domingo, 14 de agosto de 2011

Por uma sociedade mais justa


Por uma sociedade mais justa
Ulisses Riedel

A vida em sociedade, que é uma exigência da natureza humana, é uma vida de relações. Durante um longo período, o sistema básico de relações humanas foi o da força. Os mais fortes, fisicamente, dominavam os mais fracos. Com o correr dos milênios e o desenvolvimento da inteligência, o uso da força física cedeu lugar à força da inteligência, que, por sua vez, utiliza também a força física.

Nesse vasto período de evolução, o egoísmo foi o fator determinante no uso da inteligência e da força bruta para o estabelecimento das relações humanas. Contra essa liberdade selvagem, pouco a pouco estabeleceu-se o Estado de Direito, para que regras sociais pretensamente justas prevalecessem contra o arbítrio, a tirania e o despotismo.

Na Grécia antiga, Pitágoras afirmou que “o governo existe somente para o bem dos governados”. Em outro discurso, disse: “O Estado deveria ser o pai e a mãe de todos; o protetor de todos, sem o qual o lar seria assolado e destruído. É do Estado que promana tudo quanto torna nossa vida próspera e proporciona beleza e segurança. Se um homem bravo morre em defesa do que é seu, com maior boa vontade deveria morrer em defesa do Estado.”

Em nossos dias, Krishnamurti afirmou que “o problema coletivo é o problema individual.” O ideal de cidadão é sentir-se participante da sociedade, com uma visão abrangente que alcance toda a humanidade, todos os povos, todo o planeta.

Porém, nenhum Estado é verdadeiramente civilizado se a cultura de uns se baseia na ignorância e na miséria de outros. É preciso fazer com que se torne realidade a famosa frase de Annie Besant: “Quanto mais elevadas forem as aspirações nacionais, mais poderosa se torna a nação.”

A célebre divisa da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) é extremamente significativa para a construção de uma sociedade nobre. Mas, em seu nome, foram cometidos erros que negaram o próprio ideal.

O ideal de liberdade transformou grande parte do mundo, liberando-o do absolutismo, do colonialismo, da opressão. A história da humanidade reverencia pessoas que, de formas diversas, lutaram pela liberdade: Annie Besant, Nehru e Gandhi, na Índia; Artigas, Bolívar, Zapata e José Marti, na América Latina; Lincoln, nos Estados Unidos; Tiradentes e Gonçalves Ledo, no Brasil; e Mandela, na África do Sul.

Em 1942, Roosevelt enunciou sua famosa doutrina das quatro liberdades. A primeira é a liberdade de expressão; a segunda, a liberdade de adorar a Deus à sua maneira; a terceira, a libertação da miséria – “que permita assegurar uma vida saudável e pacífica aos habitantes, em todas as partes do mundo”; a quarta é a liberdade do temor – “que significa uma redução mundial de armamentos, a tal ponto que nenhum país possa achar-se em posição de cometer ato de agressão física contra seus vizinhos”.

Annie Besant, de certa maneira, sintetizou esses ideais como uma meta a ser alcançada pela humanidade: “Ninguém é realmente livre (...) se não souber subordinar suas tendências inferiores às suas aspirações mais elevadas. Se não adquirir paz e equilíbrio interior, irradiando ao seu redor, através de seu lar e de sua ação no mundo, essa mesma paz e esse mesmo equilíbrio. Só assim podem ser removidos a ambição, a cobiça, a sede insaciável de prazeres, de poder, de conforto, que são as causas da exploração e do sofrimento humano. São, ainda, a origem das limitações que o ambiente social de hoje apresenta à liberdade plena de cada um e de todos.”

O ser humano só encontra paz quando consegue se desprender de seu eu superficial. Em geral, quando isso acontece, ocorre uma verdadeira revolução interior, que inverte todos os valores morais e sociais. Os objetivos externos perdem importância. O entusiasmo que resulta da comunhão com as forças vitais da espiritualidade interna passa a ser o mais importante. Uma crise de consciência desse gênero é a origem de todas as grandes realizações humanas, assim como das vidas dos santos e dos sábios.

Se conseguirmos realizar em nossa vida essa liberdade moral, vamos enobrecer e enriquecer nossa existência em comunhão com as energias espirituais interiores. Assim, poderemos viver uma vida inteiramente livre, construtiva e harmoniosa, e seremos centros irradiadores de harmonia e paz no nosso lar, na vida profissional, no ambiente social, no mundo. Dessa forma, contribuiremos para fazer o nosso povo mais feliz, mais sadio, mais rico, material e moralmente. E daremos às novas gerações um exemplo construtivo de como aproveitar as oportunidades de bem servir.

