quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

OS AUTORITÁRIOS DE HOJE





O pensamento autoritário já viveu dias melhores no Brasil. Sua credibilidade já foi maior, e -suas ideias, mais consistentes. Seus -formuladores, mais respeitados e maior sua influência na vida nacional.

Se compararmos Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Alberto Torres e Francisco Campos, seus principais expoentes na República Velha e durante o Estado Novo, aos autoritários de hoje, a distância é abissal.

Seus sucessores contemporâneos são de dar pena. Salvo as exceções de praxe, faltam-lhes educação e estilo. Substituíram a disposição para o debate pela ofensa e a repetição de lugares-comuns. São ignorantes. O que os une aos antigos são as convicções que compartilham. A começar pelo que mais distingue o autoritarismo ideológico: a certeza de que a democracia pode ser boa no plano ideal, mas é irrealizável na prática. No mundo real, o povo seria incapaz de se governar e precisaria das elites para orientá-lo. Sem sua proteção paternal, se perderia.

Diferentemente do passado, muitos dos autoritários da atualidade se abrigam na mídia conservadora. Sem a proteção que recebem de seus veículos para falar alto e se exibir como valentes, não existiriam.

Mas há autoritários hoje no mesmo lugar em que, no passado, militaram vários: no Judiciário e cargos afins. Alberto Torres foi ministro do Supremo Tribunal Federal, Oliveira Vianna, do Tribunal de Contas da União, e Francisco Campos foi consultor-geral da República.

O julgamento do “mensalão” tem sido um momento privilegiado para conhecer o pensamento autoritário atual em maior detalhe. Seus representantes na mídia estão esfuziantes. O andamento do processo no Supremo Tribunal Federal foi melhor que a encomenda. No fundo, todos sabiam quão frágil era a denúncia montada pela Procuradoria-Geral da República.

A alegria de ver expoentes do “lulopetismo” condenados os enche de entusiasmo. Querem revidar em compensação a tudo que os entristeceu nos últimos anos. Quantas vezes foram forçados a se desdizer? Quantas projeções furadas fizeram? Quantos amigos na oposição tiveram de consolar?

Não tínhamos tido, até recentemente, a oportunidade de ver, com clareza, o autoritarismo existente no STF. Era um tribunal predominantemente discreto, que trabalhava longe dos holofotes. Vez por outra aparecia, mas para se pronunciar a respeito de questões específicas, ainda que nem sempre de maneira apropriada.

Agora, não. Fez parte do pacto da mídia conservadora com a Corte a mudança radical desse padrão. As luzes foram acesas, os microfones ligados e os repórteres postos a serviço. Tudo o que os ministros dissessem seria ouvido, registrado e divulgado, com pompa e fanfarras.

E eles se puseram a falar.

Ao longo do julgamento, à medida que liam seus votos, vimos quão parecidas são as ideias de quase todos com aquelas dos autoritários de cem anos atrás.

No mês passado, Luiz Fux aproveitou a visibilidade de orador na posse de Joaquim Barbosa na presidência do tribunal para apresentar algumas das suas. Tomemo-las como ilustração do que pensam por lá.

O discurso de Fux foi extraordinário. Até no que revelou da cumplicidade que se estabeleceu entre a mídia e o tribunal. É pouco provável que fosse tão assumidamente autoritário se não se sentisse amparado pelos correligionários na mídia.

Ficou famosa sua tortuosa formulação de que seria natural que o Judiciário se tornasse mais ativo, para intervir na “solução de questões socialmente controversas, como reflexo de uma nova configuração da democracia, que já não se baseia apenas no primado da maioria e do jogo político desenfreado”.

Parece que Fux imagina ter feito uma descoberta. Que haveria uma “nova configuração da democracia”, sabe-se lá o que isso seja, que exigiria deixar de lado o “primado da maioria” e o tal “jogo político desenfreado”.

Nada há, entretanto, de original no diagnóstico e no receituário. Antes dele, outros autoritários haviam chegado ao mesmo lugar. Todos, de antes ou recentes, têm a mesma aversão à vontade das maiorias. No fundo, acreditam que o povo não está “preparado para a democracia”. Que exige “homens de bem” para guiá-lo, livrando-o dos “demagogos”.

Todo autoritário é antidemocrático, quer frear o “jogo desenfreado”. E se imagina ungido da missão de fazê-lo, pela sua autoatribuída superioridade em relação ao cidadão comum.

Talvez por desconhecer de onde vêm as ideias que professa, Fux – e os que se parecem com ele – acredita estar sendo “novo”.

É tão velho quanto a Sé de Braga.

Marcos Coimbra

Por que metade dos brasileiros não confia no STF


Paulo Nogueira em seu Diário do Centro do Mundo
Os brasileiros tiveram um curso intensivo de Supremo em 2012. Seus integrantes foram alçados a um estrelato inédito pela cobertura dada ao julgamento do “mensalão”. Fomos bombardeados com informações sobre o STF, e tivemos de aprender coisas como “teoria do domínio do fato” e “dosimetria”.


Éramos, até 2012, especialistas em futebol e em economia. Passamos a dominar também o direito: há, em cada um de nós, um juiz.
Perdemos mais que lucramos, no terreno das esperanças, ao descobrir o que é, verdadeiramente, o Supremo. Se já não tínhamos, justificadamente, confiança nos políticos, passamos também a desconfiar dos nossos máximos magistrados. Não surpreende uma pesquisa recém-saída do Ibope que apontou que metade dos brasileiros não confia no Supremo.
Podia ser diferente?

Não vou entrar no mérito das decisões no julgamento. Fico no terreno das informações objetivas. Soubemos que Joaquim Barbosa foi escolhido por Lula por ser negro. Soubemos também que ele se insinuou a Frei Betto, num encontro casual em Brasília, para fazer lobby por si mesmo.

Descobrimos que é sempre assim, aliás. Os juízes rastejam pelo cargo. Imagino que os melhores entre eles – pelo menos do ponto de vista moral – recusem manobras subterrâneas em que há muito mais de baixa política do que de alto conhecimento.

E então sobram os que ficaram expostos aos brasileiros em 2012.
Luiz Fux, ainda mais que Joaquim Barbosa, é o símbolo maior disso. Num acesso confessional difícil de entender à luz da razão, uma vez que ele se autodesmoralizou pela eternidade, Fux contou a uma jornalista da Folha sua peregrinação pelo cargo. Não omitiu sequer o detalhe patético do choro ao receber a boa notícia.

