segunda-feira, 28 de maio de 2012

Advogado deve deixar caso se há evidência de dinheiro ilícito

 Honorários em foco

 


Impressionado com a quantidade de advogados, uma verdadeira legião de defensores que, geralmente, são contratados pelos grandes traficantes para cuidar de seus interesses na Justiça, coisa que outros réus jamais sonhariam ter, um delegado de Polícia Federal do Rio de Janeiro, Antônio Carlos Rayol, apresentou uma proposta de projeto de lei que proibiria o pagamento de honorários advocatícios com o dinheiro obtido ilicitamente, pelo crime organizado.

Conforme dados publicados pela imprensa, os nomes mais famosos da marginalidade não economizam recursos com defensores: Fernandinho Beira-Mar teria 25 advogados, Elias Maluco teria, pelo menos, 9 defensores e Marcinho VP, 6. Uma ostentação, de grande poder intimidatório. Afinal, somados todos esses advogados, são 50, além dos estagiários. Um verdadeiro exército a serviço dos interesses de pessoas altamente perigosas.

Essa situação constrangedora, que a imprensa vinha denunciando há algum tempo, veio novamente à tona quando uma advogada de Beira-Mar confessou, publicamente, receber honorários com dinheiro do tráfico de drogas. O espanto gerado pela declaração não resultou de seu conteúdo. Obviamente, todos sabemos que traficante não tem dinheiro limpo, a menos que consiga comprovar que também exerce alguma atividade lícita, que não seja lavagem de dinheiro, uma hipótese bastante remota.

O choque da opinião pública decorreu da demonstração de ousadia de uma advogada, que admitiu o que alguns de seus pares preferem ignorar. Todo o mundo sabe que traficantes e outros criminosos de grosso calibre pagam defensores com o dinheiro que tiraram de suas atividades ilícitas. De onde mais poderia ser?
Como a senhora defensora de Beira-Mar (finalmente alguém) jogou as cartas na mesa, a Ordem dos Advogados do Brasil se viu às voltas com um problema de difícil solução. Provavelmente, haverá punição para quem faltou com a dignidade profissional, no entanto, o maior problema não é esse. Será preciso tomar uma posição, de caráter geral, com relação ao recebimento de dinheiro que, na realidade, não pertence a quem dele dispõe.

Não é ético a quem quer que seja aceitar bens que sabe ser produto de ilícito. Toda vez que um traficante é condenado pela Justiça, perde os bens que adquiriu com o seu nefasto comércio. Esses bens são usados pelo Estado para combater o próprio tráfico. Perde, também, o dinheiro, se houver. Por essa razão, seu patrimônio, quando identificado, precisa ficar indisponível no correr da instrução, até decisão final.

Nem todos os suspeitos acabam condenados e não se pode fazer pré-julgamento, mas para que a sociedade tenha a garantia de que dinheiro obtido através de reiteradas práticas criminosas não continue a beneficiar os delinqüentes, aumentando seus poderes, a solução proposta pelo Delegado Federal deve ser estudada com atenção. Ninguém sugere que um acusado fique sem defensor, evidentemente. A assistência judiciária, custeada pelo Estado e que trabalha muito bem, existe exatamente para atender aos réus que não têm defensor constituído. Não há nenhum cerceamento de defesa em ter um advogado dativo ou fornecido pelo Estado. Com a grande maioria dos acusados funciona exatamente assim e nenhum deles foi declarado indefeso por essa razão.

Por outro lado, advogados com banca própria não podem trabalhar de graça, aguardando o resultado da ação para saber se o cliente vai ou não poder usar o dinheiro que tem para pagá-los. A solução para o problema tem de ser intermediária e absolutamente dentro da ética profissional: quando as evidências forem tais que ninguém na face da terra puder acreditar que o dinheiro do acusado seja de origem lícita, então o advogado não poderá aceitá-lo como pagamento de honorários, sob pena de se transformar, no mínimo, em beneficiário do crime organizado. Caso contrário, tendo o cliente outras fontes de renda que possam fazer supor que o dinheiro de que está dispondo para pagar honorários seja de boa origem, então a responsabilidade do advogado desaparece e cai exclusivamente sobro os ombros de quem o contratou.

A Ordem dos Advogados vem enfrentando o problema sem se omitir, nem perante seus aspectos mais difíceis. O presidente do Tribunal de Ética da entidade já declarou à imprensa ser falta grave o fato do advogado receber honorários que sabe provir do crime. Mas é preciso tomar muito cuidado para não incriminar o advogado junto com o seu cliente. Afinal, todos os acusados, até o pior deles, tem de ter um defensor.
Luiza Nagib Eluf é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer — o caso Euclides da Cunha”, ambos da editora Saraiva.

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