A caçada a
Lula expressa as atrocidades dos grupos conservadores. Se estivéssemos na
Revolução Francesa, certamente a guilhotina já teria ceifado sua cabeça!
Por Francisco
Fonseca
Embora sejam
perenes e, portanto, históricas, as desigualdades sociais, econômicas,
político/institucionais, de oportunidades, de raça e gênero, entre outras,
vivenciou-se no Brasil após 1988 e sobretudo com a ascensão do Partido dos
Trabalhadores à presidência da República ampliação significativa de direitos
políticos, sociais e trabalhistas. De certa forma, tratou-se de segundo momento
de expansão do Estado Social, uma vez que fora inaugurado pela Era Vargas
(neste, de forma parcial e sem que a democracia política tivesse sido
incorporada).
Pode-se
dizer que entre 1988 aos dias de hoje, mesmo com os dez anos de governos
neoliberais, como o foram Collor e FHC, a Constituição de 1988 foi, lentamente,
substantivada. Seu ethos foi-se espraiando, entre outros aspectos, com a
criação e consolidação dos Sistemas Universais (SUS, SUAS, Fundef/Fundeb); a
constitucionalização de verbas sociais; a manutenção – e fortalecimento, de
Lula aos dias de hoje – da Previdência Social e do Salário Mínimo; as inovações
na transferência de renda; a ampliação da participação política e do controle
social; a maior transparência dos recursos públicos e o fortalecimento das
instituições (embora, ambas, com ressalvas significativas); o protagonismo do
Estado quanto ao desenvolvimento; entre outras. Grande parte desses avanços se
deu sob os Governos petistas, como se sabe e tem sido reconhecido
internacionalmente.
Esse
conjunto de políticas públicas e mecanismos de participação criaram, em cerca
de duas décadas – descontando-se, reitere-se, os interregnos de Collor e FHC –
um país menos desigual e mais participativo, assim como instituições mais
fortalecidas e independentes. Nesse sentido, jamais podemos nos esquecer, sob
FHC, do “engavetador geral da República”, no contexto maior da
instrumentalização dos poderes do Estado; da “emenda da reeleição”, cujos
indícios de verdadeira compra de votos, com a devida condescendência da grande
mídia “moralista” de hoje, são brutais; do escândalo das privatizações,
notadamente sua “modelagem”; entre inúmeras outras aberrações não investigadas
e não sensibilizadas pelas instituições, pela mídia e pelos grupos de classe
média hoje mobilizados. Tais mazelas foram em boa medida suplantadas a partir
de Lula, exceto o módus operandi da vida política nacional, que se manteve por
meio da “privatização da vida pública”, cuja origem está no Sistema Político,
em que o dinheiro é crucial à ação política.
Pois bem, se
a análise até aqui é fidedigna, isto é, se houve avanços significativos a
partir do primeiro Governo Lula – mesmo em meio à aliança de classes, ao papel
do dinheiro na vida pública e ao não enfrentamento dos grandes poderes –, como
explicar a atual conjuntura política brasileira, que em menos de um ano parece
ter ruído – ou está em vias de – o que se conquistou, a duras penas, desde 1988
e desde 2003?
Como
compreender o facciosismo do Judiciário, notadamente sua corte suprema, desde o
julgamento do chamado “mensalão”? Como analisar o papel do Ministério Público,
federal, na atual quadra política, e de diversos estados, como o de São Paulo
(em larga medida verdadeiro “chapa branca” do grupo que está no poder há vinte
anos)?; Como se pôde permitir a magnitude de poder a juiz de primeira
instância, como o juiz Moro, igualmente faccioso? Como analisar o facciosismo
anti-petista, portanto seletivo, na Polícia Federal? Como avaliar a ditadura
desinformante e abertamente manipulatória da grande mídia? Como compreender o
ódio de classes de grupos que se beneficiaram das políticas do Governo Lula,
caso de setores empresariais e das classes médias tradicionais? Como entender o
antipetismo de grupos sociais que ascenderam justamente por causa das políticas
públicas efetivadas pelos governos do PT? Tais perguntas referem-se a
instituições do Estado, a grupos sociais, a grupos econômicos e ao ambiente
político. Somente poderão ser respondidas ao articularmos diversas dimensões e
variáveis, que temos intentado ao longo dos artigos publicados neste Portal,
notadamente desde o ano passado. De toda forma, continuam presentes em nossos
questionamentos.
