quarta-feira, 22 de abril de 2015

MINHA GUARANI

Cyro Marcos Silva
Hoje às 14:42






GUARANI, 25 DE MARÇO! Cem anos mais um. Hoje, dia de aniversário.

Antes que as primeiras letras da sua história começassem a ser cravadas na argila desse lugar, o que se sabe é que....

Era uma vez um rio, que deixava ver ao longe insinuantes contornos de suaves montanhas, rio vindo de um outro lugar, passando, cortando e dividindo um tanto de chão, a que resolveram dar o nome de Guarani.

E o rio lá ia, indiferente, cavando sempre mais fundo e engordando larguras, procurando algum outro rio ou mar pra desaguar, pois já nem caberia na tão pequena Guarani. Gente?

}Já tinha gente: ali veio um, mais um, já podia ter nome de povo...

 Enfim, mais história está contada por aí. Eis, portanto, um lugar em que nossos pais estavam.

E deu que ali viemos ao mundo. E o que é Guarani?

Um clima, um tempo, um lugar onde, desde seu próprio nascer, ali se nasce, se vive, se morre. Lugar de onde se parte, para onde se regressa, porém por lá uns ficam, vivendo na solidariedade em torno das festas maiores, nascimento, casamento e mortes do outros, sempre esfregando nas proximidades, lugar efervescente em torno de amores, de dissabores, das sempre constantes divertidas ou pérfidas fofocas, em torno de choros comungados, alegrias abraçadas, dia a dia muitas vezes monótono, procurando saber quando uma surpresa chegará, para depois melhor saborear a monotonia.

 Olhada lá, lá do alto, lá de muito alto,

 Guarani é um grão de areia perdido no planeta, se ainda visível se fizer. Olhando cá, dentro, o mais perto que puder, o mais encostado possível ao nariz,

Guarani é um mundão de marcas, de lembranças encobridoras investidas de bobos encantamentos, de grandes avalanches dos momentos de inaugurados amores, primeiras decepções, sabores de duras dores, esbranquiçadas fumaças de saudades.

Com o passar do tempo, nossos primeiros tempos já agora dando lugar aos penúltimos tempos, Guarani vai se tornando uma foto amarelada, esmaecida, pelos dedos que já pegaram no preto e branco, uma aposentada passagem de trens, de bailes e carnavais.

Guarani, no entanto, sempre se revive, sempre é suposta ser algum ponto de encontros para nós, nessa altura do campeonato, já bem desencontrados, ainda que encontros marcadamente faltosos.

Para essa senhora de 101 anos que nos dá , num soletrado nome próprio, G U A R A N I, nossa quase única e mínima referência comum, fica aqui escrita essa lembrança de aniversário. Em momentos como este, cabe orientar-se com a escritora francesa Marguerite Duras, que não achava muito importante perguntar: por que escrevo?

Ela, tomada pela escrita, só podia perguntar: por que e como não escrever?

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Numa democracia, quem manda é o povo — e não os juízes.


Por Mauro Santayana

Quando suas decisões afetam não apenas o réu e sua vítima, mas centenas, milhares de cidadãos, o promotor deve acusar e o juiz, julgar, com a mente e o coração voltados para o que ocorrerá, in consequentia.
Nos últimos anos, a nação tem tido, na área de obras públicas, bilhões de reais em prejuízo. E isso não apenas devido a falhas de gestão – que, com a exceção dos Tribunais de Contas, não devem ser analisadas pelo Judiciário – ou de casos de corrupção, alguns com mais de 20 anos.
Houve também a paralisação – a caneta – de grandes obras de infraestrutura. Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, em construção na Amazônia em um momento que o país precisa desesperadamente de energia, teve suas obras judicialmente suspensas por dezenas de vezes, o que também contribuiu para que se somassem meses, anos de atraso ao seu prazo de entrega; e também para a multiplicação de seus custos.
O mesmo ocorreu com Teles Pires e Santo Antônio, com a refinaria Abreu e Lima e com a transposição do São Francisco. Em todos esses empreendimentos foram encontrados problemas de algum tipo, mas justamente por isso, é preciso que o Ministério Público e o Judiciário busquem outro meio de sanar eventuais falhas e punir irregularidades, que não seja, a priori, a imediata paralisação das obras. Afinal, ainda é melhor obras com problemas, que podem ser eventualmente corrigidos, do que nenhum projeto ou iniciativa desse porte, em setores em que o país esteve praticamente abandonado durante tantos anos.
Uma das soluções, para se evitar esse tipo de atitude drástica, poderia ser a de que se nomeasse interventores que pudessem investigar irregularidades e fiscalizar, in loco, em cada obra, o cumprimento das determinações judiciais.
Declarações bombásticas e precipitadas também não ajudam, quando se trata de projetos essenciais para o desenvolvimento do país nos próximos anos.
No contexto da Operação Lava Jato, centenas de milhares de trabalhadores e milhares de empresas já estão perdendo seus empregos e arriscando-se a ir à falência, porque o Ministério Público, no lugar de separar o joio do trigo, com foco na punição dos corruptos e na recuperação do dinheiro – e de estancar a extensão das consequências negativas do assalto à Petrobras para o restante da população – age como se preferisse maximizá-las, anunciando, ainda antes do término das investigações em curso, a intenção de impor multas punitivas bilionárias às companhias envolvidas, da ordem de dez vezes o prejuízo efetivamente comprovado.
Outro aspecto a considerar é a interferência indevida, em esferas da administração pública que não são da competência do MP, como foi o pedido de paralisação, no mês passado, das obras de ciclovias que estão em execução pela prefeitura de São Paulo.
Não cabe ao Ministério Público, em princípio, julgar, tecnicamente, questões viárias. E menos ainda, limitar o debate e a busca de consenso, em âmbito que envolve a qualidade de vida de metrópoles como a capital paulista, uma das maiores do mundo.
A não ser que haja uma mudança constitucional que faça com que venham a ser escolhidos por meio das urnas – e mesmo que viesse a ocorrer isso – é preciso que o Ministério Público e o Judiciário tenham especial cuidado para que alguns de seus membros não passem a acreditar – e a agir – como se tivessem, com base na meritocracia, sido ungidos por Deus para tutelar os outros poderes, e, principalmente, o povo.
Aos juízes e ao Ministério Público não cabe interferir, de moto próprio, nem tentar substituir o Legislativo ou o Executivo, na administração da União, dos Estados e municípios, que devem recorrer ao Supremo Tribunal Federal sempre que isso ocorra, assim como cabe ao STF coibir, com base na Constituição, esses eventuais excessos.
Em uma democracia, todo o poder emana do povo.
É ele que comanda. É ele que, em última instância, executa. É ele que, indiretamente, legisla. É ele que, a cada dois anos, julga, por meio do processo eleitoral, segundo o rito político. A sua sentença é o voto.
O eleitor é o Estado. E o juiz supremo