segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A revolução não será televisionada


A revolução não será televisionada

Matthew Shirts - O Estado de S.Paulo

Em 1970, Gil Scott-Heron lançou uma música que marcou minha geração. Chama-se The Revolution Will not Be Televised ou, em tradução, "A revolução não será televisionada". Na época eu tinha 12 anos, tal como meus amigos, e vivia na Califórnia. Éramos fascinados pelo mundo transgressor do rock-n"-roll, dos hippies, dos escritores amalucados como Hunter S. Thompson. Já conhecíamos os Rolling Stones, Bob Dylan, Beatles, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Grace Slick. Mas essa música, de Gil Scott-Heron, era especial. Repetia o refrão em uma fala cadenciada, parecida com as do rap, que não existia. A toda hora, repetidas vezes, éramos informados de que não seria televisionada a revolução. O refrão era este: "A revolução não será televisionada".


Falava de "a revolução" como se fosse um evento já organizado, aguardando apenas o momento de acontecer. E prometia muita confusão. Aos 12 anos, não desfrutávamos um conceito nuançado de mudanças políticas abruptas. Mas a expectativa era grande. Se a revolução fosse parecida com a americana, de 1776, que conhecíamos das aulas na escola, seria movimentada e, no fim, as forças do bem venceriam. Já éramos, àquela altura, viciados em utopias e finais felizes.

Outro ponto que chamava nossa atenção era o fato de que a revolução não iria passar na TV. Como assim? "Nem no jornal, à noite?", pensava eu. A música de Scott-Heron fazia ainda, como não bastasse, referências aos nossos seriados favoritos, programas de televisão como A Família Buscapé e O Fazendeiro do Asfalto. Dizia que iriam perder sua relevância.

Para dizer a verdade, a letra da música ia um pouco além de nossa capacidade de compreensão, desconfio. Mas ficou o refrão para a vida toda. Entre as coisas que eu sempre soube, tal como o nome dos melhores jogadores de beisebol e basquete, era o fato de que a revolução, quando chegasse, não seria televisionada.

Lembrei de Gil Scott-Heron na semana passada, ao acompanhar os eventos políticos surpreendentes do Egito, da Tunísia e da Líbia, pelo Twitter. Para quem não sabe, twitter é um programa de computador que organiza mensagens enviadas pela internet ao seu computador ou telefone, espécie de um email turbinado e mais público.

As informações vêm de toda parte, de tuiteiros no Egito, na Tunísia, no Rio de Janeiro e em Rio Preto, no interior de São Paulo, dos correspondentes do jornal The New York Times, do Guardian, inglês, da BBC, da TV Al-Jazira, da National Geographic e do Estadão. As notícias tendem a ser recentes, quentes. É muito rápido tudo. Através do Twitter venho acompanhado, fascinado, como uma revolução no Oriente Médio vai levando a outra. As novidades chegam por meio de endereços eletrônicos, links de reportagens nos jornais, na TV, sites, blogs e mesmo de pessoas físicas. Tunísia, Egito, Bahrein, Líbia. Qual será a próxima?

Ao fazer meu pedestrianismo na Avenida Sumaré, quinta-feira passada, perguntei ao professor Antônio Pedro Tota o que ele achava dos acontecimentos políticos recentes nos países árabes. Levantei a hipótese de que essas revoluções eram, em parte, um fruto doce da globalização. O contato estreitado com a Europa, com o Brasil, com o resto do mundo, enfim, faz com que os cidadãos dos países em revolta queiram se livrar de estruturas e políticos atávicos. Buscam a democracia e a felicidade, tal como há em outras partes. Deve ser por isso, refleti, que a primeira reação de nove entre dez ditadores aos movimentos contestatórios é tentar cortar o acesso à internet. Mas não adianta. O mundo assiste aos acontecimentos.

O professor concordou comigo quanto à influência da globalização. Mas fez questão de acrescentar que ela não fazia mais do que desmontar o poder de alguns dos últimos remanescentes da Guerra Fria. (Historiador tende a pensar nesses termos, em grandes mudanças através do tempo). Muitos dos ditadores da região recebiam apoio do Ocidente, notou. A mim me pareciam certeiros os comentários do professor, pensei, ao passar em frente da sorvetaria Sotto Zero.

Mas Gil Scoot-Heron estava errado. A revolução será televisionada. E tuitada. E colocada em toda a internet. Inclusive no Facebook.




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