A verdade sobre as privatizações do governo de FHC
No primeiro semestre de 1997, a
Telebrás ainda era uma empresa estatal. Mas seu lucro, naqueles seis meses, deu
um salto de 250%, passando para 1,8 bilhão de reais, contra 500 milhões de reais
em igual período do ano anterior. Fenômeno similar ocorreu com as empresas de
energia elétrica: a lucratividade da Eletrobrás explodiu para 1,5 bilhão de
reais, com praticamente 200% de avanço sobre os 550 milhões de reais do ano
anterior.
Como explicar esses saltos, que
desmentem desde já as afirmações repetidas pelo governo FHC e pelos meios de
comunicação de que as estatais são um “saco sem fundo”, que devoram o dinheiro do
Tesouro?
Não houve “milagre” algum. Pura e
simplesmente, como já visto anteriormente, o governo havia, finalmente, começado
a eliminar o congelamento das tarifas dos serviços das estatais,
atualizando-as. Bastou dar início aos reajustes negados durante anos, enquanto a inflação continuava a
aumentar os custos das estatais, para a situação se inverter e os lucros
dispararem. Sem privatização.
Os prejuízos que o achatamento de
tarifas e preços trouxe para as estatais teve efeitos que o consumidor conhece
bem: nesses períodos, elas ficaram sem dinheiro para investir e ampliar serviços.
Explicam-se, assim, as filas de espera para os telefones, ou as constantes
ameaças de “apagões” no sistema de eletricidade. Ou,dito de outra forma: não é
verdade que os serviços das estatais tenham se deteriorado por “incompetência”.
Como também é mentira que “o Estado perdeu sua capacidade de investir”, como diz
a campanha dos privatizantes. O que houve foi uma política econômica absurda,
que sacrificou as estatais.
Além do congelamento das tarifas,
houve outra decisão – absolutamente incrível – que prejudicou os investimentos
das estatais de todas as áreas. Por incrível que pareça, repita-se, em 1989
surgiu um decreto do presidente da República, nunca revogado, pura e
simplesmente proibindo o banco oficial, o BNDE (hoje BNDES),de realizar
empréstimos a empresas estatais.
Cancelando a história
Proibir um banco estatal de
financiar empresas estatais, de setores vitais para o país, é uma decisão
esdrúxula. Mas, no caso do BNDES, chega à beira da insanidade, porque esse
banco, como o próprio nome – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (e
Social) – diz, foi criado no governo Juscelino Kubitschek exatamente com o
objetivo de fornecer recursos para a execução de projetos de infraestrutura que
exigem desembolsa de bilhões e bilhões – e precisam de alguns anos para sua
execução. Mais especificamente, dentro da filosofia desenvolvimentista do
governo JK, o BNDES disporia de recursos retirados do Imposto de Renda (e outras fontes de
“impostos”, como o PIS-Pasep), para permitir a construção de usinas
hidrelétricas, ferrovias, rodovias, portos, sistemas de telecomunicações,
enfim, toda a infraestrutura que o processo de industrialização exigia. Um
instrumento estratégico, em resumo, capaz de viabilizar a política de
desenvolvimento de longo prazo, incumbido de dar apoio às áreas escolhidas como
prioritárias.
É, portanto, incrível que, de uma
penada, o governo tenha cancelado o próprio motivo de criação do banco, ao
proibir que ele financiasse as estatais, que passaram então a depender de seus próprios
lucros – ou de empréstimos internacionais – para a execução de seus projetos.
As duas alternativas, obviamente, foram prejudicadas pelo congelamento de
tarifas e preços, notadamente nas áreas de siderurgia (aço), telecomunicações e
energia. Para os setores em que o governo exerceu menor controle de preços,
como mineração e petróleo, os cofres dos banqueiros internacionais continuaram
abertos, desmentindo outro mito vendido pela campanha de desmoralização das
estatais, a saber, que elas tinham “esgotado sua capacidade de financiamento no
exterior”. Até hoje, a Petrobrás, mesmo em fases de grave turbulência da
economia brasileira, consegue facilmente empréstimos externos. O governo é que
a tem impedido de recorrer a essas fontes para acelerar a produção de petróleo;
portanto, não é por sua culpa que o Brasil não é auto-suficiente em petróleo
até hoje, argumento desonestamente utilizado para abrir caminho à privatização
da Petrobrás na surdina, operação já em andamento (veja mais à frente).
Dividendos, mais mentiras
Na campanha contra as estatais,
foi insistentemente repetido o argumento de que elas “absorvem” dinheiro do
Tesouro e “rendem” muito pouco para ele. Divulgou-se, por exemplo, que a Vale
do Rio Doce “rendia” mais para os funcionários do que para o Tesouro (isto é,
para toda a população), apontando-se que a quantia que a empresa destinava ao
fundo de aposentadoria dos seus funcionários era maior do que o valor pago para
o Tesouro, sob a forma de dividendos. O argumento é vergonhoso. Pura má-fé. Por
quê? Em primeiro lugar, porque efetivamente é verdade que, para cada 1 real de
contribuição paga pelos funcionários ao fundo de pensão, a Vale contribuía com
o dobro, ou 2 reais. Absurdo? Não. É assim que os fundos funcionam, inclusive
para as empresas privadas. E atenção: segundo os dados oficiais, a Vale até
contribuía com valores abaixo dos padrões do mercado, pois as empresas privadas
costumam desembolsar dinheiro na proporção de 2,70 reais para 1 real dos
funcionários, e não de 2 para 1. Não havia nenhum privilégio a “marajás da
Vale”, como se dizia. Ao contrário.
