Marcos Coimbra: FHC e mídia de direita são tão
parecidos que é difícil saber, hoje, quem influencia quem. Felizmente a maioria
da população pensa diferente
por Marcos Coimbra, em CartaCapital
A vida é cheia de coincidências. Recentemente, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou um de seus habituais artigos
de discussão política. Foi daqueles nos quais assume o papel de farol das
oposições. Seu conteúdo era, como se esperaria, fortemente crítico em relação
ao governo.
Por coincidência, no mesmo dia, os principais
jornais estavam cheios de notícias negativas sobre a situação nacional. Depois
de lê-los, qualquer um ficaria com a impressão de que o Brasil caminha em marcha
acelerada para o buraco (se é que já não estaria dentro dele).
Em outra coincidência, ficou pronta, naquele
domingo, uma nova pesquisa nacional da Vox Populi. Feita em todo o País, sua
amostra era suficiente para que os resultados sejam representativos dos
sentimentos da opinião pública brasileira.
O artigo de FHC e o tom do noticiário eram tão
semelhantes que um desavisado poderia suspeitar. Os editores e o ex-presidente
estariam combinados? Você diz isso e nós aquilo? Nós mostramos os “fatos” e
você os interpreta?
Conhecendo os personagens, é pouco provável. Mas
FHC e a mídia conservadora não precisam combinar (no sentido de pactuar)
exatamente porque combinam (no sentido de possuir afinidades). Cada um à sua
maneira, contam as mesmas histórias.
São tão parecidos que é difícil saber, hoje, quem
influencia quem. Tendo há muito abandonado o vigor analítico de seus tempos de
sociólogo, as ideias de FHC se parecem cada vez mais àquelas dos editorialistas
e comentaristas da direita da mídia. E esses, por o admirarem com veneração,
fazem o possível para imitar seu pensamento.
A cada dia, FHC fica mais Globo e Veja (até porque
não conseguiria viver sem eles) e elas mais FHC. Todos imaginam um Brasil
lastimável, onde tudo dá errado. São, no entanto, de um otimismo imenso.
Paradoxalmente, acreditam que estamos à beira do abismo, mas acreditam em uma
saída simples e rápida: derrotar o “lulopetismo” na próxima eleição.
Em contraste flagrante, não há qualquer
coincidência entre o seu pensamento e o sentimento da vasta maioria do País. A
pesquisa da Vox, como as outras recentemente divulgadas, do Ibope e do
Datafolha, mostra quão pequena é a parcela da sociedade afinada com a oposição,
seja nos partidos, nas instituições, na indústria de comunicação ou na opinião
pública.
Os entrevistados se dizem satisfeitos com o País e
esperançosos em relação ao futuro. Entendem que sua vida tem melhorado e vai
melhorar ainda mais. Sabem que falta muito por fazer, mas confiam no caminho
trilhado.
Aprovam o governo. A maioria considera “ótimo” ou
“bom” o modo como Brasília lida com a economia, enfrenta a crise econômica
internacional, trata as questões do emprego e da inflação, administra programas
sociais, conduz a política habitacional, cuida da imagem externa do País.
Gostam da presidenta: mais de 80% dos entrevistados
a definem como “ativa”, com “garra”, “decidida”, “conhecedora do Brasil”, “boa
administradora”. Mesmo em itens em que os políticos tendem a se sair mal, ela
obtém índices muito favoráveis. Mais de 70% afirmam ser ela “sincera”, “próxima
do povo” e “de palavra”.
É tamanha a diferença entre as convicções
oposicionistas e o sentimento popular que é como se vivêssemos em dois países.
Em um, tudo vai mal e a mudança política seria imperiosa. No outro, as coisas
seguem de maneira satisfatória e as perspectivas são positivas. Neste, a
continuidade política é lógica.
Está errada a maioria dos brasileiros? Os únicos
certos são os próceres oposicionistas, os articulistas de meia dúzia de jornais
e a minoria da sociedade? Somente eles conheceriam a “verdade”? Todos os
restantes seriam ignorantes e incapazes de conhecer suas vidas, donde
inabilitados para dizer-se satisfeitos de forma racional?
Não é apenas autoritária a tese de que só alguns
poucos privilegiados conhecem o Brasil e possuem a visão certa das coisas. É
tola e inútil para a atuação política.
Pode ser agradável para uma liderança escrever um
artigo para jornal e ler na mesma edição uma manchete a confirmar sua análise.
Assim como pode ser prazeroso para um jornalista referendar, por meio de seu
trabalho, as ideias do ídolo.
Nada disso adianta quando não coincide com o que o
povo pensa e deseja. As oposições se acham superiores, mas estão apenas a
léguas dos cidadãos. E são eles, os cidadãos, que elegem os governantes.
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