Moralistas hipócritas usam julgamento do
mensalão para defender a ditadura
Tenho lido alguns artigos denunciando os arrepios legais no julgamento
do mensalão. Pouco importa se existem provas. O que conta mesmo é o espetáculo
midiático em torno deste julgamento.
São poucas vozes que se levantam. Qualquer um que ouse manifestar
posição divergente ou provocar reflexão diante deste processo é rapidamente
acusado de “quadrilheiro”.
Trata-se de uma inquisição, e quem não quiser queimar junto nesta
“fogueira santa” deve permanecer em silêncio.
A opinião pública quer se vingar da classe política. Qualquer resultado
que não fosse a condenação de todos os réus significaria uma gigantesca pizza
servida no Jornal Nacional, com alguns poucos manifestantes vestindo nariz de palhaço
e com vassouras nas mãos.
Caso os réus não fossem condenados, o país estaria mais inseguro. As
crianças desaprenderiam os nobres valores da sociedade civil brasileira, tão
temente a Deus e obcecada pela justiça.
Quanta hipocrisia!
Existem zilhões de comentaristas dizendo as mesmas coisas.
Não faz sentido eu usar este espaço se não for para provocar certas
reflexões. Tampouco este blog costuma aliviar com medo da “ditadura do senso
comum”.
Mas não vou comentar sobre os absurdos deste processo jurídico. Outros
já o fizeram com brilhantismo.
Quero comentar as reações subsequentes à condenação de José Genoíno e
José Dirceu.
Estava lendo os comentários dos leitores nos portais dos maiores
jornais do Brasil.
Muitos destes leitores faziam protestos muito curiosos.
Não foram poucos os que lamentavam o fato de que a ditadura militar
brasileira não tenha executado um número maior de opositores ao regime. Em
especial os presos políticos Genoíno e Dirceu.
Não foram poucos os que pediam um desagravo aos militares pela “grande
obra” de extermínio de seus inimigos políticos.
Quando digo que tais protestos são curiosos é porque não são poucas as
vezes que nos deparamos com acusações de que os governos Lula e Dilma estariam
pondo em cheque a democracia, interferindo em nossas instituições republicanas.
Podemos entender que a ideologia difundida pela elite e propagada por
alguns de seus empregados é que a democracia não passa de um método de
dominação, apenas conveniente quando o grupo político hegemônico for
representante direto de seus interesses.
Ou seja, quando o poder está nas mãos da “elite branca” devemos brindar
a democracia.
Porém, quando o executivo é ocupado por esta “corja sindical”, clamemos
por uma ditadura que venha nos redimir desta “anarquia”.
Para isso vale de tudo. Golpe militar ou “tapetão” judiciário.
Procura-se um general de farda ou um juiz de capa preta. Qualquer coisa
serve para colocar as coisas em seus devidos lugares e reacomodar a velha
hierarquia social.
O PT cometeu erros graves sim. Gravíssimos. Chegando ao executivo, acreditou
que seu poder seria suficiente para subjugar a velha classe política
tradicional. Imaginou que o apoio financeiro e político aos partidos da base
seriam suficientes para ganhar a obediência das velhas raposas.
Como se não houvesse reles traições no meio do caminho.
Mas este grave erro é antecedido por outro ainda mais sério, e espero
que o PT aprenda com ele.
O PT realmente acreditou que poderia se articular com a elite e
controlar parte dela. Imaginou que a força do governo – com seu potencial político
e econômico - permitiriam estabelecer uma agenda comum com a grande mídia. Ao
controlar a economia, mantendo as bases do “acordo” do Estado com o Mercado,
acreditou que as velhas forças se engajariam no projeto nacional do novo
governo.
Besteira!
A relação da elite com o petismo é meramente funcional.
A velha elite se articula com o governo simplesmente porque precisa
dele para manter as bases de seu domínio, porém não o reconhece como seu.
Frequentaram durante um período os mesmos salões, mas na primeira
oportunidade que tiveram, lançaram mão dos recursos disponíveis para colocar na
cadeia aqueles que ousaram submete-los ao seu projeto.
E a classe média?
Ah, a classe média, como sempre incorporando como seu o projeto da
classe dominante. Ainda que seja em seu próprio prejuízo. Tudo para não se
aliar com a classe pobre. Seria terrível ser ultrapassada na escala social por
esta gentalha.
E a classe média jamais perdoará Lula e o PT por subverter a velha
hierarquia das castas brasileiras.
É mentira que os moralistas estejam preocupados com a corrupção!
Se assim fosse, jamais teriam sustentado tantos coronéis no poder
durante tanto tempo. Quando os escândalos eram contra a velha classe política,
os moralistas achavam até graça. Riam porque ninguém nunca conseguia provar
nada contra o Dr. Fulano de Tal. Criaram até o slogan do “rouba, mas faz”.
Se os moralistas estivessem realmente preocupados com o bom uso do
dinheiro público, não fecharia seus olhos diante dos bilhões que escorrem dos
cofres públicos todos os meses para financiar os bancos.
Se estivessem realmente atentos, fiscalizariam o volume de publicidade
pública na grande imprensa. Dinheiro para pagar o arrego dos governos aos
verdadeiros donos do poder.
Por que a privataria tucana nunca foi motivo de indignação destes
moralistas dos dias de hoje? Não faltaram gravações, documentos, provas e
resultados econômicos para comprovar o roubo destas privatizações.
De Pedro Alvarez Cabral até os dias de hoje, nenhum roubo lesou tanto
esta nação como as privatizações, do jeito que foram realizadas.
Por que esta classe de moralistas sente-se ofendida com a “bolsa
esmola” que o governo usa para “sustentar os vagabundos que não querem
trabalhar”? Por que ajudar os miseráveis agride tanto, quando os governos do
mundo todo (inclusive o nosso) não se cansam de ajudar os bancos e as
multinacionais, com a justificativa de salvar a economia mundial?
É tudo mentira!
A questão aqui é política!
Para os moralistas, tanto faz se um governo seja ladrão ou não.
O problema é que os “corruptos” da vez ousaram subverter a velha
hierarquia. Fizeram da política seu ofício enquanto todos os outros trabalhavam
obedientemente. Converteram-se em chefes enquanto todo mundo continuava
cumprindo ordens.
Por isso a condenação foi “merecida”.
Aliás, deveriam ter sido eliminados décadas atrás pela ditadura que
garantia a “ordem das coisas”.
Para quem se sente humilhado no dia-a-dia, mas obedece caninamente seus
patrões na esperança de algum bem-estar e segurança, ainda que ilusórios, nada
é mais irritante do que o “irmão rebelde”. Nada mais recompensador do que um
“pai” enérgico que faça justiça ao seu esforço e lealdade e coloque as coisas
em seu devido lugar.
Sonham com uma ditadura que venha redimir a frustração que sentem ao
perceberem que foram excessivamente estúpidos e recalcados durante suas vidas.
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