domingo, 6 de dezembro de 2015

O idoso

O idoso e o direito de morar sozinho


Outro dia, recebi um email que dizia assim: “Gostaria de saber qual é a idade permitida para uma senhora morar sozinha – sem acompanhante - tendo uma ótima saúde”. Primeiro, achei engraçado uma pergunta dessas. Mas depois relendo, percebi que a dúvida era real e me espantei. Ainda hoje muita gente pensa que existe limite para o exercício da capacidade civil, da autonomia de vontade.
Vamos esclarecer de uma vez por todas, no Brasil a capacidade civil começa aos 18 anos completos e não termina com idade alguma. O que determina esta capacidade é a lucidez, ou seja, uma pessoa pode ser lúcida aos 95 anos enquanto outra pode ser considerada incapaz aos 30 anos. Vale dizer: a incapacidade não é uma consequência do envelhecimento. A incapacidade civil, que gera o processo de interdição e consequente nomeação de um curador (para adultos) ou tutor (para crianças), pode surgir em qualquer fase da vida em decorrência de uma doença degenerativa, de um acidente ou de uma dependência química por exemplo.

Voltando a pergunta: não existe limite de idade para morar sozinho, ou melhor, para viver sozinho. A escolha deve ser do idoso e de ninguém mais. Mesmo que a decisão traga desconforto para os familiares e amigos, a decisão deve ser respeitada. O importante é fornecer subsídios para que o idoso faça uma escolha consciente, levando em conta sua liberdade, sua saúde, seu conformo e principalmente sua autonomia. E vale ressaltar, o fato do idoso morar sozinho não impede que a família lhe ofereça ajuda, se necessário.

Não obstante o auxílio prestado pela família em casos emergentes, cresce realmente a proporção de idosos vivendo sozinhos, tanto homens quanto mulheres, conforme comprovam o Relatório Nacional Brasileiro sobre o Envelhecimento da População Brasileira divulgado pelo IBGE.

Viver só representa, para os idosos, uma forma inovadora e bem-sucedida de envelhecimento, o que vai de encontro à imagem estereotipada de abandono, descaso ou solidão. Viver só pode ser uma situação temporária do ciclo de vida, mas pode também refletir uma opção pessoal, um exercício de vontade. Na verdade, a proximidade física ou geográfica, nem sempre pode ser traduzida por uma maior frequência de contato ou afetividade. Porém, o que acontece muitas vezes é que a família conta com os rendimentos do idoso para se sustentar e por isso vai morar com ele ou o leva para perto. Nas duas atitudes é preciso se preocupar com a vida, o objeto e o espaço físico do idoso, pois todos estes elementos constituem sua memória de vida e não devem ser descartados ou desqualificados.

Enfim o mais importante é garantir o direito de escolha do idoso. Ele deve ser motivado e orientado a decidir sobre sua vida, sua moradia, seus amigos e seus bens. À família cabe apenas o apoio. A família não deve expropriar o idoso de suas decisões, mesmo que seja sob o argumento de protegê-lo. O idoso deve continuar fazendo suas próprias escolhas e ninguém deve ser impedido de gerir sua própria  vida senão depois de exaustivamente demonstrada sua incapacidade em um processo legal chamado de interdição judicial. Somente através deste processo, que conta com perícia médica e psicológica, alguém pode ser considerado incapaz de coordenar sua própria vida.


*Pérola Melissa Vianna Braga é advogada, autora do livro Direitos do Idoso – (Quartier Latin-2005), mestre em Direito Civil pela PUC/SP, conferencista sobre Direitos do Idoso, professora universitária e Editora deste site.

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