Bem aventurados
os que nele creem!
Quando desponta
lá na curva apertada, sei lá, parece até que brotou assim de repente, das
entranhas da terra para a superfície trilhada. Já havia lançado seu estranho
grito que colocou todos em alerta. O chão tremeu, tudo em volta estremece
respeitosamente, luzes vermelhas piscam seus olhos incessantemente. A
advertência PARE desce sobre a terra, como se tudo tivesse que dar passagem a
este estranho ser que vem majestoso, altivo, com a cabeça erguida arrastando
engatado atrás de si a frota submissa que se lhe segue sem indagar de onde, nem
para onde.
O caminho é um
só, já dado de antemão, trilhamento rigorosamente traçado, não permitindo
devaneio algum, possibilidade outra que não a prevista.
Lá vem, pois ele,
incólume, rígido, pesado, triunfante, cortante, determinado, vencedor,
absoluto, reinando sobre os cortes que faz na pele do campo ou nos intestinos
das cidades, até mesmo rasgando seu coração ao meio.
Nada é mais
solene, triunfal, grandioso, eloquente, bravio, destemido, indiferente, que sua
passagem ruidosa perante a qual todos se detêm, ainda que seja numa mínima
sideração. Ou devoção. Ou fé.
Neste seu
caminhar decidido, neste maestoso adagio, a parada brusca é impossível,
impensável.
Camões se
curvaria para fazer cessar "tudo que a musa antiga canta; outro valor mais
alto se alevanta."
Quando ele passa,
toda a minha vida, todos os anos já vividos, recolhem-se a uma insignificância
digna de êxtases de berço para reverenciarem sua rápida e longa, longa passagem
que me permite viajar a pontos estranhos do meu mais íntimo.
Sou assolado por
uma firme vontade de cantar um Te Deum, de louvar esta engenhoca misto de
mecânica e mistério e chego até a pensar que se Deus existe e de tão velho já
tem uma bengala na qual se apoia, este objeto a que me refiro é esta bengala.
De que falei? Do
trem, nada mais, nada mais...
Autor: Cyro
Marcos Silva
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