Mas essa não era, ainda, a
principal mentira a respeito dos dividendos. Para entender a manipulação da
opinião pública, tomem o exemplo de qualquer empresa privada com sócios,
acionistas – como o Tesouro era da Vale. Suponha-se que ela tem um capital de
1.000 ações, no valor de 1 real cada, ou 1.000 reais no total. Se, no final do
ano, a empresa verificar que teve um lucro de 100 reais, o que faz com esse
dinheiro? Entrega tudo aos sócios, para que eles façam uma grande farra? Obviamente,
não. Os próprios sócios vão querer que, do lucro de 100 reais, a empresa lhes
entregue uns 15 ou 20 reais, isto é, 15% a 20%, sob a forma dos chamados
dividendos. E os outros 85% ou 80%, isto é, 85 ou 80 reais?
Por decisão dos próprios
acionistas, as empresas usarão esse dinheiro para novos investimentos,
instalações, conquista de mercado. Garantia de crescimento, expansão, lucros
cada vez maiores nos anos futuros. Mas como os acionistas vão participar dos resultados
dessa evolução da empresa? Os lucros não distribuídos, aplicados, são usados
para aumentar o capital da empresa, no caso de 1.000 para 1.080 ou 1.085. Isto
é, o acionista passa também a dispor de mais 8% ou 8,5% de ações, que pode
guardar e, quando desejado, ou necessário, vender.
Em resumo, o que importa para o
acionista é o valor dos lucros totais da empresa a cada ano, e não apenas os
dividendos retirados desses lucros. A Vale do Rio Doce, a Petrobrás e as demais
estatais agiam exatamente como as grandes empresas privadas,ao menos as bem
administradas: entregavam uma parte dos lucros aos acionistas, como o Tesouro,
e utilizavam a maior parcela para aplicar em planos de expansão, que rendiam
lucros maiores no futuro – além de valorizarem suas ações, se vendidas em
Bolsa.
Os críticos dos “dividendos
ridículos” pagos pela Vale ou Petrobrás sabem muito bem de tudo isso. Mentiram
à opinião pública, para jogá-la contra as empresas estatais e ganhar apoio para
a privatização.
Quem pensa nos pobres?
Na verdade, em lugar de “sugar” o
Tesouro, as estatais foram utilizadas, ou “sugadas”, pelo Tesouro, para
desempenhar funções que na verdade cabiam ao governo. Nesse papel, sua lucratividade
também era puxada para baixo. Exemplos? No próprio caso das telefônicas, como
apontado em capítulo anterior, o governo sempre teve a preocupação – antes da
privatização –de manter preços mais baixos para os serviços utilizados pela maioria
da população – como as ligações locais, as fichas dos orelhões –, para
beneficiar os brasileiros de menor renda. A mesma coisa para tarifas de energia
elétrica e água, mais baixas para as contas de residências com menor consumo.
Nessa política de “paga mais quem ganha mais”, os serviços utilizados pelos
mais ricos (interurbanos, ligações internacionais) pagam preços mais altos,
para cobrir parte dos custos ou mesmo dos prejuízos trazidos pelos serviços
mais baratos, utilizados pela população mais pobre.
As estatais, portanto, eram
utilizadas também como instrumento de maior justiça social, ou “redistribuição
de renda”, como dizem os economistas. Em outros países, o governo adota a
política de preços mais baixos para a população mais pobre, mas é ele mesmo,
governo, que “banca” os prejuízos dessa política. Como assim? O Tesouro paga às
empresas fornecedoras, mesmo se forem estatais, a “diferença” correspondente à
redução dos preços. No Brasil, a população é preponderantemente pobre, e por
isso os serviços mais sofisticados – e mais caros –, cujo faturamento deveria
ser capaz de compensar ao menos em parte os serviços mais baratos, são
proporcionalmente pouco utilizados. Vale dizer: a receita que eles fornecem não
é suficiente para assegurar o nível normal de lucros.
Com a privatização, o governo
eliminou – antes mesmo da venda das estatais – os subsídios cruzados nas contas
de telefones e de energia. Por isso mesmo, os aumentos mais violentos de
tarifas ocorreram para as chamadas locais, ficha telefônica etc. Não há mais
tratamento especial para a população mais pobre. Tudo para garantir maiores
lucros aos “compradores”. Tratamento que as estatais não recebiam.
Ah, a gasolina cara...
De tão manipuladas, chegam a ser
revoltantes as críticas à Petrobrás e aos preços da gasolina no Brasil, “os
mais altos do mundo”, como berram erradamente os críticos. Nunca se diz à população que, ao longo dos anos,
a Petrobrás sempre teve direito a uma parcela mínima sobre o preço do litro de
gasolina e de outros produtos, com a maior parcela sendo representada por impostos,
taxas e, em determinados períodos, até por uma fatia para “baratear o álcool”.
Para se ter uma ideia da realidade: em outros países, a margem (porcentagem) de
lucro das distribuidoras é três vezes maior do que a recebida pela Petrobrás,
que se limitava a 9 centavos por litro, quando o litro da gasolina estava a 59
centavos. Mas isso não é tudo. Assim como os subsídios à população pobre
reduziam os lucros das teles e empresas de energia, a Petrobrás também pagou o
preço de decisões que o governo tomou em favor de outros setores, por
considerá-los “estratégicos” dentro da política econômica do momento.
Para
permitir que a indústria petroquímica nacional tivesse preços capazes de
enfrentar a concorrência internacional, por exemplo, a Petrobrás durante longos
anos vendeu a nafta, matéria-prima do setor, a preços mais baixos, com um
“prejuízo” acumulado que chegou aos 4 bilhões de dólares. Na mesma linha, as
siderúrgicas estatais,como CSN, Cosipa, Usiminas, tiveram os preços do aço
achatados em até 75%, acumulando imensos prejuízos em seus balanços. Somente
quando se preparava a privatização é que o aço teve aumentos de até 300% nos
preços.
