quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A avó educa ou deseduca?




Muitas vezes, relações marcadas pelo conflito. Esse é o cotidiano de muitos pais que dividem com os avós a tarefa de educar as crianças. Para a educadora Tânia Zagury, toda a diferença de métodos para bem educar acaba evidenciada pela diferença de gerações entre os pais e avós das crianças. Singularidades que podem atrapalhar, quando não compreendidas. Mas que também podem se transformar em uma rica experiência.

Andréa Antunes

Entre tantos pedagogismos e tantas teorias educacionais, em um ponto parece que há consenso: na regra geral, a avó representa um insubstituível elo afetivo na corrente familiar e isso tem seus reflexos positivos, quando se sabe que o componente emocional é um dos vetores básicos no processo de aprendizagem e socialização das crianças.

Esse papel ainda continua sendo muito consistente no meio de muitas famílias, sobretudo diante da complexidade social que, em alguns casos, tem fragilizado o papel dos pais, massacrados pela correia da cidade grande e pela luta desvairada da sobrevivência, ou então pela programação intensiva da televisão, o que lhes subtrai o tempo disponível para o diálogo rotineiro e necessário com os filhos.

Tempos de avó

O perfil de uma avó que se desdobra no seu papel pode ser exemplificado na figura de Dona Néia Oliveira, 66 anos. Ela consegue conciliar as tarefas de trabalho (faz massas para vender) com as tarefas de casa e sempre encontra tempo para a convivência no dia-a-dia com os netos. Entre carinhos, mimos e brincadeiras, ela ajuda na educação dos netos Danielle Soares (6 anos), João Pedro (9 anos), Julianne (5 anos) e Evelyn (14 anos). E como ela, muitas outras avós desempenham um papel fundamental nessa educação familiar, um pilar mais forte que a educação formal na escola.

Filósofa e mestre em educação, autora de nove livros sobre o assunto, Tânia Zagury é categórica. “O papel da avó e ser avó. É dar carinho, contar histórias. A avó é para ter prazer com as crianças”, diz Tânia, ressaltando que a avó desempenha um papel fundamental na formação das crianças. “Elas dão uma noção mais ampla de família e permitem à criança saber que tem uma história. A relação com a avó é de uma intensa troca de afeto. A criança se sente amada, valorizada e isso ajuda a desenvolver a auto-estima”, avalia a especialista.

Avós e mães: uma relação delicada.

De onde vem, então, o conhecido ditado “Mãe educa e avó deseduca”? A lógica do pensamento é simples. As avós capricham nos mimos e agrados, e as crianças têm satisfeitas todas as suas vontades e caprichos. 

Para os pais sobra um papel bem menos simpático: cobranças, broncas e proibições. Mas mesmo as avós “subversivas”, que tratam os netos como deuses, não comprometem à formação. Isto mesmo quando a atitude de fazer todas as vontades do neto, invariavelmente, termina em conflitos familiares.
“A avó não vai fazer nada que prejudique a criança. Também não se pode achar que a avó vai educá-la como se fosse a própria mãe. Ela pertence a outra geração, com outros valores, e é preciso compreender isso. Mas, mesmo quando faz todas as vontades do neto, a avó não está prejudicando. A criança tem discernimento para saber que, com a avó, o comportamento deve ser um, e com a mãe as regras são outras. O importante é ver a essência do processo”, diz Tânia.

A diferença de geração, no entanto, nem sempre atrapalha. No caso de dona Néia, a filha Lúcia reconhece que a mãe é a responsável pela educação mais formal da filha Daniele e dos sobrinhos. “Minha mãe dá aquela educação mais antiga. Ensina as crianças a respeitarem os mais velhos, a tomarem benção. Minha filha só toma benção da minha mãe. Eu não tenho tempo e não dou muita importância para certas tradições”, revela Lúcia.

Dona Néia admite que é rígida na educação de hoje, onde os filhos chamam os pais de você, respondem e fazem bagunça o tempo todo. "Essa história de liberdade é porque os pais não querem perder tempo educando. Mas comigo é diferente. Não podemos maltratar as crianças, mas temos que educá-las”, afirma.