Reconheceu que procurou José Dirceu mesmo sabendo que teria que julgá-lo, num conflito de interesse sinistro. Um candidato ao Supremo batendo súplice à porta do mensaleiro-mor, que ele logo definiria como “chefe de quadrilha”? Todas as acusações contra Dirceu já eram de amplo conhecimento público. Mesmo assim, Fux foi atrás dele.

Agora, o ministro Gilberto de Carvalho acrescenta mais um dado à biografia não exatamente inspiradora de Fux. Carvalho disse na tevê ao jornalista Kennedy Alencar que, em sua campanha pela vaga, Fux garantiu que absolveria os acusados por não haver provas. Segundo Carvalho, Fux afirmou que estudara bem o caso.

Se sua indicação derivou disso, não é, evidentemente, um momento glorioso para a administração que o nomeou. Seria aquele caso clássico que Tancredo Neves definia como uma esperteza tão grande que come o esperto.

Mas é ainda pior para Fux.
O perfil de personalidade que emerge das informações sobre ele mostra um caráter frágil, titubeante, vaidoso, um homem cuja ambição leva a atos que, à luz do sol, provocariam engulho.

O Supremo é um embaraço para o Brasil. Não dá para fugir desse veredito doído, ainda que você concorde com as punições e considere que o PT pagou o justo preço por ter feito coisas que não deveria, já que uma de suas bandeiras era elevar a ética na política.

Como transformar o STF numa instituição respeitável, e acreditada pelos brasileiros, é uma das tarefas mais espinhosas para o futuro do País. Para citar a grande frase de Wellington, quem acredita que esse trabalho será feito por homens como Joaquim Barbosa e Fux acredita em tudo.


sábado, 22 de dezembro de 2012

2012 na Política: As Eleições Municipais




Por Marcos Coimbra
No balanço dos principais acontecimentos políticos do ano, as eleições de outubro têm lugar garantido.
De um lado, porque eleições sempre são importantes. São raros os momentos em que o conjunto de um país se expressa de maneira direta e, em nossa tradição, menos frequentes que na de outros.
Desde a redemocratização, entre referendos e plebiscitos, só fizemos dois de âmbito nacional. O costume de convocá-los sempre, tão característico da cultura política norte-americana, nunca se enraizou no Brasil.
Restam-nos, portanto, apenas as consultas em que, a cada dois anos, são ouvidos os cidadãos para escolher os ocupantes dos cargos eletivos no Executivo e no Legislativo.
Nelas, ninguém fala pelas pessoas, ninguém tem o direito de se atribuir o conhecimento do que elas querem. Estão dispensados os intérpretes e os bem-intencionados que julgam saber o que é “bom para o povo”.
De outro lado, as eleições municipais deste ano se tornaram mais relevantes por acontecer em um momento de forte tensão em nosso sistema político. A sucessão presidencial está chegando e as oposições andam nervosas.
A perspectiva de um nova vitória do PT em 2014, sugerida pelas pesquisas que dão folgada vantagem para Dilma ou Lula, cria um cenário preocupante para todos os adversários, especialmente à direita.
Confirmado esse prognóstico e depois do quarto mandato petista seguido, quem apostaria em uma mudança em 2018? Teria o PT condições de realizar o desejo tucano de permanecer 20 anos à frente da presidência da República? E o que viria na sequência?
Tentando fazer desde logo o possível para evitar esse futuro, as oposições politizaram e nacionalizaram o processo de escolha de prefeitos e vereadores para além do habitual. Pensando adiante, decidiram entrar na eleição local com o que julgavam força máxima.
Atuaram em duas frentes. Investiram pesado na estratégia de desgastar a imagem do PT, esperando com isso prejudicar seus candidatos e preparar um discurso para os próximos meses. Escalaram seu “grande campeão”, o ex-governador José Serra, para vencer a simbólica batalha paulista.
Os partidos da oposição e a mídia conservadora fizeram tudo que estava a seu alcance. Na desconstrução do PT, bombando o julgamento do mensalão, no esforço de torná-lo o “maior escândalo de nossa história política”. Para eleger Serra, o que puderam.
Como sabemos, não deu certo. O PT venceu onde tinha que vencer e perdeu onde tinha que perder, sem que a vasta maioria dos eleitores fosse afetada pelo estardalhaço armado pela mídia. Teve em São Paulo uma saborosa vitória, não apenas pela derrota que impôs a Serra, mas por ter feito de Fernando Haddad um nome de óbvio futuro na política estadual e nacional.
Entre 1996 e 2000, PSDB e DEM cresceram no número de prefeituras conquistadas, indo de 1851 para 2018. Nas eleições legislativas, foram de 152 deputados federais em 1994 a 204, em 1998. Voltaram a 154, em 2002, quando Lula obteve seu primeiro mandato.
De 2000 para cá, os dois partidos sistematicamente perderam bases municipais: 1350 prefeituras em 2004, 1282 em 2008 e 980 este ano. Na Câmara dos Deputados, suas bancadas vieram de 131, em 2006, para os 96 que elegeram em 2010.
São números que sugerem haver relação estreita entre os dois processos. Partidos que se saem mal na eleição municipal tendem a diminuir de tamanho na representação na Câmara.
É o horizonte dos dois maiores partidos de oposição. Com metade das prefeituras que tinham na época de Fernando Henrique, vão para 2014 se arriscando a não passar de  discreta minoria no futuro Congresso.
Mais que a contabilidade de quem venceu aqui ou acolá, esse é o saldo da eleição municipal de 2012.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Ser de esquerda



(Eduardo Galeano)

"É difícil fazer um catálogo dos ideais de esquerda. Eu diria que são os mais ligados às idéias da liberdade, da comunhão com a natureza, da preservação da vida, não só humana, mas da vida do planeta, que é nossa casa. E é a certeza de que fazemos parte de um arco-íris de diversas cores e que o racismo está nos deixando cegos para essa maravilha que é a diversidade humana e da vida no mundo. Porque o melhor do mundo é a quantidade de mundos que ele contém. Essas seriam algumas coisas básicas.

