terça-feira, 29 de abril de 2014

DA IMPOSSIBILIDADE DE OS PROCURADORES MUNICIPAIS EXERCEREM A DEFESA DOS PREFEITOS EM AÇÃO POPULAR

Augusto Vinícius Fonseca e Silva
Procurador do Município de Juiz de Fora/MG
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional - IBDC
Ex-pesquisador/bolsista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Viçosa em convêncio com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais nas áreas de Direito Administrativo e Direito Comunitário Europeu
Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela UNESA/RJ

 Ementa: Ação Popular ajuizada em face da pessoa do Prefeito Municipal de Juiz de Fora pessoa do Vice-prefeito Municipal – Dúvida – Atribuições dos Procuradores do Município – Incompatibilidade para defesa das pessoas do Prefeito e Vice-prefeito – art. 6º, §3º da Lei 4717/65 (Ação Popular).

Introdução e proposta do trabalho:

                                               Exercendo as atribuições gerais inerentes ao cargo de Procurador de Município, surgiu questionamento sobre a possibilidade de tais profissionais exercerem a defesa do Prefeito e do Vice-Prefeito, em Ação Popular cujas autoridades figurassem como rés.

                                               Este artigo nasceu de parecer emitido à consulta formulada pela Procuradoria-Geral do Município de Juiz de Fora e sobre o tema chegou-se às conclusões a seguir expostas, não sem antes contextulizá-lo.

                                               Assim, neste estudo, buscar-se-á demonstrar, fundamentadamente, os porquês e as consequências, inclusive de ordem criminal, de os Procuradores Municipais não poderem patrocinar defesa do agente público.

1- Tramita na Comarca de Juiz de Fora, processo judicial (Ação Popular) ajuizada por cidadãos em face do Prefeito e do Vice-Prefeito do Município. Citado para promoverem suas defesas, foi acionado a Procuradoria-Geral, a qual formulou o questionamento acima feito.

                                               Mas, para análise da situação em tela, necessário averiguar-se quais são as atribuições de um Procurador de Município.

2- No caso do Município de Juiz de Fora, há Decreto Regulamentar Municipal 7243, de 04/01/2002, que institui o sistema jurídico municipal e regulamenta as atribuições da Procuradoria-Geral do Município. Em seu art. 4º, I, prescreve:

“art. 4º. À Procuradoria-Geral do Município – PGM, dotada de autonomia administrativa, orçamentária e financeira, compete:

I- a representação do Município em juízo ou em processos administrativos contenciosos.”

                                               O art. 6º do mesmo Diploma Municipal prescreve, também, peremptoriamente:

“Compete ao Departamento de Procuradoria Administrativa prestar assessoria jurídica aos órgãos da Administração Pública nos assuntos relativos (...).”

3- Nota-se, dessa maneira, que o órgão Procuradoria-Geral de Município e seus respectivos Procuradores encontram-se vinculados à defesa do Município, enquanto pessoa jurídica de direito público interno (CPC, 12, II), com personalidade jurídica própria e distinta das pessoas que o representam.

4- Logo, vê-se, sem maiores dificuldades, que os Procuradores Municipais não possuem atribuição legal para a defesa das pessoas de seus representantes.

5- Além do mais, a remuneração dos Procuradores Municipais advém dos cofres do Município, oneram o erário municipal, pelo que se conclui ser a este ente federativo que tais servidores devem defender.

6- A situação de incompatilidade dos Procuradores Municipais agrava-se ainda mais, pela possibilidade conferida pela Lei Nacional 4717/65, em seu art. 6º, §3º, de a pessoa jurídica de direito público (no caso, um Município) poder atuar ao lado dos autores da referida ação ajuizada, desde que isso se afigure útil ao interesse público.
                                               Assim, haveria risco de inevitável impasse: se os Procuradores do Município fizessem a defesa do Prefeito e do Vice e, após, o Município tivesse de intervir no pólo ativo, como ficariam? Patrocinariam o interesse de partes que se encontram em pólos antagônicos? Não. Terminantemente. A situação poderia consubstanciar-se, pelo menos em tese, o crime tipificado no art. 355, parágrafo único do Código Penal, qual seja, “Patrocínio Simultâneo ou Tergiversação”, transcrito abaixo:

“Incorre na pena prevista neste artigo (Detenção de 06 meses a 03 anos e multa) o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.”

                                                Risco, pois, para os Procuradores.

