreditava-se em junho que qualquer arranhão na imagem do Ministério Público poderia chamar a atenção para incongruências e falhas do julgamento. Foi essa a motivação que impediu uma discussão civilizada, com argumentos ponderados. 

Três meses depois, comprova-se uma verdade fácil de reconhecer, mas que não era conveniente admitir.

Enquanto os manifestantes acreditavam estar berrando contra a impunidade em Brasília, o pedido das autoridades suíças era esquecido na gaveta de De Grandis em São Paulo.

Ergueu-se, ao longo de vários anos, um muro de aço contra a apuração de um dos mais prolongados escândalos de corrupção da história política brasileira, formado por 45 inquéritos arquivados sem o devido esclarecimento (sim, 45!). 

Ninguém ficaria sabendo o que estava acontecendo se não fosse o trabalho competente corajoso de meus colegas da IstoÉ Alan Rodrigues, Pedro Marcondes e Sérgio Pardellas sobre o propinoduto, capazes de produzir reportagens à altura dos fatos descobertos.

Não há instituição a salvo de pressões políticas nem de iniciativas estranhas a sua missão legal. Erros ocorrem. Desvios, também. E coisas piores, você sabe.

Se você acha que fez papel de bobo porque acreditou no slogan “PEC 37= impunidade”, não precisa ficar muito deprimido. Só um pouco.

Muita gente está se sentindo da mesma maneira.

Sim, eu sou marxista.

Por Rafael Patto

Eu pensei que, pelo tempo que eu já "brinco" aqui no feicibuqui, eu já havia recebido todos os "elogios" possíveis. Mas não. Depois desse texto que eu compartilhei ontem (
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=485347501563224&set=a.222579191173391.45804.100002639352550&type=1&theater), me chegou um novo: “marxista ultrapassado”.

Sim, eu sou marxista. Não sei se já tive a oportunidade de me declarar assim, mas, se não o fiz, as coisas que escrevo certamente já o fizeram por mim.

Houve um tempo em que "pegava mal" falar em marxismo ou materialismo histórico em algumas rodas na FAFICH/UFMG. Não sei como as coisas andam por lá ultimamente, mas nunca me conformei com essa "coxinhice acadêmica" de considerar que vivemos uma era epistemológica pós-marxista.

Não vejo como falar de uma sociedade marcada pela disputa de classes, em que uma minoria se apropria indebitamente de privilégios produzidos pela força de trabalho da maioria, sem recorrer a Marx.

Quando Fukuyama veio com aquele papo de fim da história, muita gente embarcou de maneira irrefletida. O fim do bloco da URSS representou mesmo um momento de perda de referenciais para a esquerda em todo o mundo, mas daí a considerar que passaríamos a viver tempos em que apenas um discurso reinaria hegemonicamente já é um tanto fanático, né não?

O "edifício social" continua aí de pé. Combalido, com graves problemas infraestruturais, mas de pé. A superestrutura ideológica continua retroalimentando a infraestrutura econômica, e querem me convencer de que recorrer a conceitos marxistas para interpretarmos esses nossos tempos conturbados é uma prática ultrapassada? Difícil acreditar quando toda a realidade me demonstra o contrário. O pensamento de Marx, para mim, está mais vivo do que nunca. Negá-lo me parece ser uma escolha covarde e intelectualmente desonesta.

Que Marx seja rechaçado nas universidades estadunidenses, nós até entendemos. Mas reproduzir isso aqui é de uma pequenez vergonhosa. Nós não podemos nos conformar em sermos meros satélites acadêmicos dos Estados Unidos. Do contrário não passaremos mesmo de meras colônias culturais.

Mais Althusser e menos Doris Day é o que eu desejo a todos nesta terça-feira. E, se precisarem, façam como eu: call Marx.

Estranha democracia...


Por Rafael Patto

Um telefone público, desses “orelhões”, é um símbolo do capitalismo mundial? Um símbolo da opressão do Estado contra os cidadãos?

