Como adoram copiar tudo que vem dos Estados Unidos
(sobretudo de Miami), a direita brasileira também macaqueou o discurso boboca
do Tea Party para combater o socialismo. É incrível constatar que são as mesmas
balelas aqui e lá –inclusive a tentativa de amedrontar a população contra o
comunismo. Coisa de quem prefere repetir estultices sem raciocinar do que ler e
se informar.
O jornalista norte-americano Jesse Myerson, colaborador da
Rolling Stone e assumidamente socialista (sim, também existem muitos na terra
do tio Sam), publicou este texto no blog da revista Salon para tentar
transmitir às pessoas noções básicas sobre o que o comunismo é e não é. E
também para mostrar que o capitalismo que a direita tanto gaba como
“libertário”, não é tão libertário assim. Myerson foi um dos líderes do Occupy
Wall Street em 2011, atuando como coordenador de mídia do movimento.
Eu traduzi e adaptei o texto ao português. Nos campos em
vermelho, há links clicáveis. Divirtam-se.
Por que você está equivocado sobre o comunismo: 7 grandes
erros que as pessoas cometem sobre ele –e sobre o capitalismo
Por Jesse Myerson, na Salon
1. Somente as economias comunistas se apoiam em violência de
Estado.
Obviamente, nenhum ricaço quer abrir mão de parte de sua
fortuna, e qualquer tentativa de obter justiça econômica (como os impostos
sobre grandes fortunas) sofrerá uma oposição ferrenha das classes mais altas.
Mas a violência estatal (como a tributação) é inerente a todo conjunto de
direitos sobre a propriedade que um governo pode adotar –inclusive aqueles que
permitiram ao hipotético barão amealhar sua fortuna.
No capitalismo, as reivindicações de propriedade autorizam o
Estado a usar a violência para excluir todos, menos um reclamante. Se eu
reivindico a mansão de alguém, por mais libertário que seja, ele vai recorrer
ao governo e às suas armas para me colocar no devido lugar. Ele possui aquela
mansão porque o Estado diz que possui e tentará prender qualquer um que
discorde. Se não houver um Estado, quem tem o poder mais violento determina
quem possui as coisas, seja a máfia ou um bando de cowboys no velho Oeste. Seja
por vigilantes ou pelo Estado, os direitos de propriedade se apoiam em
violência.
Isto é verdadeiro para objetos pessoais e para a propriedade
privada, mas é importante não confundi-los. Propriedade implica em ter um
título. Quando marxistas falam em propriedade coletiva de terras ou meios de
produção, estamos no campo das propriedades; quando apresentadores da Fox falam
em confiscar minha gravata, estamos no campo dos objetos pessoais. O comunismo
necessariamente distribui a propriedade universalmente, mas não quer tomar seu
smartphone, falou?
2. As economias capitalistas são baseadas em livre comércio.
O oposto do mito do “comunismo opressivo” é o “capitalismo
libertador”. A ideia de que todos estamos fazendo escolhas livres todo o tempo
é claramente desmentida pela experiência de centenas de milhões de pessoas. A
maioria de nós nos encontramos atrelados às pressões da competição. Estamos
estressados, exaustos, sozinhos, em busca de significado para a vida –como se
não estivéssemos no controle dela.
E não estamos; o mercado está. Se você não concorda, tente
deixar “o mercado”. A origem do capitalismo foi tirar de camponeses britânicos
o acesso à terra e com isso seus meios de subsistência, fazendo-os dependentes
do mercado para sobreviver. Uma vez sem propriedades, eles eram forçados a
tomar o rumo da sujeira, bebida e doenças das cidades rodeadas de miséria para
vender a única coisa que tinham –sua capacidade de usar cérebros e músculos
para trabalhar –ou morrer. Como eles, a maioria das pessoas hoje é privada dos
recursos que necessitam para prosperar, apesar de eles existirem em abundância,
e é forçada a trabalhar para um chefe que está tentando ficar rico nos pagando
menos e nos fazendo trabalhar mais.
Mas mesmo este chefe (o aparente vencedor no “livre
mercado”) não é livre: o mercado impõe à classe proprietária o imperativo de
acumular riqueza incansavelmente ou então fracassar. Os capitalistas são
compelidos a apoiar regimes opressores e a arruinar o planeta por uma questão
de negócios.
O tipo particular de capitalismo dos EUA demandou exterminar
todo um continente de povos indígenas e escravizar milhões de africanos
sequestrados. E toda a indústria capitalista só foi possível porque mulheres
brancas, consideradas propriedades de seus pais e maridos, estiveram dedicadas
ao papel invisível de criar filhos e arrumar a casa sem remuneração. Três
brindes ao livre comércio.
