Por Cynara Menezes.
Mais do que buscar fontes de inspiração para seu
próprio projeto de controle social da mídia, o Seminário Internacional
Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, promovido pela Secretaria de
Comunicação da Presidência esta semana em Brasília, parecia ter o intuito de
tentar tranquilizar setores supostamente preocupados com a liberdade de
expressão. Afinal, mostrou o encontro, a regulamentação é uma realidade em
países desenvolvidos como o Reino Unido, a França e Canadá, entre muitos
outros. Mas que nada: ao noticiar que o ministro Franklin Martins iria
"insistir" no projeto, os jornais e tevês brasileiros voltaram a
bater na tecla da censura.
Franklin chegou a dizer que as críticas ao projeto,
que, apostou, será mesmo apresentado pela presidente Dilma Rousseff ao
Congresso, não passam de subterfúgios, porque não existe possibilidade de
censura. "Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaçada é
bobagem, fantasma, é um truque. Isso não está em jogo", afirmou.
Rapidamente, a Abert (Associação das Emissoras de Rádio e TV) reagiu.
"Enxergamos de modo diferente. Não estamos vendo fantasmas. São coisas que
estão acontecendo", disse Luis Roberto Antonik, diretor-geral da entidade,
embora ponderando que Franklin nunca tenha usado "o poder dele para
restringir a liberdade de expressão".
Na quarta-feira 10, último dia do seminário, o
ministro da Secom voltou a reafirmar que a intenção do governo é, como acontece
nos demais países, estabelecer obrigações, não proibições, em termos de
conteúdo, como por exemplo a proteção da língua, da cultura nacional e das
crianças e menores de idade. "Estes fantasmas deveriam ficar no sótão, a
regulação não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Na maioria dos países, quando se
fala em regular conteúdo, não se fala em censura. Não tem volta de dona
Solange", disse Franklin, em referência à famosa censora do cinema e da TV
da época da ditadura militar.
Ao que tudo indica, todos estão surdos. Fala-se em
controle social e os donos de jornais e tevês escutam "censura". Nos
principais sites informativos dos maiores grupos noticiosos, durante os dois
dias em que aconteceu o seminário o projeto idealizado pelo governo era
descrito como de "controle da imprensa". Por trás da preocupação com
a liberdade de expressão, porém, esconde-se o real temor, por parte das
"nove ou dez famílias" que controlam a comunicação no país (para usar
as palavras do presidente Lula) de que o projeto do governo represente desconcentração
do setor.
"A Sociedade Interamericana de Imprensa é um
grupo de empresários, donos de jornais, preocupados em defender seu negócio. A
liberdade de expressão pertence aos cidadãos, não é propriedade deles",
declarou Gustavo Bulla, diretor Nacional de Supervisão da AFSCA (Autoridade
Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), órgão regulador argentino.
Simultaneamente ao evento brasileiro ocorria em Mérida, no México, a 66a.
reunião da SIP, que reuniu editores e executivos de jornais e meios de
comunicação das Américas. A entidade mostrou sua "preocupação" com a
iniciativa tomada por alguns Estados brasileiros de criar agências reguladoras
de mídia, e pediu aos governadores "veto sumário" às propostas.
Segundo o ministro Franklin Martins, cada país
possui seu próprio modelo regulatório, e o Brasil ainda vai escolher o seu. O
exemplo da Argentina é instigante. A lei sancionada há um ano pela presidente
Cristina Kirchner não tem nada a ver com a venezuelana, como se acusa, e sim
com os modelos canadense e norte-americano. "Como no Brasil, também fomos
chamados de 'chavistas'", conta Bulla. "Isso se faz para colocar medo
nos cidadãos." O que não significa que os argentinos não foram ousados em
sua proposta. Não à toa, o maior grupo de comunicação do país, o Clarín, vive
às turras com o governo e é considerado "o maior partido de oposição"
a Kirchner.
Se já há tanta polêmica no Brasil em torno do marco
regulatório, imaginem se fosse feito aqui o que ocorreu na Argentina: em agosto
do ano passado, a transmissão das partidas de futebol foi simplesmente
"estatizada". Bulla conta que, como os jogos eram transmitidos via TV
a cabo, isso fazia com que uma parte enorme da população não tivesse acesso ao
futebol a não ser em locais públicos, como restaurantes, bares e pizzarias. O
governo decidiu, então, negociar com a AFA (Associação de Futebol Argentino) a
compra dos direitos de transmissão e propôs pagar o dobro do que oferecia o
Clarín e a empresa Torneos y Competencias, detentores dos direitos havia 18
anos.
Desde então, todo mundo tem acesso aos jogos via TV
estatal, o canal 7. "Eles tentaram ir à Justiça contra a decisão do
governo, mas não conseguiram nada", conta Bulla, citando uma frase do
popular locutor esportivo Victor Hugo Morales: "Os direitos exclusivos do
futebol foram o cavalo de Tróia da concentração dos meios de comunicação na
Argentina". Além de democratizar o acesso ao futebol, a lei significou não
só desconcentração econômica como cultural.
Antes, como as rádios de todo o país apenas
repetiam a programação vinda de Buenos Aires, um habitante da Patagônia, por
exemplo, acordava com notícias sobre o tráfego na capital e não sobre sua
própria região. "Isso matava as manifestações regionais de cultura",
diz Gustavo Bulla. Com a nova lei, a mera repetição de conteúdo foi
restringida, assim como a possessão de até 24 concessões por um mesmo grupo de
comunicação.
O que é bom para a Argentina talvez seja bom para o
Brasil - e aí reside o verdadeiro temor dos donos da imprensa, não fictícios
atentados à liberdade de expressão. Só falta o governo brasileiro querer
questionar também as exclusividades milionárias das transmissões desportivas.
Isto também seria considerado censura?
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