Ocorre hoje a ressurreição dos laços solidários, não digo mortos, mas muito feridos, quebrados, a partir da imposição de uma escala de valores fundada na salvação pessoal, na idéia de que o outro é um competidor e um inimigo, não um companheiro. Que é uma ameaça e não uma promessa. Acredito, como um homem de esquerda, que alguém sempre tem alguma coisa para dizer que valha a pena escutar. Os trinta e poucos anos transcorridos desde que escrevi As Veias Abertas da América Latina indicam que alguns desses valores já não têm a força que antes tinham. Por exemplo, nos anos 70, ninguém discutia que a pobreza era filha da injustiça. Era a esquerda quem denunciava, mas ninguém discutia. O centro aprovava e a direita não discutia, calava a boca. Agora, é uma minoria que continua acreditando nisso. Para a maioria dos opinion makers, os fabricantes de opinião do mundo, a pobreza é o castigo que a ineficiência merece. Isso é uma mudança de valores radical."

Capitalismo é incompatível com justiça e igualdade social


Capitalismo é incompatível com justiça e igualdade social

Durante décadas, o Estado do bem-estar social (Welfare State, em inglês) foi apresentado pelos partidos burgueses, entre eles os partidos social-democratas, como prova de que a propriedade privada dos meios de produção e o lucro podem conviver com o respeito aos direitos trabalhistas e à garantia de padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social. Mas, como a mentira tem pernas curtas, bastou uma profunda crise econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a demolição do Estado do bem-estar social, obra iniciada nos anos 70 e aprofundada com a política econômica neoliberal, caracterizada por ataques sistemáticos aos direitos dos trabalhadores e ampla liberdade de exploração para o capital na década de 80.
Agora, os que prometiam alcançar a igualdade social no capitalismo fazem discursos e  publicam artigos nos seus jornais apontando os gastos sociais dos  governos como o responsável pela crise, confirmando assim, a incompatibilidade entre  os interesses da classe capitalista de obter lucros cada vez maiores e os dos trabalhadores e da imensa maioria da sociedade de ter uma vida digna.

Na verdade, o chamado Estado do bem-estar social foi uma tentativa de deter na Europa o vigoroso crescimento do movimento operário após a Segunda Guerra Mundial e de enganar as massas de que era possível obter direitos sociais sem precisar fazer uma revolução. Entretanto, como provam as greves gerais e manifestações que sacodem o continente, tal intento foi em vão.

Austeridade só para os trabalhadores

O fato é que um por um os direitos que os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de luta estão sendo abolidos com reformas trabalhistas que os governos a mando da União Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional estão implementando. O objetivo é permitir que os capitalistas demitam sem pagar nenhum direito ao trabalhador, aumentem a jornada de trabalho e tornem letra morta os contratos coletivos de trabalho, em resumo, pagar um salário menor pela força de trabalho explorada.

Com efeito, a Grécia, para receber um empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do BCE, foi obrigada a adotar medidas anti-povo como a redução em 22% do salário mínimo, demissão de 150 mil servidores públicos e privatização de empresas públicas. Em Portugal, o governo do conservador Pedro Passos Coelho (PSD), também em troca de um empréstimo do BCE, implementa a mesma política: diversas empresas estatais foram privatizadas, os salários dos aposentados foram reduzidos e a Saúde e a Educação públicas estão sendo sucateadas.

Na Itália, o Governo de Mario Monti, um técnico nomeado pelo Banco Central, adota uma reforma trabalhista que além de eliminar vários direitos trabalhistas, cobra mais impostos dos trabalhadores autônomos e quer o fim da indenização quando da demissão do trabalhador.

Na Espanha, o governo segue a mesma receita e impõe uma reforma para flexibilizar os contratos de trabalho e retirar vários direitos.

Na Holanda, uma das principais economias da Europa, o governo também pretende reduzir os salários dos aposentados, mas não os lucros dos seus bancos e monopólios.  Até na Alemanha, um dos poucos países europeus que não está em recessão, as vagas de trabalho oferecidas são em sua maioria em tempo parcial, mal pagas e sem direitos a benefícios sociais.

O resultado desses planos de austeridade são devastadores para a sociedade e, em particular, para a juventude.

Dados divulgados em abril pela União Europeia revelaram que a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos passa dos 50% na Espanha e na Grécia. Na França, o desemprego entre os jovens é de 21% e em Portugal, 30,8% dos jovens com menos de 25 anos estão desempregados. Na Bulgária, Eslováquia, Irlanda e Itália, o desemprego está acima de 30%.

Vale resaltar que essas taxas oficiais levam em consideração apenas os trabalhadores que procuraram emprego nas quatro semanas anteriores à pesquisa ser realizada. Ou seja, os jovens que desistiram de procurar trabalho, os que estudam em tempo integral ou vivem com os pais são considerados empregados, bem como os que têm emprego temporário ou estágio.

Esse enorme desemprego entre os jovens forma o que alguns economistas chamam de “geração perdida”, isto é, milhões de jovens que depois de formados não conseguem emprego, ficam desatualizados e tornam-se supérfluos para os capitalistas, os donos dos meios de produção. Ou seja, passam a viver de trabalho temporário ou se entregam à criminalidade, atividade que mais cresce junto com o tráfico de drogas e de pessoas no capitalismo do século XXI. Enfim, ficam desempregados para o resto de suas vidas. Ocorre o que já advertia Karl Marx e Frederic Engels no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, “a burguesia é incapaz de assegurar ao seu escravo (trabalhador assalariado) a própria existência no quadro da escravidão”.

FMI exige mais arrocho

Não bastasse, a última reunião do Conselho do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em 22 de abril, em Washington, EUA, aprovou comunicado exigindo que os governos da Zona do Euro adotem medidas drásticas para “acalmar os mercados e evitar que a situação se agrave”. Wolfgang Schaeuble, ministro das Finanças da Alemanha, assim justificou essas novas medidas: “Os países europeus com crises financeiras adotaram reformas de profundo calado. Isso inclui os mercados trabalhistas, os sistemas de seguridade social, administrações públicas e instituições financeiras. É a única forma que poderemos restaurar a confiança dos nossos cidadãos e investidores”. 

Leia por cidadãos, os banqueiros.

Essa política da chamada troica FMI-BCE-CE (Comissão Europeia) leva o povo a pagar duas vezes por um serviço: primeiro, o verdadeiro cidadão paga um imposto ao Estado para que esse Estado garanta seus direitos. Porém, como o dinheiro do imposto pago é transferido para os bancos e grandes corporações, o povo fica sem nenhuma assistência e passa a ser obrigado a pagar por saúde, educação, habitação, etc.

Em decorrência dessa espoliação, o número de famílias europeias sem abrigo e que recorre às instituições humanitárias para sobreviver, aumentou imensamente e milhares de estudantes de escolas particulares abandonaram os estudos por falta de pagamento das mensalidades.