7- Corroborando esta impossibilidade de atuação dos Procuradores Municipais na defesa de seus representante, por atos seus, ainda que respeitantes ao cargo, disserta Alexandre de Moraes:

“Ressalte-se a impossibilidade de a União, Estados, Distrito Federal e Municípios defenderem, por meio de suas procuradorias, o servidor público acusado de ato de improbidade, pois não haveria nenhum sentido na própria Administração arcar com os gastos advocatícios do servidor-réu. Além disso, a Pessoa Jurídica de Direito Público prejudicada integrará, querendo, a lide, em defesa do interesse público.” [1]

8- Afinando do mesmo diapasão, só que se posicionando de maneira bem mais contundente, porém, sem menos razão, manifesta-se o Promotor de Justiça gaúcho Fábio Medina Osório, cujas linhas, por sua precisão e pertinência ao tema presente, merercem transcrição literal:

“Advogado do Município que defende agentes públicos acusados de crime contra o próprio Município. Colidência de interesses:
      Não se pode deixar de referir que as hipóteses mais comuns, nesse terreno, resultam da atuação de Procuradores Municipais em processos criminais movidos pelo Ministério Público contra Prefeitos Municpais, ou da contratação de advogados para essa finalidade, sob o pretexto de que estariam os agentes políticos sofrendo processos por fatos ligados ao exercício de suas funções e, por isso mesmo, não poderiam gastar dinheiro do próprio bolso com despesas advocatícias, ou, mais ainda, op Município teria interesse, em tese, na comprovação da inocência de seu representante máxio. Também se diz que seria difícil separar as figuras do Ente Público e do seu representante legal.
  Deve-se discordar frontalmente daqueles que sustentam a possibilidade de o Município ceder sua própria Procuradoria para defender o Prefeito, ou qualquer outro agente público, por crime, em tese, praticado contra os interesses do próprio Ente Público.
      Em primeiro lugar, descabe semelhante utilização da Procuradoria do Município, porque a responsabilidade penal ou extrapenal do agente público que comente, em tese, crime contra o Município, é pessoal, sendo que o imputado responde processo como pessoa física que atingiu os interesses do Ente público, não havendo exceção, a esse respeito, relativamente aos agentes políticos.
      Em segundo, A Procuradoria Municipal, a Procuradoria do Estado e a Advocacia da União defendem os interesses dos respectivos Entes Públics, ,não se confundindo os interesses da pessoa jurídica com os interesses de seus representantes legais, enquanto pessoas físicas. Mais ainda o sistema constitucional, uma vez calcado na distinção entre pessoas jurídicas de Direito Público e pessoas físicas representantes das primeiras, veda, logicamente, que os interesses pessoais dessas últimas se sobreponham aos interesses dos Entes Públicos.
      Nos processos criminais e nas ações cíveis em que se questionam atos dos administradores públicos, dos agentes políticos, o que se busca, pela Lei 8429/92, é uma responsabilização pessoal, figurando o Enjte Público, inclusive, como litisconsorte ativo da demanda, mostrando-se inviável aceitar a idéia de que o próprio Ente Público pudesses arcar com os custos da defesa pessoal daqueles que são acusados de crimes contra seus interesses! Outra hipótese, que também vem ganhando terreno na praxis administrativa, diz respeito à possibilidade de o Prefeito, por exemplo, alegar celebração de suposto contrato privado com o advogado do Município, sustentando, então, que seria possível ao causídico exercer sua defesa em processos criminais em que é acusado de crimes contra a Administração Pública Municipal, visto que o Ente Público não estaria pagando ao profissional da advocacia.
      Importante registrar, aqui, em primeiro lugar, a notória prova diabólica que, por via de regra, pode ocorrer com a celebração de um contrato privado semelhante: quem poderia garantir que, efetivamente, a atuação do causídico decorre de contrato privado?
      Ora, se o profissional da advocacia já está vinculado a priori, aos interesses do Município, resulta risível que um contrato privado, no papel, pudesse gerar presunção de que, efetivamente, a atuação do causídico estivesses sendo movimentada por dinheiro particular do administador público, pois o instrumento negocial pode, plausivelmente, estar manipulado como uma farsa a iludir incautos!
      Outra hipótese, um pouco diversa, ocorre quando o Município contrata diretamente o advogado para defesa pessoal do Prefeito em processos cíveis ou criminais.
