Contrabando ideológico do Paraguai
Começo a ficar preocupado com o debate em torno do golpe no Paraguai.
Meu receio é o contrabando ideológico, com idéias exóticas que podem ser trazidas ao Brasil e germinar por aqui.
Estou falando sério. É grande o número de comentaristas que dizem que
a deposição de Fernando Lugo foi um processo dentro da lei e que, por
essa razão, não pode ser comparado a um golpe de Estado.
Já li comparações inclusive com o impeachment de Fernando Collor.
Teve até um professor universitário que disse isso no Rio Grande do Sul.
Vamos combinar que é feio reescrever a história, ainda mais a partir de fatos tão recentes.
Fernando Collor foi investigado por vários meses e considerado
culpado pela Polícia Federal, que encontrou vários indícios de corrupção
e troca de favores.
A CPI sobre PC Farias recolheu provas contra o tesoureiro e o
presidente. Os auxiliares de Collor foram questionados, puderam se
defender e acusar. Apareceu uma testemunha, com um cheque usado para
comprar um carro para a primeira dama. E apareceram vários
cheques-fantasma do esquema e suas conexões. A polícia federal descobriu
um computador com a descrição gráfica do esquema financeiro. Estava
tudo lá: quem recebia, quem pagava.
Depois de tudo isso, o Congresso votou o impeachment do presidente. O
país estava convencido de sua culpa. Os estudantes foram às ruas pedir
sua renuncia. Collor pediu apoio popular. Recebeu maiores protestos.
Ao contrário de Lugo, Collor não foi deposto. Renunciou. Lugo tinha
apoio popular, a tal ponto que um dos motivos para a pressa dos
golpistas era impedir a chegada de seus aliados a Assunção. É trágico:
para dar um golpe contra o povo, correram de populares.
As acusações contra Collor não foram histórias que cairam céu contra
um presidente fraco que, por falta de apoio parlamentar, foi despachado
para casa.
Collor enfrentou um processo democrático, onde teve direito a ampla defesa.
Não tivemos nada disso contra Lugo. Não há um fiapo de prova de suas
responsabilidades pelas 17 mortes num conflito agrária, que criou a
comoção que ajudou os golpistas a criar um ambiente favorável a
derrubá-lo.
Os outros quatro episódios são acusações vagas e genéricas. Em nenhum
deles a culpa de Lugo está demonstrada. Sequer é descrita. Estamos
falando aqui de um arranjo político, uma oportunidade. Lugo era um
presidente incômodo, com ideias de esquerda – bastante moderadas, por
sinal – e seus adversários não quiseram perder uma chance de livrar-se
dele.
É o poder oligárquico em sua expressão extrema, anti-democrática e
absoluta – tão poderoso que pode cumprir um simulacro de democracia para
pervertê-la.
Falar que se cumpriu o ritual democrático é o mesmo que dizer que o
ditador Alfredo Stroessner, que governou o Paraguai por 35 anos,
acumulou uma fortuna ilícita estimada em 5 bilhões de dólares e deixou
uma lista de 400 desaparecidos políticos era um presidente legítimo
porque de tempos em tempos promovia eleições que vencia com mais de 90%
dos votos.
E é isso o que mais preocupa neste caso. O gosto pelo simulacro.
Vitima de um golpe de Honduras, Manoel Zelaya foi acusado de tentar
avançar uma emenda constitucional para permitir a reeleição presidencial
– não para ele, mas para seus sucessores. Nem a embaixada americana
acredita que esse fato era motivo para seu afastamento. Em documentos
enviados para Washington, a representação diplomática em Tegucigalpa
explicava que se tratava de um golpe de Estado.
Mas havia, em Honduras,
um pretexto que, de forma distorcida e abusiva, foi usada para depor um
presidente constitucional.
Contra Fernando Lugo não havia nem pretexto e mesmo assim ele foi derrubado, um ano e dois meses antes do fim de seu mandato.
Mas nossos golpistas adoram uma novilíngua. Em 64, quando João
Goulart foi deposto, eles anunciaram que a democracia foi resgatada.
Fizeram marchas para comemorar a liberdade…Vai ler os jornais e está lá
assim: a democracia foi salva…A liberdade venceu…
Que horror, não?
Nenhum comentário:
Postar um comentário