Se não é, qual o significado de um ato de depredação desse objeto?

A banca de jornais do Seu Manoel é um símbolo do capitalismo mundial? O sacolão da Dona Maria é? Se não são, qual o significado dos saques que estabelecimentos modestos, como pequenos comércios familiares, vêm sofrendo ultimamente?

É nítido que as práticas black blocs são absolutamente desnorteadas. As ruas das cidades brasileiras estão sendo tomadas por uma horda de vândalos movidos pelo instinto da destruição. Destruição gratuita e sem qualquer propósito. Sem quê nem pra que.

É ridículo essas pessoas acharem que estão contribuindo com alguma coisa. Não, elas apenas estão destruindo. Destruindo e ameaçando aquilo que foi conquistado a duras penas: a nossa ainda jovem democracia.

Que sentido transformador se pode extrair de gestos como esse que vemos na foto? O país será outro, a sociedade será outra, depois que esses vândalos tiverem extravasado a sua agressividade e deixado o rastro de destruição pelo caminho por onde tenham passado? Homens e mulheres do presente extraem alguma lição cívica desses “exemplos”? Esses “exemplos” ficarão como legado para gerações futuras? Claro que não!

Não há justificativa para essas práticas black blocs. Não há defesa para elas. Elas são completamente infecundas. Não trazem nenhuma proposta para um outro mundo. Não trazem nenhuma promessa para um novo tempo. Só destruição. Destruição burra, ainda por cima. Porque não mira os alvos certos. Quem dispara uma metralhadora giratória atinge o que não deve.

O problema maior de tudo isso é que graças a esses black blocs nós estamos entrando numa ditadura da minoria. Sim, os black blocs são a minoria da minoria e, ainda assim, estão conseguindo inviabilizar os atos públicos dos movimentos sociais legítimos. A esmagadora maioria da população brasileira reprova as táticas de depredação utilizadas por esses grupos, mas mesmo assim eles impõem a sua presença. Nesse caso, eu me pergunto: a atuação policial, ao reprimir essas práticas lesivas ao patrimônio público e amplamente reprovadas pela população em geral, não estaria agindo em defesa do interesse público e do bem comum? Claro que os abusos policiais também não se justificam, mas nenhum grupo da sociedade pode se sentir livre para produzir terror impunemente, afetando a vida e a rotina de milhões de brasileiros em diferentes cidades do país. Isso não é democrático!

As ruas sempre foram a alternativa dos sem-mídia. Tradicionalmente, os operários - o proletariado em geral - sempre estiveram privados do acesso aos meios de comunicação. Suas reivindicações, suas demandas, nunca puderam ser amplamente difundidas entre os diferentes setores da sociedade porque a imprensa burguesa sempre silenciou a voz do povo trabalhador. Sair às ruas, debaixo de chuva ou de sol, com cartazes, apitos e buzinas é o gesto agônico daqueles que não dispõem de outros meios para se fazerem ouvir. Claro que seria mais confortável e talvez mais eficiente escrever um artigo num grande jornal de circulação nacional, relatando suas necessidades, denunciando as injustiças sofridas etc., mas esse espaço nunca foi cedido. Daí a necessidade de sair às ruas para gritar tudo aquilo que não pode ser dito de outra forma.

Entretanto, com a infiltração dos black blocs, até isso está perdendo o sentido. É que antes, pelo menos, os trabalhadores conseguiam fazer com que sua pauta de reivindicações e propostas ganhasse alguma repercussão midiática. Quer dizer, o espaço que sempre foi negado nos meios de comunicação acabava sendo conseguido por meio dessas manifestações quando eram noticiadas. Era a forma pela qual a sociedade ficava sabendo das necessidades de uma determinada classe trabalhadora, por exemplo. Às vezes, esse era o único recurso para que os trabalhadores conseguissem fazer com que a sociedade de um modo geral os enxergasse e soubesse de suas necessidades.