     Nesse caso, ouso afirmar que não há suporte jurídico para celebração do contrato, ante a ausência de interesse público, na medida em que as causas pessoais dos administradores públicos não podem receber sustento dos contribuintes.
     Mas é especialmente vedada qualquer hipótese de contratação de profissional, com dinheiro público, para defesa de agentes políticos em processos nos quais as vítimas são os próprios Entes Públicos, ante a notória colidência de interesses do Ente lesado e do administrador acusado! Impende ressaltar, de qualquer sorte, é absoluta a impossibilidade de o agente político servir-se de advogado pago pelo Município, por exemplo, para sua defesa em processos criminais en que seus próprios interesses se apresentam antagônicos aos interesses do Município!
      O que não se pode olvidar, no caso, é que o próprio advogado, uma vez tendo celebrado contrato com o Município, está visceralmente proibido de trair os deveres de honestidade e lealdade com o Ente Público, praticando ato de improbidade administrativa quando aceita celebrar contrato posterior com pessoa acusada de crimes contra o erário municipal.
      Outro argumento comumente utilizado por aqueles que defendem a tese que possibilita essa atuação promíscua de advogados em favor do Município e, simultaneamente, de pessoas acusadas de crimes contra o Município, diz respeito à suposta paz administrativa trazida pela atuação do causídicos em favor da pessoa física do administrador público!
      Saliente-se que não seria uma eventual tranqüilidade subjetiva do administrador que justificaria o procedimento ilícito, ilegal e inconstitucional de atender a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo, porquanto a verdade incontestável é que o advogado contratado pelo Município nçao pode atuar em favor de pessoas acusadas de crimes contra esse mesmo Município!
      O certo é que, na hipótese de se admitir o procedimento ora em exame, não se teria controle a respeito dos gastos públicos com advogados para defesa pessoal dos agentes políticos acusados de ilícitos contra a Administração Pública, pois os contratos privados estariam regidos pela liberdade das partes.
      Neste contexto, singela é a tese de que o Prefeito Municipal, no exercício de seu mandato, está sujeito a uma legislação difícil e, por isso mesmo, também está sujeito e exposto aos riscos de processos judiciais, justificando-se, eventualmente, que o Município arque com os gastos advocatícios na defesa do Prefeito em processos criminais por fatos ligados ao exercício funcional!
      Tal tese, além de desprovida de fundamentação jurídica, beira o absurdo, mormente porque, ao que tudo indica, os Prefeitos também não teriam limites na fização do quantum dos honorários advocatícios dos profissionais contratados com o precioso e escasso dinheiro público!
     Que belo prato para a mídia e para os detratores do Estado e dos agentes públicos esta utilização desmedida e abusiva do erário municipal em favor de interesses privados dos administradores públicos!
       Cumpre registrar, em derradeiro, que a eventual existência de custos pessoais ao administrador público, em decorrência de suas funções, é ônus, data maxima venia, do cargo ocupado, salientando-se que sempre seria possível evitar os problemas através de consultoria e procedimentos prévios adotáveis pela própria Procuradoria do Município!
      Inadmissível que se adote raciocínio no sentido de que os processos criminais instaurados contra Prefeitos, por fatos ligados ao exercício funcional, pudessem estar nas despesas públicas, pois o Município ostenta interesse, em tese, na condenação dos agentes públicos e na busca de ressarcimento ao erário, sendo litisconsorte ativo na demanda fundada em improbidade administrativa (art. 17, §3º da Lei 8429/92) (...).
      Finalmente, a própria sociedade, com o escasso dinheiro público, que estaria financiando a defesa processual privada de administratdores públicos acusados de ilícitos contra o Município, o que significa locupletamento ilegal, imoral e inconstitucional do agente público às expensas da Entidade Pública!
      O mais grave, talvez, é que a própria administração da justiça resultaria manchada com a atuação tão promíscua de advogados, os quais, não obstante a essecialidade à prestação jurisdicional, estariam prejudicando os interesses das vítimas (Entes Públicos) em favor dos acusados (Autoridades Públicas que figuram no pólo passivo das demandas criminais ou cíveis), prejudicando, desse modo, a imagem e as funções do Poder Judiciário.” [2] [grifou-se]

