domingo, 18 de setembro de 2011

A campanha do voto distrital

A campanha do voto distrital

É natural, na democracia, que as pessoas de direita façam oposição àqueles de que discordam: os esquerdistas, socialistas, progressistas

Marcos Coimbra


A recente campanha em favor do voto distrital tem uma história curiosa. Primeiro, foi divulgada com o estardalhaço que a mídia de direita dedica aos temas que considera prioritários, ocupando a capa de revistas e as colunas de seus comentaristas mais prestigiados. Depois, teve seu lançamento “sério” e “oficial”.

Aconteceu esta semana, em São Paulo, no Instituto Millenium, seu 7º colóquio, com uma interrogação no título “Voto distrital ou proporcional?”. Os participantes responderam em coro (quase unânime): distrital.

Várias coisas foram interessantes no evento. Uma é que praticamente tudo que havia sido publicado pela imprensa em defesa do voto distrital estava lá: os mesmos especialistas que ouviu eram os palestrantes, os números e cálculos divulgados tinham sido preparados para ele. Parece que a mídia conservadora teve acesso privilegiado e pôde antecipar o que seria tratado no colóquio.

Outra é que nele tudo estava mais claro que na imprensa. Enquanto ela apresentou sua argumentação como se resultasse de reportagens e trabalhos “técnicos”, no colóquio a posição política da maioria dos convidados estava escancarada: o presidente do movimento “Endireita Brasil” foi o mediador dos debates, por exemplo. O evento foi realizado na sede da Federação do Comércio de São Paulo.

O Instituto Millenium congrega empresários, banqueiros, alguns intelectuais e muita gente da grande imprensa: os proprietários dos maiores veículos de comunicação, seus chefes de redação, alguns jornalistas e comentaristas, quase todos os personagens que costumam ouvir quando precisam da opinião de “entendidos” (em qualquer coisa, desde a crise da Líbia à música popular). Não esquecendo diversos ex-integrantes do governo Fernando Henrique.

Na sua apresentação, o instituto diz que é “referência na divulgação dos temas democracia, liberdade, Estado de direito e economia de mercado”. Seu objetivo explícito é “atingir a opinião pública, conscientizando-a sobre os valores que considera primordiais para o fortalecimento da democracia e para o desenvolvimento do país”.

Trata-se de um think tank da direita brasileira, uma organização destinada a preparar e propagandear sua agenda para o país. A grande diferença que tem em relação a instituições semelhantes em outros países (como os Estados Unidos, onde existem diversas), é a super-representação, em seus quadros, de dirigentes dos grandes grupos da indústria da comunicação. Enquanto suas congêneres no exterior precisam dar tratos à bola para levar suas ideias à mídia, aqui as coisas podem ser resolvidas amigavelmente, com todo mundo sentado em torno da mesma mesa.

Não é, no entanto, a primeira vez que, no Brasil, uma entidade como o Instituto Millenium existe e tem essa ligação orgânica com a grande imprensa. No início dos anos 1960, houve algo parecido: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), de atuação nada irrelevante na criação das condições sociais e políticas que levaram ao golpe de 1964. (Chega a ser engraçado: os pais de alguns membros e mantenedores do Millenium fizeram parte do IPES, confirmando a tese de que “filho de peixe, peixinho é”.) Mas isso não quer dizer que o Millenium, nem seus integrantes (certamente não todos), sejam golpistas.

É evidente que as pessoas de direita têm todo o direito de se reunir para discutir suas ideias. De procurar fazer com que elas sejam conhecidas pela sociedade. De usar suas empresas e seu dinheiro para isso.

É natural, na democracia, que apoiem os candidatos com que mais se identificam. Que façam oposição àqueles de que discordam: os esquerdistas, socialistas, progressistas. E que não gostem dos petistas e “lulopetistas” (palavra inventada pelos jornais dos empresários que integram o instituto).

Seria bom para todos, no entanto, que houvesse mais transparência nas relações entre a direita e alguns grupos de mídia. Que elas fossem assumidas com franqueza.

Pode-se concordar ou não com a campanha pró-voto distrital. Mas é ruim quando a opinião pública não fica sabendo de onde vem, quem a inspira e organiza. O risco é de que ela compre gato por lebre

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