Goste-se ou não de Lula, o fato é que o Bolsa
Família só nasceu quando ele chegou à Presidência
O pensamento conservador brasileiro – na
política, na mídia, no meio acadêmico, na sociedade – tem horror ao Bolsa
Família. É só colocar dois conservadores para conversar que, mais cedo ou mais
tarde, acabam falando mal do programa.
Não é apenas no Brasil que conservadores
abominam iniciativas desse tipo. No mundo inteiro, a expansão da cidadania
social e a consolidação do chamado “Estado do Bem-Estar” aconteceu, apesar de
sua reação.
Costumamos nos esquecer dos “sólidos
argumentos” que se opunham contra políticas que hoje em dia são vistas como
naturais e se tornaram rotina. Quem discutiria, atualmente, a necessidade da
Previdência Social, da ação do Estado na saúde pública, na assistência médica e
na educação continuada?
Mas todas já foram consideradas áreas
interditas ao Estado. Que melhor funcionariam se permanecessem regidas,
exclusivamente, pela “dinâmica do mercado”.
Tem quem pode, paga quem consegue. Mesmo se
bem-intencionado, o “estatismo” terminaria por desencorajar os esforço
individual e provocar o agravamento – em vez da solução – do problema original.
O axioma do pensamento conservador é simples:
a cada vez que se “ajuda” um pobre, fabricam-se mais pobres.
Passaram-se os tempos e ninguém mais diz
essas barbaridades, ainda que muitos continuem a acreditar nelas.
Hoje, o alvo principal das críticas
conservadoras são os programas de transferência direta de renda. Naturalmente,
os que crescem e se consolidam. Se permanecerem pequenos, são vistos até com
simpatia, uma espécie de aceno que sinaliza a “preocupação social” de seus
formuladores. Mas é uma relação ambígua: ao mesmo tempo que criticam os
programas de larga escala, dizem-se seus mentores. Da versão “correta”.
Veja-se a polêmica de quem inventou o Bolsa
Família: irrelevante para a opinião pública, mas central para as oposições.
À medida que o programa avançou e se expandiu
ao longo do primeiro governo Lula, tornando-se sua marca mais conhecida e aprovada,
sua paternidade começou a ser reivindicada pelo PSDB. Argumentavam que sua
origem era um programa instituído pelo prefeito tucano de Campinas, José
Roberto Magalhães Teixeira, em 1994.
Ele criou de fato o Programa Renda Mínima,
que complementava a receita de pessoas em situação de miséria. Por razões
evidentes, limitava-se à cidade e beneficiava apenas 2,5 mil famílias, com uma
administração tão complexa que era impossível expandi-lo com os recursos da
prefeitura.
Tem sentido dizer que o Bolsa Família nasceu
assim? Que esse pequeno experimento local é a matriz do que temos hoje? O maior
e mais bem avaliado programa do gênero existente no mundo e que serve de modelo
para países ricos e pobres?
O que a discussão sobre o Renda Mínima de
Campinas levanta é uma pergunta: se o PSDB estava convencido da necessidade de
elaborar um programa nacional baseado nele, por que não o fez?
Não foi Fernando Henrique Cardoso quem venceu
a eleição de 1994? O novo presidente não era amigo e correligionário do
prefeito? Ou será que FHC não levou o programa do companheiro para o nível
federal por ignorá-lo?
Quem sabe conhecesse a iniciativa e até a
aplaudisse, mas não fazia parte do arsenal de medidas que achava adequadas para
enfrentar o problema da pobreza. Não eram “coisas desse tipo”que o Brasil
precisava.
Goste-se ou não de Lula, o fato é que o Bolsa
Família só nasceu quando ele chegou à Presidência. E é muito provável que não
existisse se José Serra tivesse vencido aquela eleição.
Fazer a arqueologia do programa é bizantino.
Para as pessoas comuns não quer dizer nada. Como se vê nas pesquisas, acham até
engraçado sustentar que o Bolsa Família não tem a cara do Lula.
Não é isso, no entanto, o que pensam os
conservadores. Para eles, continua a ser necessário evitar que essa bandeira
permaneça nas mãos do ex-presidente.
O curioso é que não gostam do programa. E
que, toda vez que o discutem, só conseguem pensar no que fazer para excluir
beneficiários: são obcecados pela ideia de “porta de saída”.
Outro dia, tudo isso estava em um editorial
de O Globo intitulado “efeitos colaterais do Bolsa Família”: a tese da
ancestralidade tucana, a depreciação do programa – apresentado como reunião de
“linhas de sustentação social (?) já existentes”- a opinião de que teria ficado
“grande demais”, a crítica de que causaria escassez de mão de obra no Nordeste,
e por aí vai (em momento revelador, escreveu “Era FHC” e “período Lula” – como
se somente o primeiro merecesse a maiúscula).
Para a oposição – especialmente a menos
informada -, o Bolsa Família é o grande culpado pela reeleição de Lula e a
vitória de Dilma Rousseff. Não admira que o deteste.
Para os políticos, as coisas são, porém, mais
complicadas. Como hostilizar um programa que a população apoia?
Por isso, quando vão à rua disputar eleições,
se apresentam como seus defensores. Como na inesquecível campanha de Serra em
2010: “Eu sou o Zé que vai continuar a obra do Lula!”. Alguém acredita?
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