terça-feira, 22 de novembro de 2011

Narrativas de Idosos


Na idade avançada, as narrativas se revelam fundamentais, no relato de histórias de vida para as quais os idosos parecem buscar um sentido. De acordo com Randall (2002), a importância da narrativa nessa etapa da vida vem sendo cada vez mais reconhecida. O campo da Gerontologia Narrativa é uma área emergente nos estudos sobre envelhecimento. Um de seus temas é o de que o envelhecimento é um processo biográfico, envolvendo o contar e o recontar contínuos da experiência vivida.

De acordo com Preti (1991), as narrativas pessoais ocorrem com grande freqüência na fala de indivíduos mais velhos, dada sua tendência natural em tornarem-se "contadores de histórias". A lembrança do passado é freqüente nas conversas entre idosos. O idoso utiliza suas lembranças do passado para a análise do presente, parecendo apresentar o objetivo de preservar sua imagem social através da linguagem (Boden & Bielby, 1983; Preti, 1991).

A qualidade das narrativas de idosos também tem sido destacada. James, Burke, Austin, e Hulme (1998) solicitaram a grupos de leitores jovens e idosos que avaliassem subjetivamente a qualidade de narrativas produzidas por sujeitos dessas mesmas faixas-etárias, sem saber a idade dos narradores. Os juizes de ambas as idades consideraram as histórias produzidas por idosos como de melhor qualidade. Embora os tópicos fossem mais guiados pelo interesse pessoal dos idosos do que pelo de seus interlocutores, seus discursos foram geralmente considerados como mais interessantes, tanto por jovens como por idosos. O idoso, com suas experiências passadas e referências familiares e culturais, apresenta uma possibilidade diferente de memória do que aquela apresentada pelos jovens. É como se os idosos possuíssem um pano de fundo para sua memória atual. Bosi (1995) sugere que eles parecem apresentar um comprometimento social de lembrar sobre o passado.

Um dos aspectos interessantes da narrativa dos idosos é a sabedoria que pode revelar-se em seu discurso. Estudos que investigam aspectos psicossociais sob uma perspectiva cognitiva têm compreendido a sabedoria como uma capacidade de resolução de problemas de ordem social e uma habilidade de julgamento moral para situações de vida (Pratt & Norris, 1994b). Pratt (1992) verificou que a sabedoria dos idosos está relacionada a certas variáveis ligadas à personalidade e à própria experiência de vida do idoso. Uma das variáveis mais relacionadas à expressão da sabedoria em idosos é o apoio social percebido (Pratt, 1992). Esse achado confirma a idéia de que o aumento de redes de apoio social para aqueles idosos que se encontram isolados, como no caso de muitos idosos institucionalizados, pode concorrer para a emergência de uma maior expressão de sabedoria pelos mesmos, beneficiando não somente a eles próprios, como também às pessoas com quem entram em contato.

Autores que se posicionam dentro da corrente pragmática dos estudos de discurso sugerem uma série de mudanças na produção e compreensão da narrativa com o envelhecimento. Diversos estudos demonstram que os idosos emitem mais informação de caráter subjetivo em suas narrativas. De acordo com Soedberg, e Stine (1995), os idosos apresentam um maior número de avaliações subjetivas e menores continuações temporais em suas produções. Esses dados foram interpretados como indicativos de um maior distanciamento psicológico entre o leitor e o texto, ou seja, uma maior elaboração pessoal e uma menor fidelidade literal à fonte. Segundo Reyna (1995), o estilo narrativo dos idosos baseia-se mais na integração da informação em um esquema de interpretação do que na fidelidade aos detalhes de uma história. Esta característica da narrativa dos idosos se destaca nas tarefas de reconto de histórias. De acordo com Parente, Capuano, e Nespoulous (1999), devido a uma redução da memória de curto prazo, os idosos utilizam mais as informações de longo prazo armazenadas na memória episódica, deixando transparecer suas representações mentais. Adams, Smith, Nyquist, e Perlmutter (1997) demonstraram que idosos recontaram histórias com menos conteúdo literal do que jovens. No entanto, quando solicitados a interpretarem as mesmas histórias, esses idosos produziram maior número de representações profundas e sintéticas do significado interpretativo das histórias do que os jovens, demonstrando, além disso, uma preferência por esse estilo de narrativa. Brandão (2002) investigou a produção oral de narrativas pessoais e fictícias por jovens e idosos. Os resultados desse estudo demonstraram que os idosos optaram por um estilo menos objetivo e conciso do que os jovens, privilegiando a expressão de sentimentos e opiniões e manifestando preferência por contar histórias fictícias em que eles próprios eram protagonistas.

Os achados acima indicam que, com o envelhecimento, parece surgir um tempo de encontrar sentido para a história de vida. O idoso tende a expressar mais apreciações subjetivas em virtude do enorme número de associações e memórias relacionadas às suas experiências pessoais (Randall, 1999). Os idosos estão mais interessados na reminiscência e no estabelecimento de sua identidade no discurso. Parece que, ao invés de violarem as regras de relevância, eles apresentam objetivos que requerem mais informação subjetiva do que os jovens em suas narrativas (James et al., 1998). A habilidade de adultos idosos em adaptar a narrativa de histórias memorizadas à idade de ouvintes infantis foi constatada no estudo de Adams, Smith, Pasupathi, e Vitolo (2002). Mais do que os contadores jovens investigados, os idosos produziram elaborações e repetições, simplificando também as histórias mais complexas para as crianças. Essa liberdade relativa com relação ao texto literal beneficia o interlocutor infantil, que passa a contribuir de maneira espontânea na construção da narrativa, transformada de acordo com o contexto.

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