Acabou o Lexotan na SIP
Por Leandro Fortes, na CartaCapital:
Há quase 200 anos, os embaixadores das maiores potências da
Europa se reuniram em Viena, na Áustria, com o mesmo objetivo que, por esses
dias, juntou em São Paulo os barões da mídia panamericana na 68ª Assembleia da
Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Nos dois casos – no Congresso de
Viena e no convescote da SIP – a nobreza presente tinha o mesmíssimo objetivo:
restaurar o passado, voltar ao status quo e, principalmente, eliminar do futuro
o germe da revolução. Em 1814, a intenção era redesenhar a geopolítica europeia
após o fim da Era Napoleônica e banir das mentes e dos corações dos cidadãos de
então as ideias e ideais da Revolução Francesa.
Em 2012, o baronato da mídia associado à SIP, também em
franco desespero, tenta a mesma coisa: resgatar um mundo hegemônico onde a
imprensa determinava o perfil e o caráter dos governantes, onde a mídia tinha a
exclusividade da intermediação dos fatos, das informações, das notícias, e era,
por si só, a própria ideologia da comunicação.
A História, como se sabe, se repete como farsa.
A SIP foi criada em 1943, em Havana, Cuba, durante a
ditadura-bordel de Fulgencio Batista. Acabou sediada em Miami, nos Estados
Unidos e, como tudo o mais durante da Guerra Fria, rapidamente foi transformada
em braço funcional da CIA e do Departamento de Estado dos EUA para dar suporte
aos movimentos golpistas bancados pelos ianques na América Latina. Os tempos
mudaram, mas a SIP, como a maioria de seus associados, quedou-se estagnada,
triste e ultrapassada, exatamente como a mídia que orgulhosamente representa.
Assim como os ventos revoltosos do século XIX surpreenderam
os nobres europeus em Viena, perdidos estão, no tempo e na circunstância, os
porta-vozes dos oligopólios de mídia convidados a participar da assembleia da
SIP, em São Paulo. Também estão apavorados. Os une o desespero das perdas e a
incerteza de um futuro nebuloso sobre o qual não há mais quaisquer garantias de
poder e lucro. Buscam na encenação montada sob as bandeiras das liberdades de
imprensa e expressão um Napoleão Bonaparte que os justifique e, por isso mesmo,
os redima. Encontram, aturdidos, generais do povo, pior, eleitos. Gente a quem
sempre consideraram serviçais de menor monta: índios, mamelucos, mulatos,
negros, caboclos, operários, mulheres.
Como era de se esperar, os dirigentes da SIP tem se revezado
na tribuna para demonizar os napoleões que elegeram como inimigos da liberdade
de imprensa: Hugo Chávez, da Venezuela; Cristina Kirchner, da Argentina; Rafael
Correa, do Equador; e Evo Morales, da Bolívia.
Dilma Rousseff, do Brasil, esperada para falar no festim da
SIP, desistiu de última hora. Enfim, se redimiu de ter participado do
aniversário de 90 anos da Folha de S.Paulo, jornal associado da SIP que, em
2010, estampou uma ficha falsa do DOPS da então candidata do PT à Presidência
da República a fim de eternizá-la como terrorista e assassina.
Diante da cadeira vazia reservada a Dilma, os 600
participantes da assembleia da SIP sincronizaram um muxoxo generalizado, mas
pelo menos se livraram da obrigação protocolar de respeitar a presidenta do
País que os acolheu. Em poucos minutos, Dilma foi comparada ao general-ditador
Ernesto Geisel e ao ex-presidente Fernando Collor, outros dois mandatários que
se negaram a emoldurar, quando no Brasil, a feliz confraternização de
empresários midiáticos do continente americano.
Até o final do encontro, espera-se que a presidenta seja
igualada a Stalin, Hitler, Mussolini, Gengis Khan e Átila, o huno.
Embalados pelo medo do admirável mundo novo aberto pela
internet, mas, sobretudo, unidos por um grau de descolamento da realidade muito
próximo do delírio, os próceres da SIP vociferam em coro contra os governos
progressistas aos quais, cada qual em seu canto americano, fazem oposição
sistemática, partidária e, não raramente, golpista.
Temem, no detalhe, medidas como a Lei dos Meios, baixada na
Argentina, que irá desmembrar, em breve, o império do Clarín, principal
apoiador da sangrenta ditadura dos generais argentinos. No todo, se apavoram
com a possibilidade de uma combinação capaz de disseminar, sobretudo na América
do Sul, a ideia de um novo marco regulatório com poder de romper a hegemonia
dos oligopólios de mídia e, enfim, criar mecanismos de democratização da
informação – um direito humano imprescindível, mas negado desde sempre ao
eleitor latino americano.
A tudo chamam de censura e, deliberadamente, misturam os
conceitos de liberdade de expressão e liberdade de imprensa para que,
justamente, não se discuta nem um, nem outro.
Em Viena, pelo menos, a nobreza era genuína.
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