domingo, 27 de março de 2016

O texto da atriz Julia Gorman!




Sou branca, privilegiada, nascida de uma família com recursos, que sempre estudou em escolas particulares da zona sul do Rio de Janeiro.

Que surpresa ao entrar na faculdade de Direção Teatral da UFRJ em 2004. Meu mundo de maioria branca, quase que estritamente zona sul se expandiu de modo quântico.

Passei 10 anos na faculdade e vi de perto o sistema de cotas ser implantado.

Acho que mesmo do meu lugar de branca privilegiada posso falar porque vi de muito perto.

 Quando começaram a falar de cotas eu não
compreendia muito bem. Achava injusto, talvez até racista.

Que engano o meu, e como é bom estar errada e ter a oportunidade de mudar de ideia. Hoje, tendo visto o que vi nesses 10 anos de ensino público, quero dizer para quem ainda duvida, que as cotas funcionam.

 Os amigos que vim a conhecer nesses 10 anos, e em especial nos últimos anos, que creio já ser uma consequência de anos dessa política inclusiva, são as pessoas mais guerreiras, mais visionárias e de mais atitude e consciência que já conheci.

 Pessoas que valorizam o espaço de troca e aprendizado da universidade e me ensinaram a ser mais, a querer mais.

 Políticos por natureza, porque a vida não lhes dá outra opção, pessoas conscientes das contradições do nosso país e que não querem cagar regra, que apenas são.

Que agora tem a oportunidade de ser em voz alta, com alta estima, e brilham inventando estéticas, linguagens novas que misturam a periferia com os grandes pensadores da humanidade, que lutam porque não há outra maneira.

Eu sou grata aos meus amigos negros, gays, trans, por me mostrarem que a vida é muito maior, mais diversa, mais colorida que a ilusão da elite branca/classe média carioca desse país.

Não sei o que eu seria sem essa experiência diversa que tive entre 2004 e 2014 na UFRJ, e quando vejo essa mesma elite, esta classe média indo pras ruas e desvalorizando todas essas conquistas, querendo retroceder, sinto um nó na garganta difícil de engolir.

Eu entendo a superficialidade de pensamento, porque lá atrás, antes de me informar propriamente e de ver com meus próprios olhos eu também duvidava.

Mas é tão legítimo, é tão importante que todos saibam o quanto essa política tem transformado nosso país, sua juventude, que quis escrever esse texto.

Ao assistir ao discurso da Anna Muylaert  agradecendo o prêmio pelo seu filme "Que Horas Ela Volta?", pensei em todas essas coisas que vivi e nesse momento de agora.

Não dá pra retroceder. Não dá pra desvalorizar tantas conquistas que transformaram e transformam as novas gerações.

 E pra isso é preciso se informar, é preciso mudar de ideia, ouvir a realidade de quem as viveu.

Outro dia um "colega" postou em sua timeline um vídeo de muito mau gosto, cujo texto de apresentação era: "para todos os gayzistas, feministas, cotistas, comunistas e outros babaquistas desse Brasil. "

Isso mexeu comigo, não só pela simplicidade burra de sua generalização, mas pelo perigo que esse tipo de pensamento raso e fascista nos apresenta como sociedade em transformação.

Quem pensa assim tem medo da mudança.
Medo dessa galera incrível que tá aí vivendo sem medo de ser quem se é.

Lindos, purpurinados, estranhos, bizarros, brilhantes, de sexualidade diversa e indefinida...

Esse povo tá aí pra complicar sua visão estreita.
Eles tão aí pra expandir seu mundo sufocado de certezas mofadas.
E eles vão entrar na sua vida enfiando o pé na porta, amando bem alto, te fazendo ficar confuso e desorientado...
Vai ser difícil no início, vai parecer que seu mundo confortável não existe mais, e deixa eu te falar um negocinho:
Ele não existe mesmo.
E não dá pra voltar atrás...
Pode pedir a volta do PSDB ou da ditadura militar, porque o que se transformou está transformado.
Está transformista.
Está legitimado, cheio de alta estima e vai te contaminar de liberdade, de tolerância e de amor.
Se preocupa não, daqui a pouco você se acostuma e vai adorar.
Porque a liberdade dessa galera é a sua também.
Então relaxa que dói menos.
Aprecia. Aprende.
Seu universo vai se expandir de modo quântico também...
Isso se vc estiver aberto a mudar de ideia.

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