E agora com os black blocs??? Esses black blocs têm se mostrado tão perniciosos para a sociedade e para a democracia que até os movimentos sociais eles têm conseguido prejudicar. Se antes os jornais, ao noticiar uma greve, uma passeata, uma assembléia etc. se viam obrigados também a contextualizar aqueles atos e apresentar suas razões de fundo (em geral, de natureza trabalhista), agora não mais. O noticiário dessas tentativas de passeatas e assembleias está totalmente tomado pelos black blocs. A atenção fica toda desviada para eles. O único recurso que restava aos trabalhadores, ao operariado, para conseguirem quebrar a barreira de silêncio que a mídia burguesa historicamente lhes impõe, que são as manifestações de rua, está sendo completamente usurpado por essa horda de vândalos.

Será mesmo que nós temos que os engolir? Democracia é isso? O conjunto da sociedade tem de se prejudicar apenas para que um grupo possa extravasar sua ira de existir?

domingo, 27 de outubro de 2013

Qual a diferença entre regime de partilha e regime de concessão na exploração do petróleo?
Paulo Springer de Freitas


No final de 2009, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional quatro projetos de lei que tinham por objetivo instituir um novo marco regulatório para a exploração do petróleo no País. A principal alteração proposta foi a introdução do regime de partilha, que passará a substituir o atual regime, de concessão. Em 22/12/2010 o Poder Executivo sancionou a Lei no 12.351, de 2010, que instituiu o regime de partilha.
O objetivo desta Nota é explicar a diferença entre os regimes de concessão e de partilha, realçando alguns argumentos utilizados durante o debate do projeto de lei.

O regime de partilha e de concessão

Mesmo reconhecendo a diversidade de arranjos institucionais entre os diferentes países, a característica comum entre os diferentes regimes de concessão é que o concessionário é dono de todo o petróleo que produz. Já no regime de partilha, o Estado é o dono do petróleo produzido.

A diferença de titularidade entre os diferentes regimes leva à falsa impressão –extensivamente utilizada pelos defensores do regime de partilha – de que, na concessão, a empresa ganha mais, enquanto que, na partilha, é o Estado (e, consequentemente, a sociedade) é quem sai ganhando. Nada mais equivocado!
Receitas do governo em cada regime

Ambos os regimes implicam remunerações para o Estado. No caso da concessão, a empresa concessionária é, de fato, dona do petróleo. Mas é obrigada a pagar diferentes participações governamentais. No caso do Brasil, as principais obrigações da concessionária são o pagamento do bônus de assinatura, dos royalties e da participação especial.

O bônus de assinatura é um pagamento que a empresa faz quando assina o contrato de exploração, para ter direito de explorar determinado campo. O valor do bônus de assinatura é definido em leilão, sendo vencedora a empresa que oferecer o maior valor (além de outros critérios, como participação de equipamentos produzidos no país e plano de exploração). Usualmente, o bônus de assinatura não chega a representar 10% da arrecadação governamental. Em 2010, por exemplo, o governo arrecadou R$
1 Consultor Legislativo do Senado Federal e professor do Mestrado em Economia do Setor Público do Departamento de Economia UnB.

170 milhões com bônus de assinatura, menos de 1% dos R$ 21 bilhões arrecadados com todas as rendas advindas da exploração de petróleo.

Os royalties correspondem a uma alíquota incidente sobre o valor de produção do campo. Assemelha-se, assim, a uma espécie de imposto sobre faturamento. Atualmente, a alíquota mínima é de 5%, e a máxima, de 10%. Na prática, quase todos os campos pagam 10% de royalties.

