STF: Justiça ou linchamento?
Por Marco Piva, no sítio da Fundação Perseu Abramo:
Finalmente o dia chegou. Com indisfarçável regozijo, típico
daqueles que enxergam a história apenas a partir de seus propósitos imediatos,
a grande mídia estampa as manchetes já preparadas há algum tempo: Dirceu na
cadeia! Para outros poderia ser prisão. Para Dirceu, é cadeia mesmo (“Regime
fechado - STF pune Dirceu com 10 anos de cadeia”, O Globo, 13/11/12).
De saída, um esclarecimento necessário. Sou a favor do
julgamento, de qualquer julgamento com indícios concretos de delito, nas
esferas privada e pública. Deixar as coisas embaixo do tapete não é e nunca
será o melhor caminho para aperfeiçoar os mecanismos de funcionamento da
sociedade e do poder público. Mas, assim como os homens falham, decisões da
máxima corte de justiça do país também podem ser falhas, insuficientes ou
injustas. Na minha opinião, este é o caso. Aliás, na minha e na opinião de
quatro dos dez ministros que não admitiram a tese do relator Joaquim Barbosa no
caso de Dirceu.
Infelizmente, não se tratava de um julgamento, mas de um
linchamento moral com propósito político para atingir não uma pessoa, mas um
partido inteiro. Iniciado exatamente no período eleitoral, é difícil acreditar
em coincidência, principalmente pela simbiose inédita entre a maioria dos
ministros da máxima instância de justiça do país, parte da grande mídia e a
oposição ao PT. Fosse qualquer outro personagem público, de qualquer outro
partido, e dificilmente uma ação penal se teria transformado em novela, com
doses cavalares de cobertura ao vivo e tamanha tentativa de comoção social.
Alguns dirão: “mas, então você acha que nada aconteceu?”.
Realmente não se trata disso. Quem transita no mundo político sabe que, em
função das limitações e entraves das regulamentações eleitorais no Brasil,
nenhum partido – insisto nisso, nenhum partido – se mantem sem alguma fonte de
recurso não declarada. O curioso é que essa tese foi aceita pelo
ex-procurador-geral da República, Antonio Fernandes de Souza, para tipificar
eventuais crimes cometidos pelo PSDB de Minas Gerais nas eleições de 1998
quando, pela primeira vez, surgiu a figura de Marcos Valério.
Por conta disso, o inquérito corre até hoje na primeira
instância da Justiça em Belo Horizonte. Nos casos do deputado Eduardo Azeredo e
do senador Clésio Andrade, os processos repousam no STF sem perspectiva de
julgamento imediato. Ora, o mesmo procurador que detectou o “mensalão do PSDB”
e o deixou na primeira instância por considera-lo “caixa dois” encaminhou o
“mensalão do PT” diretamente para o Supremo Tribunal Federal por considera-lo
“crime de corrupção ativa e formação de quadrilha”. Agindo assim, bloqueou
qualquer possibilidade de recurso posterior aos réus, numa atitude que fere o
Estado de Direito tão festejado por aqueles que hoje se alegram com a
condenação de Dirceu e Genoino.
Quem enxerga apenas um palmo à frente do nariz tem
dificuldade de ver a história toda e seus desdobramentos. Apesar de injusta, a
pena será cumprida. Dirceu e Genoíno já provaram ao longo de suas vidas que não
fogem ao combate, ao contrário daqueles que hoje os apedrejam e ecoam um
consenso duvidoso de opinião pública.
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