"Droga da obediência" prestes a se tornar epidemia explode
no Brasil o consumo de medicamento para tratar o transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade. Em nove anos, a venda subiu de 71 mil caixas para 2
milhões
Psicólogos estão preocupados com o grande número de alunos que usam os
remédios em
Belo Horizonte
Autoria: Luciane Evans
Estão prestes a estourar no
Brasil as sequelas de um surto mundial silencioso que, aqui, tem tido como
principais alvos crianças e adolescentes de classe média. Adultos também
integram o grupo. Apontadas por muitos como o veneno da atualidade, mas aceitas
por outros como solução mais acertada para o tratamento do transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), as ‘drogas da obediência’ – assim
conhecidos os medicamentos que têm como princípio ativo o cloridrato de
metilfenidato – têm sido consumidas em larga escala no país e também em Belo
Horizonte. Em 2006, a capital mineira registrava consumo quatro vezes maior que
a média do Brasil, nação que tem o título de segundo maior consumidor mundial
do psicotrópico e onde, só em 2009, cerca de 2 milhões de caixas das pílulas
foram vendidos. A projeção feita por especialistas é de que, em 2012, esses
números sejam muito mais altos.
Para piorar o cenário, não há consenso sobre o uso do medicamento
entre a classe médica. Há os que o defendem, garantindo que os remédios cumprem
sua função para quem sofre do transtorno; do outro lado, gente que teme o pior
ao comparar os efeitos das doses aos da cocaína, alertando que meninos e
meninas que usam a droga correm risco de vida. Diante do quadro, em que muitos
médicos preocupados com o futuro da nova geração chegam a duvidar até mesmo da
existência do TDHA – distúrbio neurológico identificado, na maioria das vezes,
na idade escolar, em crianças e adolescentes desatentos, agitados e com
dificuldades de aprendizagem .
Na capital mineira, elas têm se tornado “moda” em escolas tradicionais
da cidade, preocupando psicólogos que dizem estar diante de um crescimento
assombroso no número de alunos medicados. Polêmico, o assunto envolve a
indústria farmacêutica, põe em xeque pesquisas científicas e divide a medicina.
Não sem razão. Diante da bomba relógio prestes a explodir, laboratórios não
divulgam dados de produção nem de vendas. Órgãos públicos, idem; restando ao
Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos extrair da
publicação de um instituto suíço, que mantém atualizados os dados do mercado
farmacêutico brasileiro, assombrosos números que dão o sinal da fumaça.
De acordo com o instituto, em 2000 foram vendidas 71 mil caixas dos
psicotrópicos no Brasil, passando para a marca de quase 2 milhões de caixas em
2009. Em São Paulo, onde as drogas são distribuídas via Sistema Único de Saúde
(SUS), uma pesquisa de 2011 do Fórum sobre Medicalização da Educação e da
Sociedade, composto por cerca de 40 entidades, mostrou que 154 municípios
paulistanos compraram em 2005 cerca de 55 mil comprimidos da ‘droga da
obediência’. Cinco anos depois, o consumo saltou para 946 mil, 17,2 vezes
maior. A projeção para 2011 era de que a compra chegasse a 1.493.024 de doses.
Em Minas Gerais, contrariando a vontade de muitos psiquiatras, a
medicação ainda não chegou ao SUS, o que configura, para muitos especialistas,
a droga da vez da classe média, já que uma caixa, de acordo com a dosagem e
variação no número de pílulas, custa entre R$ 20 e R$ 220. Um levantamento do
Centro de Estudos de Medicamentos da Faculdade de Farmácia da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) feito com crianças diagnosticadas com TDAH em BH
tem números considerados perigosos. “O estudo, ainda em andamento, teve início
em 2006 e naquele ano constatamos que a média de consumo da Ritalina em Belo
Horizonte era quatro vezes maior que a média nacional e três vezes maior que a
projeção calculada para o estado. É preocupante”, alerta o coordenador do
centro, Edson Perini.
O especialista diz que o
consumo está concentrado nas regiões Centro-Sul e Leste da cidade. “Percebemos
o predomínio do uso pelo sexo masculino. Em geral, as prescrições estão dentro
dos padrões de dosagem, mas encontramos algumas superdosagens, que não deveriam
existir”, alerta.
Pode ser o caso do pequeno M.A.G, de 9 anos. Aos 7, ao sofrer bullying
na escola, desenvolveu um quadro de depressão e síndrome do pânico. Os médicos
aconselharam os pais a dar Concerta ao garoto, que durante três meses sob o
efeito da droga não dormia, ficou ansioso e perdeu o apetite. Aí receitaram,
além da “droga da obediência”, antidepressivo e um remédio para abrir o apetite.
Os pais recusaram. “O que estão fazendo com as nossas crianças? Como estão
sendo diagnosticados esses pacientes? E os remédios, como estão sendo
prescritos? É algo que está sendo dado para a ansiedade dos pais, dos
educadores e dos psiquiatras para responder às inquietações dos meninos. Alguém
está preocupado com isso?”, questiona Perini.
CORRENTE CONTRA
Causa insônia, cefaleia, alucinações, psicose e até casos de suicídio.
Faz com que a criança fique quimicamente contida em si mesma, todos considerados
sinais de toxicidade, indicando a retirada da droga. No sistema cardiovascular
o remédio causa arritmia, taquicardia, hipertensão e parada cardíaca. O risco
de morte súbita inexplicada em adolescentes é maior entre aqueles que tomam o
remédio. Além disso, interfere no sistema endócrino, na secreção dos hormônios
de crescimento e dos sexuais. É uma substância com o mesmo mecanismo de ação e
as mesmas reações adversas da cocaína e das anfetaminas, segundo médicos que
não adotam o medicamento.
Ponto crítico
Esses medicamentos são tão vilões quanto parecem?
Maria Aparecida Affonso Moysés doutora em medicina, professora titular
de pediatria da Unicamp e membro fundadora do fórum de medicalização
SIM
O consumo exacerbado das “drogas da obediência” é o genocídio do
futuro. Vivemos, sim, uma epidemia. A Ritalina e o Concerta são drogas
derivadas da anfetamina e da cocaína. A medicação age aumentando a concentração
de dopamina (neurotransmissor associado ao prazer). Como o remédio age por algumas
horas, quando o efeito passa, tudo que o usuário quer é ter aquele prazer de
volta. Quem usa esse estimulante fica com a atenção focada. A criança só
consegue fazer uma coisa de cada vez, por isso, fica quimicamente contida, não
questiona nem desobedece. Cada vez mais os pais estão sendo desapropriados
pelos profissionais da saúde e da educação de ver seus filhos e de ouvir o que
eles querem dizer. Então, se ele está agitado, desatento, impulsivo, vamos dar
um remédio para que fique calado e dopado? É mais fácil lidar com um problema
‘médico’ a mudar o método de educação da criança. O TDAH pode ser o grito de
socorro de uma criança que está vivendo um conflito em ambientes em torno dela.
A pessoa que faz uso desse tipo de remédio tem de sete a 10 vezes mais chances
de ter uma morte súbita inexplicada.
Fonte: Jornal Estado de Minas
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