A participação especial está regulamentada pelo Decreto no 2.705, de 1998. Ela é devida somente em campos de alta produtividade e suas alíquotas, progressivas de acordo com a produtividade do campo, incidem sobre uma espécie de lucro do campo, podendo chegar a 40%. A participação especial assemelha-se, assim, a um imposto sobre lucro. Em valores, royalties e participação especial vêm arrecadando, cada rubrica, cerca de R$ 10 bilhões ao ano. A tendência, contudo, é da participação especial crescer com a descoberta de campos (já leiloados sob o regime de concessão) de maior produtividade, na área do pré-sal.
No regime de partilha, conforme dito anteriormente, a União é dona do petróleo extraído. Obviamente, nenhuma empresa extrairia petróleo se não fosse remunerada para tal. O que ocorre é que a parceira tem direito à restituição, em óleo, do custo de exploração – essa parcela é chamada de custo em óleo – e de uma parcela do lucro do campo – essa parcela é chamada de óleo excedente, ou seja, a parcela de óleo que excede os custos de exploração. O nome partilha deriva justamente do fato de as empresas partilharem com o governo o óleo excedente. Ao final do processo de exploração, a parceira será dona do custo em óleo e de sua parcela de óleo excedente. Já o governo não receberá todo o petróleo produzido, mas somente sua parcela de óleo excedente.

Observem a semelhança entre a parcela do óleo excedente que fica com a União e a participação especial: ambas equivalem a uma alíquota incidente sobre o lucro obtido com a exploração do campo. Há, entretanto, uma diferença importante entre as duas formas de arrecadação, na forma como o regime brasileiro foi instituído. No Brasil, as alíquotas de participação especial são definidas por decreto. Já a parcela de óleo excedente pertencente à União é definida em leilão, sendo o direito de exploração outorgado à empresa que oferecer a maior alíquota. O negrito colocado há pouco é importante para lembrar que nada impede que, no regime de concessão, o critério de outorga seja baseado na empresa que ofereça maior alíquota para participação especial.

Além da participação do óleo excedente, o regime brasileiro de partilha também prevê a cobrança de royalties e de bônus de assinatura. Dessa forma, é óbvio que não há motivos para acreditar que um regime permite maior arrecadação do que outro. Tudo dependerá das alíquotas estabelecidas e dos resultados dos leilões.

É falsa, portanto, a afirmativa de que, em um regime de concessão, o Estado arrecada pouco. No Brasil, o montante que o Estado arrecada é uma decisão do Chefe
do Poder Executivo. Afinal, as alíquotas da participação especial são definidas por decreto, sem necessidade de aprovação por parte do Congresso.

O debate entre partilha e concessão, entretanto, não se restringe à suposta diferença de arrecadação. Os que defendem o regime de partilha também realçam o fato de o Estado, por ser o dono do petróleo, consegue utilizá-lo de melhor forma. Novamente, trata-se de um argumento equivocado.
Há vantagens em o Estado ser o dono do petróleo?

Para os que defendem o regime de partilha, há as seguintes vantagens em o Estado ser dono do petróleo:

i) Pode controlar melhor o ritmo de produção;
ii) Pode controlar melhor a venda do petróleo para o exterior;
iii) Pode fazer política industrial.

Sobre o item i, é importante entender que o regime de partilha, per si, não tem nenhuma relação com o ritmo de produção. Afinal, a partilha somente diz respeito ao quinhão a que o Estado tem direito após a produção já realizada. Ocorre que, no regime brasileiro, foi criada uma empresa estatal – a PetroSal – que tem por atribuição gerir os contratos de partilha. A PetroSal deverá também indicar metade dos assentos nos comitês operacionais, que são comitês responsáveis por importantes decisões relativas às operações dos campos, inclusive relativas ao ritmo de produção.

Sendo assim, de fato, no regime brasileiro de partilha, o governo terá maior controle sobre o ritmo de produção. Isso não necessariamente significa melhor controle. Os que defendem esse controle argumentam que, sem ele, corremos o risco de explorarmos e vendermos nosso petróleo quando o preço estiver ruim, e, quando a situação melhorar, nos virmos obrigados a importar a um preço maior. Um exemplo muito citado na literatura é o da Indonésia, que teria exportado quase todo o seu petróleo quando seu preço estava baixo e hoje, com os preços altos, não consegue sequer ser autossuficiente.