Segundo  documento do Eurostat, mais de 115 milhões de pessoas, ou seja cerca de 23.4% da população nos 27 Estados membros da União Europeia, encontram-se em risco de pobreza e exclusão social. Entre crianças e menores de 18 anos este número é ainda maior: 27%.

Na Espanha, desde o início do ano, milhares de famílias não conseguem pagar as prestações de suas casas e centenas de empresas não pagam os empréstimos feitos. De acordo com o Banco Central espanhol, os bancos privados do país têm 176 bilhões de euros em ativos imobiliários que não serão pagos por falência dos devedores. 

Portanto, outra consequência dessas medidas é a proletarização dos pequenos e médios empresários. De acordo, com a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), todo mês centenas de empresas fecham as portas no país. As causas, segundo a Confederação, são a queda do consumo das famílias e o aumento dos impostos.

Na realidade, todos os países que têm seguido a receita do FMI e da Comissão Europeia, isto é, a receita de tudo realizar para manter intocável o lucro da classe capitalista, tiveram um aprofundamento da recessão.

A Grécia, país que está em recessão há cinco anos, teve nesse primeiro semestre de 2012, uma queda de 7% no PIB em comparação com o ano passado.  Não bastasse, a dívida grega, apesar de todos os pagamentos bilionários que o país fez, passou de 263 bilhões de euros em 2008 para 355 bilhões em 2012.  Portugal, segundo o boletim do Banco Central do país, viu sua atividade econômica recuar 2,7% e o consumo terá uma queda de 7,5% até 2013. O Reino Unido, mesmo mantendo sua moeda, vive em recessão e tem os piores índices sociais de sua história. Na Espanha, 5,6 milhões de pessoas estão desempregadas.
Tal é o verdadeiro Estado de bem-estar social que o capitalismo é capaz de oferecer à juventude e ao povo.

Quem paga a conta?

Por outro lado, ao mesmo tempo em que aperta o cinto dos trabalhadores, os governos seguem drenando o dinheiro público para alimentar a vampiragem da moderna classe capitalista, o capital financeiro.

O FMI anunciou em abril mais US$ 430 bilhões para financiar os bancos e monopólios europeus em crise.  Esses 430 bilhões sairão evidentemente dos governos e, consequentemente, dos povos que pagam impostos.  Os EUA não se comprometeram com nenhum centavo, mas o Fundo quer que o Brasil entre com 10 bilhões de euros. Em 2009, o Brasil tirou da Saúde e da Educação do nosso povo US$ 10 bilhões que enviou generosamente para a Europa. A crise se aprofundou e, agora, querem mais dinheiro do nosso país, na base do “Deus lhe pague!”.

No total, do final do ano passado até abril de 2012, foram quase 1,5 trilhão de euros para financiar a banca.
Mas isso não é nada. De acordo com o FMI, a conta do total de crédito que os governos terão que garantir para evitar a falência do sistema financeiro na Europa pode ultrapassar a  US$ 2,6 trilhões até 2013. Uma cifra espantosa, mas ainda menor que a que foi utilizada pelo governo dos Estados Unidos para salvar sua classe capitalista: 16 trilhões de dólares.

De onde vem esse dinheiro, senão dos impostos pagos pelos trabalhadores?
Vejamos o exemplo da Grécia. O governo deste país em troca das medidas draconianas contra seu povo recebeu um empréstimo de 130 bilhões de euros. No entanto, esses 130 bilhões ficaram sob controle do FMI para assegurar que serão gastos exclusivamente com o pagamento da dívida da Grécia. A Espanha, no mesmo dia que doou 66 bilhões de euros para o Fundo, adotou um ajuste fiscal no valor de 27 bilhões de euros, composto por aumento dos impostos e cortes nos gastos sociais.

A justificativa para essa política é sempre obter a confiança do chamado “mercado”, isto é, do capital financeiro que, como definiu Lênin, significa a fusão do capital bancário com o capital industrial, e não simplesmente, como apresenta a moderna socialdemocracia, o capital bancário.

Em resumo, os governos capitalistas fazem opção em favor do capital em vez do emprego, da salvação de bancos e monopólios em vez da Saúde e da Educação e do bem-estar do povo.

Fica, portanto, evidente, a total impossibilidade de se alcançar a igualdade social, o fim do desemprego e da pobreza enquanto o controle da economia estiver nas mãos de um punhado de ricos.  Provas: 1 bilhão de pessoas famintas, quase 300 milhões de desempregados, as guerras constantes e o empobrecimento da população, enquanto, um reduzido grupo de pessoas que forma a classe rica vive na fartura e no esbanjamento.

A repressão ao movimento operário e popular

Mas, por que as centenas de greves e de manifestações ocorridas até agora no continente europeu e que conseguiram derrubar 10 governos (Grécia, Portugal, Irlanda, Eslováquia, Romênia, Itália, Reino Unido, Espanha, Grécia, Islândia e, agora, da Holanda), alguns da socialdemocracia, outros da direita, não tiveram força para estabelecer governos revolucionários ou comprometidos com os trabalhadores?

Um dos obstáculos ao desenvolvimento e avanço da luta revolucionária é, sem dúvida, a brutal repressão desencadeada pelos governos burgueses e seus aparelhos de repressão.

Na última greve geral realizada na Espanha, que teve cerca de 100 manifestações contra a reforma trabalhista, mais de 500 pessoas foram presas por participar dos protestos. Na Grécia, antes de cada greve geral várias prisões são realizadas e nos dois últimos anos o número de presos políticos aumentou vertiginosamente. Pior, devido a uma nova lei penitenciária, um preso político para ser libertado é obrigado a pagar 10.000 euros, o equivalente a R$ 25.000. Logo, se o preso for um desempregado a pena se transforma em prisão perpétua.  Essa, aliás, é uma política globalizada pela burguesia. No Equador, o estudante Marcelo Rivera, ex-presidente da Federação dos Estudantes Universitários (FEUE) encontra-se preso há 30 meses e após cumprir a pena terá que pagar uma multa de mais de R$ 500 mil reais para sair da cadeia.  Nos EUA, em um protesto do movimento Occupy Wall Street no início do ano contra a dívida dos financiamentos estudantis nos Estados Unidos, centenas de estudantes foram detidos pela Polícia de Nova York. As cidades de Oakland, Nova York e Los Angeles foram as que mais registraram os maiores protestos na linha “Ocupe” e, também, as  que mais registraram prisões.  Em comunicado, a polícia afirmou que os protestos diminuíram depois que os governos destas cidades usaram de força para retirar centenas de manifestantes acampados em ruas destas cidades. Ainda nos EUA, a lei, que criminaliza os protestos estabelece que qualquer pessoa que “entre ou permaneça em qualquer edifício ou terreno (de acesso) restringido sem a autoridade legal para fazê-lo, será castigada com uma multa ou o encarceramento por 10 anos, ou ambos”.