Neste início
de 2016 há mais incertezas do que estabilidade, uma vez que a possibilidade de
derrubada parlamentar e judicial – sem provas – da presidente eleita pelo voto
ainda persiste. Mais ainda, persistem um sem-número de atentados ao Estado de
Direito Democrático: prisões sem estofo jurídico, isto é, sem evidências, pela
“República judicial de Curitiba”; extrema seletividade investigativa e
vazamentos criminosos à imprensa, numa intensa articulação entre Poder Judiciário
e Mídia; leniência para com alguns (caso de Eduardo Cunha, cujas provas são
cabais) e dureza com outros (caso de Dulcídio Amaral, cujas provas são tênues);
investigações voltadas ao PT, deixando de fora o PSDB, cujo objetivo é desfazer
o evidente fio condutor entre ambos quando o assunto é Petrobras, empreiteiras,
entre inúmeras outras; linchamento moral do PT e particularmente da presidente
Dilma e do ex-presidente Lula, objetivo maior do golpismo; manifestações agudas
de intolerância nas ruas e em ambientes públicos e privados. A lista é longa e
esses são apenas alguns dos graves exemplos.
A atual
caçada ao ex-presidente Lula, cuja trajetória fora, desde sempre, a conciliação
entre classes – trata-se, portanto, de um político moderado – expressa esse
conjunto de atrocidades institucionais, éticas, políticas e societárias (neste
caso, dos grupos conservadores). Se estivéssemos na Revolução Francesa,
certamente a guilhotina já teria ceifado sua cabeça!
O apelo
popular quanto à narrativa midiática e de certos segmentos do Judiciário – caso
do Ministério Público de São Paulo, que o colocou, assim como sua esposa, na
condição de investigado, fechando os olhos às barbáries do Governo Alckmin –
quanto ao suposto tríplex, sítio e barco são risíveis. Trata-se de ópera bufa
das mais pobres da história brasileira, embora relembre o udenismo golpista e
imoral contra Vargas.
Pois bem, o
Brasil é um país democrático? Embora democracia seja um conceito polissêmico e
de difícil definição, tal sua amplitude e variáveis envolvidas, pode-se dizer
que, nesse momento, estamos mais próximos de uma “ditadura plutocrática” que
rivaliza e enfraquece o governo institucional eleito pelo voto popular. O
objetivo dessa “ditatura” é fazer recuar os direitos sociais e trabalhistas, de
um lado, e políticos (notadamente a participação), de outro.
Mesmo sem
alterações abruptas na ordem constitucional, política, econômica e social, uma
vez que a marca dos governos Lula e Dilma foram e são o reformismo gradual,
incremental, as velhas elites políticas – travestidas, por vezes, de “novos”
movimentos e personagens – querem retomar a demarcação abissal de classes. Em
outras palavras, mesmo que moderadamente, o fato insofismável é que há menor
desigualdade e maior participação, apesar de as elites, em larga medida, terem
seus privilégios em boa medida preservados. Ao lado disso, está a voracidade do
Capital: setores empresariais e o rentismo.
Nunca um
ditado popular foi tão característico de uma época: “cada macaco no seu galho”!
É o que quer o rentismo, associado ao neoliberalismo; é o que querem os
defensores da “meritocracia” independentemente das estruturas sociais; é o que
quer a grande mídia oligárquica e oligopólica, cujo liberalismo é autoritário e
dependente das circunstâncias; é o que querem os inocentes úteis que saem às
ruas movidos pela “midiotização” do mundo e pela percepção equivocada de perda
de direitos perante os avanços sociais dos mais pobres; é o que querem
“lideranças” outsiders, tais como Kims, Cherques e outros tantos “ideólogos”
destituídos do mais elementar estofo e que apenas ganharam evidência pelo
espaço que conseguiram na mídia, ao lado de seguidores que minguam dia a dia.
