Inflação e hipocrisia da burguesia
Por João Pedro Stedile, no sítio Terra Magazine:
A imprensa burguesa tem propagandeado que a inflação está fora do
controle com a divulgação de noticias, artigos e comentários de políticos de
oposição ao governo federal.
Com isso, colocam o tema dos preços como um fantasma atrás da porta de
cada família brasileira, prestes a assaltá-la e tomar o seu dinheiro.
A construção dessa paranoia começou com a divulgação de matérias
sensacionalistas sobre o aumento do preço do tomate, como se a valorização
desse alimento tivesse de forma isolada incidência real na inflação dos gastos
da maioria da população.
Qualquer estudante do primeiro ano de economia já sabe que os estudos
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Getúlio
Vargas têm diversos itens do orçamento doméstico médio dos brasileiros, sobre o
qual se calcula o aumento da inflação real para as famílias.
Depois da criação da “crise do tomate”, a mídia burguesa tem apelado a
cada dia para outros produtos, tentando criar novos factoides.
Essa manipulação grosseira se baseia em duas táticas complementares.
A primeira delas é criar na população paranoias e preocupações
desnecessárias que resultem em ações de massa que desgastem o governo.
Essa tática deu resultado, por exemplo, com o boato de que a Bolsa
Família iria acabar.
Com isso, 900 mil representantes das famílias mais pobres,
desinformados ou mal informadas, correram para as agências da Caixa, provocando
um verdadeiro tumulto, sobretudo nas cidades do Nordeste.
Hipocrisia descarada
A segunda tática da burguesia é jogar uma cortina de fumaça sobre os
verdadeiros problemas do país, lançando mão da hipocrisia descarada.
Em primeiro lugar, a burguesia e seus meios de comunicação sabem que
existe uma tendência geral de aumento dos preços de todas as mercadorias que
estão na sociedade, independente do preço de um único produto.
Ora, se há uma tendência de aumento de preços em todas as mercadorias,
quem são os atores econômicos que aumentam os preços?
São exatamente os capitalistas proprietários das fábricas,
supermercados ou lojas do comércio.
Portanto, é a base social tucana que opera o aumento dos preços,
beneficiando-se com o aumento dos seus lucros.
Assim, o discurso por trás da inflação esconde interesses de classes.
Em segundo lugar, ao mesmo tempo em que exageram nas notícias sobre um
“descontrole inflacionário”, fazem pressão pelo aumento das taxas de juros.
Nós, brasileiros, já pagamos os juros mais altos do mundo.
A taxa média de juros paga na economia pelos comerciantes e pelos
consumidores é de 58% ao ano.
Os bancos que financiam esses empréstimos ganham 52% de lucro líquido,
com a inflação em torno de 6% ao ano.
Não existe paralelo no mundo para a lucratividade dos bancos com
crédito no Brasil.
Com isso, os brasileiros ficam endividados no cartão de crédito ou no
cheque especial, que têm taxas que ultrapassam em média 100% ao ano…
Ou seja, é um verdadeiro assalto.
Para efeito de comparação, a taxa média de lucro nas economias centrais
é de 13% ao ano. Essa taxa já faz brilhar os olhos dos capitalistas nesses
países…
Nenhum porta-voz da burguesia brasileira protesta nos jornais, revistas
e nas TVs contra esse assalto aos brasileiros que o capital financeiro pratica
todos os dias.
Ao contrário.
Esses ideólogos defendem aumentos das taxas de juros como uma pretensa
medida para controlar o consumo das massas e impedir o tal descontrole da
inflação.
A terceira hipocrisia da burguesia é omitir que a taxa de câmbio da
nossa moeda em relação ao dólar é irreal.
A comparação dos preços das mercadorias em dólar nos Estados Unidos e
em real no Brasil indica uma taxa de câmbio necessária ao redor de U$S1,00 por
R$3,00.
Essa posição é defendida por diversos especialistas da área.
