brasil247 - Membro do núcleo de estudos cubanos da Universidade de Brasília, o
jornalista Hélio Doyle, que conhece como poucos a realidade do país, expõe
argumentos técnicos sobre a vinda de profissionais de saúde; ele diz, por
exemplo, que eles já atuaram em regiões remotas do País no passado, sem que
houvesse qualquer gritaria; como Cuba é um país socialista, a contratação é
feita diretamente junto ao Estado, que tem a preocupação de preservar baixos
índices de desigualdade; dos 78 mil doutores cubanos, que têm uma das melhores
relações médico/paciente do mundo, 30 mil atuam no exterior o índice de
deserção é baixíssimo
O QUE NÃO SE DIZ SOBRE OS MÉDICOS CUBANOS
Por: Hélio Doyle
A grande imprensa brasileira, que nos últimos anos exacerbou, por
incompetência e ideologia, a superficialidade que sempre a caracterizou, tem
sido coerente ao tratar da vinda de quatro mil médicos cubanos: limita-se a
noticiar o fato e reproduzir as críticas das associações corporativas de
médicos e dos políticos oposicionistas. Mantém-se fiel à superficialidade que é
sua marca, acrescida de forte conteúdo ideológico conservador e de direita.
Não conta, por exemplo, que médicos cubanos já trabalharam no Brasil,
atendendo a comunidades pobres e distantes nos estados de Tocantins, Roraima e
Amapá. Não houve nenhuma reclamação quanto à qualidade desse atendimento e
nenhum problema com o conhecimento restrito da língua portuguesa. Os médicos
cubanos tiveram de deixar o Brasil por pressão do corporativismo médico
brasileiro – liderado por doutores que gostam de trabalhar em clínicas privadas
e nas grandes cidades.
A grande imprensa não conta também que há mais de 30 mil médicos
cubanos trabalhando em 69 países da América Latina, da África, da Ásia e da
Oceania, lidando com pessoas que falam inglês, francês, português e dialetos
locais. Só no Haiti, onde a população fala francês e o dialeto creole, há 1.200
médicos cubanos – que sustentam o sistema de saúde daquele país e, como
profissionais com alto nível de educação formal, aprendem rapidamente línguas
estrangeiras.
O professor John Kirk, da Universidade Dalhousie, no Canadá, estudou a
participação de equipes de saúde de Cuba em vários países e é dele a frase
seguinte: “A contribuição de Cuba, como ocorre agora no Haiti, é o maior
segredo do mundo. Eles são pouco mencionados, mesmo fazendo muito do trabalho
pesado”. Segredo porque a imprensa internacional – especialmente a
estadunidense — não gosta de falar do assunto.
Kirk contesta o argumento de que os médicos cubanos que atendem as
comunidades pobres em vários países não são eficientes por não dominar as
últimas tecnologias médicas: “A abordagem high-tech para as necessidades de
saúde em Londres e Toronto é irrelevante para milhões de pessoas no Terceiro
Mundo que estão vivendo na pobreza. É fácil ficar de fora e criticar a
qualidade, mas se você está vivendo em algum lugar sem médicos, ficaria feliz
quando chegasse algum”.
O problema dos que contestam a vinda de médicos estrangeiros e, em
especial dos cubanos, é que as pessoas que passam anos ou toda a vida sem ver
um médico ficarão muito felizes quando receberem a atenção que os
corporativistas do Brasil lhes negam e tentam impedir.
SOCIALISMO E GUERRA FRIA
Duas informações referentes à vinda de médicos cubanos para o Brasil e
que podem ser úteis aos que querem ir além do que diz a grande imprensa:
- Cuba é um país socialista e por isso, gostemos ou não, as coisas não
funcionam exatamente como em um país capitalista. Como é um país socialista, há
a preocupação de manter baixos os índices de desigualdade econômica e social.
Por isso nenhuma empresa ou governo estrangeiro contrata trabalhadores cubanos
diretamente, em Cuba ou no exterior (nesse caso quando a contratação é
resultado de um acordo entre estados). Todos são contratados por empresas
estatais que recebem do contratante estrangeiro e pagam os salários aos
trabalhadores, sem grande discrepância em relação ao que recebem os que
trabalham em empresas ou organismos cubanos. Os médicos que trabalham no
exterior recebem mais do que os que trabalham em Cuba. Mas algo como nem muito
que seja um desincentivo aos que ficam, nem tão pouco que não incentive os que
saem.
