terça-feira, 20 de julho de 2010

Máquina ajuda a Polícia Federal a desenhar o mapa do tráfico de crack e cocaína na América do Sul


Máquina ajuda a Polícia Federal a desenhar o mapa do tráfico de crack e cocaína na América do Sul

A ideia é identificar os pontos de partida dos produtos e rastrear os cartéis que se movimentam pelo Brasil e por outros países de fronteira


Carolina Vicentin

Publicação: 19/07/2010 09:09

O principal componente do crack, consumido à luz do dia nas ruas de Brasília, viaja muitos quilômetros até chegar à capital. A pasta-base da droga sai de um dos três países produtores de cocaína, atravessa a fronteira e vai parar nas grandes cidades. Mas saber como funciona a rota do tráfico não é o bastante para impedi-lo. Cada vez mais, investigadores lançam mão de recursos tecnológicos para cortar o mal pela raiz. Com essa meta, a Polícia Federal está traçando o perfil químico das drogas feitas à base de cocaína. É como se, a partir desse levantamento, fosse possível mapear o DNA das substâncias consumidas aqui, com detalhes sobre cada componente e sobre o país de origem.

O trabalho é feito por uma máquina chamada de cromatógrafo gasoso, que identifica cada parte da amostra conforme o tempo que ela leva para atravessar o equipamento (veja arte). O computador busca informações sobre o material em um banco de dados que tem mais de 300 mil itens cadastrados. Sete estados e o Distrito Federal participam do projeto, que analisa a cocaína em suas diferentes formas de apresentação — crack, merla, pasta base ou cloridrato (pó). DF, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre e Amazonas foram escolhidos pela quantidade de apreensões já feitas e/ou por estarem na fronteira com a Bolívia, a Colômbia e o Peru, produtores mundiais da droga.

O perfil químico da cocaína já é manipulado há, pelo menos, 10 anos pelos Estados Unidos e França, países que inspiraram a elaboração do projeto. Na América do Sul, a iniciativa é pioneira e vai produzir um retrato da droga que circula pelo território brasileiro. “Um dos objetivos é montar um banco de dados nacional, com informações sobre o local da apreensão, a quantidade, a composição exata de cada amostra”, afirma o perito criminal Élvio Dias Botelho, que participa do projeto.

Gargalos
Élvio explica que a cocaína nunca está 100% pura. Nas amostras, é possível encontrar, além do principal elemento da droga, diluentes, insumos usados para o refino e outros alcaloides(1) da planta. “Todas essas substâncias permitem que a gente dê uma identidade para cada apreensão”, diz o perito da PF. Como o tráfego de produtos químicos também é controlado pela entidade, conhecer a fundo a droga apreendida será uma forma de identificar gargalos na fiscalização. “Se, por exemplo, nas amostras do Acre a gente começar a ver muita cafeína (um dos diluentes usados), podemos inferir que alguém está desviando esse material para a produção da cocaína”, diz Élvio.




O especialista Élvio Botelho manipula o cromatógrafo, aparelho que seleciona e identifica componentes da pasta-base de cocaína e de outros produtos
Além disso, a folha de coca que nasce na Bolívia não é igual à que nasce no Peru ou na Colômbia. A diferença fica na quantidade de alcaloides produzida por planta, influenciada pela espécie, condições do terreno e climáticas. Hoje, há um quadro com informações sobre “as cocaínas”, descrito pelo Departamento de Drogas Norte-americano (DEA).

1 - Das plantas
Os alcaloides são substâncias que funcionam como um mecanismo de defesa dos vegetais. Em geral, uma dessas substâncias aparece em maior quantidade. Na folha de coca, o principal alcaloide é a cocaína. Na planta de café, a cafeína.

De olho nos vizinhos

Mas a ideia da PF para o Brasil é reunir amostras de referência dos países sul-americanos para criar um padrão e, no futuro, poder afirmar qual é a origem de cada apreensão feita no Brasil. “Mas não é fácil trazer cocaína legalmente ao Brasil; há todo o aspecto diplomático envolvido”, pondera o perito da PF.

Os agentes, porém, já conseguem fazer comparações entre amostras. “Com tudo bem detalhado, podemos verificar se os insumos vêm do Brasil ou não. Aí podemos fazer contato com os países de fronteira e cobrar atitudes, porque hoje não há como fazer isso”, esclarece Élvio Botelho. A comparação entre amostras também permitirá a identificação de fornecedores da droga. Somente no ano passado, a Polícia Federal apreendeu mais de 24 toneladas de cocaína e produtos derivados. Até abril deste ano, foram 4,2 toneladas.

Vício
No Distrito Federal, a Polícia Civil apreendeu 20kg da pasta base da cocaína desde janeiro. Com cada quilo é possível fabricar de 3kg a 4kg de crack, uma das drogas que mais preocupam as autoridades da capital. O delegado João Emílio de Oliveira, da Coordenação de Repressão a Drogas (Cord) da Polícia Civil, afirma que a droga se espalhou pela cidade nos últimos anos. “Antigamente, nosso problema era a merla. Mas ela foi substituída pelo crack. O lucro do traficante é maior com o crack e é mais fácil esconder pedras dessa droga do que latas de merla”, diz o delegado.

O crack, a merla e o pó provocam os mesmos efeitos devastadores no organismo humano. “Elas atuam no cérebro favorecendo a ação da dopamina, um neurotransmissor que está ligado à sensação de prazer”, explica o neurocientista Antônio de Mello Cruz, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).

O grande perigo do crack, ressalta, é que o usuário vicia muito rapidamente. Isso porque o efeito da pedra demora cerca de 10 segundos para chegar ao cérebro, e de cinco a oito minutos para acabar. Com o pó, o efeito máximo começa cerca de 20 minutos depois da inalação, e pode durar até 90 minutos. “De maneira geral, a cocaína não provoca a síndrome da abstinência, mas a pessoa fica fissurada para buscar novamente o efeito da droga”, diz o professor da UnB.

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