Fim da Nova República terá brutalização da espoliação e Estado tutelado pelas Forças Armadas.
Por
Vladimir Safatle –
Talvez
a formulação mais precisa a respeito do sentido da prisão do ex-presidente
Lula, ocorrida na semana passada, tenha sido fornecida pelo filósofo Renato
Lessa: “impeachment preventivo”.
Dentro
do horizonte de radicalização da brutalidade das relações de classe pela qual
passa atualmente o Brasil, não há mais espaço para pactos e compromissos. Lula
foi a encarnação mais bem acabada dos pactos nacionais. Sua prisão é uma forma
dos operadores tradicionais dizerem que esta era definitivamente acabou.
Por
mais que esse sistema de pactos que imperou na Nova República tenha sido
responsável por preservar uma democracia de fachada com sua violência armada
contra setores desfavorecidos da população, é inegável que ela conseguiu frear,
por um momento, os arroubos mais fortes do neoliberalismo.
O
Brasil é um país que chegou a 2018 como uma espécie de capitalismo de Estado no
qual, por exemplo, 2 dos 4 principais bancos são públicos, assim como as duas
maiores empresas nacionais (Petrobras e BR distribuidora).
Suas
universidades públicas são completamente gratuitas, seu sistema de saúde
público (embora problemático) é universal para uma população de 209 milhões.
Tudo isso está completamente fora da cartilha neoliberal reinante.
Mas
para avançar no choque de acumulação primitiva e de concentração de renda seria
necessário impor o aumento exponencial e a generalização completa da violência
de Estado, isso em um país no qual esta já era responsável por uma política
contínua de desaparecimento, tortura e simples execução.
Como
fazer isso não produzindo deliberadamente o caos, ou seja, dando a impressão de
que nenhuma resposta política seria mais possível, sendo necessário apelar à
força? Mas produzir o caos significava eliminar todos os atores políticos
críveis, assim como impedir que novos sujeitos políticos aparecessem.
Dentro
dessa estratégia, a Operação Lava Jato teve um papel central. Desde que o juiz
Sergio Moro decidiu por divulgar em cadeia nacional os grampos de conversa
entre Dilma e Lula, a fim de impedir sua posse como ministro, ele transformara
uma operação importante de combate à corrupção em modo de intervenção política.
Sua
caçada a Lula foi construída a partir do calendário político do país, seus
passos foram claramente calculados para impedir um grupo político de atuar. Ou
seja, sua operação foi uma farsa por estar politicamente comprometida e
interessada.
Seus
resultados concretos no que diz respeito a combate contra a corrupção são
inexistentes. Ao contrário, o Brasil caiu 17 posições no Índice de Percepção da
Corrupção (IPC) nos últimos dois anos.
Nosso
governo atual é explicitamente mais corrompido do que o anterior sem que nada
possa pará-lo.
Sem
contar que a Lava Jato normalizou práticas impensáveis até mesmo em uma
democracia liberal, como grampear telefones de advogados de um acusado.
O
resultado não poderia ser diferente do alcançado por seu congênere italiano, a
Operação Mãos Limpas: entregar o país para um grupo ainda mais corrompido e
“apolítico” (no caso, Berlusconi).
No
entanto, há uma especificidade brasileira. Dentro desse cenário de caos, as
Forças Armadas sentem-se completamente à vontade para retornar seu protagonismo
e se impor ao país como verdadeiro poder.
Este
será o saldo do fim da Nova República: brutalização da espoliação e Estado
tutelado pelas Forças Armadas.
Nesse
horizonte, espero que as forças progressistas lembrem do destino de Lula.
Aquele
que melhor encarnava as dinâmicas de negociação entre classes da Nova República
terminou na cadeia.
Aquele
que acreditou que os processos de transformação poderiam ser garantidos por
meio de um reformismo gradual e seguro foi simplesmente jogado na cadeia na
primeira oportunidade, independente do caos que isso possa gerar.
Esta
é uma aula sobre o que de fato é o Brasil.
*Filósofo,
é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP (Universidade de
São Paulo).
Fonte : Folha de São Paulo
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