3. O comunismo matou 110 milhões* de pessoas por resistir ao
fim da propriedade privada.
*Este número é um total chute
Greg Gutfeld, um dos apresentadores da Fox News,
recentemente disse que “somente a ameaça de morte pode sustentar o sonho de
esquerda, porque ninguém em sã consciência se alistaria voluntariamente em uma
porcaria dessas. Portanto, 110 milhões de mortos”. Ao dizer isso, Gutfeld e sua laia insultam o
sofrimento de milhões de pessoas que morreram sob Stalin, Mao e outros
ditadores comunistas do século 20. Pegar um número grande de mortos e atribuir
suas mortes a algum abstrato “comunismo” não é uma maneira de mostrar
preocupação humanista com vítimas de atentados aos direitos humanos.
Uma grande parcela das pessoas que morreram sob o comunismo
soviético não eram os kulaks (camponeses ricos) com quem a direita quer se
preocupar, mas eram, eles mesmos, comunistas. Stalin, na sua crueldade
paranoica, não somente executou líderes revolucionários russos, mas também
exterminou partidos comunistas inteiros. Estas pessoas não estavam resistindo a
ter sua propriedade coletivizada; eles estavam comprometidos com a
coletivização de propriedades. Também é bom lembrar que os soviéticos tiveram
que lutar uma guerra revolucionária –contra, entre outros, os EUA– que, como a
revolução americana mostra, não se consiste majoritariamente em abraços
grupais. Eles também enfrentaram (e historicamente derrotaram) os nazistas, que
não estavam do outro lado do oceano, mas bem à sua porta.
Chega de URSS. O episódio mais horrível no comunismo oficial
do século 20 foi a Grande Fome Chinesa, cujas mortes são difíceis de precisar,
mas certamente foram dezenas de milhões. Muitos fatores evidentemente
contribuíram para esta atrocidade, mas o principal foi o “Grande Salto Adiante”
de Mao, uma combinação desastrosa de pseudociência aplicada e perseguição
política pensada para transformar a China em uma superpotência industrial num
piscar de olhos. Os resultados da experiência foram extremamente cruéis, mas
dizer que as vítimas morreram porque, em são consciência, não quiseram ser
voluntários de um “sonho de esquerda” é ridículo. A fome não é um problema
unicamente da esquerda.
4. Governos capitalistas não cometem atentados aos direitos
humanos.
Seja qual for a avaliação dos crimes cometidos pelos líderes
comunistas, não é esperto por parte dos fãs do capitalismo brincar de contar
corpos, porque se pessoas como eu têm de explicar os gulags e a Campanha das
Quatro Pragas, eles precisam explicar o comércio de escravos, o extermínio
indígena, os holocaustos do fim da era vitoriana e toda guerra, genocídio e
massacres promovidos pelos EUA no esforço de combater o comunismo. Já que os
pró-capitalistas se preocupam tão profundamente com o sofrimento das massas
russas e chinesas, talvez queiram explicar os milhões de mortes resultantes da
transição destes países ao capitalismo.
Deveria ser fácil perceber que o capitalismo, que glorifica
o rápido crescimento em meio à competição cruel, iria produzir grandes atos de
violência e privação, mas de alguma forma seus defensores estão convencidos de
que ele é sempre, e em toda parte, uma força impulsionadora da justiça e da
liberdade. Deixe-os convencer as dezenas de milhões de pessoas que morrem de
desnutrição todo ano porque o livre mercado é incapaz de solucionar uma
situação em que metade da comida do mundo é jogada fora.
As 100 milhões de mortes que talvez sejam mais importantes
de enfocar agora são aquelas que a organização de direitos humanos DARA projeta
que irão ocorrer por causa do clima entre 2012 e 2030. Outras 100 milhões de
pessoas mais irão se seguir a estas e não vão levar 18 anos para morrer. Fome
como a espécie humana nunca viu está nos rondando, porque o livre mercado não
regula o carbono e as empresas capitalistas de petróleo, desde o colapso da
URSS, se tornaram soberanas. Os mais virulentos anti-comunistas têm uma forma
muito útil, embora moralmente vergonhosa, de tratar esse evento de extinção em
massa: eles negam que esteja acontecendo.
5. O comunismo americano do século 21 iria se assemelhar aos
horrores soviéticos e chineses.
Antes de suas revoluções, a Rússia e a China eram sociedades
agrícolas pré-industriais, com maioria analfabeta, e cujas massas eram
camponeses espalhados sobre enormes vastidões de terra. Nos EUA de hoje, robôs
fazem robôs, e menos de 2% da população trabalha na agricultura. Estes dois
estados de coisas são enormemente díspares. A mera evocação do passado não tem
valor como argumento sobre o futuro da economia americana.