Por que o achatamento? O governo impôs preços mais baixos na venda do
aço nacional para que as indústrias de automóveis, eletrodomésticos, máquinas e
equipamentos, principalmente, tivessem custos mais baixos e conseguissem
exportar, ou evitar importações, trazendo dólares para o país. As siderúrgicas
estatais, portanto, também foram utilizadas como arma na guerra para obter
dólares (e conter a inflação).
Por isso, ficaram arruinadas. É
lamentável que os consumidores de aço ou nafta, que foram beneficiados com
subsídios das siderúrgicas estatais e da Petrobrás, nunca tenham dito uma
palavra para explicar à opinião pública que essa política foi a principal culpada
pelos prejuízos das siderúrgicas – e pela menor lucratividade da Petrobrás –,
permitindo que a população fosse convencida de que as estatais “sugavam” o
Tesouro.
Mais tecnologia, menos marajás
A Petrobrás ganhou títulos
mundiais de campeã no desenvolvimento de técnicas para perfurar poços no fundo
do mar, em grandes profundidades, quilômetros abaixo da superfície. E, graças a
elas, descobriu poços capazes de produzir 10 mil barris de petróleo por dia.
Cada poço. Recordes fabulosos que somente são igualados por poços dos países
árabes. A Vale do Rio Doce, antes mesmo da sua privatização, já era a maior
exportadora de minério de ferro do mundo. E uma de suas empresas subsidiárias,
a Docegeo, pesquisou e fez um mapeamento dos minerais existentes no Brasil
inteiro. Foi convidada a realizar pesquisas equivalentes em outros países.
Graças à sua tecnologia, a Vale do Rio Doce descobriu, em plena selva amazônica,
em Carajás, a maior província mineral do mundo, com jazidas não só de ferro,
mas de grande variedade de minérios, inclusive ouro...A Embraer, estatal
fabricante de aviões, sempre foi a única indústria aeronáutica – existente em
um país menos desenvolvido –fora do circuito dos países ricos, com tradição na
área – e capaz de roubar mercado das empresas multinacionais no filão que
explora, isto é, a produção de aviões de porte médio.
Na área de
telecomunicações, a Telebrás mantinha desde os anos 1970 um Centro Tecnológico,
em Campinas, responsável por pesquisas que resultaram na produção de
equipamentos com tecnologia de ponta, que fabricantes nacionais passaram a
exportar para outros países. Sobram exemplos como esses para mostrar que são descabidas
as afirmações, repetidas na campanha de desmoralização das estatais, de que
elas seriam ineficientes e incapazes de desenvolver tecnologia própria. Por
que, a despeito do prestígio internacional,se formou essa imagem negativa aqui
dentro? Um dos principais motivos foram, certamente, as falhas e a deterioração
dos serviços de telefonia e energia elétrica, exatamente aqueles com os quais o
público tem contato direto. Uma deterioração que nada teve a ver com a
deficiência tecnológica e, sim, com as políticas equivocadas de governo, que
trouxeram prejuízos e limitações financeiras às estatais, como visto antes. Mas
que foi largamente explorada na manipulação da opinião pública.
O falso “inchaço”
Os meios de comunicação sempre
martelaram a tecla de um suposto número excessivo de funcionários, tanto na
máquina do governo como nas estatais – agravado, ainda, pela existência de “marajás”
e salários altíssimos. O próprio ministro Bresser Pereira, quando à frente da
pasta da Administração e Reforma do Estado, insistiu nessa tese, durante longos
meses, como argumento para a implantação da célebre “reforma administrativa”,
uma arma para acelerar o desmantelamento do Estado. Subitamente, após um
cadastramento do funcionalismo, Bresser Pereira foi forçado a reconhecer
publicamente o óbvio: o número de funcionários públicos no Brasil é, na
verdade, baixo (fato previsível, diante da escassez ou mesmo inexistência de
serviços públicos essenciais para atendimento da população, no país). Pode até
haver distorções em algumas áreas, e certamente elas existem, mas nesse caso o
problema deveria ser atacado com medidas específicas,e não com uma “guerra”
desmoralizante contra todo o funcionalismo – e o Estado. O remanejamento de
funcionários, adotado de forma leviana e irresponsável no governo Collor, seria
uma saída a ser reconsiderada.
A caça aos marajás
O mesmo raciocínio se aplica aos
célebres “marajás”, existentes também entre os aposentados, funcionários ou
não. Sabe-se que são casos excepcionais, um número mínimo em relação ao total de
funcionários da máquina governamental ou das estatais, e resultantes de brechas
da lei – ou de abusos, em fases de administração “permissiva”. Em qualquer dos
casos, a correção das aberrações certamente teria apoio das próprias entidades
sindicais ou representativas dos funcionários públicos ou de estatais, que,
inversamente, jamais poderiam concordar com o assalto generalizado contra os
direitos do universo dos trabalhadores. Mas o governo preferiu essa última
opção.
