domingo, 2 de dezembro de 2012

PT: DO DISCURSO REVOLUCIONÁRIO À REVOLUÇÃO DA REALIDADE



Rafael Patto

Tem algumas historinhas que me dão muita preguiça. Esse papo de que o PT traiu o seu discurso original 
é uma delas. “O PT não quer mais revolucionar a sociedade e blá-blá-blá”. 

Gente, não é o PT que não quer mais. É a sociedade que não quis essa revolução. O PT a propôs, e o povo rejeitou por três vezes. O PT defendeu por muito tempo uma transformação das bases profundas da sociedade, e se ofereceu para fazer essa transformação. O povo é que não o apoiou eleitoralmente.

 O PT entendeu e respeitou, democraticamente. O partido compreendeu o recado das urnas em 1989, 1994 e 1998 e se reformulou para melhor corresponder ao desejo do “respeitável público”. O que queriam os “bonitinhos” que adoram dizer que o PT mudou? Que o PT continuasse dando murro em ponta de faca, defendendo um discurso que a maioria da população não aprova? Ora, quer dizer então o PT teria que ficar perdendo eleições o resto da vida?

O PT mudou sim, para melhor corresponder ao anseio popular. Tanto é assim que venceu as eleições em 2002, e já foi reconduzido à Presidência da República, pela vontade do povo, outras duas vezes seguidas, e daqui a dois anos muito provavelmente emplacará sua quarta vitória consecutiva numa disputa presidencial. Terá sido isso um erro do PT? Tá brincando, né?

Durante muitos anos o PT teve de engolir a pecha de sectário porque não soube conciliar a rigidez de seus princípios às necessidades conjunturais da política brasileira em diferentes capítulos da história: não apoiou a indicação de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral por considerar que a proposta de “transição lenta e gradual” não atendia plenamente às necessidades de redemocratização do país; não votou a favor da Constituição de 1988, que já havia consagrado algumas conquistas populares e reconhecido importantes direitos da classe trabalhadora, como os que foram introduzidos pelo artigo 6º, e os institutos de participação direta na organização política do país, previstos no artigo 14 (os quais foram conquistas democráticas da organização e mobilização dos trabalhadores promovidas pelo próprio PT durante uma década de greves, 1978-1988), mas que o PT optou por não apoiar em nome de um projeto ainda mais progressista, que não contava, entretanto, com apoio suficiente de outras legendas e grupos políticos (“quem tudo quer...”); o PT também recusou o apoio do PMDB no segundo turno de 1989, o que poderia ter significado a vitória de Lula; recusou-se a participar do “pacto de governabilidade” proposto por Itamar Franco após o impeachment de Collor – o que acabou abrindo espaço para que outras figuras despontassem, a exemplo do fiasco fhc; entre outros episódios que poderiam ter sido tratados pelo partido com maior “jogo de cintura”, que, afinal de contas, é o que requer a atividade política.


Acho que o tempo que passou desde esses acontecimentos até hoje nos permite reconhecer que houve uma sucessão de erros estratégicos que só adiaram a chegada do partido ao poder. E aqui cabe a pergunta: se tivesse mantido essa atitude, o PT teria mudado a vida de mais de 40 milhões de brasileiros? Só no discurso o PT teria mudado os rumos da história desse país? Se hoje o Brasil não é uma Grécia é graças ao PT ter sabido construir a ponte que o levou do discurso e da teoria para a ação concreta. O PT não “revolucionou” a sociedade brasileira porque o povo não quis. Mas o PT vem reformando moderadamente essa sociedade porque foi assim que o povo preferiu, e é com o apoio do povo que essa reforma social vem se concretizando com muito sucesso!

RELEMBRANDO UM POUCO MAIS DA HISTÓRIA


O PT não mudou apenas depois que chegou ao poder.

O PT mudou antes, foi um processo longo, que durou anos (desde o Colégio Sion, em 1980, até o Anhembi, em 2002, e a “Carta ao Povo Brasileiro”, que propunha não mais uma “ruptura com o capital”, mas sim uma “grande mobilização nacional levada adiante por governos, empresários e trabalhadores”).

Essas mudanças programáticas foram anunciadas antes do início da disputa eleitoral de 2002. E foi a partir daí que o PT passou a contar com o apoio da maioria necessária para vencer uma eleição. O PT não venceu a eleição de 2002 defendendo discurso anticapitalista. O Programa de governo da Coligação Lula Presidente deixou muito claro que “o Brasil não deve prescindir das empresas, da tecnologia e do capital estrangeiro”.

 E foi só após reconhecer isso que o partido foi capaz de costurar o “pacto social” que o levou a vencer uma eleição presidencial depois de três derrotas. Foi com esse discurso que o PT fez maioria, então é no tom desse discurso que o PT tem que governar. Essas mudanças estão registradas nos documentos do partido, e são anteriores à sua chegada ao Planalto. Só não sabe disso quem não quer. E como se não bastasse apenas a mudança de discurso, a própria aliança do PT com partidos de centro-direita (para formar a coalizão vitoriosa) e a indicação de um empresário/patrão para ser vice na chapa de Lula já haviam sido demonstrações mais do que eloquentes da disposição do partido em não radicalizar.

E agora, depois de 10 anos de um governo moderado, mas que vem promovendo importantes avanços econômicos e sociais no país, ainda tem gente que diz se sentir traída pelo PT porque o PT “não fez a revolução”?

 Pelo amor de deus, que gente chata! Olha para o mundo e vê se não é uma enorme revolução estarmos hoje na situação em que estamos (de pleno emprego e tranqüilidade fiscal, financeira e monetária) enquanto as ditas principais economias do planeta respiram por aparelhos. Isso é uma revolução histórica porque, antes, qualquer espirro dos EUA nos provocava uma pneumonia (em 1994, com um rombo de US$ 70 bilhões, a crise do México afetou terrivelmente o Brasil. Depois, em 1997, veio a crise dos Tigres Asiáticos, que forçou o Brasil a recorrer ao FMI.

Em 1999, um rombo de apenas US$ 40 bilhões na economia da Rússia levou o Brasil à bancarrota e, outra vez, teve de se socorrer junto ao FMI.

A atual crise, apenas nos EUA, já causou um rombo de UM TRILHÃO de dólares, e o Brasil tem se apresentado como uma alternativa concreta de socorro para os países afetados). Hoje, os EUA estão na UTI e nós continuamos com nossa economia crescendo (em ritmo sustentável) e com distribuição de renda. Isso é grandiosamente revolucionário. Revolução sem ruptura com o capital. E quem se diz traído porque o governo do PT não promoveu essa ruptura deveria, ao invés de apontar o dedo para o partido, tentar compreender que essa ruptura não se deu porque o povo preferiu assim.

 É preciso perceber que a mudança do partido começa fora do partido. A sociedade é que é protagonista desses eventos. Não existe simplesmente um governo do PT, mas sim o governo de uma maioria que se aliançou ao PT. Portanto, para concluir, o PT não governa ao sabor de seus próprios dogmas.

O governo do PT se desenvolve no esforço permanente de manutenção do equilíbrio entre as forças que compõem a nossa sociedade. E eu arrisco dizer que nenhum outro partido conseguiu fazer isso com tanta competência como tem conseguido o Partido dos Trabalhadores. Que me provem o contrário!

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