Autoria:Rafael Patto
Eu acho curiosíssimo ver um trabalhador assalariado, pai de família, se empenhando em defender o PSDB, um partido que está cagando para pessoas de um estrato social com esse perfil sócio-econômico. Um partido que se formou para defender os interesses de uma oligarquia antinacionalista e que sempre produziu o atraso desse país.
Deve haver alguma coisa muito errada com a construção do auto-reconhecimento dessas pessoas em relação ao lugar que elas ocupam no mundo. É complicado ver pessoas que não pertencem a uma classe social encampar o discurso de interesse dessa classe.
Muito mais do que petista, eu sou anti-PSDB. Sou anti-PSDB porque tenho medo da volta dessa quadrilha ao poder. Os anos em que esse partido desgovernou o país não foram brincadeira não.
Um exemplo concreto que eu sempre cito: ingressei na UFMG em 2002. Era o último ano de FHC. Tristes e dolorosas lembranças... Encontrei uma universidade assolada pelo descaso, sem dinheiro nem mesmo para pagar as contas d’água, endividada, sucateada, abandonada. O projeto de desmanche do Estado era visivelmente atentatório aos interesses estratégicos da nação. Um país que não produz conhecimento pode ter alguma esperança de futuro?
Assim eram os tempos do PSDB partido incansável na realização destruidora de sua “obra” nefasta. Obra, aliás, que foi iniciada pelos governos do período da ditadura militar. O PSDB não é nada mais do que uma tentativa de continuação do projeto de desmantelamento do país que se iniciou com o golpe de 64, que não foi outra coisa senão a manifestação mais truculenta e sanguinária do que o pacto entre os interesses do capital internacional e a safadeza da burguesia nacional é capaz de praticar.
O PSDB está aí para continuar defendendo os interesses daquele pacto. Será que não haveria nada de errado, nada fora do lugar, quando vemos um honrado trabalhador assalariado defender um partido como esse? Não haveria nenhum equívoco nessa simpatia por um partido que tão mal já fez ao povo trabalhador desse país? Essa suposta identificação “ideológica” (ou seria cooptação ideológica?) com esse partido não seria a expressão de algum equívoco conceitual? Tendo a considerar que sim.
Eu vejo dois comportamentos entre os que hoje criticam o PT.
1) Adotam um discurso generalizadamente anti-política; ou
2) Adotam um discurso puramente anti-PT, o que acaba os levando ao colo dos partidos que hoje fazem oposição ao PT.
Mas é curioso que, no primeiro caso, ao negar a política, essas pessoas adotam uma postura niilista que, sabemos bem, não propõe nenhum tipo de transformação da realidade. Esse é o comportamento mais ignorante e conservador que existe, justamente porque dele não se extrai nenhum tipo de potencial transformador dessa realidade tida como insatisfatória. Negar a política pura e simplesmente é fugir da luta, é deixar o “pau-quebrar” e fingir que não está acontecendo nada. Isso é atitude dos covardes, que só contribuem para que as coisas piorem. Não temos como fugir da política. Não temos como tomar um táxi para Marte para, de lá, assistirmos de camarote ao “bicho-pegar”. Ou arregaçamos as mangas e metemos a cara ou seremos cúmplices, por omissão - que é a forma mais indigna de nos acumpliciarmos com o que quer que seja - de uma situação em relação à qual nos dizemos incomodados.
No segundo caso, é mais curioso ainda. Pois quem adota uma atitude anti-PT, amparando-se num discurso moralista é alguém que certamente sofre de amnésia seletiva ou de desvio de caráter. Não há como apontar o dedo para os erros do PT sem se lembrar do histórico de corrupção dos partidos que hoje estão na oposição. Aliás, foram esses que produziram um dos países mais desiguais, injustos e violentos do mundo (violento em todas as formas de expressão da violência contra o ser humano). Foram os vícios desses partidos, e os crimes secularmente cometidos por eles que criaram a distância abissal que separa o Brasil dos países mais desenvolvidos do mundo. O atraso, o subdesenvolvimento que tanto nos prejudica são a “obra” desses partidos. E eu vou renegar o PT e favorecer justamente esses partidos, corruptos desde sempre e para sempre, em suas tentativas de retorno ao poder??? Jamais!!!
