O idoso e o direito de morar
sozinho
Outro dia, recebi um email que
dizia assim: “Gostaria de saber qual é a idade permitida para uma senhora morar
sozinha – sem acompanhante - tendo uma ótima saúde”. Primeiro, achei engraçado uma
pergunta dessas. Mas depois relendo, percebi que a dúvida era real e me
espantei. Ainda hoje muita gente pensa que existe limite para o exercício da
capacidade civil, da autonomia de vontade.
Vamos esclarecer de uma vez por
todas, no Brasil a capacidade civil começa aos 18 anos completos e não termina
com idade alguma. O que determina esta capacidade é a lucidez, ou seja, uma
pessoa pode ser lúcida aos 95 anos enquanto outra pode ser considerada incapaz
aos 30 anos. Vale dizer: a incapacidade não é uma consequência do
envelhecimento. A incapacidade civil, que gera o processo de interdição e consequente
nomeação de um curador (para adultos) ou tutor (para crianças), pode surgir em
qualquer fase da vida em decorrência de uma doença degenerativa, de um acidente
ou de uma dependência química por exemplo.
Voltando a pergunta: não existe
limite de idade para morar sozinho, ou melhor, para viver sozinho. A escolha
deve ser do idoso e de ninguém mais. Mesmo que a decisão traga desconforto para
os familiares e amigos, a decisão deve ser respeitada. O importante é fornecer
subsídios para que o idoso faça uma escolha consciente, levando em conta sua
liberdade, sua saúde, seu conformo e principalmente sua autonomia. E vale
ressaltar, o fato do idoso morar sozinho não impede que a família lhe ofereça
ajuda, se necessário.
Não obstante o auxílio prestado
pela família em casos emergentes, cresce realmente a proporção de idosos
vivendo sozinhos, tanto homens quanto mulheres, conforme comprovam o Relatório Nacional
Brasileiro sobre o Envelhecimento da População Brasileira divulgado pelo IBGE.
Viver só representa, para os
idosos, uma forma inovadora e bem-sucedida de envelhecimento, o que vai de
encontro à imagem estereotipada de abandono, descaso ou solidão. Viver só pode
ser uma situação temporária do ciclo de vida, mas pode também refletir uma opção
pessoal, um exercício de vontade. Na verdade, a proximidade física ou
geográfica, nem sempre pode ser traduzida por uma maior frequência de contato
ou afetividade. Porém, o que acontece muitas vezes é que a família conta com os
rendimentos do idoso para se sustentar e por isso vai morar com ele ou o leva
para perto. Nas duas atitudes é preciso se preocupar com a vida, o objeto e o
espaço físico do idoso, pois todos estes elementos constituem sua memória de
vida e não devem ser descartados ou desqualificados.
Enfim o mais importante é
garantir o direito de escolha do idoso. Ele deve ser motivado e orientado a
decidir sobre sua vida, sua moradia, seus amigos e seus bens. À família cabe
apenas o apoio. A família não deve expropriar o idoso de suas decisões, mesmo
que seja sob o argumento de protegê-lo. O idoso deve continuar fazendo suas próprias
escolhas e ninguém deve ser impedido de gerir sua própria vida senão depois de exaustivamente
demonstrada sua incapacidade em um processo legal chamado de interdição
judicial. Somente através deste processo, que conta com perícia médica e
psicológica, alguém pode ser considerado incapaz de coordenar sua própria vida.
*Pérola Melissa Vianna Braga é
advogada, autora do livro Direitos do Idoso – (Quartier Latin-2005), mestre em
Direito Civil pela PUC/SP, conferencista sobre Direitos do Idoso, professora
universitária e Editora deste site.
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