Há duas formas de entender o controle de produção. Uma é a sintonia fina: ao longo de um contrato de partilha (ou de concessão), o preço do petróleo flutua. Corre-se o risco, de fato, de a empresa, ao longo desse contrato, produzir (e vender) muito quando o petróleo estiver barato, e tiver exaurido seu campo quando o petróleo tiver caro. Ocorre que é mais provável que a própria empresa consiga acertar nas previsões (afinal, ela é a mais diretamente interessada nisso), do que um burocrata do governo encarregado disso. Certamente, não é a maior intervenção estatal que conseguirá melhorar o timing da exploração, para que sejam melhor aproveitados os períodos de alta do preço do petróleo.

Outra forma de entender o controle de produção é sob o ponto de estratégico. Independentemente do que ocorrer, pode ser importante para o País dispor de reservas no futuro, por exemplo, para garantir uma produção mínima de derivados, permitindo-nos enfrentar situações com fortes limitações para importação, como em guerras. Se o objetivo é garantir que tenhamos reservas no futuro, só há uma solução: postergar a licitação para quando se julgar conveniente iniciar a exploração. Isso, claramente, independe do regime de outorga, se de licitação ou de partilha.

O controle sobre a quantidade de petróleo que se exporta está muito associado com o que foi discutido anteriormente. Se há um objetivo estratégico de manter as reservas para garantir o abastecimento interno no futuro, a solução é não explorar, e isso independe do regime de outorga. Para a sintonia fina, o governo dispõe de outros instrumentos, como impostos sobre exportação ou quotas.

Resumidamente, se o governo quer garantir o suprimento futuro de petróleo, a solução é adiar a sua exploração. Isso independe do regime de outorga.

Por fim, no regime de partilha, o governo, por ser dono do óleo, pode utilizá-lo para outros fins, como firmar posições geopolíticas ou fazer política industrial. O governo poderia vender o petróleo a um preço abaixo do praticado no exterior para nações amigas, a exemplo do que faz atualmente a Venezuela. Similarmente, o governo pode vender o petróleo a um preço abaixo do mercado para determinados setores que tem interesse em desenvolver, por exemplo, para a indústria petroquímica.

Quando o governo vende petróleo abaixo do mercado, está, de fato, subsidiando o comprador. Com isso, pode favorecer determinado setor de atividade que, de outra forma, não teria competitividade. Não cabe aqui discutir os méritos de uma política industrial, mas somente a necessidade da partilha para implementá-la.

Em um regime de partilha, o subsídio implícito corresponde à diferença entre o preço pago pelo comprador e o preço que ele pagaria se tivesse de comprar no mercado. Esse mesmo subsídio pode ser dado em um regime de concessão: o governo destinaria parte da receita arrecadada para a empresa que quer beneficiar. A diferença é que esse processo, no caso brasileiro, teria de ser feito via orçamento e sujeito, portanto, à discussão com o Parlamento. Em particular, surgiria naturalmente o debate se os recursos deveriam ser realmente transferidos para as empresas que se pretende beneficiar, ou se haveria outras prioridades, como infraestrutura, educação ou saúde.

Ou seja, o governo também pode fazer política industrial em um regime de concessão, e de forma mais transparente do que no regime de partilha. Esse talvez seja o ponto em que, claramente, o regime de concessão é superior ao de partilha. Nos demais, os dois regimes parecem ser equivalentes, sendo que um será melhor ou pior que o outro dependendo das especificidades de cada país.
Fonte: http://www.brasil-economia-governo.org.br/2011/03/14/qual-a-diferenca-entre-regime-de-partilha-e-regime-de-concessao-na-exploracao-do-petroleo/ 
LEILÃO DERROTOU OS BLACK BLOCKS DO MERCADO!