- O governo dos Estados Unidos tem um programa especial para atrair
médicos cubanos que trabalham no exterior. Eles são procurados por funcionários
estadunidenses e lhes são oferecidas inúmeras vantagens para “desertar”, como
visto de entrada, passagem gratuita, permissão de trabalho e dispensa de
formalidades para exercer a atividade. Os que atuam na América Latina são os
mais procurados e uma condição para serem aceitos no programa é que critiquem o
sistema político cubano e digam que os médicos no exterior são oprimidos e
mantidos quase como escravos. Os que aceitam as ofertas dos Estados Unidos, os
que emigram para outros países ou ficam no país que os recebe depois de
terminado o contrato representam cerca de 3% dos efetivos. No Brasil, mantida essa média, pode-se
esperar que até 120 dos quatro mil médicos cubanos “desertem”.
UM SISTEMA IRREAL
A citação a seguir é do New England Journal of Medicine: “O sistema de
saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de
família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba
dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o
nosso [dos EUA] não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de
médicos por habitante do que os EUA”.
Menções elogiosas ao sistema de saúde cubano e a seus profissionais
são frequentes em publicações especializadas e ditas por autoridades médicas e
organizações internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, a Organização
Panamericana de Saúde e o Unicef. Mas mesmo assim, querendo negar a realidade,
médicos e políticos brasileiros insistem em negar o óbvio, chegando ao absurdo
de dizer que nossa população está correndo riscos ao ser atendida pelos
cubanos.
Para começar, os indicadores de saúde em Cuba são os melhores da
América Latina e estão à frente dos de muitos países desenvolvidos. A
mortalidade infantil, por exemplo (4,8 por mil), é menor do que a dos Estados
Unidos. Aliás, para os que gostam de dizer que Cuba estava melhor antes da
revolução de 1959, naquela época era de 60 por mil. A expectativa de vida dos
cubanos é também elevada: 78,8 anos.
Outro aliás quanto aos saudosistas: em 1959, Cuba tinha seis mil
médicos, sendo que três mil correram para os Estados Unidos quando viram que
não haveria mais lugar para o sistema privado de saúde e que os doutores
elitistas e da elite perderiam seus privilégios. Hoje tem 78 mil médicos, um
para cada 150 habitantes, uma das melhores médias do mundo. Isso permite a Cuba
manter mais de 30 mil médicos no exterior. Desde 1962, médicos cubanos já
estiveram trabalhando em 102 países.
Em 2012 formaram-se em Cuba 5.315 médicos cubanos em 25 faculdades
públicas e 5.694 estrangeiros, que estudam de graça na Escola Latino-americana
de Medicina (Elam). A Elam recebe estudantes de 116 países, inclusive dos
Estados Unidos, e já formou 24 mil estrangeiros.
Os médicos cubanos se formam após seis anos de graduação, incluindo um
de internato, e mais três ou quatro anos de especialização. Os generalistas,
que atendem no sistema Médico da Família (um médico e um enfermeiro para 150 a
200 famílias, e que moram na comunidade que atendem) são preparados para atuar
em clínica geral, pediatria, ginecologia-obstetrícia e fazer pequenas
cirurgias.
Dos quatro mil médicos que vêm para o Brasil, todos têm especialização
em medicina de família, 42% já trabalharam em pelo menos dois países e 84% têm
mais de 16 anos de atividade. Grande parte já atuou em países de língua
portuguesa, na África e em Timor-Leste. Foi em Timor, a propósito, que ocorreu
o fato seguinte: o embaixador estadunidense exigiu do então presidente Xanana
Gusmão que expulsasse os médicos cubanos. Xanana perguntou quantos médicos dos
Estados Unidos havia no Timor-Leste e quantos o país mandaria para substituir
os mais de duzentos cubanos que estavam lá. Diante da resposta, de que havia
apenas um, que atendia os diplomatas norte-americanos, e que não viria mais
nenhum, Xanana, simplesmente, disse que os cubanos ficariam. E estão lá até
hoje. Falando português.
OS LIMITES DO CORPORATIVISMO
1 – Sindicatos de trabalhadores existem para defender os interesses
das categorias profissionais que representam. São corporativistas por
definição.
2 – É natural que esses interesses conflitem com os de seus
empregadores, especialmente em questões ligadas à remuneração e condições de
trabalho.
3 – Muitas vezes os interesses de uma categoria batem de frente com
interesses de outras categorias, e aí cada sindicato defende seus
representados, o que também é natural.