Para mim, comunismo é uma aspiração, não algo imediatamente
conquistável. Isto, como a democracia e o libertarianismo, é utópico porque
envolve um ideal, neste caso a não-propriedade de tudo e o tratamento de tudo
–incluindo cultura, tempo das pessoas, o mero ato de cuidar, e coisas assim– de
forma digna e intrinsecamente valorizada em vez de tratado como mercadorias que
podem ser postas à venda. Etapas para esta condição não necessariamente incluem
algo tão assustador quanto a completa e imediata abolição dos mercados (afinal,
os mercados antecedem o capitalismo em vários milênios e comunistas adoram um
bom mercado direto do produtor). Pelo contrário, eu defendo que podem até
incluir reformas com o apoio obtido entre partidos divergentes ideologicamente.
Dados os avanços tecnológicos, materiais e sociais do último
século, nós podemos esperar uma aproximação ao comunismo, aqui e agora, muito
mais aberta, humana, democrática, participativa e igualitária do que as
tentativas da Rússia e da China. Acho até que seria mais fácil atualmente do
que antes construir o conjunto de relações sociais baseado em companheirismo e
ajuda mútua (à diferença do capitalismo, que se caracteriza por competição e
exclusão) que seria necessário para permitir o eventual “definhamento do
Estado” que os libertários fetichizam, mas sem reproduzir a Idade Média (só que
desta vez com drones e metadados).
6. O comunismo promove a uniformização.
Aparentemente, um monte de gente é incapaz de distinguir
igualdade de homogeneidade. Talvez isso derive da tendência das pessoas em
sociedades capitalistas de se enxergar primordialmente como consumidores: a
fantasia distópica é um supermercado onde uma marca de comida fabricada pelo
Estado está em todos os itens, e todos eles possuem embalagens vermelhas e
letras amarelas.
Mas as pessoas fazem muito mais do que consumir. Uma coisa
que fazemos enormemente é trabalhar (ou, para milhões de americanos
desempregados, tentar e não conseguir). O comunismo prevê um tempo além do
trabalho onde as pessoas são livres, como escreveu Marx, “para fazer uma coisa
hoje e outra amanhã, caçar de manhã, pescar à tarde, cuidar do gado à noitinha,
criticar depois do jantar… Sem nunca se tornar caçador, pescador pastor ou
crítico”. Deste modo, o comunismo é
baseado no oposto da uniformização: uma diversidade enorme não só entre as
pessoas, mas até na “ocupação” de uma única pessoa.
Muitos grandes artistas e escritores que foram marxistas
sugerem que a produção de cultura em uma sociedade como essa poderia alimentar
uma tremenda individualidade e oferecer formas de expressão superiores. Estes
artistas e escritores pensavam o comunismo como “uma associação em que o livre
desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”,
mas você pode querer considerá-lo como uma instância real do acesso universal à
vida, à liberdade e à busca da felicidade.
Você nem vai ligar para os pacotes vermelhos com letras
amarelas!
7. O capitalismo promove a individualidade.
Em vez de permitir a todas as pessoas seguir seu espírito
empreendedor em busca de desafios que os realizem, o capitalismo aplaude o
pequeno número de empresários que conquistam largas fatias dos mercados de
massa. Isto requer produzir coisas em escala, o que induz a uma dupla
uniformização da sociedade: toneladas e toneladas de pessoas que compram os
mesmos produtos e toneladas e toneladas de pessoas que fazem o mesmo trabalho.
Uma individualidade que viceja dentro deste sistema é muitas vezes extremamente
superficial.
Você já viu os condomínios que se constroem no país? Viu os
cubículos cinza, banhados em luz fluorescente, em prédios de escritório tão
semelhantes entre si que deixam a gente desorientado? Já viram as lojinhas e as
áreas de serviço e os seriados da TV? A possibilidade de adquirir produtos de
firmas capitalistas concorrentes não produziu uma sociedade interessante e
variada.
Em realidade, a maior parte da arte aparecida sob o
capitalismo veio de gente que foi oprimida e marginalizada (exemplos: blues,
jazz, rock & roll e hip-hop). E então, graças ao capitalismo, é
homogeneizada, comercializada e explorada em todo o seu valor por
“empreendedores” sentados no topo da pilha, acariciando a pança e admirando a
si mesmos por fazer todos abaixo deles acreditarem que somos livres.
Por Cynara MenezesEm CAMARADAS
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