A ofensiva contra os pretensos
“marajás” registrou episódios cômicos, e bastante ilustrativos da falsidade dos
argumentos do governo. No começo do governo FHC, chegada a hora de formar a equipe
de técnicos de determinado nível para a máquina oficial, “descobriu-se” ser
impossível recrutá-los porque os salários na área oficial eram muitíssimo
inferiores aos pagos por empresas privadas. O governo decidiu então criar
cargos de assessores especiais,com salários diferenciados e, para não ser
acusado de estar criando “marajás”, mexeu como sempre os seus pauzinhos. Entregou
a uma revista de circulação nacional tabelas e informações sobre salários
governamentais, comparados com os salários, para as mesmas funções, pagos por bancos
e empresas privadas, com diferenças, para mais, de 100% a 200%. A revista não
teve dúvidas: divulgou o material em página dupla. Mas revista e governo foram
incapazes de reconhecer, para o público, que a existência de marajás é uma
exceção, e que o funcionalismo é, em sua imensa maioria, pessimamente
remunerado. Da mesma forma que poderia ter reconhecido, também, que o problema
enfrentado pelo governo para recrutar especialistas, a questão salarial, existe
para empresas estatais. É óbvio que elas precisam valer-se de salários equivalentes
aos da iniciativa privada para não perderem “cérebros” em cuja formação
investiram e que, em alguns casos, são realmente indispensáveis.
Seria ingênuo tentar negar que,
como em qualquer área da economia, há distorções em algumas estatais, em termos
de número de funcionários ou mesmo vantagens (14º e 15º salários, por exemplo)
que não estão ao alcance da massa de trabalhadores. No entanto, em lugar da
campanha difamatória contra as estatais, abrindo caminho para a privatização,
haveria toda uma gama de reestruturações e mesmo reformas (reais) a serem
debatidas e implantadas. O governo fez a sua opção, sem diálogo. O país perdeu
com a privatização.
A preço de banana, sim
O falecido ministro Sérgio Motta
previa que a privatização do sistema Telebrás, isto é, das empresas telefônicas
de todo o país,renderia 35 bilhões de reais ao governo. Com a aproximação dos leilões,
e com base em estudos feitos por empresas de consultoria internacionais, o
governo acabou pedindo um preço mínimo quase três vezes menor, ou 11,2 bilhões
de reais – que, depois, por motivos que veremos adiante, foi aumentado para
13,5 bilhões de reais. Além de muito distante do dinheiro gordo previsto pelo
então ministro Sérgio Motta, esse valor representaria o recebimento imediato de
apenas 5,4 bilhões de reais, já que a entrada estava fixada em 40% do valor
total. No final das contas, as teles foram compradas com ágio e renderam 22,2 bilhões,
com uma entrada de 8,8 bilhões de reais (os 40%).
O preço ficou nada menos de
13 bilhões abaixo da cifra acenada pelo antigo ministro das Comunicações. Mas
há detalhes ainda mais duvidosos na privatização das teles, como os
investimentos feitos pelo governo a partir de 1996 no sistema e os “erros” nos
cálculos dos preços cometidos pelas consultorias internacionais, e oficialmente
reconhecidos. A venda da Telebrás é apenas um dos exemplos das perdas que teve
o país com as privatizações.
Subtrair, subtrair...
Em 1996 e 1997, já decidida a
privatização, o governo investiu 16 bilhões reais no sistema Telebrás e,
somente no primeiro semestre de 1998, às portas do leilão realizado em julho,
mais 5 bilhões de reais. No total, 21 bilhões de reais, praticamente mais de duas
vezes e meia (250%) os 8,8 bilhões de reais recebidos de entrada pela sua
privatização.
Há mais, porém. O sistema
Telebrás, graças ao descongelamento rápido das tarifas e à expansão do número
de linhas e serviços trazidos por aqueles investimentos do governo, apresentou faturamento
e lucros crescentes, que chegaram aos 4 bilhões de reais em 1997 – e pela
lógica continuariam a crescer nos anos seguintes. Além disso, não se pode
esquecer o cálculo do retorno que o governo poderia obter sobre esse dinheiro
aplicado nas teles: mesmo a juros médios de 20% ao
ano, baixíssimos em relação ao padrão brasileiro naquele período, os 21 bilhões
gastos pelo governo deveriam render aproximadamente 9 bilhões de reais nos mesmos
30 meses.
E os demais investimentos
realizados ao longo de décadas, antes de 1996, para formar o patrimônio da
Telebrás? Não entram no preço da venda? Não. É isso que a maioria dos
brasileiros não entendeu até hoje – e por isso aceita passivamente a entrega
das estatais aos preços anunciados. O preço de venda das estatais não leva em
conta o patrimônio que elas acumularam, o critério é outro: simplificadamente,
calcula-se todo tipo de faturamento que a empresa poderá ter nos próximos anos:
desse faturamento, subtraem-se as despesas previstas (para a empresa operar,
funcionar), levando-se em conta, ainda, os juros que o “comprador” deveria
receber, ao longo desses mesmos anos, sobre o capital aplicado.
Em lugar do valor dos bens que a
empresa acumulou, levam-se em conta os lucros que ela deve oferecer ao longo de
determinados períodos: no caso da Telebrás, de dez anos, de 1998 a 2007. O fato
é que os preços recomendados por essas consultorias, geralmente multinacionais,
sempre provocaram críticas, por serem considerados excessivamente baixos. A
Rede Ferroviária Federal,por exemplo, teve uma avaliação absurdamente baixa, de
apenas 33% do valor apontado por técnicos, isto é, seu preço mínimo deveria ter
sido aumentado em 200%. O exemplo da Telebrás mostrou que as críticas são
plenamente justificáveis, com critérios – e até erros – absolutamente
inexplicáveis.
