Por :Cauê Madeira
O gigante
foi criado a leite com pera e Ovomaltine na geladeira
Militantes
das antigas, comunistas comedores de criancinhas, políticos corruptos e
malvados em geral: tremei! O gigante acordou.
Acordou, de
fato, não há o que se discutir quanto a isso. Mas acho que acordou com amnésia.
Ou o gigante esqueceu da história recente do país ou talvez não a tenha
vivenciado. Estava dormindo, afinal de contas.
O gigante
também quer brigar contra o que está errado, mas não entende muito bem o que
está acontecendo. Acho que ele acordou assim meio de supetão no susto. Ouviu
uma gritaria, uma certa baderna e à princípio achou ruim – quem gosta de
baderna? Mas depois que viu algumas pessoas apanhando da polícia sem qualquer
motivo aparente, mudou de ideia e resolveu participar.
Foi assim
que descobriu um pessoal brigando por seus direitos. Mas no calor do momento
ele não pôde parar para entender o que de fato estava acontecendo. Simplesmente
entrou na dança.
Correndo ali
no meio do povo, o gigante ouviu dizerem que todo o vuco-vuco era para baixar o
preço da tarifa do transporte público, que havia subido vinte centavos. Aquilo
era meio estranho pro gigante, pois ele nunca andou de ônibus e alguns centavinhos
para ele era mixaria.
Foi aí que
ele ouviu alguém gritar: “É mais do que vinte centavos!” e tudo fez sentido.
Gigantes, você deve saber, têm dificuldade para interpretar as coisas, por isso
ele entendeu que aquela era a hora de lutar por TUDO de uma vez só: saúde,
educação, salários justos, etc.
Em meio
àquele carnaval ideológico, o gigante se sentiu em casa. Escreveu cartaz,
pintou a cara e se vestiu de branco. Até que finalmente encontrou uma causa
ainda mais nobre para defender: chegara a hora de lutar contra o verdadeiro
Mal.
Gigantes não
compreendem nuances de pensamento. Eles são maniqueístas por natureza, por isso
precisava de um vilão bem malvado para lutar contra. Imagine como ele ficou
contente ao sussurrarem em seu ouvido: o governo atual é o vilão, pegou dinheiro
do povo. E como ele esteve dormindo por tanto tempo, achou que foi o partido do
governo que inventou a corrupção, e que antes deles nada disso tinha ocorrido
no Brasil.
E quem pode
culpar o gigante? Poxa, ele não sabe das coisas. No fundo ele é bem
intencionado, se você pensar bem: quer acabar com a corrupção, quem poderia ser
contra isso?
Então o
gigante avistou um monte de bandeiras vermelhas, cada uma com uma sigla
totalmente diferente da outra, mas como ele não sabia ler direito, achou que
todas eram a favor do governo, achou que todas representavam o Mal. E se
chateou, pediu para baixarem a bandeira.
Amigos
compatriotas, vermelho é mal. Como vocês podem defender algo assim? Não pode! –
bradava o gigante.
O pessoal
não quis ouvir o grandalhão. Até tentaram explicar o conceito de democracia pro
gigante, mas o blá blá blá acabou por irritar o colosso ainda mais, que bateu nos
manifestantes sem a menor cerimônia. Gigantes são assim: muito fortes, bastante
estabanados e têm um pavio muito curto.
O gigante
tem fome.
Mas quem
poderia culpar o gigante? Ele dormiu durante as aulas de História, por isso não
sabia que aquelas pessoas estavam acordadas muito antes dele. Já tinham lutado
muito, conquistado direitos, derrubado governantes. Mas para ele isso tudo não
queria dizer nada.
O que poucos
sabem, entretanto, é que gigantes são muito vaidosos. E toda aquela confusão
que ele já tinha causado acabou chamando a atenção da mídia. Só que ao invés de
contrariá-lo, a mídia resolveu bajular o gigante. Disse que aquilo que ele estava
fazendo era o certo, e o gigante ficou todo cheio de si.
Papai
gigante chegou.