4 – Outras vezes os interesses de uma categoria colidem com interesses
do país e da sociedade. Essa é uma questão complicada: quem tem legitimidade
para definir os interesses nacionais é a população, que só é consultada quando
elege seus governantes e representantes. E esses governantes e representantes
têm, muitas vezes, sua legitimidade contestada.
A contradição entre interesses corporativos e interesses nacionais e
da sociedade, assim, só pode ser resolvida pelos que têm legitimidade para
expressar esses interesses nacionais e da sociedade em seu conjunto.
Nos últimos dias, tivemos três bons exemplos de como os interesses
corporativos colidem com os da sociedade. São três causas que podem interessar
às categorias profissionais, mas violam a legislação e ferem os direitos
humanos e sociais:
- O sindicato dos servidores no Legislativo defendeu que funcionários
da Câmara e do Senado recebam remunerações que superam o teto salarial que deve
vigorar para todos.
- O sindicato dos aeroviários defendeu a tripulação que criou absurdos
e desnecessários constrangimentos a uma criança de três anos e a sua família,
por causa de uma doença não infecciosa.
- Os sindicatos de médicos são contra o trabalho de médicos
estrangeiros no Brasil, mesmo não havendo médicos brasileiros interessados no
trabalho que eles vão fazer.
O corporativismo é inevitável, e os interesses corporativos devem ser
discutidos e considerados. Não podem é prevalecer quando contrariam interesses
e direitos da sociedade: o teto salarial dos servidores tem de ser respeitado,
ninguém pode ser submetido a constrangimentos por causa de uma doença e as
pessoas têm o direito de receber assistência médica, seja de um brasileiro ou
de um estrangeiro.
SISTEMA CUBANO DÁ “DE LAVADA”
As frases a seguir são de um médico cubano radicado no Brasil desde
2000. Insuspeito, pois abandonou Cuba. Formou-se lá e se especializou em
epidemiologia e administração da saúde. Trabalhou por dois anos em Angola e
veio para Santa Catarina em um acordo da prefeitura de Irati com o governo de Cuba. Dois anos depois
resolveu ficar no Brasil, onde vive com a mulher e quatro filhos. Critica o
sistema de pagamento aos médicos, dizendo que ficava com 50% do que era pago
pela prefeitura. Mesmo tendo “desertado”, não entra na onda dos médicos
brasileiros e dos oposionistas de direita que atacam a vinda dos cubanos.
O que o médico cubano Alejandro
Santiago Benítez Marín, 51 anos, disse ao portal G1:
“Em dois meses, eu já entendia perfeitamente tudo (diferenças
culturais, língua). Fazer medicina é igual em todo o lugar, só muda o
endereço”.
“Eu não sou contra que eles venham, não. Os médicos cubanos são muito
bons, nossa medicina é a melhor do mundo. Só não concordo com a forma como o
governo quer pagar, repassando o dinheiro para Cuba e Cuba vai decidir a
quantia que vai repassar. Isso não tem cabimento”.
“Há médicos cubanos fazendo um
excelente trabalho no Norte e Nordeste. O Conselho Federal de Medicina tem nos
ofendido sem necessidade desde o início, chamando-nos de curandeiros,
feiticeiros. Eu sou incapaz de ofender um médico brasileiro, mesmo conhecendo
médicos brasileiros que cometem erros, a imprensa publica sempre. Tem médico
ruim e bom tanto no Brasil quanto em Cuba. Não temos culpa do que está
acontecendo no Brasil e que os médicos de fora têm que vir”.
“Em Cuba é bem mais fácil o
atendimento, não tem esta fila que há hoje no SUS, em que há a demora de três
meses para a realização de exames simples, como ultrassonografia ou
ressonância. Em Cuba este exame é feito no mesmo dia ou na mesma semana. Esta
demora faz o diagnóstico médico ter que esperar”.
“O sistema cubano dá ‘de
lavada’ no SUS, tanto no atendimento normal quanto de emergência. A
especialização nossa é muito boa, tanto que Cuba exporta médicos para mais de
70 países”.
Fonte:
http://www.brasil247.com/pt/247/saudeebemestar/112703/O-que-voc%C3%AA-precisa-saber-sobre-m%C3%A9dicos-cubanos.htm
http://www.brasil247.com/pt/247/saudeebemestar/112703/O-que-voc%C3%AA-precisa-saber-sobre-m%C3%A9dicos-cubanos.htm
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