Os erros inaceitáveis
O “fluxo de caixa descontado” –
como dizem os técnicos – que o sistema Telebrás poderá oferecer em dez anos foi
calculado em 90 bilhões de reais pelas consultorias escolhidas, já considerado baixo
diante de previsões iniciais que apontavam para valores de até 120 bilhões de
reais. Não bastasse isso, elas sugeriram que, desse valor, fossem subtraídas
despesas “novas” que, segundo diziam, os “compradores” passariam a ter. Dessa
forma, o preço das teles ficaria em meros 11,2 bilhões de reais... Foram nada
menos de 24% de desconto – ou um quarto do “valor” do fluxo – para as teles do
sistema de telefonia fixa e incríveis 65% – ou dois terços do valor – para a
telefonia celular... Mesmo com a onda de protestos, o Planalto recusou-se a
determinar novos estudos, “para não atrasar os leilões”. Fez algumas contas “de
chegar”, e elevou de 11,2 bilhões de reais para 13,5 bilhões de reais o preço
mínimo para a compra do bloco de 19,24% das ações, que asseguravam o controle
das empresas. Enterrou, assim, qualquer debate.
Afinal, que descontos foram
sugeridos pelas consultorias? É preciso relembrar que, para as privatizações, o
governo previu que haverá sempre duas empresas concorrentes operando em cada região,
tanto para os celulares como para a telefonia fixa, a fim de assegurar um clima
de competição permanente. Com essa concorrência, argumentaram as consultorias,
haveria várias transformações no mercado, capazes de reduzir o faturamento e o
lucro dos “compradores”, destacando-se os “gastos com comercialização”, isto é,
basicamente comissões pagas sobre vendas e propaganda, e perda de market share,
isto é, de uma parcela do mercado, para novos concorrentes.
A redução de preços proposta
pelas consultorias por causa dessas mudanças foi claramente exagerada. Para a
comercialização, um abatimento de 6% e 13%, respectivamente, para as telefonias
fixa e celular. E para o chamado, pedantemente, market share?
Um desconto – sobre todo o valor
da empresa – de nada menos que 13% no caso da telefonia fixa, e de 30% para os
celulares.
Somados todos os descontos, como
se disse, os preços mínimos de venda, com base no “fluxo de caixa”, foram
reduzidos em generosos 24% para a telefonia fixa e incríveis 65% para a
telefonia celular...
As distrações imperdoáveis
Os critérios utilizados para
propor os descontos já eram intrigantes. Além deles, porém, houve erros
oficialmente reconhecidos e que certamente resultaram em bilhões de prejuízos
para o
Tesouro – os contribuintes –,
“fazendo a festa” para os compradores:
• COMERCIALIZAÇÃO
– parece incrível, mas é verdade. As consultorias incluíram nos cálculos o
aumento de despesas com comercialização. Mas se “esqueceram” de incluir nas
contas as receitas, isto é, o faturamento que os compradores terão com a venda
de milhões e milhões de linhas – sobre a qual, exatamente, serão pagas as
comissões.
• PARTICIPAÇÃO
NO MERCADO – o segundo erro é ainda mais escandaloso. As consultorias
calcularam que as novas concorrentes, que entrarão futuramente no mercado,
obviamente vão abocanhar uma fatia desse mercado, que era dominado em 100%
pelas empresas estatais até a privatização. Até aí, tudo óbvio. Mas a proposta
de descontos, por causa da concorrência e da perda de market share,é
absolutamente descabida. Por quê? Os próprios estudos das consultorias preveem, por exemplo, que no caso da telefonia
fixa o mercado crescerá nada menos que 265%, isto é, quase quadruplicará, até
2007. Então, atenção: mesmo que as novas teles concorrentes fiquem com 20% do
mercado e as “antigas”, privatizadas, “recuem” para e, portanto, receita e
lucros. Ao contrário. Se o mercado crescer 265% e elas ficarem com 80% desse
novo total, as teles antigas também estarão crescendo violentamente: nada menos
que 195%;ou seja, sua clientela praticamente triplicará. Em lugar de propor abatimentos
por causa da “perda de fatia de mercado”, as consultorias deveriam ter proposto
preços maiores para as teles ,já que elas continuarão com lucros crescentes em
um mercado em expansão.
Governo com
pressa
O governo não descobriu esses “erros”? Descobriu, sim. Nos dias que antecederam ao leilão das teles, uma colunista do jornal O Estado de S. Paulo – bastante relacionada com a equipe econômica – foi interpelada por um empresário-leitor que havia tido, na época, acesso aos estudos das consultorias. A colunista, porta voz habitual do governo, foi forçada a admitir que realmente as consultorias tinham se “esquecido” de incluir as receitas nas contas. Mas, alegava, isso era “facilmente corrigível”. Quem pensou em novos estudos errou. O governo saiu pela tangente, com o aumento simbólico de 11,2 bilhões para 13,5 bilhões de reais – citado anteriormente –, para o preço mínimo do bloco de controle de 19,24% das teles.
À primeira vista, a pressa do governo teria até uma
explicação.
Desde maio de 1998, os banqueiros
e investidores internacionais já estavam fugindo, cortando o crédito, do Brasil,
e o real caminhava para a desvalorização. Os leilões da Telebrás, a toque de caixa,
eram uma forma de captar dólares e reais, mesmo que em quantidades abaixo do
preço justo, e permitir que o governo mantivesse a ilusão do real até a
reeleição. Prevaleceu a política de vender as estatais a preços de banana, com
a “torra” de um patrimônio de 120 bilhões de reais. Mas o preço baixo da
Telebrás não foi uma exceção.
Lucros, mesmo sem investir
O consórcio que arrendou o
Tecon-1, gigantesco terminal – o maior do país – para a movimentação de
contêineres no porto de Santos, um ano depois festejava os ganhos obtidos. Os
“compradores” ofereceram um ágio de 170% sobre o preço calculado e pedido pelo
governo, e por isso desembolsaram uma entrada de 200 milhões de reais. Mesmo
assim, àquela altura já estava claro que o retorno sobre essa “entrada” seria
obtido em três anos, e não em sete, como previsto. Motivo da lucratividade
acima das previsões?