Até porque o PT é o primeiro partido que, em toda a História, se dispôs a encarar as mazelas políticas que deram causa às nossas iniquidades sociais. Tratar a questão da corrupção na política brasileira como se fosse um problema exclusivo de um único partido, como se se restringisse apenas ao PT, não passa de mistificação da verdade. Esse tipo de raciocínio que procura dar um nó-cego na História em nada contribui para a compreensão racional dos problemas estruturais da nossa cultura política que devem ser enfrentados aberta e corajosamente. A corrupção no poder público não é tecnologia petista. O Partido dos Trabalhadores não detém a patente dessas práticas condenáveis. O denso estudo empreendido por Raymundo Faoro em “Os donos do poder” demonstra muito bem o quanto o vício do patrimonialismo esteve desde os primórdios da organização política do nosso país atrelado às práticas de poder. Querer fingir que toda essa problemática possa ser resolvida apenas a partir da exterminação daqueles que subiram a rampa do Planalto em 2003 não pode ser tratado nem como um caso de absurda ingenuidade ou simploriedade de raciocínio, mas sim como um caso de espantosa tergiversação e desonestidade intelectual.
Tratar o PT como se ele fosse a “Geni”, da canção do Chico Buarque, é, a meu ver, uma atitude que denota leviandade. Tacar pedra e bosta no PT, como se os erros e vícios da política nacional tivessem começado a ser cometidos apenas em 2003, não condiz com o discurso dos que defendem uma verdadeira e profunda revitalização da política brasileira. Simplesmente fingir para nós mesmos que nos esquecemos de todos os crimes que os grupos políticos que comandaram esse país durante 502 anos praticaram não nos ajudará muito a virar essas páginas de vergonha e desonra.
Há quem considere que o discurso de classes esteja “fora de moda”. Eu não. Sou marxista confesso. Só consigo compreender a sociedade pelo viés das disputas de poder empreendidas pelas classes sociais que antagonizam entre si. Acho imprescindível que tenhamos muito claro o nosso lugar no mundo. Que saibamos e reconheçamos a classe à qual pertencemos. Esse é pré-requisito primordial para que possamos nos inserir na luta político-ideológica do dia-a-dia sem que corramos o risco de, acidental e inconscientemente, fazermos a defesa do inimigo e jogarmos contra o nosso próprio time.
As classes sociais têm projetos históricos! Qual é o projeto da burguesia, por exemplo? Simples: dominar! E qual é o projeto histórico do proletariado? Simples também: lutar por direitos, e por menos dominação! Se dependesse só da sanha dominatória da burguesia, ainda hoje nós teríamos jornadas de trabalho de 20 horas e pessoas perdendo membros em oficinas de trabalho insalubres. (Aliás, quanto disso ainda não existe de fato até os dias de hoje, não é mesmo?)
Em todo caso, se algumas conquistas se fizeram ao longo dos tempos, como redução da jornada de trabalho, direitos a indenizações por acidente de trabalho, folga remunerada, etc. (apenas para ficarmos nesse campo relativo aos direitos trabalhistas), foi porque o proletariado se organizou e lutou por isso. Direitos não caem do céu. São conquistas árduas, resultados de lutas muitas vezes dolorosas e sangrentas.
É a isso que eu me refiro quando falo em “projetos históricos das classes sociais que rivalizam entre si”. O projeto da burguesia é ficar deitada na rede debaixo do coqueiro, enquanto o proletariado se esfola de trabalhar para que o dinheiro dela não pare de crescer. O projeto histórico do proletariado, por sua vez, é o de ter direito a uma vida digna, não condenada ao subjugo de uma minoria que lhe explora.
Será que é difícil enxergar essa diferença?
Para muitas pessoas parece que sim. Como os meios sociais de comunicação são burgueses (porque é a burguesia que os controla), a visão de mundo que eles difundem é eminentemente burguesa. Dessa maneira, o proletariado acaba internalizando os valores e a ideologia burgueses. Por isso, não é raro vermos pessoas, que materialmente pertencem a uma classe social que não tem nada a ver com a burguesia, reproduzindo um discurso burguês, que trai o projeto histórico da sua classe de origem e à qual se pertence originalmente. É freqüente vermos proletários típicos reproduzindo preconceitos burgueses porque inculcaram um modo de pensar que não corresponde ao seu lugar no mundo e, portanto, contamina a sua própria visão de mundo. Não pertencem MATERIALMENTE à burguesia, mas se identificam IDEOLOGICAMENTE com o seu discurso.