Ao tomarmos consciência da necessidade de realizar o ideal do cidadão perfeito dentro do Estado perfeito, cumpre-nos agir para introduzir esses objetivos no convívio social. Historicamente, alguns países deram ênfase ao ideal de liberdade; outros, ao de igualdade. Como a liberdade e a igualdade conquistadas eram superficiais, calcadas em valores externos e transitórios, os sistemas resultaram em fracasso.

Nos países onde a liberdade foi priorizada, ela alcançou apenas uma parte da população; prevaleceu a face cruel do liberalismo econômico e do individualismo. Nos países onde se priorizou a igualdade, também de forma externa e sem liberdade, o resultado foi, da mesma maneira, fracasso e insatisfação.

Uma visão superficial pode levar a pensar que onde há liberdade é impossível haver igualdade, e vice-versa. Mas essa é uma falsa conclusão; um princípio não exclui o outro. A vida espiritualista é aparentemente paradoxal. No caminho espiritual, precisamos adquirir qualidades contraditórias na aparência, mas que, na verdade, são complementares: o desenvolvimento da força implica desenvolver a sensibilidade; o do amor, o desapego; o da sabedoria, a humildade.

Da mesma forma, no plano coletivo, a liberdade implica o desenvolvimento da igualdade. Só existe verdadeira liberdade entre iguais; só existe verdadeira igualdade em liberdade. Liberdade, igualdade e fraternidade, que a bandeira da Revolução Francesa fixou (com certeza divinamente inspirada), são princípios sociais eternos. Em qualquer época, em qualquer civilização, uma sociedade nobre deve ser livre, igualitária e fraterna. Mais do que isso: a liberdade e a igualdade só podem existir a partir da fraternidade humana. Essas reflexões fizeram com que Annie Besant, uma socialista, afirmasse: “Não creio no socialismo que toma; só creio no socialismo que dá.”

A fraternidade, por sua vez, depende fundamentalmente da transformação de cada um de nós e da expressão de nossas potencialidades internas. Em outras palavras, não há regime, sistema ou forma de governo, não há estrutura externa que possa garantir uma sociedade nobre.

Mergulhando mais profundamente, podemos dizer que é no reconhecimento da natureza divina de todos os seres humanos, no reconhecimento de uma verdadeira fraternidade, não externa, mas real, efetiva, intrínseca, de que todos somos mais do que irmãos, de que somos criaturas feitas do mesmo barro, é que encontraremos as bases da construção de uma sociedade nobre.

Ao completar dezoito anos, os jovens atenienses, antes de se tornarem cidadãos e ingressar na vida pública, prestavam o seguinte juramento: “Prometo que jamais desonrarei esta cidade com nenhum ato de desonestidade ou covardia, que não abandonarei jamais meus irmãos desertando das fileiras, que lutarei pelos ideais e pelo patrimônio sagrado da cidade, ainda que o deva fazer sozinho, reverenciando e obedecendo às leis, e que tudo farei por incitar igual reverência e respeito a quantos acima de nós se possam sentir inclinados a anular ou desconhecer essas leis; prometo que me esforçarei incessantemente para intensificar o sentimento público do dever cívico de nossa cidade; e que assim, por todos esses meios, tudo farei para passar esta cidade às novas gerações não só maior, mas certamente melhor e mais bela do que nos foi transmitida.”

No conselho municipal da pequena cidade de Poplar, perto de Londres, há uma placa que parece uma versão moderna do juramento dos jovens atenienses: “Que a nossa geração possa ter a visão real de nossa sociedade como uma grande e bela realidade, que ela pode e deve ser; uma sociedade de justiça, onde ninguém possa viver prejudicando seus semelhantes; uma sociedade de abundância, onde o vício e a pobreza não possam medrar; uma sociedade de fraternidade, onde todo o êxito se alicerce no ideal de servir, e onde honras sejam prestadas à verdadeira nobreza de ânimo e coração; uma sociedade de paz, na qual a ordem não se funda na garantia de força, mas na do amor de todos pela sua pátria, a grande mãe da vida coletiva e de todos os seus lares.”


Luta contra a injustiça

Batalhador incansável pelos direitos humanos, Nelson Mandela é uma das figuras mais importantes da história contemporânea. Durante seus anos de estudante, lutou contra as leis do apartheid e ajudou a criar uma divisão juvenil do Congresso Nacional Africano (ANC). Fundou o primeiro escritório de advogados de raça negra na África do Sul. Em 1964 foi condenado à prisão perpétua. Durante os 27 anos em que esteve preso, converteu-se num símbolo internacional de resistência contra o racismo e a injustiça. Em maio de 1994 tornou-se presidente, nas primeiras eleições democráticas de seu país. No ano anterior recebeu o prêmio Nobel da Paz, junto com o presidente sul-africano F. W. de Klerk, por seu esforço conjunto para acabar com o apartheid de forma pacífica.

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