Grandes
investimentos? Não. Os compradores deveriam, segundo o governo, gastar
130 milhões de reais imediatamente. Mas não foi preciso desembolsar nada:
“Precisamos apenas alugar umas cinco ou seis empilhadeiras”, confessou o
porta-voz do consórcio. Vale dizer, o terminal não estava sucateado, nem
precisava de gastos urgentes com equipamento – eterno pretexto para “vender” as
estatais a preços incrivelmente baixos. Uma invencionice que ficou plenamente
evidente também no caso da Malha Oeste, com as recentes notícias de que os
investimentos necessários a cargo do consórcio não irão além de 30 milhões de reais
em seis anos, ou meros 5 milhões por ano, contra a cifra inicial, de 90 milhões
de reais em cinco anos, ou 18 milhões por ano, anunciada à época do leilão.
E
mais: assim como faz com outros “compradores” de estatais, o BNDES concedeu um
empréstimo ao consórcio, de 10 milhões de reais... ou o equivalente ao dobro de
investimentos por ano previstos para o consórcio. É essaa rotina: os
“compradores” acabam recebendo, muitas vezes, empréstimos superiores à própria
“entrada”, ou ao próprio preço “pago” pela estatal. A conclusão mais importante
dos erros sobre as necessidades de investimentos dos “compradores” se refere
aos próprios cálculos de preços fixados para as estatais. Há os investimentos
que não são feitos. E há um sem-número de fontes de “lucros invisíveis” que, se
incluídos nos cálculos, teriam aumentado os preços das estatais, isto é,
reduzido os prejuízos do Tesouro, dos contribuintes, do país.
Veja alguns
exemplos:
BANCOS
– os preços de “venda” têm sido ridículos. O Banerj, como já dito, foi comprado
por 330 milhões de reais – e o governo do estado tomou um empréstimo de 3,3
bilhões de reais para arcar com o fundo de pensão. Há mais, porém. Outras
fontes de lucros foram asseguradas para o “comprador”: “monopólio”, durante
cinco anos, das contas dos funcionários públicos, recebimentos de impostos e
contas em geral do governo estadual. Mercado cativo.Lucro garantido.
ENERGIA
– as empresas distribuidoras, como a Light e a Eletropaulo, distribuem energia
gerada por empresas estatais. À época da privatização, compravam a 30 reais o
megawatt-hora e o vendiam a 84 reais.
ENERGIA,
AINDA – dividindo-se o valor pago nos leilões pelo faturamento obtido
com a venda de energia, pode-se saber quanto o “comprador” pagou por
gigawatt-hora que vai fornecer. No leilão da Escelsa, apenas 111 reais; na
Light, ainda modestos 179 reais; na venda da CPFL, 240 reais. Bem distante do
padrão de 400 reais que se esperava.
REDE
FERROVIÁRIA – o governo previa, inicialmente, arrecadar 4 bilhões de
reais. Vendeu todas as malhas – a prazo – por aproximadamente 1,4 bilhão de
reais. Investimentos previstos pelos “compradores” para a recuperação de 400
locomotivas: 240 milhões de reais. Em 20 anos. Ou 12 milhões de reais por ano.
VALE DO
RIO DOCE – às vésperas do leilão, foi confirmada a descoberta de imensas
jazidas, inclusive de ouro, ainda não devidamente estudadas (“medidas”) pela
empresa e que ficaram fora do preço fixado. Solução do governo, para não adiar
o leilão: emissão de títulos (debêntures), garantindo que, quando essas jazidas
entrassem em exploração, o Tesouro participaria dos lucros resultantes da
produção de minério. Solução aceitável? Não. O governo participará só dos
lucros. Não participará do aumento do valor do patrimônio da Vale – e consequente
valorização das ações da empresa resultante das novas jazidas.
EMPRÉSTIMOS
ANTIGOS – os lucros dos “compradores” podem ser aumentados também com a
liquidação de empréstimos contraídos pelas estatais, para execução de grandes
projetos no passado. A própria Vale do Rio Doce hoje anuncia lucros acima de 1
bilhão de reais. Mas a façanha tem explicações. Em 1996, por exemplo, a Vale
pagou nada menos de 550 milhões de dólares em amortização e juros sobre
empréstimos tomados para o “fantástico” Projeto Carajás, e mesmo assim lucrou
338 milhões de reais. Somadas, as duas cifras mostram um resultado na faixa dos
900 milhões de dólares. Em 1998, haveria apenas 72 milhões de juros e amortização,
da mesma operação, a pagar. Mais lucro para o “comprador”.
ATIVIDADES
PARALELAS – sabia-se, havia muitos anos, que as empresas de
telecomunicações – o setor de crescimento explosivo no mundo, neste final de
milênio –, quando fossem expandir suas redes, procurariam “alugar” infraestruturas
existentes, para reduzir custos. Mais claramente: procurariam, para suportar
sua fiação, aproveitar as redes de energia elétrica (e mais: redes de ferrovias
eletrizadas, gasodutos etc.). Essa fonte de renda extra deveria ter sido
incluída nos preços das distribuidoras de energia elétrica, ou mesmo da Rede
Ferroviária Federal etc. Não foi. Agora, os “compradores” já estão faturando
com o aluguel... Mais lucro “imprevisto”.
