domingo, 24 de junho de 2012

    O maquiavelismo de Lula


    (Ilustração na capa de Basquiat e Andy Warhol).

    Ontem eu disse que faria as últimas considerações sobre o caso Erundina, mas foi uma promessa tola, então me dêem licença para voltar ao assunto. De qualquer forma, não abordarei o assunto segundo perspectivas ideológicas ou subjetivas. Já que a decisão do PT foi eminentemente pragmática e mesmo maquiavélica (na acepção mais brutal do termo), então façamos também uma análise friamente objetiva.
    Abaixo, vocês vêem a relação dos vereadores da cidade de São Paulo, extraída do site da Câmara. Observe que o PT é o partido mais forte, com 11 vereadores. O PSDB perdeu um bocado para o PSD, que agora tem 10 vereadores.  Voltamos após o gráfico.

    Esse quadro nos sugere algumas observações:
    1. A aliança do PSDB com o PSD foi fundamental para a candidatura Serra. Lula tinha razão (do ponto-de-vista do cálculo maquiavélico-eleitoral) para tentar acordo com Kassab e PSD.
    2. Serra está conseguindo fechar acordo com quase todos os partidos com boa presença na câmara: PSD, PR, PV, PPS, DEM.
    3. Se os tucanos conseguissem fechar com PP e PTB, formariam um bloco com muita força eleitoral. O PTB ainda está em disputa.
    4. Deve-se sempre ressaltar a grande vitória de Serra ao fechar acordo com o PR, legenda que tem cinco vereadores em São Paulo e conta com o campeão brasileiro de votos Tiririca.
    Vamos ver outros números. Abaixo a votação para prefeito em 2008:
    A tabela acima merece ser examinada com atenção. De fato, não dá para desprezar Maluf. Ele ficou em quarto lugar no ranking dos mais votados. Para o PT, o quadro oferece uma série de problemas:
    • Dos seis candidatos mais votados em 2008, cinco eram nomes de oposição ao PT, sendo quatro de direita e um de esquerda (PSOL).
    • Trazendo Maluf para junto de Haddad, o PT diminui a pontuação inimiga nas eleições deste ano.
    Agora vamos analisar dados mais recentes da força eleitoral de Maluf, refletida na sua votação para deputado federal em 2010.  Para efeito de comparação, trazemos abaixo também os números de Erundina. Comentamos em seguida.

    Maluf obteve 275 mil votos válidos para deputado federal na cidade de São Paulo, e 497 mil votos em todo o estado. São falsas, portanto, as afirmações de que Maluf estaria “morto” politicamente. Ele ainda tem voto pra cacilda, e provavelmente a maioria vem de pessoas simples, porque eu não quero acreditar que pessoas bem informadas (ou uma grande quantidade de pessoas bem informadas) votem nesse crápula.
    Erundina teve 178 mil votos na cidade e 214 mil votos no estado.
    Os eleitores de Erundina tendem a votar no Haddad, porque o seu partido PSB vai apoiar Haddad. Este vai usar imagens de Erundina em sua campanha, e ela deverá pedir votos para o petista na TV. Então estes são votos já garantidos.
    Os eleitores de Maluf devem se dividir. Os mais ideológicos tendem a votar em Serra. O eleitor mais humilde, que vota no Maluf por algum tipo de misteriosa afinidade, tenderá a votar em Haddad, porque o PP apoiará o petista; além disso, temos Lula, uma lenda viva entre os mais pobres.
    Analisando friamente as estratégias eleitorais dos dois principais adversários, Serra e Haddad, vemos que ambos não estão medindo esforços para ampliar seus respectivos exércitos. Serra continua favorito, pois é muito conhecido, conseguiu apoio de um bom leque de partidos e tem a grande mídia como sua grande aliada.
    Do ponto-de-vista eleitoral, portanto, Lula e o PT agiram de maneira rigorosamente correta ao se esforçarem para obter apoio do PP de Maluf.
    O timing da foto foi desastrado, embora se possa alegar que a confusão gerou um factóide político de enorme impacto midiático, ajudando a romper o anonimato de Haddad. Vários colunistas estão começando a engolir essa ficha. Eliane Cantanhede admitiu hoje que este é um argumento a favor de Lula:
    A novidade no “affair” Lula-Maluf é a versão de que tudo foi ótimo para a candidatura de Fernando Haddad, que ganha visibilidade inédita e gratuita, aparecendo em todas as TVs, rádios, páginas de jornais e bombando na internet. Mais ou menos na linha do “falem mal, mas falem de mim”.
    Trata-se da velha tática de Lula de transformar o negativo em positivo, a desvantagem em vantagem.
    A eleição em São Paulo oferece a Serra a oportunidade de disputar um terceiro turno contra o PT. E Lula parece entender o pleito paulistano como uma chance de preparar o terreno para ganhar o governo do estado em 2014.
    Uma defesa que se poderia fazer acerca do frio e até meio sujo pragmatismo da campanha petista em São Paulo, é que a realpolitik, a bem da verdade, nunca foi um jogo para inocentes. O idealismo juvenil, que é a maior vítima da foto idílica de Lula, Haddad e Maluf, só costuma fazer diferença em eleições quando tem apoio da mídia, e quando isto acontece temos frequentemente a manipulação da ingenuidade. Ou seja, o idealismo juvenil perde novamente.

    Entretanto, uma das características mais marcantes do lulismo foi justamente aniquilar o idealismo onírico juvenil, substituindo-o pelo idealismo de resultados. Os lulistas não fizeram campanha pela reeleição de Lula e depois por Dilma brandindo símbolos de uma revolução socialista. Ao contrário, tiveram que lutar contra acusações pesadíssimas de seus adversários contra as imagens de Lula abraçando Collor e defendendo Sarney e Renan Calheiros. 

    Fizeram a luta política com galhardia, e suas armas mais eficazes foram estatísticas que mostravam o notável desenvolvimento econômico e social do país. Um idealismo de resultados, repito. Esta é explicação para a foto de Lula, Maluf e Haddad. Lula quer ganhar as eleições, quer que o PT faça um bom governo, que agregue mais estatísticas e mais resultados positivos para dar substância às futuras campanhas de seu partido. Os militantes “decepcionados” não deixarão de votar no PT, e os resultados sociais concretos de uma administração popular despertarão as massas adormecidas de São Paulo, que enfim poderão se libertar do jugo conservador-midiático que as fazem votar contra seus próprios interesses.

    Além do mais, quem bancou Lula nunca foi a “militância”, que, ao contrário, mostrou-se sempre instável e reticente em seu apoio – tanto ao ex-presidente como à Dilma. Quem jamais traiu Lula, mesmo em seus momentos mais difíceis, e nas circunstâncias mais polêmicas e complexas, foi o povão. O povão não tem frescura ideológica. Ele quer resultados, ponto final. No que tange à ética, o povo quer ver rico indo em cana, e foi Lula, e só ele, quem botou Maluf na cadeia, dentre centenas de ricaços e poderosos que, pela primeira vez na história do Brasil, tiveram a experiência inesquecível de contemplar o nascer quadrado do sol.

    Por fim, não podemos esquecer que o principal partido conservador no Brasil é a mídia paulista, que é bancada financeiramente pelo governo de São Paulo. Se Lula conseguir apear o PSDB de São Paulo, com Maluf ou sem Maluf, será um golpe brutal contra o poder da mídia corporativa, que ataca candidatos populares e movimentos sociais em todo país. O julgamento da história, e só ele, sabe exatamente por quem os sinos tocam na política brasileira.

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