A atual taxa de câmbio próxima a U$S 1,00 por R$2,00 está provocando um
processo de desindustrialização da economia brasileira e reprimarização das
exportações.
A produção das manufaturas, que geram emprego e valor agregado, não
consegue mais competir no mercado internacional.
Essa taxa de cambio é provocada pela emissão descontrolada do papel
dólar pelo governo dos Estados Unidos e pela avalanche de capital financeiro
especulativo em nosso país, que vem para cá se proteger da crise.
Nenhuma palavra dos porta-vozes da burguesia sobre o “descontrole” da
taxa de câmbio.
Ou seja, a mídia da classe dominante sequer protege sua fração
industrial.
Controle dos alimentos
A quarta hipocrisia é esconder que grande parte dos produtos agrícolas
que se transformam em alimentos no mercado interno é controlado por um
oligopólio formado por empresas transnacionais.
Depois da crise de 2008, houve uma corrida do capital financeiro
internacional e das empresas transnacionais sobre as chamadas commodities para
se proteger da perda de dinheiro.
Assim, fizeram um brusco movimento especulativo, que fez com que os
preços das commodities aumentassem em três anos, em todo mundo, nada menos do
que 200%.
Esse aumento de preço foi repassado para os consumidores de alimentos.
Portanto, o aumento de certos produtos alimentícios tem como
responsáveis os que multiplicaram os seus ganhos: as grandes empresas do
agronegócio, como Bunge, Monsanto, Unilever, Cargill, Nestlé, Danone, entre
outras.
A quinta hipocrisia da mídia burguesa é ignorar que o Brasil é um dos
maiores produtores mundiais de milho, enquanto a falta de alimentos dizima 18
milhões de cabeças de bois, vacas, porcos e bodes no Nordeste.
Foram colhidas 60 milhões de toneladas de milho na última safra.
No entanto, diante da pior seca no Nordeste, morrem os animais criados
por camponeses da região.
A morte desses animais será uma perda irreparável para a população
nordestina, que pode demorar uma geração para repor o rebanho dizimado.
As famílias se salvaram da fome graças a saques, aos benefícios do
Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e ao programa Bolsa
Família, que garantiram renda para fazer a feira e se alimentar.
Diante dessa situação, a presidenta Dilma Rousseff mandou seus
ministérios tomarem providências.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário resolveu doar tratores
produzidos no Sul para as prefeituras do Nordeste. Foi só um negócio que não
alterou questões estruturais.
Independente da situação, o Ministério da Integração Nacional continuou
com a distribuição de lotes de perímetros irrigados para empresários do Sul, em
vez de beneficiar os camponeses da região que padecem com a falta de água.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi autorizada a comprar
milho para levar para o Nordeste e salvar o rebanho.
No entanto, a companhia fez vários editais e não encontrou quem
vendesse milho suficiente para a demanda. Por quê?
A safra de milho é controlada por empresas transnacionais.
A Cargill e a Bunge exportaram nada menos que 18 milhões de toneladas
de milho para os Estados Unidos no último ano.
Esse milho voltou ao país como etanol, importado por esses mesmas
empresas.
Com isso, o preço do etanol se mantém bem acima do seu valor real.
Se o governo quisesse resolver o problema, poderia requisitar a
produção de milho, proibir as exportações e salvar o rebanho no Nordeste,
enfrentando o problema das mortes dos animais causado pela seca.
Nenhuma palavra na imprensa burguesa sobre a falta de milho no país
campeão de produção agrícola.
Na verdade, foram escondidas as raízes da perda do rebanho no Nordeste.
Dessa forma, a mídia burguesa demonstra seu compromisso com o
interesses do grande capital financeiro internacional.
Os meios de comunicação da classe dominante, “preocupados” com a
inflação, omitem questões centrais relacionadas à formação dos preços no país.
Assim, os verdadeiros problemas que a sociedade brasileira enfrenta
ficam submersos diante da manipulação e da hipocrisia dos donos de jornais,
revistas e redes de televisão.
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