São comuns casos como este, onde a liberdade quase total é dada pelos pais e não pelos avós. Mas isto tem explicação. De acordo com Tânia Zagury esta é, às vezes, a forma encontrada pelos pais de compensar a ausência. “Estamos vivendo uma inversão social, na medida em que o Estado não criou estrutura para que as mães possam cuidar dos filhos. Hoje, como as mulheres estão inseridas no mercado de trabalho, acabam tendo que deixar os filhos com a avó. Quando a mãe trabalha fora se sente um pouco culpada. Então, para compensar, é ela quem faz todas as vontades da criança. Ela fica ansiosa e quer controlar tudo. Isso também acaba gerando conflitos” explica a mestre em educação, lembrando que este tipo de problema é fácil de evitar. “O excesso de liberdade e pequenos erros, cometidos pela avó ou pela mãe, podem ser resolvidos com uma boa conversa, com muito diálogo.”

Corujas, mas nem tanto.

A especialista tem razão. Por mais que façam as vontades dos netos, as avós não fogem da tarefa e educar. Mesmo aquelas que só ficam com o neto de vez em quando. Yolanda Carvalho, 71 anos, é um exemplo disso. Só fica com as crianças quando a filha precisa, mas nem por isso faz todas as vontades.
“Minha filha não trabalha. Quando ela tem alguma coisa para revolver eu fico com as crianças. Mas não é por isso que deixo eles fazerem tudo o que querem. Fico atenta a tudo que estão fazendo e, se tiver alguma coisa errada, corrijo. Brigo mesmo. Minha filha não reclama. Também, se reclamar, não fico mais com as crianças. Acho que se ela quer que eu tome conta, tem que me dar liberdade para educar”, conta Yolanda, do alto da experiência de quem criou três filhos e, agora, ajuda a cuidar de dois netos: André e Renata Peçanha, de 7 e 5 anos.

Dia das avós

Mas, se entre pais e avós a relação é delicada, entre avós e netos a coisa parece ser mais simples. Mesmo sem ser aquela avó que faz todas as vontades, dona Néia é amada pelas crianças. Quando o tema em questão é o desempenho da vovó, elas não poupam elogios – deixando transparecer uma evidente dose de ciúmes.
“Ela briga, mas é legal”, diz João Pedro. Sem querer ficar para trás, Danielle logo dá sua opinião. “Ela ensina muita coisa e ajuda a gente”, diz. Evelyn Cristina também não vê problema em ficar com a avó. “Ela cuida muito bem da gente”, avalia. Mas a melhor resposta parece vir da pequena Julianne. Questionada sobre a relação com Dona Néia, prefere o silêncio. Apenas corre para beijar a avó.

“As avós dão uma noção mais ampla de família e permitem à criança saber que tem uma história. É uma intensa troca de afeto.”
Tânia Zagury


Uma relação de pura amizade. Com açúcar e com afeto.

Cabeça branca, óculos, cestinha de costura no colo. Esta é a apresentação de Dona Benta no primeiro parágrafo do livro Reinações de Narizinho. Nas histórias infantis de Monteiro Lobato, a avó encarna a figura de educadora cuidando dos netos, Pedrinho e Narizinho, que vão passar férias em seu sítio. Nas páginas do autor não há conflito entre mãe e avó, já que a figura materna sequer é apresentada. Nas lembranças de muitos adultos de hoje ficam, além dos contos do Sítio, recordações de vovó de verdade, que se esmeravam na tarefa de contar história e fazer muitos – mas muitos – bolos e quitutes.

Contudo, a realidade da convivência em família nem sempre é tão doce. Às vezes, a relação entre mães e avós não é pacífica. Os conflitos são freqüentes em alguns relacionamentos, onde existe até uma disputa pela atenção da criança. Logo, um convívio tranqüilo exige “jogo de cintura” de ambas as partes. Porém, donas de uma experiência e conhecimento invejáveis, afinal já educaram seus filhos, as avós podem contribuir ainda mais para a convivência harmônica.

Para isso, elas devem seguir algumas regras consideradas básicas para melhorar a relação entre gerações e que prometem encerrar conflitos familiares. Quem já seguiu a cartilha da vovó ideal recomenda.
Confira alguns mandamentos da avó perfeita para pais e netos:

1-Amar os netinhos. Este é fácil e geralmente cumprido com eficiência.
2-Colaborar com os pais na educação.
3-Para facilitar isto o ideal é uma boa conversa para saber o que os pais querem.
4-Dar mais sugestão e menos conselhos aos pais.
5-Não competir com os pais pela atenção das crianças. Às vezes é deflagrada uma batalha não declarada.
6-Consolar os netos sem desautorizar os pais, mesmo que acredite que eles estejam errados.
7-Ouvir os netos para que eles se sintam compreendidos.
8-Contar histórias que sejam agradáveis.
9-Fazer bolos, doces e salgados que ficarão para sempre na memória.

Nenhum comentário: