quinta-feira, 10 de novembro de 2011

FHC e seus Papéis


FHC e seus Papéis
Com a elegância de sempre, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a escrever nos jornais dominicais. Por mais que o tempo passe, não perde a capacidade de expressão.

Dessa feita, seu objeto foi a corrupção. Com o título “Corrupção e Poder”, a ideia central do artigo é que a corrupção, antes “episódica”, teria se tornado “um sistema” nos governos do PT.
Instalado na época de Lula, sobreviveria no atual, ainda que Dilma “esboce uma reação” contrária. Para FHC, estaríamos “(...) diante de um sistema político que começa a ter a corrupção como esteio, mais que simplesmente diante de pessoas corruptas”.

O texto reflete a dificuldade que o ex-presidente tem de conciliar os dois papéis diferentes a que as circunstâncias o levam. De um lado, ser algo até coerente com sua biografia acadêmica: um ex-presidente que não se ocupa dos embates políticos do cotidiano e intervém na vida nacional apenas quando é necessária uma palavra de sobriedade e sabedoria. De outro, ser uma liderança partidária como as demais, envolvida na luta ideológica com os adversários.

Não é surpresa que enfrente problemas tentando ser as duas coisas, pois os papéis são, mesmo, contraditórios. É impossível querer falar em nome de todos se muitos são vistos como inimigos.

A atração que sente pelo lugar de estadista, acima do bem e do mal, é nítida na sua participação em instituições que congregam “líderes globais independentes”, como diz o material de divulgação de uma delas, os “Anciãos”. Fundada por Nelson Mandela, essa reúne dez personalidades que atuam na defesa de causas sociais e humanitárias, para “oferecer sua influência coletiva e experiência em apoio à paz mundial, contribuir para o enfrentamento das principais causas do sofrimento humano e promover os interesses comuns da humanidade”. Como se vê, nada mais distante do que é a atuação de um líder partidário.

No site da organização, FHC se apresenta como ex-presidente que “implementou importantes programas de reforma agrária, redução da pobreza e que melhoraram significativamente a saúde e a educação (no Brasil); um aclamado sociólogo e advogado global da reforma da política relativa às drogas”.
Exageros à parte, há verdade nesse resumo de sua vasta biografia. E não há nada de mal no orgulho que sente de estar junto a personagens da importância ética e moral dos Anciãos (Desmond Tutu, Kofi Annan, Jimmy Carter, entre outros).

O problema é que Fernando Henrique não consegue dizer não a seus correligionários e à vontade de ser o porta-voz das oposições, nem que seja para apenas externar suas mágoas contra Lula e o PT.

Por mais que o seduzam os grandes fóruns internacionais suprapartidários, não resiste à tentação de desempenhar papéis menores.
O conflito entre o “aclamado sociólogo” e o político é visível no artigo do último domingo. Em “Corrupção e Poder”, mal se percebe o primeiro.

Em alguns momentos, é quase constrangedor, como quando procura justificar a famosa frase do ex-ministro Roberto Cardoso Alves - “é dando que se recebe”-, desculpando-a como inócua: “referia-se a nomeações (...) que eventualmente poderiam levar à corrupção, mas em si mesmas não o eram”.

Como se Fernando Henrique, líder do governo Sarney no Congresso, ignorasse o que se passava ao seu redor e se iludisse achando que a indicação de apadrinhados para cargos no governo fosse um fim em si mesmo.

Em outros, o texto é um exercício de ficção. Sem o dizer, parece querer se referir a seus dois governos quando afirma que “antes, o desvio de recursos roçava o poder, mas não era condição para seu exercício”. E que, “agora”, “os partidos exigem ministérios e postos administrativos para obter recursos que permitam sua expansão”.

Ou se esqueceu ou imagina que ninguém se lembra do que ocorreu naqueles tempos, quando diversos ministérios, alguns dos de maior orçamento, fizeram parte de acordos semelhantes aos que o PT fez quando chegou ao governo. Lula pode ser culpado de muitas coisas, mas não de ter inventado as regras desse jogo.
A corrupção é um problema antigo e relevante de nosso sistema político. Ela existe na administração federal, nos estados e nos municípios, no Legislativo e no Judiciário.

À frente do governo de oito estados e centenas de prefeituras, o PSDB lida com ela no dia a dia. Seu principal intelectual não tem o direito de pretender que ela nasceu ontem e está restrita ao governo federal.

Para o Brasil, melhor seria se FHC fosse um sábio ancião, daqueles que não se permitem ser ligeiros. O primeiro passo para enfrentar a corrupção é acabar com a brincadeira de que ela é culpa dos outros.

Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
quarta-feira, 9 de novembro de 2011

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