STF, eleição e o domínio do fato
Por Breno Altman
Os resultados das eleições municipais, concluído o segundo turno, evidenciam
sólido avanço do Partido dos Trabalhadores. Apesar de alguns importantes
insucessos localizados (como Salvador, Recife e Fortaleza), a agremiação
atingiu vários objetivos estratégicos.
O PT sagrou-se como a legenda mais votada do primeiro turno, com 17,3
milhões de sufrágios e um crescimento de 4% sobre 2008. Aumentou em 15% o
número de prefeituras que irá governar (634 contra 550). Deu salto de 16% para
20% no total do eleitorado sob sua gestão municipal. Acima de tudo, pelo peso
político e simbólico, reconquistou o governo da cidade de São Paulo.
Apesar de aparente dispersão da hegemonia sobre o poder local, com o
surgimento do PSD de Kassab e a expansão do PSB de Eduardo Campos, a pedra de
toque das eleições concluídas nesse domingo foi o fortalecimento do maior
partido da esquerda, em contraposição ao encolhimento de seu principal
antagonista à direita, o PSDB.
Os tucanos perderam massa de votos (queda de 5,02%, de 14,5 para 13,8
milhões), além de número de prefeitos (de 787 para 704) e vereadores (de 5,9
para 5,2 mil). Foram surrados no sul e sudeste do país, que antes consideravam
sua fortaleza. E foram duramente golpeados na sua principal cidadela: além de
perderem a capital paulista, estão cercados pelo cinturão vermelho que se
consolidou na área metropolitana de São Paulo.
Muitos analistas da imprensa tradicional estão atônitos. Tentam
atropeladamente fugir às óbvias conclusões sobre o processo eleitoral. Ora
ensaiam dar ênfase a uma suposta fragmentação do voto, ora dirigem olhos para
uma eventual terceira via na polarização nacional, com a ascensão do PSB. Não
passam de manobras diversionistas. A aposta que faziam era derrotar o PT e
diminuir gravemente seu peso político. Perderam, e feio.
A estratégia antipetista repousava no julgamento do chamado “mensalão”.
Estabeleceu-se acosso midiático jamais visto sobre a corte suprema, para buscar
a degola de líderes históricos da sigla governista, apresentados à opinião
pública, diuturnamente, como bandidos com sentença transitada em julgado pelos
mais impolutos homens e mulheres da nação.
O espetáculo de exceção foi além de seu limiar processual. Os votos de
vários ministros, ao vivo e em cores, constituíram-se em declarações moralmente
condenatórias contra o PT e o governo Lula.
À oposição de direita e aos grandes veículos de comunicação, somou-se,
no palanque das denúncias contra dirigentes petistas, a maioria do STF. O
centro da disputa política, com o julgamento, trasladou-se para o tribunal, com
a expectativa de sacramentar institucionalmente a existência do esquema para
compra de apoio parlamentar entre 2003 e 2005. Desde às vésperas do golpe
militar não se via tamanha operação de desgaste contra um partido.
O que se esperava, quando a deliberação togada chegasse às ruas, era o
derretimento do PT. Na pior das hipóteses, ao menos um sensível encolhimento e
a derrocada na tentativa de conquistar a maior cidade brasileira. No auge da
ofensiva, não faltaram vozes que vaticinavam o ocaso da liderança de Lula. Mas
as forças de direita viram ruir seus sonhos e tomaram uma tunda histórica.
Os áulicos do reacionarismo ainda não entendem o que se passou. O
porquê da patuleia não dar bola para o julgamento na hora de votar. A mídia
corporativa é obrigada a engolir, pela terceira vez, o fel de sua progressiva
insignificância na formação de almas e mentes. Não conseguem aceitar que os
pobres da cidade e do campo, secularmente condenados pela oligarquia à
ignorância, ao desespero e à exclusão cultural, sejam capazes de forjar sua
própria consciência de classe.
Os dez anos de governo petista, com seus altos e baixos, mudaram a vida
de milhões. De dezenas de milhões. Pela primeira vez a multidão de miseráveis
viu sua vida melhorar, de forma estável e duradoura. Aumentaram a renda, a
oferta de trabalho, o acesso à educação e moradia, o sentimento de autoestima.
Os vínculos de identidade com o partido responsável por essas mudanças, e
principalmente com seu maior líder, foram se consolidando.
Os despossuídos, que antes eram majoritariamente reserva de mercado
para distintos projetos políticos das elites, vão passando a ter lado, o seu
próprio lado. A identificar amigos e inimigos, lógicas em conflito, a verdade
dos fatos. Esse processo dolorido, mas enraizado, fabrica um escudo contra a
manipulação midiática. E serviu de vacina contra o julgamento do “mensalão”.
Enormes massas de eleitores, apesar de expostos à chacina contra
líderes petistas na corte suprema, não compraram gato por lebre. Não aceitaram
a agenda que a direita lhes quis impor. Mesmo sensibilizados com o discurso
anticorrupção, intuem sua falsidade nesse episódio, sua utilização como
instrumento político-eleitoral.
De múltiplas formas, compreenderam que seria algo contrário a seus
interesses, que poderia ameaçar o partido e o governo que abriram as portas
para a emergência dos pobres como protagonistas do desenvolvimento.
Os conservadores estão, assim, desacorçoados com a indiferença do
povaréu diante do espetáculo no qual empenharam todas as suas energias. De
alguma maneira, ao menos simbolicamente, foi o julgamento do julgamento. Como
disse um eleitor essa madrugada, na rede social: quem tem o domínio do fato, na
democracia, é o povo
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