Gigantes
gostam de ser tratados assim, com todo o carinho. Experimente dizer “não” a um
gigante. Não dá certo. Gigantes foram criados na base do leite com pera e
Ovomaltine na geladeira. Quando vão no supermercado com os pais, sempre saem
com um brinquedo novo. Quando vão para a balada, acreditam que todas as meninas
são obrigadas a dar atenção pra ele. E se por acaso forem contrariados, os
gigantes brigam. Brigam muito, esperneiam, se jogam no chão, batem, quebram
tudo. Se a briga não der certo, chamam os pais. Aí a coisa fica séria, pois os
pais dos gigantes são gigantes também, mas têm muito mais poder. Normalmente
mais dinheiro, mais influência, mais cara-de-pau.
Todos
achavam que o gigante acalmaria em algum momento, mas aí a tal da manifestação
da tarifa deu certo: reduziram o preço pago pelo transporte público. Foi a
maior festa. Só que o gigante queria mais, não podia simplesmente parar ali.
Finalmente ele estava acordado, não queria dormir de novo.
Por favor
não julgue o incompreendido gigante. Faltou educação, faltou mais carinho e
menos mimos. Tente entender o lado do gigante: um belo dia ele acorda e vê que
o povo tem poder. E assim, sem entender, ele se envolve com a luta e consegue
atingir um dos principais objetivos. Ora, não tem nada que um gigante goste
mais do que quando cedem a seus pedidos. Por isso ele acabou se descontrolando
de vez.
Começou a
carregar placas de tudo quanto é tipo. Falaram de um tal de PEC e que isso era
ruim. Ele passou a ser contra. Falaram que a Copa era ruim, ele gritou contra.
Falaram que os médicos de Cuba queriam roubar emprego dos médicos brasileiros,
e o gigante gritou contra. Falaram que o melhor era tirar os vermelhos do
poder, e então ele passou a gritar pelo impeachment da presidenta – mesmo sem
ter nenhuma proposta do que fazer depois que ela saísse do poder. Mas ele
gritou mesmo assim.
E foi aí que
resolveram fazer o gigante de bobo de vez. Pois gigantes são, como eu falei
antes, muito fortes e maniqueístas, estão sempre preocupados em fazer o Bem e
lutar contra o Mal. Mas são ingênuos, coitados. É só fazer um carinho aqui, um
lero-lero ali e eles já ficam todo abertos. E a tal da mídia – amiguinha do
gigante – tinha um plano. Sabendo que o gigante estava todo cheio de “causas”,
apresentou para o grandalhão um amigo de longa data, o Novo Candidato. Era um
fulano genérico, sem bandeira de partido nenhum. Vestia branco e dizia que o
Brasil não tinha que ir pra esquerda nem pra direita: tinha que ir pra frente.
O gigante foi ao delírio.
Diziam que
esse cara era do Bem. Com “B” maiúsculo mesmo. Daqueles que acredita na família
tradicional, no avanço do país. É totalmente contra a corrupção, contra os
vermelhos, contra todo mundo que visa desestabilizar o modo Do Bem de viver que
o gigante levava. Com um amigo grande, forte e meio burro como esse, foi muito
fácil para o Novo Candidato chegar ao poder.
Ele falou
pro gigante que ter partidos era ruim e o gigante acreditou. No dia seguinte
não haviam mais partidos políticos no Brasil.
Ele falou
pro gigante que baderneiro tem que levar bala mesmo e o gigante concordou. No
dia seguinte qualquer tipo de manifestação estava proibida.
Ele falou
pro gigante que toda essa burocracia era ruim pro país e o gigante entendeu. No
dia seguinte o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e câmaras de
vereadores amanheceram fechadas.
O Novo
Candidato fez uma limpa. Apagou todo mundo que pensava diferente, jogou os
pobres numa vala qualquer e chamou o gigante para um coquetel. Para comemorar o
Novo Brasil.
O gigante se
sentia satisfeito. Na noite do coquetel ele comeu e bebeu muito. Sentia que
tinha feito algo muito importante pelo país e estava orgulhoso. Ao mesmo tempo
se sentia cansado, com dores pelo corpo todo. Percebeu que há muito não parava,
há muito não descansava.
Agora o país
estava em boas mãos, finalmente.
E então o
gigante dormiu de novo.
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