Vitória política de mestre. Econômica, poderia ser uns centímetros a mais

LIBRA: VITÓRIA POLÍTICA COMPLETA. ECONÔMICA, UM POUCO MENOS QUE O POSSÍVEL


Politicamente, a vitória obtida pelo Brasil no leilão não poderia ter sido maior.

A presença minoritária da Shell no consórcio da Petrobras jogou por terra todo o blá-blá-blá de que as regras eram inviáveis, que as empresas comerciais temiam a ingerência do governo, que a partilha era um modelo fadado ao fracasso.

A outra empresa privada, a Total, é muito ligada ao governo francês, que tem participação acionária e já se esperava que pudesse entrar no consórcio por razões estratégicas de abastecimento. Mas não a Shell.

Deixou de queixo caído todos os “mercadistas” que não entenderam que as americanas e inglesas caíram fora por conta da espionagem e a “dupla cidadania” da Shell – também holandesa – a deixou menos exposta ao escândalo.

Nem a Miriam Leitão tem o que falar sobre isso, agora.

Do ponto de vista do resultado econômico do leilão, todos viram que o representante do consórcio esperou até os últimos segundos para entregar aquele envelope.

Claro, porque havia outro, com um lance maior, para o caso de haver outros na disputa.

Se não há, vai a proposta mínima, até porque a Petrobras não tem como forçar seu aumento se não há licitantes a vencer.

Poderíamos ter alcançado os 80% de participação estatal, mas acabamos ficando, como mostrou o post anterior, em 75,73%.

Duas razões nos impediram,

A primeira, o alto bônus de assinatura, que criou dificuldades de desembolso imediato para a Petrobras. E isso, com todo apoio que este blog deu ao leilão, jamais deixou de ser objeto de crítica, sobretudo porque derivou das necessidades imediatas de caixa do Governo para alcançar a meta de superávit primário, aquele do maldito tripé que a direita e, agora, Marina Silva, endeusam.

A segunda, a pressão política.

Não a das poucas dezenas de manifestantes ali fora do leilão que, tirando meia-dúzia de provocadores black blocs – são gente nacionalista.

A pressão vem de outros black blocs, os mascarados do mercado, que vêm vandalizando as ações da Petrobras faz tempo, sob a música de desastre que a mídia incessantemente toca para a empresa com mais reservas novas a explorar neste momento no mundo.

Nada isso, entretanto, diminui meu otimismo com a exploração de Libra. Até porque, fora da parcela de lucro embolsada pela União, pela Petrobras e pelas outras empresas do consórcio, existe uma parcela imensa, de algo perto de US$ 300 bilhões, que vai ser apropriada pelo país na forma de salários, compras de insumos e de encomendas com o máximo possível de conteúdo nacional, como é tradição da Petrobras, e que, por isso, vai irrigar nossa economia com impostos e salários.

Nem falo, também, no horizonte de cooperação que ela abre com a China, que lentamente vai assumindo o seu papel de parceiro estratégico do nosso país.

O Brasil está de parabéns. Provamos que é possível juntar a defesa dos interesses nacionais, o controle de nossas matérias primas estratégicas, a eficiência tecnológica e operacional com a necessária captação de recursos para o desenvolvimento de nossa indústria petroleira.

O petróleo teve três fases neste país.

A primeira, a de acreditar que ele existia e encontrá-lo.
A segunda, a de sermos capazes tecnologicamente de extraí-lo, nas difíceis condições onde ele surgiu.
A terceira, agora, a de sermos capazes de mobilizar, sem perder a soberania sobre ele, os recursos necessários a realizar essa imensa riqueza potencial.

Demos um passo gigantesco e seria tolice deixar de reconhecê-lo por acharmos que se poderia ir alguns centímetros além.

E, depois dos retrocessos que a década neoliberal nos obrigou, estamos mais longe do que qualquer um de nós poderia pensar naqueles anos amargos.

Esta caminhada jamais foi fácil, jamais foi simples.

Mas não há de parar nunca.


Por: Fernando Brito