Por Maurício
Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:
A entrevista
de Celso Antônio Bandeira de Mello ao repórter Felipe Amorim, do site Última
Instância, vem agregar ao rol de críticas negativas ao comportamento do STF durante
o julgamento do "mensalão" a opinião de um jurista internacionalmente
reconhecido e de um professor reverenciado, a quem as legiões de alunos que
educou referem-se com adjetivos como "magnânimo" e
"inesquecível".
Considerado
uma das maiores autoridades em Direito Administrativo no país, Bandeira de
Mello traz uma opinião abalizada, infesa a paixões políticas, sobre um
julgamento que vem açulando o crime belicoso no país - seja por servir à
oposição para propagar a falácia de que o governo petista seria mais corrupto
que seus antecessores, seja por levar o petismo a denunciar o tratamento
assimétrico que mídia e Justiça têm dado ao partido, em comparação com o que a
oposição recebe.
O BBB do STF
Entre uma e
outra posição, o STF viu-se instrumentalizado pela luta política, com o
maniqueísmo e jogo de interesses que tal ocorrência acarreta. Com todas as
sessões transmitidas ao vivo pela TV e pela internet – prática provavelmente
inédita no mundo -, os limites entre justiça e reality show viram-se diluídos
e, à semelhança do que ocorre com os mocinhos e vilões, os juízes e juízas, com
sua ira punitiva estimulada pela luz dos holofotes, se tornaram depositários da
idolatria de uns – a um ponto tal que o apelido Batman, recebido por Joaquim
Barbosa, passou a ser utilizado de modo laudatório nas redes sociais – e da
repulsa de outros.
Para além de
todos os aspectos questionáveis que marcaram as decisões do tribunal no caso,
não deixa de soar como um desperdício de oportunidade histórica que, tendo o
país o "mensalão" petista e o "mensalão" mineiro – leia-se
peessedebista - na pauta de sua alta corte, nem o petismo, por um lado, tenha
sido levado a reconhecer que o partido, no poder, não primou pelo grau de
excelência ética que sempre cobrou dos adversários; nem, por outro lado, tenham
sido minimamente expostas as falcatruas praticadas pelo tucanato, que estão na
origem dos dois mensalões e desaguam na privataria da era FHC, sempre em
conluio com a mídia corporativa.
Princípios
violados
Em relação
ao julgamento do "mensalão", Bandeira de Mello critica a
"flexibilização de provas" e afirma tratar-se de "um soluço na
história do Supremo Tribunal Federal", pois, depois dele, "não se
condenará mais ninguém por pressuposição". Tão sereno quanto incisivo, vai
além: "Entendo que foram desrespeitados alguns princípios básicos do
Direito, como a necessidade de prova para condenação, e não apenas a suspeita,
a presunção de culpa. Além disso, foi violado o princípio do duplo grau de
jurisdição".
Não obstante
um certo comedimento elegante e o visível esforço para evitar críticas pessoais
– sobretudo ao amigo próximo e ex-aluno Carlos Ayres Britto, por cuja nomeação
Bandeira de Mello, ao lado de outro grande jurista de sua geração, Fábio Konder
Comparato, trabalhou -, não se furta a indiretas e a opiniões polêmicas :
"Eu acho que o juiz devia ser proibido de dar entrevistas. E não só os
ministros do Supremo — mas eles é que parecem que gostam". Declara não ter
gostado do comportamento de Joaquim Barbosa durante o julgamento (" Achei
uma postura muito agressiva. Nele não se lia a serenidade que se espera de um
juiz."). Após exaltar a "educação e a finura" de Levandowski
("é um príncipe") afirma ser "quase que inacreditável que
Barbosa tenha conseguido fazer um homem como Lewandowski perder a
paciência".
O Supremo e
a mídia
Na
entrevista, Bandeira de Mello disserta ainda sobre o que seria um Supremo
ideal. Defende a limitação dos mandatos dos ministros a oito anos (bandeira que
soergue há tempos), a predominância de juízes entre os escolhidos ("eu
colocaria pelo menos dois terços de juízes de carreira"), e, embora não
feche questão, sugere a eleição entre pares como uma das possíveis maneiras de
aperfeiçoar o processo de escolha dos membros do STF.
Em uma época
em que ministros da corte máxima do país se confundem - e se comportam como -
astros da mídia, as opiniões francas e lúcidas de Bandeira de Mello em relação
à imprensa formam um elucidante contraste. Como se depreende das declarações
que fez em entrevista ao repórter Elton Bezerra, do site Consultor Jurídico,
realizada em agosto, às vésperas do início do julgamento da AP 470: "A
grande imprensa é o porta-voz do pensamento das classes conservadoras. E o
domesticador do pensamento das classes dominadas. As pessoas costumam encarar
os meios de comunicação como entidades e empresas cujo objetivo é informar as
pessoas. Mas esquecem que são empresas, que elas estão aí para ganhar dinheiro.
Graças a Deus vivemos numa época em que a internet nos proporciona a
possibilidade de abeberarmos nos meios mais variados".
Controle
ético da imprensa
Provocado
pelo entrevistador se não estaria a defender a censura, Bandeira de Mello, após
observar que tal termo ficou "amaldiçoado" após o regime militar, a
despeito de sua correta vigência, por exemplo, em relação a pedofilia ou a
racismo, observa: "Não é um problema de censura, é um problema de não
entregar o controle a uma meia dúzia de famílias. Abrir para a sociedade, abrir
para os que trabalham no jornal, ou na rádio ou na televisão, para que eles
possam expressar sua opinião. E haver, sim, um controle ético de moralidade e
impedir certas indignidades".
Ainda no
capítulo de suas relações com a imprensa, o jurista protagonizou recentemente
uma polêmica com a revista Veja – que o acusara de estar redigindo um manifesto
crítico ao STF e favorável a José Dirceu -, a qual encerrou, num lance
denotador de grande inteligência, com a publicação de uma declaração que é um
primor de como sublinhar críticas ao mesmo tempo em que renega tecê-las.
Parcerias
Público-Privadas = privatizações
As suas
observações em relação ao julgamento do "mensalão" são
particularmente importantes por virem de uma figura pública a qual, além de
abalizada em termos de conhecimento jurídico, não se pode acusar de governista
ou de tendenciosa. Pois, crítico contumaz dos Regimes Diferenciados de
Contratação (RDDs) empregados por Dilma na licitação das obras para a Copa do
Mundo, Bandeira de Mello, com a autoridade de grande expert em Direito
Administrativo, na entrevista ao Consultor Jurídico não tem papas na língua
para apontar o que considera errado no atual governo:
"É duro eu dizer isso porque a eleição da Dilma foi algo muito
importante. Estou satisfeito com ela. Mas no governo dela foram feitas coisas
muito... Por exemplo, as tais Parcerias Público Privadas. Isso no governo Lula
é uma catástrofe. É um aprofundamento das privatizações. E essas medidas da
Dilma são aprofundamentos de desmandos típicos do governo Fernando Henrique. É
necessário dinheiro para coisas mais importantes: saúde e educação acima de
tudo. "
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