ESTOQUES
– as estatais são obrigadas, por lei, a realizar licitações para a compra de
materiais de todos os tipos, sejam blocos de anotações nos escritórios ou
equipamentos para usinas. Por isso mesmo, diante do prazo exigido pelas
licitações, as estatais mantinham estoques em níveis elevados, como medida de
segurança contra eventuais demoras e consequente falta de material, prejudicial
a seu funcionamento. Frequentemente, os “compradores” de estatais proclamam que
aumentaram seus lucros, de imediato, porque reduziram os estoques – já que
podem comprar, sem licitação; isto é, venderam estoques em que as estatais
tinham imobilizado grandes somas de dinheiro... Interpelada por não estar
realizando compras, a Telefônica de São Paulo, por exemplo, alegou que somente
no segundo trimestre de 1999 seus estoques estariam chegando ao fim e,
portanto, exigindo reposição. Como o leilão de venda da Telesp ocorreu em
julho, isto significa que a antiga estatal teria deixado um estoque para nada menos
de oito meses... “Quantas centenas de milhões de reais foram então presenteados
aos compradores”?
AS TELES, AINDA – estudos adotados pelo BNDES
afirmavam que o Brasil precisaria investir 8,2 bilhões de reais por ano para
modernizar seu sistema de telecomunicações, estendendo-o a toda a população (a
tal “universalização”). As dimensões gigantescas desses investimentos foram,
inclusive, um dos argumentos utilizados em defesa da “privatização”. Alegava-se
que o governo não teria condições de desembolsar tal volume de recursos (ver a
publicação “Privatização na indústria de telecomunicações: antecedentes e
lições para o caso brasileiro”, de Florinda Antelo Pastorize, editada pelo
BNDES em julho de 1996). No entanto, os estudos das consultorias contratadas
para calcular o preço de venda do sistema Telebrás preveem a necessidade de
investimentos muito inferiores, a saber, 50 bilhões de reais em dez anos (1998 a
2007); e nesse total já foram incluídos – marotamente – os 5 bilhões de reais
aplicados pelo governo em 1998. Restariam aos compradores, assim, investimentos
de 45 bilhões de reais em nove anos, ou 5 bilhões de reais por ano, contra a
previsão de 8 bilhões do mesmo BNDES... Conclusões: confirma-se que os
investimentos maciços de 7,5 bilhões e 8,5 bilhões de reais em 1996 e 1997,mais
os 5 bilhões de reais no primeiro semestre de 1998, foram um presente para os
“compradores”, que receberam sistemas ampliados e capazes de gerar lucros bem
maiores – e muito mais rapidamente. Em consequência, os preços das teles
deveriam ter sido maiores.
Está melhorando?
A política de vender as estatais
a preços de banana não está sendo abandonada. Ao contrário. Basta lembrar que,
no começo de 1999, houve o leilão das
concessões das “empresas espelho” para a telefonia, isto é, para a escolha das
empresas que vão concorrer com as ex-estatais. O governo previa um preço mínimo
de 1,25 bilhão de reais. Apurou um décimo, ridículos 125 milhões. E bateu o
martelo. Bom para os “compradores”.
A
desmoralização dos bancos estatais
O presidente da
República, em pelo menos duas grandes concentrações de agricultores, reconheceu
publicamente uma distorção que é sabida até por crianças do interior: os bancos
privados não fazem empréstimos, a não ser em escala quase nula, aos produtores
rurais. Quem desempenha esse papel – hoje de forma insatisfatória, por
orientação da equipe econômica? O Banco do Brasil e bancos estaduais como o
Banespa (Banco do Estado de São Paulo), regionalmente. O Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio reconhece, também publicamente, que os bancos
privados não querem fazer empréstimos para as pequenas e médias empresas –
mesmo quando o dinheiro a ser aplicado não é deles, mas mero repasse de
recursos do BNDES (que só empresta a grandes grupos, confiando as operações
pequenas, chamadas de “varejo”, a bancos privados). No mesmo tom, a Câmara de
Comércio Exterior do governo reclama, igualmente, que as exportações não
crescem porque os bancos privados não querem financiar as vendas externas das
pequenas e médias empresas.
Moral da história: do presidente da
República a ministros e funcionários do primeiro escalão, há o reconhecimento
generalizado de que os bancos privados se recusam a atender determinadas áreas,
reforçando assim a necessidade de o governo dispor de bancos oficiais, que
assumam funções necessárias ao alcance de metas ou superação de problemas do
país e da sociedade. Mesmo assim, em contradição total, o governo Fernando Henrique
Cardoso insiste na privatização dos bancos estaduais e prepara a privatização
do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal (CEF). Houve uma
tentativa, do próprio presidente da república, de negar esses planos. Mas ele
foi vexadoramente desmentido pelo diretor-gerente do Fundo Monetário
Internacional, Michel Camdessus, que cometeu a inconfidência – em reunião com
banqueiros internacionais – de anunciar as privatizações da CEF e do BB (uma
inconfidência explicável: Camdessus quis mostrar aos banqueiros internacionais
que o governo FHC obedece às ordens do FMI, para convencê-los a restabelecer o
crédito para o Brasil...).
Mais uma vez, para conquistar
apoio da opinião pública à privatização, o governo alega que o Banco do Brasil
e o Banespa estão “quebrados”, os demais bancos estaduais idem, e que a Caixa
Econômica Federal apresenta elevados índices de inadimplência nos contratos
habitacionais, “exigindo uma administração não sujeita a influências políticas”
etc. Tudo falsificação da verdade.