É esse fenômeno triste que acontece com pessoas que deveriam apoiar um governo que, pela primeira vez na História do Brasil, passou a mobilizar o Estado em favor do contingente populacional historicamente renegado pelas elites oligárquicas que se apropriaram do poder durante cinco séculos, mas que acaba atacando esse mesmo governo que tenta pôr em prática um projeto de país que contempla a ampla maioria do povo brasileiro.
Tem sido comum vermos pessoas que, para adentrarem aos salões de gala da Casa Grande, precisam, à porta de entrada, rapar o barro dos pés, para não evidenciarem suas origens senzalescas, e que, lá dentro, se comportam como se tivessem chegado ali num importado de luxo, com ar condicionado e tudo o mais. Quer dizer, há legítimos pés-rapados que preferem fingir que são o que não são do que encarar verdadeiramente a luta de sua classe social. Pessoas que acabam, no plano discursivo, defendendo as idéias e os projetos de dominação daqueles que, no plano das ações concretas e históricas, lhes metem o chicote no lombo todos os dias...
Em suma, há muito pseudo-intelectual que lê FHC (que já deveria ter sido esquecido há muito tempo, até mesmo atendendo a pedidos) e acredita piamente que esteja lendo um tratado de Sociologia. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Desculpe. Isso não é pra rir. É pra chorar mesmo.
Um comentário:
Brilhante, era exatamente isso que procurava ler, não sou petista, mas uma coisa eu digo, sou antpmdbesta,
me lembro de uma frase de meu falecido cunhado na era FHC, o brasil é o país da latinha, la tinha uma padaria, lá tinha uma farmácia, lá tinha uma fábrica..., e para as pessoas que veio do sertão como eu, que me mudei para São Paulo, fugindo da miséria de um lugar que achava que ia virar um deserto, pois era esquecido até por Deus, depois de 15 anos voltei ao sertão para passear, fiquei muito tempo sem ir, pois as cenas de pobreza daquela região me causava angústia, passei por problemas financeiros em são paulo, e ainda passo, pois não poupei quando ganhava bem, e tive problemas com drogas, para minha surpresa depois de tanto me falarem, lá está muito bom, resolvi descer, me espantei com o lugar, pois não mais o conhecia, era carros e mais carros novos, tomei nojo de ver tanta hilux, inclusive uma usava para carregar porcos e transportar trabalhadores para as carvoeiras, onde se faz o carvão, as pessoas falavam de 10 mil, 50 mil, 200 mil, dinheiro que na grande capital pra mim era muito dinheiro, desci nas roças com meu primo pois ele tinha uma mercearia e fazia entrega nos sítios(roça com dizem lá), me espantei novamente, com aquelas senhoras recebendo a sua compra mensal, um lugar esquecido por Deus agora era uma casa na roça com energia elétrica, televisão, parabólica, uma moradia melhor que muitas casa em são paulo, isso na roça, um lugar que antes era de miséria, daqueles que você via em matérias da veja e fantástico, que sempre foi denigrir os grotões do brasil, fiquei muito feliz, em saber que aqueles idosos que conheci na infância, hoje tinham dignidade com seus mais de 90 anos, pois podiam se manter com suas aposentadorias e até emprestar para quem estava na capital rsss... é irônico que eu tive que fazer isso, desci para o sertão saindo da grande São Paulo e para voltar tive que pedir para minha mãe uns trocadinhos, pessoas que conheci na infância que nada tinha hoje estão melhores do que quem saiu daquele que era chamado de fim de mundo, alguns até milionários, antes quando alguém chegava com uma roupa diferente ou um sapato um tenis, era uma novidade, hoje notebooks, ipad, internet, tecnologia, não é nenhuma novidade para aquela gente, todos se vestem bem, não vi mais pobreza, alias, pobreza eu vi mesmo é quando voltei para são paulo, como trabalho com tecnologia, construção de sites, sempre que viaja, avisava que estava indo par ao no Norte de Minas, e me perguntavam, lá tem internet?!!!, como se eu estivesse indo para um buraco no meio do nada, pois essa é a ideia que a burguesia tem em mente e quer par ao resto Brasil, pois não tem mais aquela oportunidade de descer no sertão e pegar um adolescente(se achando os reis), para fazer serviços domestico por um prato de comida e as roupas velhas dos filhos, isso não é trabalho escravo? em resumo eu senti na pele e vi toda essa mudança, e não tenho saudades dos outro governantes e votarei na Dilma só de bronca desse ante petismo
wagner
wagner_mabidas@hotmail.com
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