A Primavera Petista, entre a luta e os selfies
Por Fernando Pacheco
Por que a mobilização solidária para o pagamento da multa de Genoíno e Delúbio incomodou tanto a direita, a ponto de um ministro do Supremo não apenas lançar suspeição sobre suposta lavagem de dinheiro, como pedir à Procuradoria-Geral da República que investigue, sem indícios e sem excepcionalidade, o caso?
A resposta é mais embaixo do que o “ódio ao PT”.
A questão é que, de um lado, a velha mídia vê embasbacada que toda sua campanha decádica contra a política, o fato de “corrupção” ser o tema histórico que media a relação de sua editoria de política com seus clientes, toda a cobertura sensacionalista e parcial sobre o julgamento da AP 470, não impediram uma reação aos milhares, estonteante. Agora, as provas de força não estão apenas no grande número de votos nas eleições internas do PT ou no fato de o eleitor dar de ombros por quatro vezes a este assunto em pleno processo eleitoral (2006, 2008, 2010, 2012), mas chama à atenção a contribuição financeira direta, capaz de arrecadar milhões de reais. Isso quer dizer que a reação é valer e não são meia dúzia de “simpáticos” ou “cúmplices” de “bandidos”. É da militância real do PT, mas é, sobretudo, da sociedade viva, que se pensava não conceder qualquer apoio aos presos políticos e convencida da narrativa da mídia.
Está certa a direita, não é caso só dela se surpreender e reagir atabalhoadamente. Isso porque tal gesto, que surpreende os desinformados com o “fenômeno” Delúbio – como tratou Fernando Rodrigues – e cria expectativa para um movimento mais arrebatador quando for a vez de José Dirceu, põe por terra duas coisas: 1) a linha estruturante da retórica da direita brasileira desde a UDN original, centrada em corrupção e “má gestão” (crise, crise e crise); 2) um de seus últimos discursos contra o PT e a esquerda.
Portanto, na outra banda da moeda, é tempo de ficar ligado, porque há lições indrodutórias reversas a começarem a ser aprendidas.
A reação potente da militância e da sociedade, através da mobilização solidária, mostra que separar “Mensalão” de “Eleição” é um erro duplo. Parte da sociedade, da base petista, da militância, quer comprar a briga e transbordou de injustiça e linchamento. Quer enfrentar o debate. Não quer distância deste assunto, muito menos virar a página. E este debate é o debate de fundo, que envolve o fazer política, a ética da política, a vocação para servir ao povo e ao público, que faz com que, repito, desde a UDN original, este seja parte, junto com a capacidade de gestão, da linha estruturante do discurso das elites.
A grande inovação real do PT foi fazer com que ex-guerrilheiros, lavadores de ônibus, pedreiros, bancários, virassem prefeitos, deputados, governadores. Em suma, um partido de peões e de quem viveu as agruras da tortura, do banimento, da clandestinidade. O fato de a direita estar prendendo lideranças ímpares com estas características diz muito do atual momento, onde a força deste coletivo de seres sociais conseguiu mudar o país, estados e cidades, mas não o suficiente. O ser social gerou política social, mas ainda está distante de se expressar como hegemonia, como produtores de valores, representações, cultura compartilhada conscientemente por quem é par na origem social, os segmentos que o PT e a esquerda buscam representar politicamente. Presos foram a narrativa que deveria ser vigente, correspondendo ao resultado das urnas, e que deverá constar nos livros de história e se galvanizar no imaginário coletivo.
É tempo de avançar, efetivamente, do tático para o estratégico. Afinal, a tática de fazer amplas alianças locais para isolar a representação principal do neoliberalismo, criar uma de centro-esquerda para manter as elites divididas, apresentar propostas concretas ao país como prova de capacidade de governar, desenvolver uma ampla agenda de política social, criar um partido que impediu o isolamento de trabalhistas/socialistas/comunistas e fez fracassar projeto de bipartidarismo de centro-direita da abertura planejada do Golbery, não podem ser fins em si mesmos. Há um movimento histórico da sociedade brasileira, interrompido em 64, que precisa ser completado e esta força foi acumulada para isso.
Assim, é preciso que o endeusamento das redes sociais avance para a democratização da grande mídia, que a idolatria da internet não busque só a reprodução de conteúdo e, sim, a produção de conteúdo crítico e qualificado; que a mobilização do PED possa gerar organização territorial da base que alcançamos com nossas políticas; que as crescentes votações para o parlamento se transubstanciem em reforma política; que a extensa política social vire bem-estar social consolidado no desenho das leis e do Estado; que as tendência petistas internas de opinião política virem celeiros de interação programática voltadas à ação concreta e não sucumbida às intermináveis notas e resoluções.
É preciso enfrentar a mentira do “Impostômetro” e do “choque de gestão”. É preciso enfrentar a farsa do “Mensalão”, que traz consigo, além de graves violações às garantias individuais e coletivas, a propaganda goebbeliana de que “político é tudo igual”, de que “política é só para políticos”, de que política é atividade para ladrões, de que a esquerda não respeita a democracia, a república e busca se apropriar do Estado para si, confundindo partido e poder público.
Não adianta: vinganças como a de incluir Zeca Dirceu na pauta de julgamento do STF, ameaçar – pelo simples levantar de um braço – o vice-presidente da Câmara de impedimento, tentar subjugar a pauta de votação do Senado Federal, entre outros fatos recentes, só acabará no dia em que a Globo tiver que se desfazer da rádio e do jornal pela proibição da propriedade cruzada, quando juiz tiver mandato, quando empresário corrupto for banido de contratar com o Estado.
Com a irredutível Trincheira da Resistência, acampada em frente ao STF, e esta indubitável mobilização solidária, o PT vive sua Primavera. Seu destino será definido pelo confronto, mais duro ou mais aveludado, entre os que são de direita, os que são de luta e os que são de selfies.
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