9 A questão, portanto, de os Procuradores Municipais atuarem na defesa das pessoas que representam esta unidade federativa toca, com precisão, ao campo dos princípios.

10- E, mais precisamente, concerne ao Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa, instituto este que bem se explica nas palavras de Weida Zancaner:
     
“A moralidade administrativa para Welter, e para seu mestre Hauriou, nada mais é do que a obediência às regras de boa administração, entendida esta locução não em seu sentido comum, mas enquanto interpretação finalística do sistema jurídico, tendo em vista a missão à qual a administração pública está afeta, e associada às idéias de função e de interesse público. É de bom alvitre, neste passo, estabelecer distinção conceitual entre moralidade administrativa e probidade administrativa. Os dois termos são usados pela Constituição Federal. O art. 37 dispõe que a Administração Pública de qualquer dos Poderes deverá obedecer, entre outros, o princípio da moralidade. Também este princípio se acha albergado no art. 5° LXXIII, da Constituição Federal quando trata do cabimento de Ação Popular para anulação de ato lesivo ao patrimônio público por infringência à moralidade administrativa. O art.14, § 9°, dispõe que lei complementar, com o fito de proteger a moralidade e a probidade administrativa, estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação. Por sua vez o art. 85, V, estabelece que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentem contra a Constituição, especialmente, entre outros, os que afrontem a probidade administrativa. O art. 37, § 4°, determina que os atos de improbidade administrativa dos servidores públicos acarretarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo das sanções legais cabíveis.
      Acertada a lição de José Afonso da Silva quando diz que a improbidade administrativa é uma forma de "imoralidade administrativa qualificada". Consiste no dever do "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira fornecer."Assim, a moralidade administrativa pode ser considerada gênero da qual a probidade é espécie e, como conseqüência, assiste razão a Marcelo Figueiredo quando diz que "dado agente pode violar a moralidade administrativa e nem por isso violará necessariamente a probidade, se na análise de sua conduta não houver a previsão legal tida por ato de improbidade". Serve de exemplo o hábito instituído por nossos governantes de levar parentes em viagens ao exterior, no exercício da função de Chefe de Estado, o que sem sombra de dúvida consiste em mordomia indevida.
      Sabe-se que o conceito de moralidade, símile ao que ocorre com o da razoabilidade, constitui conceito de experiência ou de valor. Esses conceitos, quando utilizados pelo direito, são denominados, pela Ciência Jurídica, conceitos jurídicos indeterminados. A indeterminação deste tipo de conceito não impede sua compreensão nem impede sua aplicação. Aliás, os conceitos jurídicos indeterminados ao invés de batalhar, promovem a comunicação jurídica. O conceito de moralidade deve ser sacado do próprio conceito de moralidade vigente em uma determinada sociedade em uma determinada época. Entretanto, é bom que se esclareça que este conceito não deve ter por parâmetro a conduta social das pessoas, mas o que elas entendem como moralmente correto, o que dizem ser correto como valor que exprime o consenso social e os valores albergados pelo sistema jurídico positivo. A compreensão que temos acerca do tema, nos induz a concluir que a moralidade é recepcionada pelo sistema jurídico positivo como um todo e não uma pontualização de tópicos onde deva ser tida como vigente. A moralidade ao ser absorvida pelo direito posto, se espraia por todo o sistema normativo, não se alocando, necessariamente, na norma "A" ou "B". Entretanto, muito embora permeie o sistema, é autônoma no sentido de que não pode ser objetivada puntualmente em cada uma das normas jurídicas, e, portanto, diluída simplesmente no mero enunciado do princípio da legalidade. O princípio da moralidade têm sua essência captada com precisão por Marçal Justen Filho quando se refere a este como um "princípio jurídico "em branco", o que significa que seu conteúdo não se exaure em comando concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no Direito legislado. O princípio da moralidade pública contempla a determinação jurídica da observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, variáveis segundo as circunstâncias de cada caso". Em síntese, podemos dizer que o administrador afrontará o princípio da moralidade todas as vezes que agir visando interesses pessoais, com o fito de tirar proveito para si ou amigos, ou quando editar atos maliciosos ou desleais, ou ainda, atos caprichosos, atos exarados com o intuito de perseguir inimigos ou desafetos políticos, quando afrontar a probidade administrativa, quando agir com má-fé ou de maneira desleal.
      Mister ainda frisar, que os atos afrontosos ao princípio da moralidade são atos portadores de vício de desvio de poder, pois o agente usa sua competência para atingir finalidade alheia à própria do ato praticado e ( no mais das vezes) imbuído de um móvel considerado reprovável do ponto de vista moral. O princípio da moralidade encartada em inúmeros artigos da Constituição Federal, consiste, em ultima ratio, regra de civilidade essencial à sobrevivência das instituições democráticas.
      Esta posição, isto é, a compreensão do princípio da moralidade com um “plus” ao princípio da legalidade, inclusive enquanto autônomo em relação a
este, é a aceitação de valores éticos e morais pelo sistema jurídico, valores que se espraiam por todo sistema porque ajudaram a compor o perfil constitucional do Estado adotado por uma determinada sociedade em uma determinada época. [3]

11- E, a despeito de a positivação constitucional do princípio da moralidade administrativa só ter ocorrido com a Emenda Constitucional 19/98,o art. 5º, LXXIII (norma constitucional originária) já o antevia no Texto Magno, justamente nas hipóteses de possibilitação de Ação Popular.