Ocuparam momentaneamente o vácuo da crise do sistema político.
Decididamente,
o que estamos presenciando na vida político/institucional e societária se
distancia vigorosamente da democracia, em qualquer definição que esta possa
ter. Em outras palavras, não apenas não consolidamos nossas instituições
democráticas – do ponto de vista do Sistema institucional, dos direitos sociais
e dos valores democráticos –, como corremos o sério risco de perdermos o que se
conquistou desde 1988.
Não há, no
país, “liberdade de expressão”, pois vige aqui a ditadura do capital midiático,
devidamente articulado ao leque empresarial dos mais diversos segmentos, entre
os quais o rentismo. O Estado, desde a redemocratização, assiste passivo o
embotamento das opiniões. Vide Waaks, Mervais, Garcias, Cantanhedes e tantos e
tantos outros asseclas dos barões da mídia como ilustração cabal da ditadura
midiática.
Mas ainda há
tempo para reverter, ao menos parcialmente, esse quadro. A saída de Joaquim
Levy, a rearticulação política (Jaques Wagner e Ricardo Berzoini), vitórias
parciais no Supremo quanto ao rito do processo de impeachment, isolamento do
golpismo de Michel Temer, a divisão do PMDB, o enfraquecimento de Cunha, o
esgotamento midiático da Lava Jato (motivo pelo qual o suposto tríplex de Lula
ganha destaque) etc são fatos políticos que levam a crer que o golpismo será
derrotado. Mas, para além de barrar o impeachment – terminologia que intenta
legitimar o golpe, tal como os militares o fizeram com os “atos institucionais”
–, o que está em jogo é a democracia, os direitos sociais e trabalhistas, a
esquerda e, consequentemente, o Partido dos Trabalhadores e sua maior
liderança.
A tarefa
para este 2016 continua urgente: nas instituições, na política, nas ruas e nos
espaços (em sentido amplo) públicos, mas também no Governo Dilma: neste, como
se vem afirmando há tempos, o Ministério da Justiça – certamente com outro
ministro, com pulso e liderança – deve ocupar papel central para barrar o
golpismo, a começar pela Polícia Federal, cuja atuação deve se dar dentro dos
estritos marcos constitucionais e legais, diferentemente do que ocorre hoje.
Afinal, Sérgio Moro, Gilmar Mendes, setores da Polícia Federal e do Ministério
Público Federal, Grande Mídia, grupos de influência conservadores e setores do
capital ligados ao rentismo constituem quase que um “Estado dentro do Estado”.
Isso, por si só, coloca em xeque a própria ideia de democracia.
Muito além
do Governo Dilma, o que está em jogo – nunca é demais reiterar – é a democracia
política e social. Destituída Dilma e/ou destroçado o PT, o que nos espera é o
que se está observando tragicamente na Argentina, isto é, neoliberalismo
antissocial e privatizante, rentista, autoritário, subserviente às potencias
internacionais e tudo mais que constitui a direita raivosa.
Impedir que
a visão de mundo e as políticas dos Macris, Capriles e Aécios se tornem
dominantes – com ou sem eles – é, portanto, tarefa urgente!
Por fim, as
reformas do sistema político (representatividade dos partidos e fim da lógica
da coligação/coalizão, ao lado do já aprovado fim do financiamento privado) e
da mídia (“deslogopolização” e cumprimento dos artigos constitucionais), de um
lado, e o enfrentamento ao grandes poderes (rentismo, dívida pública,
agronegócio, reforma tributária que tribute os mais ricos etc), de outro, todo
negligenciados, são a ponta de lança da agenda progressista e de esquerda que
desde já deva ser gestada.
A ditadura
plutocrática, que é hoje um Estado paralelo, poderá ser o Estado oficial caso
democratas, progressistas e a esquerda não se unam em prol de uma agenda
democrática mínima. O que está em jogo não é pouco!
*prof. de
ciência política da FGV/Eaesp e PUC/SP
Fonte : http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FO-Brasil-e-um-pais-democratico-%2F4%2F35417
Fonte :
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