Na França, durante as últimas jornadas nacionais de greves e protestos contra a reforma previdenciária, segundo o Ministério do Interior, duas mil pessoas foram presas, e nos confrontos com a polícia, vários jovens foram assassinados.

Tem mais: O Governo espanhol decidiu adotar mais sanções para quem convocar manifestações pela internet e fizer frente à polícia. O anúncio foi feito pelo ministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, que disse no Parlamento ter a intenção de impor uma pena mínima de dois anos de prisão para quem convoque “tumultos”. “Há que robustecer a autoridade legítima de quem legitimamente tem a exclusividade de poder atuar através da força”, disse o ministro do Interior. As medidas do Governo espanhol surgem na sequência de vários protestos e manifestações que têm acontecido por todo o país desde o início da crise.

A importância da repressão para manter o sistema capitalista é tão grande que entre as exigências feitas à Grécia pela União Europeia está a de o país não realizar cortes das verbas para a Defesa, de forma a garantir a repressão aos movimentos populares e às greves e a compra de armas da França e da Alemanha.

Este é também o motivo para, mesmo com os países mergulhados numa profunda recessão, o comércio mundial de armas convencionais ter crescido 24% no período 2006-2010. De acordo com o estudo do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri), em 2010, foi gasto em armas um total de 1,6 trilhão de dólares, dinheiro esse que seria suficiente manter 212 milhões de crianças dignamente.

Mas há ainda outra condição que impede que a revolução triunfe de imediato. Trata-se do pequeno vínculo dos partidos revolucionários com as massas, em particular, com a classe operária.  Como afirma Lênin, “A revolução proletária é impossível sem a simpatia e o apoio da imensa maioria dos trabalhadores à sua vanguarda: o proletariado. Mas esta simpatia e este apoio não se obtêm subitamente, não se decidem em votações, mas se conquistam em uma demorada e difícil luta de classes”. (Saudação aos comunistas italianos, franceses e alemães).

De fato, para realizar uma revolução é necessário que a maioria dos operários não só compreenda a necessidade da revolução, mas esteja disposta a se sacrificar por ela. Entretanto, só é possível desenvolver essa consciência revolucionária se as concepções dos partidos social-democratas de humanizar o capitalismo ou, como fazem hoje alguns partidos de esquerda no Brasil, de apresentar como alternativa à crise do sistema o desenvolvimento do próprio capitalismo forem derrotadas.   Propõem que o “estado de bem-estar social” deve ser o principal objetivo da luta dos trabalhadores, esquecendo que o capitalismo em sua fase final, para não dizer moribunda, é além de profundamente reacionário, incapaz de realizar algum progresso definitivo para a sociedade. Com esse discurso, propagam ilusões nas massas e as afastam da revolução. Mas aqui também, como revela a atual crise capitalista, a mentira tem pernas curtas.

Não há, portanto, porque se desesperar com tal traição. É preciso seguir em frente e trabalhar dia a dia de maneira firme e infatigável para aumentar o vínculo dos comunistas revolucionários com as massas e retomar a hegemonia no movimento operário e popular.

Fonte:(Publicado em A Verdade nº 139, maio de 2012)

Lula Falcão, membro do Comitê Central do PCR

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Golpe do STF:um trunfo precário



Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:



Quem pensa que o Brasil não está inovando em termos do modelo golpista à espreita, engana-se. Inovou, sim – e bastante. O país da jabuticaba – que só dá no Brasil – tinha que inovar, ainda que, em essência, o golpe em curso transite por modelo inaugurado em Honduras há alguns anos e posteriormente reproduzido, com “aperfeiçoamentos”, no Paraguai.

A inovação reside em que nosso golpismo é oportunista, pois depende de que uns poucos cargos-chave no Judiciário e no MPF estejam ocupados por oposicionistas, enquanto que os golpes hondurenho e paraguaio decorreram de correlação de forças institucionais muito mais desfavorável do que a do Brasil, do ponto de vista dos golpeados.

Tanto em Honduras quanto no Paraguai, os governantes depostos chegaram ao poder sem base parlamentar sólida; no Brasil, ainda que a base de Dilma não seja o que se possa chamar de estritamente confiável, seguramente sustenta seu governo em amplitude que inexistiu nos outros dois países citados quando neles sobreveio a decisão de golpear a democracia.

Assim, se naqueles países não havia por onde evitar derrubadas dos governos puras e simples, tomadas como se fossem uma troca de camisa – isso por força de que as instituições, ali, estavam tomadas por gangsters quando Manoel Zelaya e Fernando Lugo se elegeram –, no Brasil os golpistas terão que suar muito a camisa para chegar sequer perto do governo.

Não que não ousassem tentar, se houvesse tempo. Mas não haverá. E, antes de explicar por que, esclareçamos o seguinte: o STF que julgará os recursos contra a decisão que aquela Corte tomou no primeiro dia útil desta semana ao invadir a competência de outro Poder decretando cassação dos parlamentares condenados na Ação Penal 470, não será o mesmo.

Vai daí que, até aqui, ainda não aconteceu nada. Se irá acontecer, é outra história. Mas, como todos sabem, as perdas de mandato só se efetivariam daqui a vários meses, já tendo sido cogitado, até, que a decisão do STF sobre os recursos contra elas pode se postergar até o fim efetivo dos mandatos dos parlamentares recém-cassados naquela Corte.

O que se deve pensar, portanto, é no futuro. E o que se pode dizer de bom sobre ele é que existe possibilidade concreta de equilibrar o jogo bem onde os golpistas só obtiveram vantagem por ela ter sido entregue de bandeja a eles por seus adversários, sobretudo por Lula e Dilma, que nomearam ministros do STF e procuradores-gerais de olhos fechados.

Mas com as vagas que surgirão no STF no futuro próximo e com a troca de procurador-geral da República, que ocorrerá em agosto, a vantagem que a direita midiática ostenta hoje pode sumir, caso a presidente da República tenha se utilizado de critérios minimamente racionais ao nomear o ministro Teori Zavascki.

