SER DE “ESQUERDA
Por Afrânio Silva Jardim
O QUE É SER SOCIALISTA? AINDA FAZ
SENTIDO SER DE “ESQUERDA”?
1 - POUCO ADIANTA, MAS NÃO
DESISTIREMOS
Na verdade, o mundo sempre esteve
dividido entre pessoas que só pensam em si e pessoas que se preocupam com a
desgraça dos outros. A falta de informação ou informação deturpada impedem a
divulgação dos melhores valores, fundantes de uma sociedade mais justa. A
questão é ideológica.
Embora tenha nascido em um lar
privilegiado, sempre pugnei por justiça social. Agradeço ao meu falecido pai
por ter despertado em mim essa consciência crítica. Embora corra o risco de
cair num reprovável maniqueísmo, digo que se trata de uma luta da solidariedade
contra o egoísmo.
Pode ser até utopia ou romantismo juvenil, mas é a utopia que nos faz caminhar, como dizia Eduardo Galeano.
O mundo já foi muito pior (mataram
quase todos os índios e escravizaram os negros e o racismo e a cobiça dizimaram
civilizações). Graça à luta contra os egoístas, o mundo melhorou e, algum dia,
a solidariedade, e não a competição, fará surgir um novo ser humano. Como disse
Leon Gieco, em uma das suas belas músicas, "há de vir uma nova
cultura".
A nossa esperança é que, ao menos,
todos tenham as mesmas oportunidades. Que os filhos da minha empregada
doméstica tenham as mesmas oportunidades sociais que meus filhos, vale dizer,
que o filho do empregado não nasça empregado e que o filho do patrão não nasça
patrão.
Enfim, desejo que consigamos vencer
este trágico determinismo de uma sociedade profundamente injusta e indiferente
à dor dos outros. Que jamais uma criança morra nos braços de sua mãe em razão
de falta de recursos para o seu tratamento médico, enquanto outros jogam
"dinheiro pelo ralo".
2 – PORQUE SOU DE ESQUERDA
O pensamento de esquerda prioriza a
justiça social, sustentando que o Estado Popular deve assegurar, no mínimo, as
mesmas oportunidades para todos.
Para isso, os chamados "bens de
produção" devem ser gerenciados pelos trabalhadores, que são aqueles que
realmente produzem a riqueza. As riquezas produzidas pela mão dos trabalhadores
e trabalhadoras devem ser distribuídas e não concentradas nas mãos de uns
poucos. Ninguém pode explorar o trabalho alheio.
Os valores da esquerda são a solidariedade e igualdade. Busca-se uma sociedade justa, sem explorados e exploradores.
Já a chamada "direita"
privilegia a competição e a concorrência na sociedade. É individualista.
Acredita que a livre iniciativa na
economia vai fazer a sociedade se desenvolver. Aposta no lucro, na cobiça,
embora acredite que os empresários são "bondosos", pois criam
empregos. Querem liberdade na economia, mas são "castradores" no que
diz respeito à evolução dos costumes na sociedade. Neste particular, quase
sempre a direita é conservadora ou mesmo reacionária.
A direita fala em total liberdade.
Entretanto, tal liberdade é meramente abstrata pois, no mais das vezes, não é o
Estado que a subtrai. No dia a dia das pessoas, a liberdade é suprimida pela
relação privada de emprego.
Através do contrato de trabalho,
mormente em uma sociedade onde não há pleno emprego, tenho que obedecer ao meu
patrão, tenho que a ele ser submisso.
Muitas vezes, se o empregado não for um "bajulador" do seu patrão, pode ser colocado no "mar da amargura". As pessoas saem de casa com o risco de voltarem desempregadas.
Isto não ocorre com os funcionários
concursados, que têm estabilidade no serviço público ou em uma sociedade
coletivizada, onde o patrão seja uma cooperativa de trabalhadores.
Minha empregada doméstica tem
liberdade para viajar para Paris ou Londres. Entretanto, ela pode efetivamente
exercer esta liberdade?
Posso dizer o que desejo aqui,
atingindo centenas de pessoas. Entretanto, de noite, a TV Globo destrói tudo,
atingindo mais de 20 milhões de pessoas ...
Dizem que antes de distribuir, é
preciso fazer "crescer o bolo". Sucede que raramente o "bolo
cresce" e, quando cresce, eles não querem distribuir...
A esquerda pode ser um pouco utópica,
mas a "poesia" está com ela. A direita aposta no egoísmo do ser
humano, cria uma sociedade individualista e indiferente à dor alheia. Um
verdadeiro "darwinismo" social. Que vençam os mais astutos, os mais
aptos ou os mais "fortes"!
Esta, evidentemente, é a minha avaliação. Avaliação de alguém que sempre se negou a aceitar uma sociedade onde crianças peguem comida no lixo e mães assistem a seus filhos morrerem por falta de dinheiro para tratá-los das suas doenças graves. Não me conformo com esta miséria, embora este "sistema econômico" sempre me tenha sido favorável. Por isso, julgo ter legitimidade para criticá-lo: não falo em causa própria (ao contrário).
Enfim, por tudo isso, me insiro no
pensamento de esquerda. O grande problema é conseguir uma sociedade justa sem
sacrificar a liberdade individual, efetiva e concreta, pois ninguém abre mão de
seus privilégios senão pela coerção.
A utopia é como o horizonte; está sempre
distante. Entretanto, ela é que nos faz caminhar, (conforme texto citado pelo
saudoso pensador Eduardo Galeano). Caminhemos sempre ..
.
Afranio Silva Jardim, professor
associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre –Docente em
Direito Processual (Uerj)
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