“Não canse quem te quer bem” – Martha Medeiros
Não canse quem te quer bem. Ah, se conseguíssemos manter sob
controle nosso ímpeto de apoquentar. Mas não. Uns mais, outros menos, todos
passam do limite na arte de encher os tubos. Ou contando uma história que não
acaba nunca, ou pior: contando uma história que não acaba nunca cujo
protagonista ninguém jamais ouviu falar. Deveria ser crime inafiançável ficar
contando longos casos sobre gente que não conhecemos e por quem não temos o
menor interesse. Se for história de doença, então, cadeira elétrica.
Não canse quem te quer bem. Evite repetir sempre a mesma
queixa. Desabafar com amigos, ok. Pedir conselho, ok também, é uma demonstração
de carinho e confiança. Agora, ficar anos alugando os ouvidos alheios com as
mesmas reclamações, dá licença. Troque o disco. Seus amigos gostam tanto de
você, merecem saber que você é capaz de diversificar suas lamúrias.
Não canse quem te quer bem. Garçons foram treinados para te
querer bem. Então não peça para trocar todos os ingredientes do risoto que você
solicitou – escolha uma pizza e fim.
Seu namorado te quer muito bem. Não o obrigue a esperar
pelos 20 vestidos que você vai experimentar antes de sair – pense antes no que
vai usar. E discutir a relação, só uma vez por ano, se não houver outra saída.
Sua namorada também te quer muito bem. Não a amole pedindo
para ela explicar de onde conhece aquele rapaz que cumprimentou na saída do
cinema. Ciúme toda hora, por qualquer bobagem, é esgotante.
Não canse quem te quer bem. Não peça dinheiro emprestado pra
quem vai ficar constrangido em negar.
Não exija uma dedicatória especial só
porque você é parente do autor do livro. E não exagere ao mostrar fotografias.
Se o local que você visitou é realmente incrível, mostre três, quatro no
máximo. Na verdade, fotografia a gente só mostra pra mãe e para aqueles que
também aparecem na foto.
Não canse quem te quer bem. Não faça seus filhos
demonstrarem dotes artísticos (cantar, dançar, tocar violão) na frente das
visitas. Por amor a eles e pelas visitas.
Implicâncias quase sempre são demonstrações de afeto. Você
não implica com quem te esnoba, apenas com quem possui laços fraternos. Se um
amigo é barrigudo, será sobre a barriga dele que faremos piada. Se tivermos uma
amiga que sempre chega atrasada, o atraso dela será brindado com sarcasmo. Se
nosso filho é cabeludo, “quando é que tu vai cortar esse cabelo, garoto?” será
a pergunta que faremos de segunda a domingo. Implicar é uma maneira de
confirmar a intimidade. Mas os íntimos poderiam se elogiar, pra variar.
Não canse quem te quer bem. Se não consegue resistir a dar
uma chateada, seja mala com pessoas que não te conhecem. Só esses poderão se
afastar, cortar o assunto, te dar um chega pra lá. Quem te quer bem vai te
ouvir até o fim e ainda vai fazer de conta que está se divertindo. Coitado.
Prive-o desse infortúnio. “Ele não tem culpa de gostar de você.”
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