Claro que Dilma ter nomeado alguém como Luiz Fux, é de lascar. A célebre entrevista dele à Folha de São Paulo mostra a ingenuidade dela, precedida pela de Lula. Mas, convenhamos, a mulher que preside o Brasil não é uma maluca que daria a seus adversários – de novo – instrumentos para impedirem a si ou a Lula de disputarem a eleição de 2014.

Tudo isso, claro, só faz sentido se Zavascki for mesmo sério, pois se Dilma tiver feito sua nomeação sem se certificar de que o nomeado não irá ficar de quatro para a mídia, as nomeações que restam a ela não serão suficientes para equilibrar o jogo.

Mas se Dilma estiver consciente do que está ocorrendo no país a disputa volta para as urnas, onde as últimas pesquisas de opinião mostram que o PT continua nadando de braçada, com possibilidades de chegar a 2014 com uma dianteira irreversível sobre os possíveis candidatos a anti-Lula, anti-Dilma e anti-PT, entre os quais, claro, pode estar um Joaquim Barbosa.

Aliás, façamos uma pausa para refletir que o melhor dos mundos seria se Barbosa realmente decidisse se candidatar a presidente em 2014 – e convenhamos que seu nome não teria sido incluído na pesquisa Datafolha divulgada no domingo se o grupo empresarial midiático que a fez não soubesse de alguma coisa…

O fato, porém, é que a saída de Barbosa do STF a fim de se candidatar daria chance a Dilma de ferir de morte o grupelho partidarizado que se apoderou daquela instituição, pois a presidente teria mais um ministro para indicar durante seu mandato.

Em suma, se você está desanimado com o show de golpismo a que assistiu na segunda-feira na mais alta instância do Judiciário brasileiro, não fique assim. O trunfo da direita midiática se equilibra em alguns poucos homens que ocupam postos no Judiciário e no MPF por tempo limitado, o que torna a vantagem golpista muito mais precária do que parece.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O STF e o risco de desastres


Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:

A descoberta de que em 1995 o ministro Celso de Mello proferiu um longo voto no qual defendia que apenas o Congresso tinha poderes para cassar o mandato de um parlamentar ilumina vários aspectos do julgamento do mensalão.

Decano do STF, em 1995 o ministro sustentou, com base no artigo 55 da Constituição, que:

“A norma inscrita no art. 55, § 2o, da Carta Federal, enquanto preceito de direito singular, encerra uma importante garantia constitucional destinada a preservar, salvo deliberação em contrário da própria instituição parlamentar, a intangibilidade do mandato titularizado pelo membro do Congresso Nacional, impedindo, desse modo, que uma decisão emanada de outro poder (o Poder Judiciário) implique, como conseqüência virtual dela emergente, a suspensão dos direitos políticos e a própria perda do mandato parlamentar.”

“(…) É que o congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação penal transitada em julgado, por efeito exclusivo de deliberação tomada pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros de sua própria Casa Legislativa.”

“Não se pode perder de perspectiva, na análise da norma inscrita no art. 55, § 2o, da Constituição Federal, que esse preceito acha-se vocacionado a dispensar efetiva tutela ao exercício do mandato parlamentar, inviabilizando qualquer ensaio de ingerência de outro poder na esfera de atuação institucional do Legislativo.”

Vamos prestar atenção: Celso de Mello está dizendo com todas as letras que, “salvo deliberação em contrário da própria instituição parlamentar,” o mandato possui a garantia constitucional da intangibilidade, impedindo que “uma decisão emanada de outro poder (o Poder Judiciário), implique a suspensão dos direitos políticos e a própria perda do mandato.” Diz ainda o ministro que o mandato só pode ser cassado “por efeito exclusivo” de uma deliberação “tomada pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros de sua própria Casa Legislativa.”

Precisa mais?

Precisa. Em outra passagem daquele voto, Celso Mello faz questão de estabelecer diferenças entre a Carta em vigor, a de 1988, e a Emenda Constitucional anterior, de 1969, que procurava formatar as leis da ditadura nascida com o AI-5. Era um cuidado importante. A carta da ditadura, que autorizava o funcionamento de um Congresso controlado, onde o presidente da República divulgava lista de cassados sem o menor pudor, dizia em seu artigo 149 que o “Presidente” e o “Poder Judiciário” poderiam cassar mandatos.

Os próprios parlamentares estavam excluídos dessa decisão. Compreende-se. Mesmo num regime sem liberdade partidária, e imensa repressão sobre as organizações populares, em especial dos trabalhadores, eles poderiam causar dores de cabeça.

Neste aspecto, a ditadura era coerente. Subtraia dos representantes do povo – mesmo eleitos naquelas circunstâncias difíceis de um regime militar – o direito de deliberar sobre a cassação de um mandato. Examinando as duas cartas, Celso Mello conclui que uma decisão de outro poder – fala explicitamente do Poder Judiciário – poderia representar uma “tutela” ao “exercício do mandato parlamentar” e que a finalidade do artigo 55 era inviabilizar “qualquer ensaio de ingerência” sobre o Legislativo.

Precisa mais?

Precisa. O voto de Celso Mello em 1995 está longe de ser um caso isolado. Até muito recentemente, era um ponto pacífico para vários ministros da casa. Vários votaram no mensalão – para sustentar que o Supremo tem o direito de cassar mandatos.

Em 2011, no julgamento de um deputado condenado pelo STF por esterilização ilegal de mulheres no interior do Pará, os ministros também votaram sobre a cassação de mandatos. Alguns votos são significativos, conforme levantamento feito pelo repórter Erick Decat, divulgado dias atrás por Fernando Rodrigues:

Luiz Fux, revisor – página 173 do acórdão: “Com o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados e oficie-se a Câmara dos Deputados para os fins do art. 55, § 2º, da Constituição Federal.

Marco Aurélio – página 177 do acórdão: “Também, Presidente, ainda no âmbito da eventualidade, penso que não cabe ao Supremo a iniciativa visando compelir a Mesa diretiva da Câmara dos Deputados a deliberar quanto à perda do mandato, presente o artigo 55, inciso VI do § 2º, da Constituição Federal. Por quê? Porque, se formos a esse dispositivo, veremos que o Supremo não tem a iniciativa para chegar-se à perda de mandato por deliberação da Câmara”.