12- Mas, nem por isso, é de se afastar a autonomia do referido princípio. Como prega Juarez Freitas, o legislador constituinte “pretendeu  conferir autonomia jurídica ao princípio da moralidade, o qual veda condutas eticamente inaceitáveis e transgressoras do senso moral da sociedade, a ponto de não comportarem condescendência (...). Como princípio autônomo e de valia tendente ao crescimento, colabora, ao mesmo tempo, para o reforço dos demais e para a separação da dicotomia rígida entre Direito e Ética, rigidez tão enganosa quanto aquela que pretende separar o Direito da Sociedade (...).” [4]

13- Necessário se fez falar no princípio da moralidade, porque, conforme o mesmo Juarez Freitas, este “tem na probidade administrativa um subprincípio diretamente descendente e da maior significação jurídica e política, figurando como uma das hipóteses de crime de responsabilidade do Presidente da República (CF, art. 85, V).” [5] E, conforme art. 11 da Lei 8429/92, constituem atos de impriobidade administrativa a afronta aos princípios constitucionais do art. 37, caput da Carta de 1988.

14- Outro princípio que norteia e reforça a posição aqui sustentada, de que os Procuradores Municipais devem defender única e exclusivamente o Município, é o Princípio da Confiança ou da boa-fé nas relações administrativas. Este princípio traduz um dever-poder de qualquer administrador público zelar pela estabilidade decorrernte de uma relação matizada de mútua confiança, no plano institucional. Como aduz, novamente, Juarez Freitas, citando Norbert Achterberg, “o cidadão deverá ser protegido na sua confiança na legalidade da ação administrativa.” [6]

15- Princípios e regras: ambos, para a moderna teoria do Direito Constitucional (Paulo Bonavides, Eros Roberto Grau, Robert Alexy, Daniel Sarmento, Claus Wilhelm Canaris, Ronald Dworkin), são normas. E, como a lei, enquanto norma-regra, não consegue abarcar todos os comportamentos humanos, mister observarmos, para fins de comportamento social adequado, as normas-princípios. Já dizia Platão que “a lei jamais conseguirá estabelecer o melhor e o mais justo para todas as pessoas. A diversidade entre os homens e suas ações, a instabilidade permanente dos assuntos humanos, não permitem que se formule a norma absoluta para todos os casos e tempos.” [7]

16- Só que a afronta a uma norma princípio é muito mais grave que a afronta a uma norma-regra. É o que se pode tirar da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
      Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
      Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.[8] [grifou-se]

17- Especificamente tratando da situação em apreço, as lições de Rodolfo Camargo Mancuso caem como luva:

“É de se lembrar que a citação do ente político (pessoa jurídica de direito público interno, de índole constitucional e permanente), não se confunde com a citação da autoridade que episodicamente, esteja à sua testa, no exercício de mandato popular, temporário; daí, porque, em havendo Procurador que represente institucionalmente o ente político, exercendo cargo de provimento efetivo, deverá este assumir a capacidade postulatória em nome do ente político, enquanto a Autoridade deverá constituir advogado próprio, às suas expensas.[9] [grifou-se]


18- E é neste sentido que me manifesto, substanciado nas razões acima, parecendo-me ser de todo incompatível que os Procuradores Municipais assumam a defesa do Prefeito e do Vice-Prefeito em Ação Popular.
 [1]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 817 e 818.
[1]CAMARGO MANCUSO, Rodolfo de. Ação Popular.Proteção ao erário público; do patrimônio cultural e natural; e do meio ambiente. São Paulo: RT, 1994, p. 115.





[1]MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, pp. 346 e 347.
[2]OSÓRIO, Fábio Medina. Observações sobre a improbidade dos agentes públicos à luz da Lei 8429/92. RT 740/96.
[3] ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do estado social e democrático de direito. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano I, nº. 9, dezembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 10 de Outubro de 2003.

[4]FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2ª ed.. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 67 e 68.
[5]Idem,, p. 69.
[6]Idem, p. 72, nota de rodapé 78.
[7]Platão. Política. Trecho inserido no livro 180 Ensinamentos filosóficos. Organizador: Fernando Nuno. São Paulo: Publifolha: 2003, p. 140.
[8]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 817 e 818.
[9]CAMARGO MANCUSO, Rodolfo de. Ação Popular.Proteção ao erário público; do patrimônio cultural e natural; e do meio ambiente. São Paulo: RT, 1994, p. 115.

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