Delenda Banco do Brasil
A desmoralização do Banco do
Brasil perante a opinião pública foi uma das “operações de manipulação” mais maquiavelicamente
montadas pelo governo FHC. Em entrevista coletiva, com a presença de vários
ministros, anunciou-se um prejuízo recorde para o Banco do Brasil, previsto
para 6 bilhões de reais somente no primeiro semestre de 1996, e a necessidade
de o governo injetar 8 bilhões de reais no banco, para que ele se enquadrasse
nas normas em vigor em todo o mundo. Qual a verdade? A equipe econômica
“fabricou” o prejuízo. Decidiu lançar como dinheiro perdido no balanço do BB
todo e qualquer empréstimo em atraso, mesmo que este atraso fosse de apenas um
dia. Qual a manobra? Pelas regras do Banco Central do Brasil (BC), somente
devem ser considerados “créditos de liquidação duvidosa” os empréstimos já
vencidos e não pagos há mais de dois meses... A equipe, repita-se, lançou como
prejuízos empréstimos com até um dia de atraso...
Não se contentou com isso. Meses
mais tarde, resolveu lançar como prejuízo, falsificando novamente os balanços
do Banco do Brasil, até mesmo os créditos ainda não vencidos, isto é,
obviamente sem atraso – mas que podiam ser considerados (pela equipe
econômica...) de “má qualidade”, isto é, que “talvez, quem sabe, não venham a
ser pagos...”.
Além disso, mesmo com os
prejuízos “inventados”, o Banco do Brasil poderia apresentar lucros naqueles
balanços. Como assim?
Naquele mesmo momento da operação
“destruição do BB”, o governo federal devia nada menos de 7,2 bilhões de reais
ao banco, relativos a apenas duas operações (isto é, sem relembrar outras):
5,5 bilhões de títulos da dívida
externa que o BB havia sido obrigado a comprar, já vencidos, e 1,7 bilhão de
reais em títulos federais, utilizados por grupos privados para “comprar” a
Acesita, siderúrgica que “pertencia ao BB” e deveria, portanto, ter recebido o
dinheiro ou os papéis, que, no entanto, ficaram para o governo.
A CEF, uma lixeira
Tanto quanto o Banco do Brasil, a
Caixa Econômica Federal também foi utilizada, ao longo dos anos, para resolver
problemas que eventualmente afetassem a economia. Uma utilização muitas vezes
de interesse da sociedade mas que, inevitavelmente, reduzia a lucratividade da
instituição. No governo FHC, no entanto, a CEF tem sido utilizada para aumentar
os lucros dos bancos privados, vergonhosamente obrigada a “engolir” bilhões e
bilhões de prejuízos que, na prática, seriam dos banqueiros.
Como? Na quebra do
Banco Econômico, por exemplo, a CEF “comprou” a carteira imobiliária, isto é,
os contratos de financiamento da casa própria que o Econômico havia concedido.
Valor: 1,7 bilhão de reais. Na quebra do Bamerindus, a mesma coisa. Até aí, a
Caixa já estava sendo usada para “engolir” negócios “podres”, com alto nível de
inadimplência, ou empréstimos que nunca seriam pagos, de bancos que quebraram.
Beneficiando os futuros “compradores”.
Mas, o pior, é que essa operação virou
norma: a Caixa Econômica Federal passou a comprar permanentemente esses ativos
“podres”– inclusive de grandes bancos que são lucrativos, aumentando seus lucros
e ficando com os prejuízos... E tem mais: a partir de julho de 1996, a CEF
passou a “comprar” não apenas os empréstimos concedidos dentro do Sistema
Financeiro da Habitação, o antigo BNH, do qual é agente responsável. Não. Até
empréstimos concedidos pelos bancos, em seus negócios normais – a chamada
carteira hipotecária –, foram transferidos para a Caixa, transformada, assim,
em imensa lixeira dos negócios “podres”, capazes de provocar prejuízos para os
bancos privados...Enganosamente, a equipe econômica e porta-vozes neoliberais freqüentemente
dizem que a inadimplência dos contratos de venda de imóveis é uma “prova” da
ineficiência de instituições oficiais como a CEF, que não sabe “selecionar os
clientes”. Hipocritamente, fingem não saber que a CEF engoliu dezenas de
bilhões de reais em contratos “podres” de outros bancos...
E o Banespa?
Antes mesmo do BB, o Banespa já
havia sido vítima de manobras para considerá-lo quebrado”. Poucos dias antes da
posse do governador Mário Covas, em seu primeiro mandato, no final de 1994, o
Banco Central decretou a intervenção no banco paulista, alegando que o estado
havia deixado de pagar uma parcela de um acordo de refinanciamento da dívida,
firmado com o governo federal. No entanto, segundo a defesa de um ex-governador
paulista, em juízo, o atraso era inferior a dez dias – e as regras do acordo de
financiamento previam que qualquer punição somente poderia ser adotada após 30
dias de atraso.
No caso do Banespa, ainda, houve
um aspecto nunca explicado suficientemente à opinião pública. Afirmava-se que o
banco tinha um “rombo”, que estava “quebrado”, insinuando-se que seria uma situação
igual à do Nacional, do Econômico e de outros bancos particulares que
quebraram.
Na verdade, no caso desses bancos
privados, as dívidas eram superiores aos créditos que os bancos tinham –
inclusive a receber. Havia um “rombo”, sim. No caso do Banespa, a situação era outra:
o dinheiro do banco não havia “evaporado”, sumido, deixando um “rombo”. Havia,
o que não foi satisfatoriamente explicado, um grande devedor, que não estava
pagando suas dívidas: o governo do estado. O Banespa nunca quebrou. Quem estava
“quebrado” era o governo do estado. Os créditos a receber existiam. O dinheiro
existia. Mas a equipe de FHC construiu uma imagem de “quebra” para o Banespa,
para abrir caminho para a privatização.
Livro de Aloysio Biondi
Livro de Aloysio Biondi
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