Gilmar Mendes – página 241 do acórdão: “No que diz respeito à questão suscitada pelo Ministro Ayres Britto, fico com a posição do Relator, que faz a comunicação para que a Câmara aplique tal como seja de seu entendimento

Ayres Britto (já aposentado) – página 226 do acórdão: “Só que a Constituição atual não habilita o Judiciário a decretar a perda, nunca, dos direitos políticos, só a suspensão”.

Cezar Peluso (já aposentado) – página 243 do acórdão: “A mera condenação criminal em si não implica, ainda durante a pendência dos seus efeitos, perda automática do mandato. Por que que não implica? Porque se implicasse, o disposto no artigo 55, VI, c/c § 2º, seria norma inócua ou destituída de qualquer senso; não restaria matéria sobre a qual o Congresso pudesse decidir. Se fosse sempre consequência automática de condenação criminal, em entendimento diverso do artigo 15, III, o Congresso não teria nada por deliberar, e essa norma perderia qualquer sentido”.

Vamos ler de novo?

Fux não manda cassar. Pelo contrário: manda oficiar a mesa para “os fins do artigo 55”, que exige deliberação por voto secreto e maioria absoluta – da cassação. Para Marco Aurélio, “não cabe ao Supremo a iniciativa visando compelir a Mesa diretiva da Câmara dos Deputados a deliberar quanto à perda do mandato, presente o artigo 55, inciso VI do § 2º, da Constituição Federal.” Gilmar Mendes pede que se comunique a decisão à Câmara para que a “aplique tal como seja de seu entendimento.”

Claro que ninguém está impedido de mudar de opinião ao longo da vida. Muitas vezes, essa mudança é indispensável e positiva. Quem pode julgar?

O voto de Celso de Mello em 1994 está longe de ser uma analise conjuntural. Aponta para traços permanentes que distinguem a Constituição cidadã de 1988, sem “ingerência de outro poder”, daquela de 1969, que previa cassação de mandatos pelo poder judiciário, como o Supremo fez com Chico Pinto em 1976.

Parece óbvio que ele – e outros colegas do STF – mudaram de opinião com o passar do tempo. Ao julgar o mensalão do PT, concluíram que o artigo 55 está errado.

Passaram a ter receio de que os parlamentares não cassem o mandato dos deputados condenados à pena de prisão.

Concordo que pode ser absurdo, mas está na lei e é um direito deles. E se os parlamentares concluírem, após ampla defesa, que o mandato não deve ser cassado? É feio? Escandaloso? Imoral?

Repito: feio, escandaloso e imoral é romper a Constituição, desastre que todos sabem como começam e, para evitar reações em contrário, fingem não saber como terminam. (Todos sabem como terminam, não é?)

Em 2012, pelo menos quatro ministros do STF dizem que essa prerrogativa está errada. Dizem que ela pode criar o inconveniente de ter um político na cadeia – com o mandato no bolso.

Embora os juízes tenham mudado de opinião, a Constituição permanece a mesma. Passou por várias reformas, recebeu emendas, mas o artigo 55 permanece lá, em seu formato original. O texto é o mesmo, com todos os seus parágrafos e vírgulas. Temos então, um debate político — e não jurídico. A discussão é de outra natureza.

Quem quer mudar a Lei Maior, só precisa respeitar o artigo primeiro, que diz que todo poder emana do povo e será exercido por seus representantes eleitos – e aprovar uma emenda constitucional.

Não vale dizer que a Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é.

Sabe por que? Isso pode ser válido nos Estados Unidos, país que criou uma democracia aristocrática, com voto indireto, sem uma Assembléia Constituinte, colocando acertos de cúpula acima da manifestação popular. Não custa lembrar que George W. Bush foi empossado por decisão da Suprema Corte.

No caso do Brasil, essa visão ignora a história do país. Os brasileiros conquistaram sua soberania no fim da ditadura ao eleger uma Constituinte pelo voto direto e secreto, rejeitando emendões, remendos e monstrengos variados que se queria impor a partir do alto. A Constituinte foi a resposta democrática contra as tentativas de fazer uma recauchutagem na ditadura.

Traumatizados por mandatos cassados conforme as conveniências dos generais, os constituintes fizeram questão de reforçar suas prerrogativas.

Todo mundo adora Raul Seixas mas ninguém precisa cair no rock da metamorfose ambulante nessa matéria. E a tal segurança jurídica?

A Carta pode ser modificada, sim. Mas a palavra final está no artigo primeiro, aquele que diz que todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos.

Esta é a questão.

Por fim, uma observação. É curioso que uma descoberta relevante sobre um dos ministros mais influentes e respeitados do STF tenha sido obra de um tuiteiro anônimo. Não foi assim uma revelação bombástica. O voto estava lá, nos arquivos do STF.

O tuiteiro se apresenta com o pseudônimo de Stanley Burburinho, e deve ter lá seus motivos para não revelar a identidade.

O Brasil do início dos séculos XVII e XIX possuía vários personagens dessa natureza, que se escondiam atrás de nomes falsos e apelidos estranhos. O mais conhecido era um padre do Recife, chamado de O Carapuceiro, que publicava um panfleto com notícias políticas e denúncias.

Mas vivíamos sob o absolutismo, da Coroa portuguesa e depois sob a Constituição promulgada sob a espada de Pedro I. A Censura era vista como um dado normal da vida pública, assim como o trabalho escravo.

Nada a ver com os tempos da Constituição de 1988, concorda?

sábado, 15 de dezembro de 2012


O Aparelhamento das Agências Reguladoras, por Marcos Coimbra


Faz tempo que o assunto está na moda. A rigor, desde o primeiro ano do governo Lula. Começou lá a queixa das oposições, políticas e midiáticas, contra o que chamam “aparelhamento do Estado”.
É uma expressão que pode ser usada livremente, para descrever a nomeação de funcionários e dirigentes do setor público com base em critérios políticos, quaisquer que sejam.
Mas entrou em nosso vocabulário político com um sentido estrito. Tornou-se sinônimo de “colocar gente do PT em cargos de confiança do governo”.
Há quem ache que vem da palavra aparelhar, cujo principal significado, nos dicionários, é munir, preparar, equipar. Quando, no entanto, se fala em aparelhamento do Estado, a origem é outra.
Ao dizer que “o PT aparelhou o Estado”, alude-se à ideia de apparatchik, termo pejorativo do russo coloquial que designa os militantes do antigo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) que ocupavam postos na estrutura do governo apenas por seus vínculos partidários. Não tinham experiência ou formação.
Os apparatchiks atrapalhavam as pessoas e o país. Mandavam sem legitimidade e aumentavam a taxa geral de ineficiência do governo.
Quando começaram a dizer que o PT “aparelhava” o governo, as oposições sugeriam que algo semelhante estava em curso aqui. Que, depois da vitória de Lula, nossa administração pública estaria sendo transformada em coisa parecida ao que existia na velha União Soviética.
A analogia sempre foi forçada, a começar por uma questão de escala. No final dos anos 1980, o PCUS tinha quase 20 milhões de filiados - que representavam cerca de 10% da população adulta - espalhados no país inteiro.
Números como esses nunca existiram no Brasil, seja em relação ao PT ou a qualquer partido.
Implícita na tese do aparelhamento está a ideia de que o PT teria modificado, para pior, um padrão pré-existente - que seria bom. Que, antes que começasse a aparelhá-los, os cargos públicos no Brasil eram preenchidos de outra maneira.
Que não existiam os apadrinhados, os protegidos, os afilhados dos poderosos. Que ninguém era nomeado para uma função no governo por ser correligionário de alguém.
Nestes dias, em função da prisão de dois dirigentes de agências reguladoras na Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, voltou a subir a grita contra o aparelhamento. No caso, considerado ainda mais pernicioso, ao afetar instituições criadas para realizar a gestão técnica e apartidária de áreas sensíveis.
É claro que, confirmadas as suspeitas contra eles, ambos merecem a punição da lei. Mas não é só isso que está em tela.
Vinda dos partidos de oposição, a denúncia do aparelhamento petista é apenas mais uma na luta ideológica, que sequer precisa ter fundamento real.
É do jogo que a oposição critique o governo, com acusações verdadeiras e outras nem tanto. Até mesmo que queira pegar carona em surrados preconceitos anticomunistas, abrasileirando uma expressão com conotação “soviética”.
Extraordinário é o modo como o assunto é tratado pelos meios de comunicação e seus formadores de opinião. Ao invés de discuti-lo, que apenas façam coro às denúncias de um lado, calando sobre os atos praticados pelos que hoje são acusadores.
Triste sina a das agências reguladoras. A começar pela mais vistosa e a que mais influência tem no mundo dos negócios, a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Criada em 1997, seu primeiro presidente, David Zylbersztajn, foi indicado por Fernando Henrique Cardoso.
Era um quadro do PSDB. Havia sido secretário de Energia do governo Covas em São Paulo. Mais tarde, assessorou a campanha Serra.
Fernando Henrique pôs na chefia da ANP um tucano de quatro costados. Que a administrou com visão partidária, tomando decisões que podiam ser tudo, menos neutras e consensuais.
Seria, por acaso, “técnica” sua intenção de privatizar a Petrobrás?
Por coincidência, além de apparatchik do PSDB, Zylbersztajn era genro de FHC. Na sua indicação, fundiam-se aparelhamento e uma pitada de nepotismo - tanto que o ex-sogro o forçou a pedir demissão quando se separou da filha.
Nessa, como em inúmeras questões importantes para o Brasil, o silêncio seletivo da imprensa em nada ajuda. Ficar gritando contra o PT não é o caminho.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O golpe tardio de Marcos Valério


O golpe tardio de Marcos Valério
Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:



Uma das características mais interessantes do golpismo midiático é o endeusamento de bandidos. Desde que estes se prestem a servir a “causa”, ganham ilimitado espaço nos grandes meios de comunicação. Quem irá esquecer os oito minutos que o Jornal Nacional, às vésperas de uma eleição presidencial, deu àquele bandidinho de segunda, que havia acabado de sair da cadeia, Rubnei Quicoli, onde ele acusava a Casa Civil de lhe ajudar a obter um empréstimo de 8 bilhões junto ao BNDES?


Não há santos em política. Não é preciso muita imaginação para supor a quantidade estonteante de chantagens, pressões indevidas, tráficos de influência, subornos, caixa 2, ameaças, que acontecem nos bastidores de Brasília. Se há poder envolvido, tem-se necessariamente um jogo pesado.

Nem PT nem Lula escapam dessa lógica. Eles não têm o poder mágico de remover a podridão humana, nem a alheia, nem a própria.

Dito isto, qualquer acusação contra Lula merece ser analisada com triplo cuidado, porque faz parte do jogo político, desde priscas eras, acusar o adversário das piores felonias.

Hoje o Estadão volta com uma acusação que ele mesmo havia feito há alguns meses, mas acrescentando detalhes que implicariam a pessoa do Lula.

A matéria informa que Valério diz que o esquema pagou despesas pessoais de Lula, e que o presidente deu ok aos empréstimos que o publicitário fez em nome do PT. A acusação, porém, tem as seguintes falhas:

- Como sempre faltam provas. E, segundo o próprio Valério, não há provas de que o dinheiro se destinou a pagar despesas pessoais de Lula, visto que não foi depositado na conta do ex-presidente.
- Lula já era presidente, a maior parte de suas contas poderia ser paga, regularmente, por seu gabinete. Não tem sentido esperar dinheiro de Marcos Valério. Se Valério falasse que depositou milhões para Lula em conta no exterior, haveria sentido, que era o enriquecimento ilícito. Mas pagar contas?
- Quanto ao aval sobre o empréstimo, aí é que não faz sentido mesmo. Em primeiro lugar, foi um empréstimo, que o PT inclusive já quitou. O STF criminalizou um empréstimo legal. Tentou-se, desde o início, pintar o PT como um partido inadimplente e falido, o que é um contrassenso: o PT havia acabado de sair vitorioso de uma eleição onde vencera em estados, além da vitória maior, a presidência. Qualquer banco privado emprestaria ao PT por este motivo.
- Marcos Valério, obviamente, está desesperado com a possibilidade de ficar em cana por décadas. Isso é motivo para, no mínimo, se desconfiar de suas intenções. Além do mais, todo bandido brasileiro da área política já entendeu que basta dar umas cacetadas no PT e, sobretudo, em Lula, para receber a solidariedade inconteste e definitiva da grande mídia.
- Quanto às “ameaças de morte” que teria recebido de Paulo Okamoto, pode-se tratar de uma estratégia astuta para se pintar como vítima.

Felizmente, o golpe em Lula, o milionésimo, chegou tarde. O ex-presidente teve tempo de fazer o que tinha de fazer: melhorar a vida do brasileiro, sobretudo o mais pobre. Para milhões de brasileiros, liberdade de expressão não é apenas poder falar o que quiser, mas também obter as proteínas e a dignidade necessárias para fazê-lo de cabeça erguida.